DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A... (NIF...), com domicílio postal em Apartado ..., ...-... Lisboa (“REQUERENTE”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar, em 6/5/2019, pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos actos de liquidação de “IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013” relativos ao “veículo com a matrícula ..., da categoria A.”
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17 de Julho de 2019.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
a) Desde o ano de 2012 a Autoridade Tributária e Aduaneira iniciou sucessivos atos de notificação de A... no sentido de proceder ao pagamento de IUC.
b) A emissão dos documentos para notificação iniciou-se na segunda metade de 2012 e decorreu até 2014, estando em causa o IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 do veículo com a matrícula ..., da categoria A.
c) Em relação à matéria objeto destes documentos de notificação para pagamento, o cidadão/contribuinte sempre comunicou à Autoridade Tributária e Aduaneira que o veículo em causa se encontrava desaparecido desde o ano de 2004, conforme participação às autoridades policiais e consequente processo desenvolvido junto do Ministério Público, juntando-se cópia da certidão dos autos de inquérito sobre tal matéria com o n.º .../04..., os quais correm termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca do ..., que se junta como Doc. 4, nunca tendo tal veículo sido recuperado.
d) Até ao presente, a Autoridade Tributária e Aduaneira ignorou/desconsiderou tal informação e justificação.
e) Entretanto, e para evitar quaisquer dúvidas sobre a veracidade da impossibilidade de circulação e de utilização/fruição do referido veículo com a matrícula ..., requereu logo em 2012 –A...– proteção jurídica incluindo a nomeação de patrono oficioso, para intentar – devidamente assessorado – a competente ação judicial a propósito do mesmo veículo que se identificou.
f) Decorre precisamente da certidão dos autos de inquérito que se juntou como Doc. 4, que nunca o veículo em causa desde 2004 foi recuperado pelas autoridades a quem tal matéria foi denunciada (cf. Doc. 4 – Autos do inquérito criminal n.º .../......).
g) Nos autos deste inquérito criminal [foi] confirmado o que o requerente havia invocado perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, ali se dando por assentes, entre outros, os seguintes factos: a) «Em agosto de 2004 o veículo ... foi-lhe furtado na localidade de ..., concelho do ...» (cf. Doc. 4 – “Auto Denúncia por Furto e/ou Roubo”); b) «O veículo ... nunca foi recuperado, conforme Despachos de 28.09.2004 e de 23.11.2004 do Ministério Público da Comarca do ...» (cf. Doc. 4 – Despachos de fls. 6 e 11).
h) Por conseguinte, através da referida sentença fica comprovado que desde 2004 o requerente não é utilizador, detentor ou fruidor do referido veículo por não se encontrar na sua posse, não podendo fruir da utilização do mesmo, dado ter sido furtado/roubado e, por isso, não é sujeito passivo do correspondente IUC nos anos subsequentes. Dada a situação de impossibilidade de utilização do veículo com a matrícula ... desde o ano de 2004 até agora, conforme participação efetuada junto da autoridade competente, não pode A... estar a ser tributado de IUC com características legais bem específicas e legalizadas sobre os anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013.
i) De toda esta matéria, sempre tem vindo o requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a dar conhecimento de toda a factualidade existente e judiciariamente confirmada e constatada pelo NUIPC .../...... (cf. certidão Doc. 4).
j) Requer-se assim de forma expressa a constituição arbitral em matéria tributária com vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação de todos os atos de liquidação de IUC e respetivos juros compensatórios relativos aos períodos de tributação do IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e ao veículo com a matrícula ... .
k) Mais se informa a arbitragem tributária de que relativamente e especificamente ao IUC do ano de 2016 e sobre o mesmo veículo, a propósito do qual requereu a intervenção do Centro de Arbitragem Administrativa, em 13.10.2017 foi proferida douta Decisão Arbitral no processo n.º 166/2017-T, de que se junta cópia como Doc. 6 e que aqui se dá por reproduzida.
l) Verifica-se que só a partir do final do ano de 2012 teve o requerente conhecimento desta questão tributária de IUC relativamente ao veículo com a matrícula ..., diligenciando a partir daí a verificação do que tinha ocorrido e qual a identificação da mesma do processo que, em 2004, portanto, 8 anos antes, desenvolveu junto das entidades judiciárias.
m) Neste sentido, em 06.12.2017 o requerente dirigiu requerimento à entidade competente da Guarda Nacional Republicana, a fim de obter elementos sobre o resultado da atuação daquela entidade na sequência da denúncia oportunamente efetuada pelo requerente, cuja cópia se junta como Doc. 5 e aqui se dá por reproduzido, juntando-se ainda a impressão da mensagem de correio eletrónico de 06.12.2017 através da qual se procedeu ao envio/expedição do referido requerimento, a qual se junta como Doc. 6.
n) Paradoxalmente, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes em 2013 procede ao cancelamento sem que se saiba como nem porquê, provocando junto do requerente o documento de 15.11.2017 cuja cópia aqui se junta como Doc. 7 [...], o qual foi expedido/remetido por mensagem de correio eletrónico de 15.11.2017, cuja impressão aqui se junta como Doc. 8.
