DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 14 de junho de 2019, A..., LDA., NIPC..., com sede na ..., ..., ..., Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, alterado pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019...; e
- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., datada de 17.01.2019, referente ao exercício de 2014.
A Requerente juntou 11 (onze) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:
A Requerente tem um período especial de tributação, com início a 1 de fevereiro.
No âmbito da liquidação adicional de IRC controvertida, à matéria coletável apurada, no valor de € 2.008.154,53, foi aplicada, por definição do sistema informático da AT, a taxa de IRC de 23%, por referência à proporção da matéria coletável afeta ao Continente e à Região Autónoma da Madeira e de 18,40% para a proporção afeta à Região Autónoma dos Açores; da aplicação das referidas taxas resultou uma coleta de IRC no valor de € 460.951,77 e um valor de derrama estadual a pagar de € 155.815,45. Após a dedução do valor total de benefícios fiscais, do pagamento especial por conta, dos pagamentos por conta e adicionais por conta, bem como do acréscimo do valor devido a título de derrama municipal e tributação autónoma, foi apurado o valor a reembolsar de € 3.090,61.
Acontece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (LOE 2015), por via do respetivo artigo 192.º, o n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC passou a estipular que “A taxa do IRC é de 21%, exceto nos casos previstos nos números seguintes”; ao abrigo do n.º 1 do respetivo artigo 261.º, aquele diploma legal entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015. Assim, na falta de disposição transitória em sentido contrário, no dia 1 de janeiro de 2015, a taxa de IRC em vigor era de 21% e já não de 23%.
Tendo em consideração que o período de tributação de 2014 da Requerente terminou em 31 de janeiro de 2015, deverá considerar-se aplicável relativamente à matéria coletável apurada no período de tributação de 2014, a taxa de IRC de 21%, por via da aplicação conjugada do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC (na redação então em vigor) com o n.º 9 do artigo 8.º do mesmo Código.
Assim, a Requerente viu-se confrontada com a aplicação de uma taxa de IRC superior à legalmente prevista à data do facto gerador do imposto, para o período de tributação de 2014; e, consequentemente, com o apuramento de um valor de IRC a reembolsar inferior ao devido.
Considerando a Requerente que lhe assiste o direito ao reembolso de um valor efetivamente superior ao que foi efetuado, apresentou um pedido de revisão oficiosa, com vista à sindicância da mencionada liquidação adicional de IRC, o qual foi objeto de decisão de indeferimento.
A Requerente entende que se o legislador não estabeleceu qualquer norma transitória, aquando da sobredita alteração de taxa de IRC, foi porque não o quis fazer, pretendendo a aplicação da nova taxa de IRC de 21% a todos os períodos de tributação iniciados em 1 de janeiro de 2015, após essa data ou até mesmo em curso em 1 de janeiro de 2015.
Nessa conformidade, tendo o período de tributação da Requerente, relativo ao exercício de 2014, terminado apenas no dia 31 de janeiro de 2015, necessariamente terá que se considerar essa data como o momento do facto gerador do imposto (IRC); assim, tendo o facto gerador do IRC devido relativamente ao período de tributação de 2014 ocorrido já após a entrada em vigor da LOE 2015, forçosamente terá que se considerar o mesmo abrangido pelo âmbito de aplicação das normas aí previstas e, logo, pela aplicação de uma taxa de IRC, ao período de 2014, de 21%. Para que assim não fosse, teria que ser introduzida uma disposição transitória que garantisse a aplicação da taxa de IRC de 21% apenas aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra em ou após 1 de janeiro de 2015; à semelhança do que aconteceu com anteriores alterações legislativas, em que o legislador não só alterou a taxa de IRC aplicável, como introduziu normas transitórias nesse sentido.
Uma vez demonstrada a ilegalidade resultante da aplicação de uma taxa de IRC superior à legalmente prevista, deve o montante total da coleta de IRC devida pela Requerente, com referência ao período de tributação de 2014, ser corrigido do valor de € 460.951,77 para o valor de € 420.869,03, em resultado da aplicação das taxas corretas à matéria coletável apurada pela Requerente, no valor de € 2.008.154,53; concomitantemente, deve o valor anteriormente reembolsado de € 3.090,61 ser corrigido para o valor a reembolsar de € 15.115,42 e, por via disso, ser a Requerente reembolsada pelo montante de imposto em falta, no valor de € 12.024,80.
Em virtude da correção da taxa de IRC aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, de 23% para 21% e, por via disso, da alteração da coleta total apurada de € 616.767,22 para o valor de € 576.684,48, verifica-se que o valor dos benefícios fiscais deduzidos à coleta (concretamente, de CFEI apurado pela Requerente) deverá ser corrigido em conformidade, passando de € 431.737,07 para € 403.679,14, uma vez que o valor a deduzir não pode exceder o montante correspondente a 70% do valor da coleta total. Considerando-se, assim, como saldo reportável para o exercício de 2015, o valor global de € 158.863,61, correspondente à soma do CFEI anteriormente reportável - € 130.805,68 – e do valor do CFEI que passou a estar disponível para reporte e dedução em períodos de tributação seguintes, fruto da alteração da taxa de IRC aplicável - € 28.057,93; deste modo, deve o valor de benefícios fiscais suscetíveis de dedução à coleta no período de tributação de 2015 da Requerente ser corrigido em conformidade, passando de € 130.805,68 para € 158.863,61. Mais devem ser efetuadas as devidas correções ao apuramento do IRC a liquidar ou a reembolsar nos períodos de tributação de 2015 e seguintes, conforme aplicável.
A finalizar, a Requerente afirma que, resultando demonstrada a ilegalidade subjacente à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, bem como à liquidação adicional de IRC controvertida, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, assim como das regras de aplicação da lei no tempo previstas no n.º 1 do artigo 12.º da LGT em conjugação com o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, por erro imputável aos serviços, deverá haver lugar não só ao reembolso do montante ilegalmente liquidado, como ao pagamento de juros indemnizatórios devidos até ao reembolso integral do montante ilegalmente liquidado, por vício de violação de lei.
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 25 de junho de 2019.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 07 de agosto de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28 de agosto de 2019.
5. No dia 02 de outubro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por exceção e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência da invocada exceção e, no mais, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
A Requerida começa por salientar que, neste processo arbitral não são sindicadas as correções levadas a cabo pelos SIT, mas, apenas e tão só, a alegada ilegalidade da aplicação, no procedimento de liquidação, da taxa de 23%; deste modo, a eventual procedência do pedido de pronúncia arbitral apenas pode conduzir à reformulação da liquidação, com uma taxa distinta, mantendo as correções resultantes do procedimento inspetivo.