3.1. O Requerente termina pedindo que a acção arbitral seja julgada inteiramente provada e procedente e, por essa via, anulados os actos de liquidação de IUC “respeitantes ao veículo com a matrícula [...-]...dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013, bem como respetivos apensos desenvolvidos e devolução de todos os quantitativos pecuniários penhorados ao requerente relativos às situações tributárias que aqui se impugnam.”
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante será abreviadamente designada por “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
a) O Requerente foi notificado das liquidações de IUC (e juros compensatórios) referente aos anos de 2008 a 2013, no montante total de €293,64.
b) O termo do prazo de pagamento voluntário do IUC dos anos de 2009 a 2012 foi em 2013-11-06 e o termo do prazo de pagamento voluntário do IUC do ano de 2013 foi em 2014-06-09.
c) Como o Requerente não pagou o valor do IUC, foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs ...2013..., ...2014..., ...2014... e ...2014... .
d) [Relativamente à liquidação de 2008,] conclui[-se] que [...] o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente deu entrada em 2019-05-06, então há muito que está ultrapassado o prazo de três meses para impugnação da liquidação referente ao ano de 2008, pelo que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente a essa liquidação.
e) A extemporaneidade constitui exceção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da AT quanto ao pedido referente aos anos de 2009 a 2012, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelo Requerente.
f) O Requerente foi notificado dos atos de liquidação de IUC, referente aos anos de 2009 a 2012, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2013-11-06. Por não concordar com essas liquidações, o Requerente apresentou, em 2014-03-12, a reclamação graciosa ...2014..., a qual foi indeferida por intempestividade em 2014-03-17.
g) Tendo a reclamação graciosa supra sido apresentada em 2014-03-12 e a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC de 2009 a 2012 ser de 2013-11-06, se encontra largamente ultrapassado o prazo para a impugnação das liquidações (artigo 102.º, n.º 1, do CPPT, ex vi artigo 70.º, n.º 1, do mesmo Código).
h) [Relativamente às liquidações de 2009 a 2012], conclui[-se] que [...] o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente deu entrada em 2019-05-06, estando há muito ultrapassado o prazo para impugnação das liquidações referentes aos anos de 2009 a 2012, pelo que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente a essas liquidações.
i) A extemporaneidade constitui exceção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da AT quanto ao pedido referente aos anos de 2009 a 2012, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelo Requerente.
j) O Requerente foi notificado do ato de liquidação de IUC, referente ao ano de 2013, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2014-06-09. Por não concordar com essa liquidação, apresentou, em 2015-03-01, a reclamação graciosa ...2015..., a qual foi indeferida por intempestividade. Na sequência desse indeferimento, apresentou impugnação judicial, convolada em ação administrativa (Processo n.º .../15...BESNT do TAF Sintra), com fundamento em aferir da legalidade da decisão de rejeição da reclamação graciosa por extemporaneidade, a qual foi julgada improcedente.
k) Tal como nas liquidações de 2008 e 2009 a 2012, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, conclui-se que o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente deu entrada em 2019-05-06, estando há muito ultrapassado o prazo para impugnação das liquidações referentes aos anos de 2009 a 2012, pelo que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente a essas liquidações.
l) Não pode nunca o Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de reclamações graciosas intempestivas/extemporâneas. De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.
m) Ou seja, não pode o Requerente fundamentar a tempestividade do recurso ao tribunal arbitral com base na apresentação de reclamações graciosas extemporâneas. Nem pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade das reclamações graciosas, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que a AT contesta, nos termos dos documentos constantes do processo administrativo.
n) Ainda que, por mera hipótese, seja o presente pedido arbitral aceite, o valor que o Requerente atribui ao mesmo de € 5.000,01 não está correto. Nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende. Ora, atendendo a que o valor das liquidações que o Requerente impugna não são no valor de € 5.000,01 não deve ser este o valor atribuído ao pedido arbitral.