Por exceção, atento o pedido formulado pela Requerente no sentido de ser reconhecido o direito ao reembolso, a Requerida argui a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral por não só o processo arbitral não ser o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não poder ser determinada neste momento. Com efeito, o Tribunal Arbitral, caso venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução do julgado, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral; porquanto, o modo como se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados.
A incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação da referida parte do pedido consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conduz à absolvição da instância quanto à pretensão em causa.
Por impugnação, diz a Requerida que não estando as taxas de imposto a aplicar previstas nas normas de incidência, são, ainda assim, um elemento essencial da relação jurídico-tributária, não se confundindo com a obrigação tributária, a qual se define no início do período de tributação, quando este não coincide com o ano civil, inexistindo neste caso qualquer controvérsia.
Assim, a obrigação tributária que nasce depois da aprovação e publicação da LOE 2015, isto é, o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2015; questão diferente é a do facto gerador do imposto (IRC) se considerar verificado no último dia do período de tributação, que pode ou não coincidir com o ano civil. O facto gerador do imposto é complexo e de formação sucessiva ao longo de um ano; deste modo, definida que esteja a incidência objetiva e subjetiva do imposto, o facto gerador não se confunde nem com a determinação da matéria coletável, nem com a taxa aplicável, as quais têm a sua própria autonomia concetual, concretizando-se em momentos diferentes.
O que, diz a Requerida, nos conduz ao caso concreto no qual o ano de tributação de 2014 se inicia em 1 de fevereiro de 2014 e termina a 31 de janeiro de 2015, devendo a taxa a aplicar ser a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza. E, para o período de 2014, a taxa de IRC era de 23%, não sendo a data de encerramento do exercício de 2014 que determina a taxa aplicável, mas sim a taxa aplicável ao exercício de 2014, que é de 23% e não de 21%; de facto, ao período de tributação que se inicia em 1 de fevereiro de 2014 e termina em 31 de janeiro de 2015, só se podem aplicar as regras do Código do IRC em vigor no período de tributação de 2014.
Uma vez que não se verifica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato de liquidação de IRC controvertido nem fundamento legal que sustente a pretensão da Requerente, deve improceder o pedido de reembolso das quantias pagas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
7. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se sobre a exceção invocada pela Requerida, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo pugnado pela respetiva improcedência.
8. Em 14 de outubro de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a conceder às partes prazo para a apresentação de alegações escritas, de facto e de direito, e a fixar o dia 28 de fevereiro de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
9. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados, tendo, ainda, a Requerida alargado o âmbito da invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral «ao pedido, também expressado, da correcção do valor de crédito fiscal extraordinário ao investimento, cujo montante só pode ser concretamente determinado em cumprimento de sentença, se a ele houver lugar».
10. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se sobre o aludido alargamento do âmbito da exceção invocada pela Requerida, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo pugnado, mais uma vez, pela respetiva improcedência.
***
II. SANEAMENTO
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
§1. DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
12. A Requerida arguiu esta exceção, nos termos acima já enunciados, quanto aos seguintes segmentos do pedido arbitral:
- «i) ser reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de Euro 12.024,80 (doze mil, vinte e quatro euros e oitenta cêntimos), por referência ao período de tributação de 2014, (…)»
- «ii) considerar-se como saldo de CFEI reportável para o período de tributação de 2015, o valor total de Euro 158.863,61 (cento e cinquenta e oito mil, oitocentos e sessenta e três euros e sessenta e um cêntimos), em vez de Euro 130.805,68 (cento e trinta mil, oitocentos e cinco euros e sessenta e oito cêntimos), em virtude da alteração do valor de benefícios fiscais deduzidos à coleta total da Requerente no período de tributação de 2014 (o qual passa de Euro 431.737,07 para Euro 403.679,14), com as demais consequências legais;»
A Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência:
a) Num primeiro momento, afirmando o seguinte que aqui importa salientar:
«23.º Sendo tal exceção de conhecimento oficioso pelos tribunais arbitrais, não compreende a Requerente como pode a Requerida invocar a referida exceção de incompetência material quando existem inúmeras decisões proferidas por estes tribunais de condenação no reembolso de importâncias a título de imposto indevidamente pago,
24.º Em que muitas delas concretizam, inclusivamente, a extensão do imposto a pagar.
(…)
30.º Não é demais recordar os objetivos que, de acordo com o preâmbulo do RJAT, presidiram à introdução da figura da arbitragem tributária no ordenamento jurídico português, visando “reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivo”, “imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo” e, por último, “reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais”.
31.º Ora, tais propósitos não poderão ser alcançados, se não forem reconhecidos poderes condenatórios aos tribunais arbitrais em moldes semelhantes aos dos tribunais judiciais.
(…)
34.º Para além da vasta jurisprudência arbitral existente relativamente à condenação da AT no pagamento de quantias indevidamente pagas – de que são exemplo as decisões acima invocadas -, importa não esquecer que é prática habitual a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”),
35.º Revestindo tais condenações um exemplo claro do exercício de poderes condenatórios pelos tribunais arbitrais.
(…)
37.º Constata-se, assim, que a jurisprudência arbitral se tem pronunciado inúmeras vezes no sentido de reconhecer sem margem para dúvida poderes condenatórios aos tribunais arbitrais, devendo o racional observado na decisão de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios ser aplicável mutatis mutandis ao racional observado no reconhecimento do direito ao reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, conquanto se verifique a ilegalidade e anulação da liquidação de IRC subjacente, objeto de impugnação.
(…)
40.º Importa sublinhar que através do pedido formulado, a Requerente peticiona a título principal que seja determinada a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, apenas em virtude disso, que seja posteriormente reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de imposto indevidamente pago, como consequência da anulação da liquidação,
41.º Sem prejuízo de incumbir ao órgão da administração tributária competente a execução da decisão arbitral que venha a ser proferida, através do concreto reembolso do valor de imposto reclamado.»
b) Num segundo momento, alegando o seguinte que aqui importa respigar:
«6.º Subjacente à ideia de incompetência material ora em análise, reside a ideia de que a concretização da execução de julgados (como seja, através da condenação ao reembolso do monte de imposto indevidamente pago) compete, em primeira linha, à AT, podendo vir a ser posteriormente exigido o seu cumprimento coercivo através do recurso aos tribunais tributários, designadamente através do processo de execução de julgados.