o) [«Ainda que assim não se entender, sem conceder,»] Alega o Requerente que comunicou à Autoridade Tributária que o veículo com a matricula ... se encontrava desparecido desde 2004, conforme participação às autoridades policiais, e que a AT desconsiderou tal informação, emitindo as liquidações ora impugnadas.
p) Salvo o devido respeito, entendemos que as alegações do Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada.
q) Efectivamente, o entendimento propugnado pelo Requerente decorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.
r) O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
s) É imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.
t) Em suma, o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, sendo certo que a tese propugnada pelo Requerente direcciona o seu objectivo para o alvo errado.
u) Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que os argumentos do Requerente não encontra[m] qualquer apoio na lei, porquanto tal resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código.
v) Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos do CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito, derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
w) Por último, importa ainda demonstrar que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pelo Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui a prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel (a este propósito, note-se, desde logo, que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.º do CIUC, tanto no seu n.º 1, como no n.º 2, correspondem exactamente aos casos de registo automóvel obrigatório, nos termos do Código do Registo Automóvel (CRA)).
x) De tudo quanto supra se expôs resulta claro que o ato tributário em crise não enferma de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era o Requerente, na qualidade de proprietário, o sujeito passivo do IUC.
y) Pelo que se conclui que o art. 3.º do CIUC, na redacção desse DL [n.º 41/2016, de 1/8] não contempla qualquer presunção, cuja ilisão a afaste da incidência do imposto. Se no registo é o Requerente que consta, então é ele que é o responsável pelo pagamento do IUC, independentemente de utilizar o veículo.
z) Da análise do pedido arbitral, constata-se que o Requerente não juntou qualquer documento que prove que não é o proprietário do veículo.
aa) O Requerente apenas juntou uma cópia simples da sentença de arquivamento, proferida no Processo n.º .../......, do Tribunal Judicial da Comarca do ..., em face do desaparecimento do veículo e da impossibilidade de terem sido encontrados suspeitos desse desaparecimento. No entanto, no doc. 5 junto pelo Requerente consta que o referido veículo terá sido encontrado… se foi encontrado, por que é que o Requerente não atuou em conformidade, cancelando a matrícula e o registo em seu nome?
bb) Assim, o facto de o Requerente não ter usufruído naquele período de tempo do veículo em questão, não faz com que o mesmo deixe de ser o seu proprietário, uma vez que sempre continuou em seu nome no Registo Automóvel e consequentemente, é o Requerente o responsável pelas obrigações fiscais, nomeadamente pelo pagamento do IUC.
cc) Como não providenciou pelo cancelamento da matrícula, o que só ocorreu em 2013, é o Requerente que consta do registo automóvel como proprietário do veículo, logo é este o responsável pelo pagamento do IUC.
dd) Face ao exposto falecem na íntegra os argumentos apresentados pelo ora Requerente, pelo que o presente pedido terá de sucumbir.
4.1. A AT conclui pedindo que seja julgada: a. Procedente a excepção da extemporaneidade do pedido arbitral relativamente às liquidações de IUC impugnadas; b. Caso não seja considerado procedente a exceção invocada, deve o valor do pedido ser reduzido para o valor das liquidações de IUC, cuja impugnação seja considerada tempestiva; c. Improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral referente às liquidações de IUC dos anos de 2008, 2009 a 2012 e 2013, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
5. Tendo sido invocada excepção mas tendo o Requerente respondido à mesma após despacho do Tribunal de 7/10/2019, e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 22 de Outubro de 2019, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 30 de Outubro de 2019 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. O presente pedido de pronúncia arbitral é intempestivo (vd., infra, a análise da excepção de intempestividade do pedido arbitral, suscitada pela Requerida, no ponto IV).
III. Matéria de Facto
III.1. Factos Provados
9. Com relevância para a decisão do presente processo, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. O Requerente vem requerer a ilegalidade dos actos de liquidação de IUC referentes ao veículo com a matrícula ... e aos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013.
B. O Requerente foi notificado dessas liquidações de IUC (no valor, respectivamente, de: €0 [sem resultado apurado] + €60,92 + €58,54 + €57,73 + €57,57), sendo o valor total das mesmas de €234,76.
C. O termo do prazo para pagamento voluntário do IUC dos anos de 2009 a 2012 ocorreu em 6/11/2013, e para pagamento voluntário do IUC do ano de 2013 em 9/6/2014.
D. Como o Requerente não pagou o IUC ora em causa, foram instaurados os processos de execução fiscal n.os ...2013..., ...2014..., ...2014... e ...2014... .