7.º Sucede que, tal como se verifica relativamente à competência dos tribunais arbitrais para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga, também relativamente ao reconhecimento da correção peticionada pela Requerente quanto ao saldo de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”) reportável para o período de tributação de 2015, em virtude da anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2019..., deverá ser este tribunal considerado materialmente competente.
(…)
10.º Entende a Requerente que, sem prejuízo de, numa fase subsequente, recair sobre a AT o dever de executar as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais – in casu, mediante o reembolso do imposto indevidamente pago e da correção do saldo de CFEI reportável para os períodos de tributação seguintes –, por força do disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária e no artigo 24.º do RJAT, deve o racional observado na decisão de reconhecimento do direito ao reembolso da quantia de imposto indevidamente paga ser aplicável mutatis mutandis ao reconhecimento da correção do saldo de CFEI reportável para o período de tributação de 2015, conquanto se verifique a ilegalidade e anulação da liquidação de IRC subjacente, objeto de impugnação.
11.º Importa sublinhar que através do pedido formulado, a Requerente peticiona a título principal que seja determinada a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão oficiosa, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, apenas em virtude disso, que seja posteriormente reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de imposto indevidamente pago, como consequência da anulação da liquidação e, bem assim, à correção do valor de CFEI reportável para os exercícios seguintes e demais consequências legais, nomeadamente ao nível do apuramento do IRC a liquidar ou a reembolsar nos períodos especiais de tributação de 2015 e seguintes, conforme aplicável.
12.º Isto, sem prejuízo de incumbir ao órgão da administração tributária competente a execução da decisão arbitral que venha a ser proferida, através do correto reembolso do valor de imposto reclamado a da determinação exata do saldo de benefícios fiscais reportável e dedutível nos períodos de tributação de 2015 e seguintes.»
13. O âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (cf. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, alínea a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Isto posto. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Apesar de o processo de impugnação judicial ter por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem sido pacificamente entendido que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou a autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Contudo, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.
Com efeito, embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão declaração de ilegalidade para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, os tribunais arbitrais são competentes para apreciar os pedidos de reembolso das quantias pagas, de pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
No entanto, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito dos processos arbitrais – à semelhança do que sucede com o âmbito do processo de impugnação judicial – restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.
Na verdade, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao estatuir que “[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, (…)”.
Sendo que, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
14. O que se vem de dizer consubstancia um entendimento que tem sido, reiterada e pacificamente, afirmado em múltiplas decisões proferidas em processos arbitrais tributários e, também, em alguns arestos dos tribunais estaduais que se têm pronunciado sobre esta matéria, sendo disso exemplo o recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 25.06.2019, prolatado no processo n.º 44/18.6BCLSB, onde se afirma o seguinte:
«Importa, de igual modo, aferir da invocada incompetência do tribunal arbitral para determinar o valor exacto da anulação e do reembolso a conceder à Impugnada, interpretação do tribunal arbitral que, na perspectiva da Impugnante, viola a Constituição e seus princípios (…).
A respeito da competência dos tribunais arbitrais em matéria de condenação pronunciou-se recentemente o acórdão do TCAS de 22/05/2019, proc. n.º 7/18.1BCLSB:
“A competência dos tribunais arbitrais está fixada no art.º 2.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT, pelo que importará, desde logo, indagar se o pedido de condenação da AT “no reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78)”, se compreende no âmbito da competência do tribunal arbitral para apreciar a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
Uma leitura conjugada do disposto naquele art.º 2.º do RJAT com o disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, parece apontar no sentido de que a competência dos tribunais arbitrais corresponderá, salvo restrições legais, aos casos em que, no processo judicial tributário, os tribunais tributários conhecem das pretensões através do meio processual da impugnação judicial – artigos 97.º, n.º 1 alíneas a) a f), 99.º e 102.º, n.º 1, todos do CPPT.
Como se sabe, em processo judicial tributário, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo Autor não se ajusta à finalidade abstractamente configurada por lei para essa forma processual, ocorre erro na forma do processo (cf. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289).
Só que, estando os tribunais arbitrais limitados na sua competência material à apreciação de pretensões que se prendem com “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”, quaisquer outras pretensões – não compatíveis, em processo judicial tributário, com a forma processual da impugnação judicial – excedem o âmbito da sua competência, fixada no art.º 2.º, n.º 1, do RJAT.
Ora, por força da consagração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva (cf. art.º 268.º, n.º 4, da Constituição da República), o processo judicial tributário tem vindo a perder a sua natureza estrita de um contencioso de mera anulação e a conferir tutela a pretensões características de um contencioso de plena jurisdição. É que, como se diz no Acórdão deste tribunal de 06/08/2017, tirado no proc.º 06112/12, aquele princípio constitucional “somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros” (…).
E para sustentar a natureza tendencial da impugnação como processo de plena jurisdição, aponta-se também no aresto em citação, “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária” e, ainda e por último, “razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g. discricionariedade técnica)”.
Nesta linha de entendimento, não se descortinam razões para restringir aos tribunais arbitrais a possibilidade – que se confere aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial – de proferirem decisões de natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros, desde que tal não implique para o tribunal arbitral a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (cf. Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, 2016, a págs.120 e ss.).
Concluímos, pois, pela competência dos Tribunais Arbitrais para proferir decisões condenatórias nas situações em que, como a dos autos, contribuinte requerente solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante de imposto pago acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
(…)”
Portanto, acolhendo para o caso dos autos a jurisprudência supra citada importa concluir que também in casu, o tribunal arbitral tem competência para anulação parcial do acto de liquidação consubstanciado num montante de imposto, bem como na condenação quantificada do seu reembolso.»
15. Volvendo ao caso concreto, resulta do pedido arbitral formulado pela Requerente que esta pretendeu abarcar todas as consequências que, no seu entender, deverão decorrer da decisão arbitral, caso esta se venha a mostrar favorável às suas pretensões de declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos.
Ora, nada obsta a que este Tribunal determine, sendo caso disso, «a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão oficiosa, proferida no âmbito do processo n.º ...2019... e, por via disso, a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2019..., emitida em 17 de janeiro de 2019, respeitante ao período de tributação de 2014, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23%», com todas as legais consequências, designadamente o reembolso à Requerente do montante de imposto (IRC) indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
No entanto, se vier a ser esse o sentido da decisão, quer o valor exato daquele reembolso, quer o saldo de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) a reportar para o exercício de 2015, não resultarão direta e imediatamente determinados a partir da declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos; com efeito, para apurar e concretizar aqueles valores são necessárias operações analíticas e aritméticas (como, aliás, resulta evidenciado pelo documento n.º 11 anexo ao PPA) que não incumbe a este Tribunal Arbitral efetuar, mas sim à AT, na medida em que consubstanciam atos materiais de execução da decisão arbitral anulatória que culminarão com a emissão de um novo ato de liquidação de IRC, atinente ao exercício de 2014, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea d), do RJAT (à semelhança, aliás, do que, nesse caso, sucederá com a operação aritmética de cálculo dos correspondentes juros indemnizatórios – cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT). Como refere Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, 2.ª edição, Coordenação de Nuno Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, Almedina, 2017, p. 229), «[o] dever de efetuar novas liquidações existe nos casos em que é possível efetuá-las sem incorrer no vício que justificou a declaração de ilegalidade, o que sucede nos casos de vícios formais ou procedimentais (como falta de fundamentação e preterição do direito de audição) e poderá suceder em caso de vícios de violação de lei (por exemplo, a anulação de uma liquidação por erro na aplicação da taxa, não impedirá que seja praticada uma nova liquidação com a aplicação da taxa correta).»
16. Nestes termos, é julgada procedente a invocada exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apurar e concretizar quer o valor exato do reembolso de imposto (IRC) a favor da Requerente, quer o saldo de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) a reportar para o exercício de 2015, decorrentes da (eventual) procedência do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do ato de liquidação de IRC controvertidos; consequentemente, quanto a esses pedidos, é a Requerida absolvida da instância (cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a), do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), com todas as legais consequências.
§2. DAS CORREÇÕES AO IRC REFERENTE AOS PERÍODOS DE TRIBUTAÇÃO DE 2015 E SEGUINTES
17. A Requerente peticiona, ainda, como consequência da (eventual) declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos, que sejam «efetuadas as devidas correções ao apuramento do IRC a liquidar ou a reembolsar nos períodos de tributação de 2015 e seguintes, conforme aplicável».
Acontece que, tal pedido extravasa manifestamente o objeto deste processo – que está circunscrito pelos atos tributários controvertidos que são referentes ao IRC do exercício de 2014 –, o que impede que este Tribunal possa conhecer de eventuais correções à efetuar ao IRC dos períodos de tributação de 2015 e seguintes; consequentemente, é a Requerida absolvida da instância quanto a este pedido.
*
18. Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
19. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social a atividade de representação, produção, exportação, importação e comercialização de confeções e, nesse âmbito, como atividade principal o comércio de pronto a vestir de criança e adulto e acessórios sob a marca “...”. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
b) Relativamente aos exercícios de 2014 e de 2015, a Requerente adotou um período especial de tributação, sendo que o exercício de 2014 teve início em 01.02.2014 e termo em 31.01.2015 e o exercício de 2015 teve início em 01.02.2015 e termo em 31.01.2016. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
c) Até 2014, o capital social da Requerente foi detido pela sociedade “B..., S. A.”, sendo participada, indiretamente, pelo Grupo C... . [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
d) No decurso do exercício de 2014, concretamente a partir de 11.07.2014, em virtude da liquidação da sociedade “B..., S. A.”, a Requerente passou a ser detida pela “D..., S.A.” (doravante, “D...”), mantendo-se a participação indireta no capital por parte do Grupo C... . [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
e) Sendo a “D...” a empresa dominante de um grupo de sociedades, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), a Requerente ficou integrada nesse mesmo Grupo. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
f) A “D...” submeteu as declarações Modelo 22 de IRC, do Grupo, para os exercícios de 2014 e de 2015, considerando a Requerente como empresa-filha (dominada), o mesmo tendo acontecido com esta última que submeteu as respetivas declarações Modelo 22 de IRC para os exercícios de 2014 e de 2015 segundo o RETGS, indicando como sociedade-mãe a “D...”. [cf. documentos n.ºs 5, 6 e 7 anexos ao PPA e PA]
g) A coberto das Ordens de Serviço n.º OI2017... e n.º OI2017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, relativamente aos exercícios de 2014 e de 2015, no âmbito do qual foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais, foi aduzido o seguinte [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]:
«Nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 69.º do CIRC:
"3 - A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c)
d) …” (sublinhado nosso)
No caso da A..., o requisito da alínea b) não se verifica relativamente ao exercício de 2014, na medida em que a sociedade dominante (D...) só passou a deter a A... em 11/07/2014. Esta é a data considerada para aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo que a lei determina que tenha de passar um ano sobre esta data para que a opção pela aplicação do RETGS possa ser formulada. Assim, só após 11/07/2015, é que a A... estaria em condições de integrar o Grupo D..., Por outro lado e uma vez que a A... tem período especial de tributação (PET) com início a 1 de fevereiro, só a partir de 01-02-2016 se pode considerar a A... como integrando o Grupo D... .
Acontece que a D... submeteu as declarações Modelo 22 de IRC, do Grupo, para os exercícios de 2014 e 2015, considerando a A... como empresa-filha (dominada) quando tal ainda não era possível. O mesmo aconteceu com a A... que submeteu as respetivas declarações Modelo 22 de IRC para os exercícios de 2014 e 2015 segundo o regime geral de tributação dos grupos de sociedades, indicando, como sociedade-mãe, a D..., quando tal não poderia ter acontecido, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º do CIRC.
Assim, visto que a situação descrita está sujeita a tributação e essa tributação terá de ser efetuada na esfera das duas entidades em referência, da seguinte forma:
• Na A..., LDA NIF..., através da liquidação de declarações individuais de rendimentos para os exercícios de 2014 e 2015, em substituição das anteriormente entregues cuja liquidação ocorreu em sede de regime especial de tributação de Grupo de sociedades;
• Na D..., S.A. – NIF..., através da submissão de novas declarações de rendimentos do Grupo uma vez que, nesses exercícios de 2014 e 2015, a A... figurou como uma das empresas integrantes do Grupo quando tal não acontecia.»