E. Inconformado o Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2014..., para os anos de 2009 a 2012, e a reclamação graciosa n.º ...2015..., para o ano de 2013 – tendo sido ambas indeferidas por intempestividade.
F. O Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 6/5/2019.
III.2. Factos não provados
10. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a presente decisão arbitral.
III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
11. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
12. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
13. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
IV. Questão prévia a decidir (excepção por intempestividade)
14. Como a Requerida invocou, na sua resposta, excepção por extemporaneidade quantos aos pedidos de anulação das liquidações de IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013, cabe averiguar se a mencionada excepção deve ser considerada procedente, atendendo, ainda, ao que consta do requerimento do ora Requerente apresentado em 21/10/2019, no qual este se pronunciou sobre a referida excepção.
15. No entender da Requerida, a invocada extemporaneidade decorre, nomeadamente, do facto de: i. “[Relativamente à liquidação de 2008,] [tendo] o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente d[ado] entrada em 2019-05-06, então há muito que está ultrapassado o prazo de três meses para impugnação da liquidação referente ao ano de 2008, pelo que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente a essa liquidação.”; ii) “[Relativamente às liquidações de 2009 a 2012], [tendo] o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente d[ado] entrada em 2019-05-06, estando há muito ultrapassado o prazo para impugnação das liquidações referentes aos anos de 2009 a 2012, pelo que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente a essas liquidações.”; e iii) “O Requerente foi notificado do ato de liquidação de IUC, referente ao ano de 2013, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2014-06-09. Por não concordar com essa liquidação, apresentou, em 2015-03-01, a reclamação graciosa ...2015..., a qual foi indeferida por intempestividade” e, como “não pode nunca o Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de reclamações graciosas intempestivas/extemporâneas”, não “pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade das reclamações graciosas, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que a AT contesta, nos termos dos documentos constantes do processo administrativo.”
16. Por seu lado, o ora Requerente, tendo sido notificado para se pronunciar sobre a referida excepção, alegou, em síntese, que:
16.1. Em primeiro lugar, junta-se cópia da douta Sentença proferida em 27.09.2019 no processo n.º .../15...BESNT, que o patrono oficioso aqui subscritor não patrocina, cujos autos correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., a qual vem anular o ato de liquidação de IUC referente ao veículo com a matrícula ..., relativo ao ano de 2013. Na qual se consignou que «…, desde 2004, e não tendo sido carreados outros elementos de prova demonstrativos de que a impugnante tenha recuperado o veículo, deixou de se poder considerar que o mesmo continuou a ser proprietário do mesmo, à luz do disposto no art. 1305.º do Código Civil.»
16.2. Este facto só por si afasta e informa qualquer excepção de intempestividade do pedido arbitral, muito particular e directamente, quanto ao IUC de 2013, jamais podendo valer a data de 09.06.2014 como termo do prazo de pagamento voluntário do IUC 2013 que vem alegado no artigo 6.º da douta contestação e que aqui se impugna.
16.3. Importa trazer à colação que toda a matéria que vem submetida pelo requerente à apreciação e julgamento no presente processo enquadra-se numa concretamente alegada “questão de direito”, qual seja a verificação – ou não – de uma situação de ilegitimidade substancial do impugnante quanto às obrigações de Imposto Único Automóvel (IUC) relativo aos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e ao veículo com a matrícula ... .
16.4. Sendo à luz desta questão de direito concretamente submetida que se hão de aferir os demais pressupostos processuais, designadamente, a competência deste Tribunal, a determinação da capacidade judiciária e a legitimidade (processual) das partes, ainda que tal questão de direito – ilegitimidade substancial do impugnante – possa constituir um pressuposto legal da (i)legalidade dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação em causa.
16.5. Não é uma mera situação de aparente extemporaneidade que obsta à competência do Tribunal Arbitral em matéria tributária, principalmente – dizemos nós – quando o que vem submetido para apreciação é uma concreta “questão de direito” atinente a ilegitimidade substancial do requerente a que não obsta qualquer situação de natureza adjectivo-processual, dado que o requerente apresentou todos os factos atinentes à questão de direito subjacente que habilitam o Julgador-Árbitro a apreciar e decidir sobre a mesma.
16.6. Acresce a legitimidade do requerente para formular pedido de revisão oficiosa, o qual, ainda que apresentado fora do prazo de dois anos, não exclui a jurisdição arbitral como decorre da jurisprudência que vem transcrita supra (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 11-07-2019 no processo n.º 147/17.4BCLSB).