h) No decurso do referido procedimento inspetivo, a Requerente apresentou novas declarações Modelo 22 de IRC, atinentes aos exercícios de 2014 e de 2015, a fim de serem alvo de liquidação a título individual, ou seja, de acordo com o regime geral de IRC. [cf. documentos n.ºs 5 e 8 anexos ao PPA e PA]
i) Nessa sequência, em 17.01.2019 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2014, nos termos da qual foi apurada matéria coletável no valor de € 2.008.154,53, coleta total no montante de € 616.767,22 e um valor a reembolsar de € 3.090,61. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
j) Como decorre da mencionada liquidação adicional de IRC, à matéria coletável apurada, no valor de € 2.008.154,53, foi aplicada, por definição do sistema informático da AT, a taxa de IRC de 23% à parte afeta ao Continente e à Região Autónoma da Madeira e a taxa de IRC de 18,40% à parte afeta à Região Autónoma dos Açores. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
k) Em 30.01.2019, a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa relativamente ao ato de liquidação adicional de IRC mencionado no facto provado i), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, o qual foi autuado sob o n.º ...2019... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. [cf. documento n.º 9 anexo ao PPA e PA]
l) No âmbito daquele pedido de revisão oficiosa, foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no sentido do respetivo indeferimento, com base na seguinte fundamentação [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]:
«§IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO
(…)
§IV.I. Do cálculo de imposto
§IV.I.I. Alteração da taxa de IRC – aplicação da lei no tempo
(…)
§IV.I.I.II. Da apreciação
26. De acordo com o entendimento da DSIRC constante da Informação n.º .../2016, sancionada por despacho da Subdiretora Geral de 04/05/2017, em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).
27. Assim, em sede de IRC, em conformidade com o princípio da anualidade dos impostos, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil.
28. Com efeito, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico .
29. No caso em apreço, uma vez que a Requerente adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de fevereiro de 2014 e terminou a 31 de Janeiro de 2015.
30. Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja in casu em 2015, que para a Requerente iniciou-se em 1 de fevereiro de 2015 .
31. Ora, todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, se verificam alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte. E, não é por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte.
32. De facto, ao período de tributação que se inicia em 1 de fevereiro de 2014 e termina em 31 de janeiro de 2015, aplicam-se as regras do CIRC em vigor no período de tributação de 2014 e, ao período de tributação que se inicia em 1 de fevereiro de 2015 e termina em 31 de janeiro de 2016, aplicam-se as regras do CIRC, em vigor para o período de 2015 e assim sucessivamente.
33. Pelo que, não se verifica qualquer questão de aplicação retroativa em relação ao IRC, uma vez que a obrigação tributária nasce depois da aprovação e publicação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 isto é, o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2015.
34. Destarte, a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de Janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que implementou a Reforma do IRC.
35. De facto, em conformidade com o disposto no artigo 14.º daquela lei: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014”.
36. Por outro lado, tendo em conta a inexistência de disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, relativamente à Lei do Orçamento do Estado de 2015 é aplicável o artigo 12.º, n.º 2 da LGT sobre a aplicação da lei tributária no tempo, que dispõe. "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.
37. Desta forma, face à hipotética situação de ter havido o agravamento da taxa de IRC, ao contrário do que sucedeu, segundo a tese defendida pela Requerente, dever-se-ia ainda aplicar a nova taxa agravada a todo o período de 2014 que se iniciou em 1 de fevereiro de 2014.
38. Ora, obviamente tal não seria aceitável face ao princípio da não retroatividade dos impostos (artigo 103.º, n.º 3 da CRP).
39. Assim, não assiste razão à Requerente, sendo de aplicar a taxa de IRC de 23% ao exercício económico iniciado em 2014.
40. Cumpre ainda referir que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, designadamente pelo facto de a liquidação ora contestada não enfermar de qualquer erro ou vício imputável aos serviços, pugnamos, também pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.»
m) Por ofício, datado de 14.02.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e para, querendo, exercer o direito de audição, o que a Requerente não fez. [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]
n) Posteriormente, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 13.03.2019, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com a fundamentação constante da informação n.º ...-AIR1/2019 e que reproduz integralmente a supra referenciada no facto provado l). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]
o) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por ofício, datado de 13.03.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]
p) Em 14.06.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
20. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
21. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
III.2. DE DIREITO
§1. O THEMA DECIDENDUM
22. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar qual(is) a(s) taxa(s) de IRC aplicável(eis) à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2014, atentos os seguintes aspetos: a Requerente adotou um período especial de tributação, com início em 01.02.2014 e termo em 31.01.2015; em 01.01.2014, a taxa geral de IRC em vigor era de 23%, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC; e, fruto da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, na referida norma do Código do IRC, a taxa geral deste imposto foi reduzida para 21%.
As posições das partes quanto a esta questão já foram acima enunciadas sendo que, quanto à posição da AT, importa ter presente a fundamentação da decisão de indeferimento do aludido pedido de revisão oficiosa (cf. factos provados l) e n)).
§2. DO MÉRITO
§2.1. O ENQUADRAMENTO NORMATIVO (CÓDIGO DO IRC)
23. O artigo 1.º do Código do IRC estatui que o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, nos termos deste Código.
O n.º 2 do artigo 3.º do mesmo compêndio legal determina que o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.
Nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do IRC, este imposto é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil; porém, decorre do n.º 2 do mesmo artigo que as pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, bem como as pessoas coletivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direção efetiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, podem adotar um período de imposto diferente do estabelecido no número anterior, o qual deve ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.
O n.º 9 do referido artigo 8.º estatui, por seu turno, que o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.
Nesta conformidade, o IRC consubstancia um imposto periódico e, como tal, tem por base um facto gerador de caráter continuado ou de formação sucessiva – a atividade da empresa – que é cindido em períodos/exercícios para apuramento de resultados.
Como é afirmado por José Maria Fernandes Pires, relativamente aos factos geradores de caráter continuado ou de formação sucessiva, apesar de a sua consumação «se verificar apenas no final de um determinado período de tempo, ao longo desse período ocorrem um conjunto de factos e de atividades que possuem relevância tributária e que concorrem para a produção do facto tributário. É o que acontece no caso do IRC, em que o facto gerador se sedimenta com base em pressupostos que se vão formando ao longo do chamado período de imposto, como ocorre com as atividades comerciais, industriais ou agrícolas sujeitas ao IRS ou ao IRC.
No caso do IRC, o facto tributário consuma-se no dia 31 de dezembro ou no último dia do período de tributação. E embora a lei estabeleça uma demarcação temporal para a sua formação, incluindo a definição do momento em que se inicia essa formação e o momento em que ela se conclui, o facto tributário só existe verdadeiramente, como tal, na data que a lei estabelece que se considera produzido, ou seja, quando se dá a incidência temporal. Sem ela não há facto tributário.
(…)
Este entendimento não implica, necessariamente, que o facto tributário constituído pelo lucro tributável, sujeito ao IRC, seja o único que ocorre no decurso da atividade empresarial desempenhada pelo sujeito passivo ao longo do período de imposto. (…) outros factos tributários autónomos e paralelos ao lucro tributável se produzem ao longo do período de imposto, nomeadamente os que estão na base das tributações autónomas em sede do IRC, que a doutrina e a jurisprudência, maioritariamente entendem como factos instantâneos. Apesar de o lucro tributável só se constituir em facto tributário no final do período de imposto, a incidência temporal, e portanto a constituição daqueles factos tributários, segue um regime próprio, de acordo com o estabelecido na lei.»
Ainda a este propósito, importa sublinhar que «os factos tributários de formação sucessiva, característicos dos impostos periódicos, só estão completos – e, portanto, só existem – no último dia do período de tributação. (…) antes desse instante nada de jurídico existe, em ordem ao nascimento da obrigação tributária» .
24. O artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação em vigor em 01.01.2014 e na parte que aqui importa considerar, estatuía que a taxa do IRC é de 23%; por via da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, aquela norma do Código do IRC passou a estatuir que a taxa do IRC é de 21%.
A Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, não integra qualquer norma específica que estatua sobre a questão da aplicação temporal daquela alteração introduzida na citada norma do Código do IRC, limitando-se apenas o respetivo artigo 261.º, n.º 1, a prescrever, quanto à vacatio legis (cf. artigo 5.º, n.º 2, do Código Civil), o seguinte: “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015”.
Nem sempre o legislador tomou esta opção silente, quanto à aplicação no tempo das alterações legislativas respeitantes à taxa geral de IRC, como facilmente se demonstra fazendo um rápido périplo pelas mesmas:
- na redação do Código do IRC decorrente do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, estatuía o artigo 69.º, n.º 1, que a taxa do IRC é de 36,5%;
- o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”;
- o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”;
- o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”;
- o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”.
Constatamos, pois, que, diferentemente do que aconteceu anteriormente, o legislador da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, não previu nenhuma solução específica sobre o âmbito de aplicação temporal da nova taxa geral de IRC que foi instituída.
Em virtude disso, o âmbito de aplicação temporal da alteração à taxa geral do IRC introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, tem de ser determinado a partir das regras gerais de interpretação da lei e de aplicação das leis no tempo, considerando de modo sistemático o(s) normativo(s) suscetível(eis) de aplicação.
§2.2. A APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
25. O nosso ordenamento jurídico-tributário contém uma norma de âmbito genérico sobre a aplicação da lei tributária (substantiva) no tempo, a qual consta do artigo 12.º da LGT, cujo n.º 1 estatui que as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos; esta norma tem subjacente a regra geral constante do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.
Destarte, as normas fiscais não abrangem factos passados, isto é, ocorridos antes do início da sua vigência; ou seja, a lei tributária nova apenas vale para os factos futuros, isto é, subsequentes ao início da sua vigência. A regra é, pois, a de que a norma tributária apenas se aplica aos atos ou factos ocorridos no seu domínio temporal de vigência.
No entanto, a questão da aplicação da lei fiscal no tempo não fica totalmente resolvida, pois, relativamente aos impostos periódicos – como é o caso do IRC –, em que existe um facto complexo de formação sucessiva, coloca-se a questão de saber qual a lei a aplicar relativamente ao período que decorre na data em que a nova lei entra em vigor; como afirma João Menezes Leitão, «três soluções são em abstracto possíveis:
- a norma fiscal surgida em certo ano fiscal apenas se aplica na vigência do ano fiscal seguinte, considerando-se que o facto tributário se forma no início do ano;
- a lei nova tem aplicação no ano fiscal em curso logo desde o seu início, considerando-se que a formação do facto tributário só se conclui com o termo do ano fiscal (não ocorrendo assim qualquer retroactividade);
- aplicação pro rata temporis, procedendo-se à divisão do facto tributário complexo representado pelo período de tributação em elementos ocorridos antes da entrada em vigor e elementos ocorridos depois da entrada em vigor da norma fiscal nova, a qual só se aplica aos factos posteriores ao seu início de vigência.»
Neste conspecto, importa convocar a norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT que estatui que se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
A respeito desta norma, Brás Carlos questiona se quer a mesma «dizer que, entrando em vigor, a meio do exercício, uma alteração das regras de determinação da matéria colectável, ou da taxa deste imposto [IRS e IRC], a nova lei pode aplicar-se ao período do exercício corrente que resta? Ou significa, pelo contrário, que a nova lei se aplicará apenas a partir do início do novo período de tributação ou exercício económico?»; respondendo a tais questões, afirma o mesmo fiscalista o seguinte:
«a) Qualquer daquelas interpretações tem na letra do n.º 2 do artigo 12.º da LGT “um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso”, para usar os termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil;
b) Uma tributação pro rata temporis traduzida, no mesmo período de tributação, na determinação de uma parte do imposto nos termos da lei antiga e de outra parte nos termos da lei nova lei, poderá ser impraticável.»
A propósito da mesma norma, diz João Menezes Leitão o seguinte: «Como parece dever entender-se aquela norma do art. 12.º, n.º 2 da LGT (…) em relação aos impostos periódicos (nos quais temos um facto tributário de formação sucessiva) a lei fiscal nova aplica-se apenas aos elementos fácticos constituintes do facto complexo de formação sucessiva ocorridos depois do seu início de vigência.
Em síntese, atendendo ao art. 12.º, n.º 2 da LGT, constituindo o facto tributário um facto de formação sucessiva, a lei nova apenas se aplica ao período que se segue após a sua entrada em vigor, não operando desde a data do início da formação do facto tributário.»