16.7. Para afastar a alegada excepção de extemporaneidade, o requerente alega e apresenta os documentos que se especificam infra. Assim, desde novembro de 2018, encontra-se o requerente a aguardar por resposta à comunicação/requerimento que dirigiu à Autoridade Tributária e Aduaneira respeitante ao IUC do veículo com a matrícula ... e aos anos de 2009, 2011 e 2012, de que se junta cópia como Doc. 2. Por sua vez, o requerente entregou – pessoalmente – no “Serviço de Finanças de Sintra-... –...”, requerimento a pedir a anulação do processo n.º ...2013..., de que não possui cópia, por na circunstância do dia referido (26.11.2018), os Serviços encontrarem-se com problema técnico impeditivo de produzir e facultar tal cópia. Deste ato que praticou, o requerente apenas possui documento (citação proc. n.º...2013...) referente ao mesmo pedido de anulação que vem identificado como “Identificação de dívida em cobrança coerciva” relativo ao IUC do mesmo veículo com a matrícula ... e ao ano de 2009, cuja cópia aqui se junta como Doc. 3.
16.8. No que se refere ao IUC de 2013 e veículo com a matrícula ..., existem dois processos judiciais de impugnação: a) Processo n.º .../16...BESNT, cujos autos correm termos no Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica ...; e b) Processo n.º .../17...BELRS, cujos autos correm termos no Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica ... . Ainda no que respeita aos autos destes dois processos, há que referir que dada a situação de litispendência existente entre ambos, por virtude de nulidade de cobrança de IUC por motivo do veículo ter sido furtado e nunca ter sido recuperado pelas autoridades, requereu-se a respectiva apensação, estando tal pendente de decisão judicial.
16.9. Concomitantemente e segundo informação prestada pelo Requerente, através do processo n.º .../14...BESNT, cujos autos correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., foi também impugnado o IUC dos anos de 2009 a 2012 referente ao mesmo veículo com a matrícula ... . Importa frisar que em 15.11.2017 foi apresentado nos autos do referido processo n.º .../16...BESNT, requerimento de 15.11.2017 para que fosse determinada a apensação aos mesmos do processo n.º .../14...BESNT, conforme cópia que aqui se junta como Doc. 4, bem como do respetivo comprovativo de entrega que se junta como Doc. 5. Sendo que sobre a decisão acerca deste pedido de apensação encontra-se ainda pendente recurso interposto em 05.02.2018 a subir ao Tribunal ad quem a final, conforme douto Despacho de 16.04.2018, cuja cópia se junta como Doc. 6.
16.10. Encontra-se igualmente requerida a apensação do processo n.º .../15...BESNT cujos autos correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., nos quais se impugna de forma específica o IUC do ano de 2009 do veículo com a matrícula ..., encontrando-se a aguardar decisão sobre tal pedido de apensação. Acresce que se encontra igualmente pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., a impugnação especificamente respeitante ao IUC do ano de 2011 e relativa ao mesmo veículo com a matrícula ..., cujos autos correm termos sob o processo n.º .../14...BESNT. Igualmente se requereu a apensação dos autos relativos ao processo n.º .../15...BESNT que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., nos quais vem impugnado o IUC do ano de 2012 e respeitante ao mesmo veículo com a matrícula ... .
16.11. Ainda quanto ao IUC dos anos de 2011 e 2012 do veículo em causa, salienta-se que em novembro de 2018 o requerente remeteu por correio postal a comunicação de que junta cópia como Doc. 7, a qual, até ao presente, também não mereceu ainda qualquer resposta.
16.12. Com esta aclaração que agora se efetua, poderá verificar-se que nesta data se encontram devidamente impugnadas judicialmente as dívidas em cobrança coerciva relativas ao IUC dos anos de 2009, 2011, 2012 e 2013 e ao veículo com a matrícula ... .
16.13. Atento o que precede, fica evidente que não existe qualquer situação de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente à liquidação de IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e ao veículo com a matrícula ... .
16.14. Razão pela qual se requer a pronúncia sobre a questão de direito concretamente submetida no requerimento inicial, qual seja a ilegitimidade substancial do requerente quanto às obrigações de IUC especificadas, ou seja, o IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e relativos ao veículo com a matrícula ..., sob pena de poder estar em causa o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 28.º, n.º 1, al. b) in fine o RJAT, determinando a nulidade da decisão que possa vir a ser proferida, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
17. Vejamos, então.
18. Nos presentes autos, estão em causa as liquidações de IUC (e juros compensatórios) dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e relativas ao veículo com a matrícula ..., da categoria A.