Este é um entendimento que desde sempre foi alvo de crítica «não só por esquecer que a divisão do período em duas partes contraria a própria essência do imposto periódico, na medida em que esta exige o tratamento do período de modo uniforme, como uma unidade temporal, como ainda pela dificuldade de, muitas vezes, proceder, no caso concreto, à repartição da matéria colectável pelas duas fases desse mesmo período, e pelo factor de grave injustiça que pode vir a constituir»
Como preconiza Manuel Henrique de Freitas Pereira, «a solução que parece mais correcta – por ter em conta a própria natureza dos impostos periódicos – é a da aplicação da nova lei a todos os factos e situações ocorridos no período em que a mesma entra em vigor [o mesmo fiscalista alerta no sentido de «que esta solução diz respeito a factos geradores de formação sucessiva ao longo do período e que só se tornam completos para efeitos de tributação, globalmente considerados, no final do mesmo – ou seja factos geradores classificados como complexos (…). É o que acontece com a tributação de um rendimento ou de um lucro correspondente a um determinado período.»]. Trata-se também da solução mais simples de aplicar, quer para a administração quer para os contribuintes, não sendo susceptível de determinar comportamentos de planeamento fiscal através de soluções atípicas de natureza temporal. É, aliás, relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), a solução que decorre do disposto no n.º 9 do art. 8.º do respectivo Código. Atualmente, em face do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária, o problema parece dever ser solucionado de maneira diferente. (…) A formulação usada não é, porém, inteiramente inequívoca – o período aí referido é a parte do período em vigor posterior à entrada em vigor da lei nova ou o novo período de tributação que se inicie posteriormente à entrada em vigor da lei nova? Considera-se que talvez se tenha querido adoptar uma solução pro rata temporis e, nesse sentido, parece que se acolheu a primeira hipótese enunciada. Esta solução não deixará de criar problemas de aplicabilidade, (…). Assim, entende-se que, a não se adoptar a solução do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, por uma questão de igualdade tributária e simplicidade administrativa, a melhor solução é sempre a lei definir com rigor o período de tributação a que se passa a aplicar, que deve ser apenas o período que se inicie posteriormente à sua entrada em vigor. Em todo o caso, verifica-se que tem importância fundamental a data do início e do fim do período de tributação.»
26. Constitui efetivamente nosso entendimento que «o facto tributário é sempre uma construção jurídica e não apenas um acontecimento naturalístico. Ao contrário destes, que são factos da natureza, o facto tributário é sempre uma categoria jurídica, composta pelos quatro elementos essenciais da incidência – real, pessoal, temporal e territorial – e só existe como ente jurídico autónomo quando todos esses elementos se encontram reunidos. É do facto tributário, e da lei que o tipifica, como fundamento de sujeição e aplicação de um determinado regime fiscal, que depende o nascimento da relação jurídica no seio da qual se constituem os direitos e os deveres de natureza tributária. E nessa tipificação que a lei efetua, um dos elementos essenciais é o da data em que se considera consumada a produção do facto tributário. É esse o momento determinante para se apurar a retroatividade da lei. E é nele que se constituem na ordem jurídica os direitos e as obrigações que dele emergem. (…)
A retroatividade deve sempre ser entendida como a aplicação da lei a factos tributários em concreto, pelo que só existirá quando o facto tributário se considera consumado numa data anterior à da entrada em vigor de uma determinada lei fiscal. E, assim sendo, em termos rigorosos, só existe facto tributário quando a lei estabelece que ele se considera consumado. Essa consumação ocorrerá, no caso dos factos tributários instantâneos, no momento em que eles se produzem e, no caso dos factos tributários continuados, na data do fim de um determinado período, mas, para sermos rigorosos, teremos sempre que dizer que o facto tributário ocorre na data em que cada lei que o tipifica estabelece. E isso acontece sempre, porque a incidência temporal é um elemento essencial da sujeição, e sem ela não existe incidência do imposto. Assim, por exemplo, no caso do IRC, o facto tributário produz-se no último dia do período de tributação, como estabelece o n.º 9 do artigo 8.º do CIRC (…).
É nessas datas que o legislador ficciona que se produzem os respetivos factos tributários, pelo que é com referência a elas que se deve determinar a lei aplicável, sendo aliás, essa, uma das funções da incidência temporal de cada um dos impostos. Nos casos dos impostos periódicos, embora se pretenda com eles sujeitar a imposto uma capacidade contributiva que se estende por um determinado período, a fixação de um momento temporal em que o legislador cristaliza a produção do facto gerador da obrigação do imposto, é um elemento estrutural e constitutivo da própria identidade jurídica do facto tributário.
Desta forma, os factos tributários, sejam eles instantâneos ou de formação sucessiva, caracterizam-se sempre por terem uma referência temporal fixa, sendo que essa determinação temporal é estrutural ao próprio facto tributário.
Assim sendo, não existe, verdadeiramente, retroatividade de normas sempre que a sua entrada em vigor ocorra em período anterior à produção do facto tributário nos exatos termos em que este é tipificado pela lei fiscal, nos seus quatro elementos essenciais, e existirá sempre retroatividade no caso em que a lei se pretenda aplicar a factos já anteriormente ocorridos.»
Neste mesmo sentido, Ana Paula Dourado afirma que quanto aos «impostos de obrigação única (…), a proibição da retroatividade implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja a não aplicação da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída. No caso dos impostos periódicos, a proibição da retroatividade assume contornos próprios relacionados com a formação sucessiva do facto tributário e com a existência de anos ou períodos fiscais que separam as obrigações tributárias por períodos. (…) A existência de factos tributários de formação sucessiva, que só estão concluídos quando termina o ano ou período fiscal, faz do ano ou período fiscal o parâmetro para aferirmos o próprio conceito de retroatividade.
(…) o Tribunal Constitucional português parece seguir o raciocínio do ano ou período fiscal para todos os factos tributários regidos pelo código de IRC (…). Assim, desde que o ano fiscal esteja em curso, a entrada em vigor de lei nova aplica-se desde 1 de janeiro.»
Importa, contudo, salientar que não se pode «concluir que nunca haverá inconstitucionalidade quando uma norma publicada no decurso do período de tributação se destine a vigorar desde o seu início. Pelo contrário, a inconstitucionalidade é possível, não porque tal norma seja retroactiva (que não é) mas quando viole o princípio da proporcionalidade, enquanto corolário do princípio da segurança tributária ou da protecção da confiança. Assim, a inconstitucionalidade poderá verificar-se nos casos em que a alteração introduzida pela lei nova seja de tal modo gravosa e inesperada que ponha em causa aquele princípio constitucional geral, aqui aplicado à tributação» .
Nesta conformidade, poderemos concluir que as normas fiscais que, em concreto, sejam mais favoráveis ao contribuinte (designadamente, as que comportem desagravamentos de imposto) não estão compreendidas na proibição do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, porquanto tais normas não são contrárias à segurança jurídica e, portanto, não violam a tutela da confiança do contribuinte; contudo, aquele preceito constitucional não exclui expressamente tais normas da proibição da retroatividade .
§2.3. O CASO CONCRETO
27. Aqui chegados e antes de respondermos à questão que constitui o thema decidendum deste processo, impõe-se-nos ainda apurar se a norma constante do artigo 12.º, n.º 2, da LGT tem aplicação ao caso sub judice ou se existe alguma outra solução mais específica, designadamente resultante do próprio Código do IRC.
28. Apesar de a LGT conter aqueles que são os grandes princípios ordenadores do sistema jurídico-tributário nacional, não possui qualquer valor reforçado e, precisamente por se situar no mesmo nível hierárquico, é sempre suscetível de ser derrogada por qualquer disposição legal posterior; mais, importa ainda ter presente a relação entre lei geral e lei especial e, concretamente, o princípio lex posterior generalis non derogat lei speciali priori.
Nesta conformidade, o artigo 12.º da LGT e, particularmente, o seu n.º 2 apenas será aplicável se não existir disposição especial que estabeleça outra solução; por consequência, existindo norma especial sobre a aplicação da lei fiscal no tempo é a esta que cabe recorrer e não às disposições gerais constantes do artigo 12.º da LGT.
No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC e a configuração aí dada ao facto gerador do imposto, afigura-se-nos que o legislador consagrou uma solução particular quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroatividade; entendemos, assim, que vigora neste âmbito uma regra especial que resolve diretamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo e que afasta a aplicação da regra geral constante do artigo 12.º, n.º 2, da LGT.
Com efeito, atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, no sentido de que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, consideramos ser de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT; nessa sequência, entendemos que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação.
Não olvidemos que a LGT não tem qualquer valor reforçado e, portanto, ela não possui qualquer supremacia relativamente ao Código do IRC, apenas podendo relacionar-se com este compêndio legal nos termos do binómio regra geral – regra especial, nos termos acima enunciados; deste modo, não se nos afigura que o legislador, ao verter na LGT a solução geral consagrada no respetivo artigo 12.º, n.º 2, tenha pretendido colocar em causa, repudiando, a solução especial consagrada no artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC.
Neste mesmo sentido, afirma Rui Duarte Morais o seguinte: «o IRC é um imposto periódico, ou seja, tem por base um facto gerador de carácter tendencialmente duradouro (a actividade da empresa) que (…) é – artificialmente – cindido em períodos (exercícios) para apuramento de resultados.
Sendo o facto gerador duradouro, coloca-se a questão do momento a considerar para determinar qual a lei que regerá a obrigação de imposto relativa a dado exercício. A resposta resultará, em princípio, do disposto no n.º 9 do art. 8.º [do Código do IRC]: o facto gerador de imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação. Ou seja, a lei fiscal aplicável será, por regra (admitindo a normal coincidência do exercício com o ano civil), a vigente em 31 de Dezembro. O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (…).»
Na mesma senda, José Maria Fernandes Pires, afirma que, relativamente ao IRC, «a impossibilidade de cisão do lucro tributável num determinado período de imposto não é uma questão de pragmatismo mas de legalidade, dado que não existe base legal para a ela proceder, porque a periodização do lucro tributável tem que ser efetuada nos termos que a lei prevê, não se podendo periodizar com validade jurídica onde a lei não o determina», porquanto «essa periodização tem que ser prevista na lei e não pode a administração tributária fazê-la quando não está nela prevista» .
29. A finalizar, importa sublinharmos que a solução que preconizamos não afronta quer a proibição constitucional da retroatividade das normas fiscais, constante do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, quer o princípio da igualdade tributária.
No tocante ao primeiro aspeto e na linha do que acima já dissemos, uma vez que «para determinar se uma certa norma possui eficácia retroactiva importa atender ao momento do preenchimento (integral) do facto tributário que gera a obrigação do imposto» e «como nos impostos periódicos o facto tributário só se completa no termo do período de tributação, entendemos que considerar como aplicável globalmente a todo o período de tributação – que é o que configura e delimita a perfeição e integralidade do facto tributário – uma lei que tenha tido início de vigência durante esse período não desencadeia uma “dimensão retroactiva” que defronte a proibição constitucional constante do art. 103.º, n.º 3 da CRP»; obviamente, «sem prejuízo do papel que evidentemente sempre desempenha o princípio da segurança jurídica» .
No concernente ao segundo aspeto, não vislumbramos que o princípio da igualdade tributária, em qualquer uma das suas dimensões (igualdade horizontal e igualdade vertical), resulte afrontado, pois, podendo este princípio «resumir-se na fórmula segundo a qual se deve “tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente”» e «sendo esta uma fórmula que se decompõe em dois elementos essenciais: (a) a igualdade ou diferença das realidades a tratar e; (b) a igualdade ou diferença do tratamento que lhes é dispensado» , nada obsta a que «aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil (…) [sejam] aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos» , uma vez que o facto gerador do imposto ocorre em momentos temporais diferentes quanto a uns e a outros.
30. Nestes termos, impõe-se concluir que as taxas de IRC aplicáveis à matéria coletável da Requerente, no período de tributação de 2014, são as seguintes: a taxa geral de 21% – estatuída no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação resultante da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro – aplicável à proporção da matéria coletável afeta ao Continente e à Região Autónoma da Madeira; e a taxa de 16,80% – resultante da redução de 20% à taxa geral de IRC, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 29 de janeiro, na redação resultante do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2014/A, de 29 de janeiro – aplicável à proporção da matéria coletável afeta à Região Autónoma dos Açores.
Consequentemente, os atos tributários controvertidos padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nos termos acima enunciados, o que implica a respetiva anulação (cf. artigo 163.º do CPA).
§2.4. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
§2.4.1. DO REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO
31. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários controvertidos, há lugar a reembolso da prestação tributária indevidamente suportada pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.
Destarte, procede o pedido de reembolso do montante de IRC indevidamente suportado pela Requerente, a ser determinado pela AT, em cumprimento desta decisão.
§2.4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
32. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação dos atos tributários controvertidos, nos termos acima referidos, é inteiramente imputável à AT.
Destarte, concluímos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação pela AT, em cumprimento da presente decisão, do montante de IRC indevidamente suportado pela Requerente.
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33. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apurar e concretizar quer o valor exato do reembolso de imposto (IRC) a favor da Requerente, quer o saldo de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) a reportar para o exercício de 2015, com as legais consequências;
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
(i) Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito:
- A liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2014, com as legais consequências;
- A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019..., com as legais consequências;
(ii) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o montante de imposto (IRC) que, em execução desta decisão, se apure ter sido suportado em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;
(iii) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto às peticionadas correções ao IRC referente aos períodos de tributação de 2015 e seguintes, com as legais consequências;
(iv) Condenar ambas as partes no pagamento das custas do presente processo, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixa em 10% para a Requerente e 90% para a Requerida.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 12.024,80 (doze mil e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), cujo pagamento fica a cargo de Requerente e Requerida na proporção, respetivamente, de 10% e de 90%.
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Notifique.
Lisboa, 20 de dezembro de 2019.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)