19. Decorre da leitura dos presentes autos a constatação de que, à data em que foi deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral (6/5/2019), já há muito estava ultrapassado o prazo para impugnação das liquidações de IUC dos referidos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013, atendendo ao disposto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, combinado com o artigo 102.º, n.º 1 e 2, do CPPT – facto este que não é contrariado pelo ora Requerente na sua resposta à excepção.
20. Com efeito, e como bem assinalou a Requerida (não tendo sido, a respeito destas datas, desmentida pelo Requerente na sua resposta à excepção): i. quanto ao pedido de anulação da liquidação de IUC de 2008, o mesmo é extemporâneo porque, tendo “o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente deu entrada em 2019-05-06, então há muito que está ultrapassado o prazo de três meses, para impugnação da liquidação referente ao ano de 2008”; ii) no que se refere aos pedidos de anulação das liquidações de IUC dos anos de 2009, 2011 e 2012, os mesmos são extemporâneos porque, tendo “o Requerente [sido] notificado dos atos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2009 a 2012, cuja data limite de pagamento ocorreu em 2013-11-06” e tendo “o Requerente [apresentado] em 2014-03-12 a reclamação graciosa n.º ...2014..., a qual foi indeferida por intempestividade em 2014-03-17” e sendo “a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC de 2009 a 2012 [de] 2013-11-06, encontra[-se] largamente ultrapassado o prazo para a impugnação das liquidações”; iii) no que se refere ao pedido de anulação da liquidação de IUC do ano de 2013, o mesmo é extemporâneo porque, tendo a “data limite de pagamento [ocorrido] em 2014-06-09” e, “não concorda[ndo] com essa liquidação, [tendo o Requerente] apresent[ado], em 2015-03-01, a reclamação graciosa n.º ...2015..., a qual foi indeferida por intempestividade”, “há muito [estava] ultrapassado o prazo para impugnação”.
21. O Requerente, na resposta à excepção de intempestividade, não nega as datas que foram apontadas pela Recorrida, mas alega que a intempestividade, a existir, não obsta à análise da questão substantiva colocada (“não é uma mera situação de aparente extemporaneidade que obsta à competência do Tribunal Arbitral em matéria tributária, principalmente – dizemos nós – quando o que vem submetido para apreciação é uma concreta «questão de direito» atinente a ilegitimidade substancial do requerente a que não obsta qualquer situação de natureza adjectivo-processual”); e acrescenta, ainda, que, caso não haja, por causa da intempestividade referida, “pronúncia sobre a questão de direito concretamente submetida no requerimento inicial [...] [poderá] estar em causa o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 28.º, n.º 1, al. b) in fine o RJAT, determinando a nulidade da decisão que possa vir a ser proferida”. Antes de proceder à análise de outras objecções colocadas pelo ora Requerente à excepção de intempestividade, justifica-se a análise desta.
22. Assim, deve assinalar-se, desde logo, que o conhecimento da referida extemporaneidade se impõe como prioritário ao presente Tribunal; e que a sua confirmação impede a apreciação do mérito relativamente aos pedidos que tenham sido considerados extemporâneos. Não é, pois, possível inverter esta sequência, passando imediatamente à apreciação do mérito das questões colocadas (como parece pretender o Requerente no Requerimento de 21/10/2019) – ou ignorar aquela extemporaneidade.
23. Como bem se assinalou, e.g., no seguinte Aresto: “O Código de Processo e Procedimento Tributário não dispõe de uma norma própria que indique a ordem do conhecimento das questões a resolver pelo tribunal [...]. Como determina o art. 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, tal ordem há-de recolher-se, atenta a natureza da lacuna, no Código de Processo Civil, art. 608.º, n.º 1, iniciando-se pelo conhecimento das excepções dilatórias e, [...], por regra, posteriormente, tomando conhecimento das peremptórias” (Acórdão do STA de 15/2/2017, proc. 0216/15).
24. Assim sendo, e considerando que se verifica e confirma a invocada excepção peremptória (por extemporaneidade), nos termos do disposto no artigo 576.º do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) – excepção que importa a absolvição da AT dos pedidos formulados pelo Requerente relativamente às liquidações de IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013, não se vislumbra qualquer base de sustentação para a alegação feita pelo Requerente (no seu Requerimento de 21/10/2019) segundo a qual poderia “estar em causa o vício de omissão de pronúncia” se, em razão do conhecimento prioritário da referida extemporaneidade, não se procedesse ao conhecimento do mérito dos pedidos (considerados extemporâneos).
25. Como bem refere, e.g., o Ac. do STA de 25/3/2009 (proc. 0196/09): “aqui se acompanh[a] jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, [segundo a qual] a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição [...], na exacta medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. acórdãos de 21/05/08, 3/12/08 e 11/02/09, nos processos n.ºs 293/08, 803/08 e 802/08).” Neste mesmo sentido, ver, também, o Ac. do STA de 20/6/2018 (proc. 0748/15): “é pacífico o entendimento da jurisprudência desta Secção no sentido de que a intempestividade do meio processual utilizado gera o indeferimento liminar da respectiva petição inicial, impossibilitando o conhecimento quanto ao mérito da causa de pedir.”
26. Ainda assim, e “para afastar a alegada excepção de extemporaneidade, o requerente alega e apresenta os documentos que se especificam infra.” Tais documentos são, em síntese, os seguintes: i) “comunicação/requerimento que dirigiu à Autoridade Tributária e Aduaneira respeitante ao IUC do veículo com a matrícula ... e aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012”, que está “a aguardar por resposta” desde “novembro de 2018”; ii) “requerimento a pedir a anulação do processo n.º ...2013...”, de “26.11.2018”, de que “o requerente apenas possui documento (citação proc. n.º ...2013...) referente ao mesmo pedido de anulação que vem identificado como “Identificação de dívida em cobrança coerciva” relativo ao IUC do mesmo veículo com a matrícula ... e ao ano de 2009, cuja cópia aqui se junta como Doc. 3”; iii) “Ainda quanto ao IUC dos anos de 2011 e 2012 do veículo em causa, [...] em novembro de 2018 o requerente remeteu por correio postal a comunicação de que junta cópia como Doc. 7, a qual, até ao presente, também não mereceu ainda qualquer resposta”; iv) quanto ao IUC de 2013, a “Sentença proferida em 27.09.2019 no processo n.º .../15...BESNT”, “a qual vem anular o ato de liquidação de IUC referente ao veículo com a matrícula ..., relativo ao ano de 2013.”
27. Verifica-se, contudo, que qualquer dos documentos (e decisão judicial) supra referidos não obsta à reafirmação da conclusão acima feita por este Tribunal, de acordo com a qual os pedidos formulados pelo Requerente são extemporâneos – visto que tais comunicações com a AT (ou a sentença referida – que, ao que se sabe, ainda não terá transitado em julgado) não alteram a contagem dos prazos que se encontram previstos no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, combinado com o artigo 102.º, n.º 1 e 2, do CPPT.
28. Por outro lado, o ora Requerente alega, também, que tem “legitimidade [...] para formular pedido de revisão oficiosa, [e que o mesmo], ainda que apresentado fora do prazo de dois anos, não exclui a jurisdição arbitral como decorre da jurisprudência que vem transcrita supra (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 11-07-2019 no processo n.º 147/17.4BCLSB).”
29. Deve notar-se, contudo, que o invocado Acórdão não versa sobre a questão que está aqui em análise (e que diz respeito à possibilidade de pronúncia arbitral em caso de indeferimento de reclamações graciosas que foram consideradas intempestivas); considera, somente, que “o tribunal arbitral tem competência em razão da matéria para conhecer da legalidade de acto de autoliquidação que tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa [tempestivamente apresentado]”. Por outro lado, e como bem assinalou a Requerida na sua resposta, “não [se pode] justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de reclamações graciosas intempestivas/extemporâneas. De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.”
30. Este entendimento, com o qual se concorda, vai ao encontro de numerosa jurisprudência, da qual se dão aqui apenas alguns exemplos: “não há dúvida [de] que a extemporaneidade da reclamação conduz à necessária improcedência da impugnação, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido (neste sentido acórdão do STA de 02.04.2009, proferido in proc. 0125/09).” (Ac. do TCA Norte de 14/3/2012, proc. 00139/09.7BECBR); “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido” (Ac. do TCA Norte de 11/10/2017, proc. 01584/09.3BEPRT); “Estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva” (Ac. do TCA Sul de 23/3/2017, proc. 07644/14); “não pode defender-se e justificar-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de uma reclamação graciosa extemporânea pois, desde modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação.” (Decisão Arbitral de 3/7/2019, proc. 48/2019-T).
31. Por último, informa o Requerente, na sua resposta à excepção, que: i) “no que se refere ao IUC de 2013 e veículo com a matrícula ..., existem dois processos judiciais de impugnação: a) Processo n.º .../16...BESNT, cujos autos correm termos no Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica ...; e b) Processo n.º .../17...BELRS, cujos autos correm termos no Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica ... . Ainda no que respeita aos autos destes dois processos, há que referir que dada a situação de litispendência existente entre ambos, por virtude de nulidade de cobrança de IUC por motivo do veículo ter sido furtado e nunca ter sido recuperado pelas autoridades, requereu-se a respectiva apensação, estando tal pendente de decisão judicial.”; ii) “segundo informação prestada pelo Requerente, através do processo n.º .../14...BESNT, cujos autos correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., foi também impugnado o IUC dos anos de 2009 a 2012 referente ao mesmo veículo com a matrícula ... . Importa frisar que em 15.11.2017 foi apresentado nos autos do referido processo n.º .../16...BESNT, requerimento de 15.11.2017 para que fosse determinada a apensação aos mesmos do processo n.º .../14...BESNT, conforme cópia que aqui se junta como Doc. 4”; iii) “Encontra-se igualmente requerida a apensação do processo n.º .../15...BESNT cujos autos correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., nos quais se impugna de forma específica o IUC do ano de 2009 do veículo com a matrícula ..., encontrando-se a aguardar decisão sobre tal pedido de apensação. Acresce que se encontra igualmente pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., a impugnação especificamente respeitante ao IUC do ano de 2011 e relativa ao mesmo veículo com a matrícula ..., cujos autos correm termos sob o processo n.º .../14...BESNT. Igualmente se requereu a apensação dos autos relativos ao processo n.º .../15...BESNT que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica ..., nos quais vem impugnado o IUC do ano de 2012 e respeitante ao mesmo veículo com a matrícula ... .”
32. Os referidos processos judiciais, que envolvem as liquidações de IUC dos anos de 2009 a 2013, relativas ao veículo com a matrícula ..., poderiam levantar aqui a possibilidade de uma eventual excepção (dilatória) de litispendência, caso qualquer das mencionadas acções judiciais fosse idêntica ao presente pedido arbitral (i.e., caso ocorresse identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir: vd. artigo 581.º do CPC). Sucede, contudo, que não constando destes autos as petições iniciais dessas acções judiciais, não é possível saber, nomeadamente, quais os fundamentos que foram invocados nas mesmas – não existindo, consequentemente, condições para se poder concluir, por exemplo, pela existência, ou não, de identidade da causa de pedir (nem para que se possa concluir pela existência, ou não, da referida litispendência).
33. Não sendo possível apurar, pelas razões supra indicadas, a existência da referida excepção dilatória (quanto ao IUC dos anos de 2009, 2011, 2012 e 2013), passou-se, por essa razão, à análise imediata da excepção (peremptória) de extemporaneidade do pedido (quanto ao IUC dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013), em conformidade com a ordem de conhecimento das excepções assinalada no já citado Acórdão do STA de 15/2/2017 (proc. 0216/15).
34. Tendo em consideração o acima exposto, conclui-se que o pedido arbitral é extemporâneo relativamente às liquidações impugnadas de IUC (e juros compensatórios) dos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 – extemporaneidade que constitui excepção peremptória, nos termos do disposto no art. 576.º do CPC (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), importando a absolvição da AT.
35. Resta, por último, apurar o valor do presente processo. Como refere o artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT, “o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ora, nos termos do mencionado artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, “os valores atendíveis [...] quando seja impugnada a liquidação, [são os] da importância cuja anulação se pretende”.
36. Assim sendo, o valor do presente pedido arbitral, inicialmente apontado pelo Requerente como sendo €5.000,01, terá de ser reduzido, nos termos do disposto no artigo 97.º-A do CPPT (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), para o valor correspondente às liquidações de IUC (e juros compensatórios) que foram impugnadas [i.e., para o valor da liquidação de 2008 (sem resultado apurado: €0) + o valor das liquidações de 2009, 2011, 2012 e 2013 (€60,92 + €58,54 + €57,73 +€57,57 = €234,76)]. Sendo o valor total ora impugnado de €234,76, tal terá inevitável implicação na definição das custas, passando o valor das mesmas para os €306,00 (nos termos do disposto no art. 4.º do RCPAT e respectiva “Tabela I”).
37. Em resumo, conclui-se que assiste razão à Requerida quando invoca a extemporaneidade do presente pedido arbitral, pelo que, a este Tribunal não resta senão considerar procedente a excepção invocada, em conformidade com o disposto no já acima referido art. 576.º do CPC, (aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida do pedido arbitral.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente a excepção por extemporaneidade relativamente às liquidações de IUC (e juros compensatórios) respeitantes aos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e ao veículo com a matrícula ... .
- Condenar o Requerente nas custas do processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 234,76 (duzentos e trinta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a pagar pelo Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Outubro de 2019.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.