DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dra. Adelaide Moura (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 24 de abril de 2019, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC..., com sede no ..., ..., …, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações introduzidas pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IMT n.º..., datada de 19.12.2017;
- Restituição do montante de imposto indevidamente pago (€ 975.000,00), acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
A Requerente juntou 5 (cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, sumariamente, no seguinte:
Em 28 de novembro de 2014, no âmbito da sua atividade (compra e venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim), a Requerente celebrou um contrato de compra e venda com o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto – B..., atualmente designado por Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto – C..., através do qual adquiriu, para revenda e pelo valor global de € 30.000.000,00, diversas frações autónomas destinadas a atividades comerciais do prédio urbano designado por “D...”.
A entidade alienante é e sempre foi um fundo de investimento aberto, com sede em Portugal, constituída e a operar de acordo com a legislação portuguesa, encontrando-se registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Em virtude de os referidos imóveis terem sido adquiridos para revenda, a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT.
Uma vez que os ditos imóveis não foram revendidos no prazo de 3 anos, a AT procedeu, em 19 de dezembro de 2017, à emissão do ato de liquidação de IMT controvertido, no montante global de € 1.950.000,00, valor este que a Requerente pagou integralmente no dia 20 de dezembro de 2017.
Posteriormente, em 26 de outubro de 2018, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do mencionado ato de liquidação de IMT, por entender que o mesmo padece de ilegalidade, por violação do artigo 49.º do EBF, na redação em vigor à data da aquisição dos sobreditos imóveis; até à presente data não recaiu qualquer decisão sobre aquele pedido de revisão oficiosa.
À data da transmissão dos aludidos imóveis estava em vigor o artigo 49.º do EBF, com a redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o qual estatuía que “São reduzidas para metade as taxas (…) de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos (…) que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
O teor literal daquela norma é absolutamente claro quanto ao respetivo âmbito de aplicação: a isenção ali consagrada – a redução para metade da taxa de IMT – aplica-se às transmissões onerosas de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Deste modo, o direito à isenção de metade da taxa de IMT pressupõe que o imóvel objeto da transmissão se encontre integrado no património de fundo de investimento imobiliário aberto, constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa. Assim, a isenção consagrada nesta norma legal beneficia os adquirentes de imóveis alienados por fundos de investimento imobiliário abertos, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa.
Nessa perspetiva, os sujeitos passivos de IMT que tenham adquirido – durante a vigência da referida norma legal – imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, têm, inequivocamente, direito à dita redução para metade da taxa de imposto.
O caso concreto é subsumível no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, devendo dar-se por verificado o direito da Requerente a beneficiar da referida taxa reduzida de IMT, o qual resulta imediatamente da lei, pois não pressupõe um pedido prévio por parte do sujeito passivo, nem a prática de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT; consubstancia, pois, um benefício fiscal de carácter automático, na aceção do artigo 5.º, n.º 1, do EBF.
Por outro lado, a circunstância de a liquidação de IMT controvertida ter sido precedida de uma outra – na qual a Requerente beneficiou da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT – também não coloca em causa o direito ao benefício fiscal consagrado no artigo 49.º do EBF, na medida em que a caducidade daquela outra isenção não faz extinguir este outro benefício fiscal, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição dos ditos imóveis.
Nestes termos, deve o ato de liquidação de IMT controvertido ser declarado ilegal, por violação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, impondo-se, consequentemente, a sua anulação parcial, com todos os legais efeitos, designadamente com o reembolso à Requerente de € 975.000,00, correspondente a metade da taxa de IMT.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 02 de maio de 2019.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17 de junho de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 08 de julho de 2019.
6. No dia 20 de setembro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida juntou um documento e não requereu a produção de quaisquer outras provas, tendo ainda procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, no argumento de que a liquidação de IMT controvertida está correta, uma vez que os imóveis em causa integravam o dito fundo imobiliário antes da alteração ao artigo 49.º do EBF introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cujo regime transitório constante do respetivo artigo 209.º estabelecia que este novo regime se aplicava “aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades”; assim, a AT sustenta que o aludido benefício da redução da taxa de IMT se aplicava aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro, durante a sua vigência.
8. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas e sucessivas, tendo fixado o dia 07 de janeiro de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
9. Apenas a Requerente apresentou alegações, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida no pedido de pronúncia arbitral.
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II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Não foram invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
11. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente, anteriormente designada “E..., S. A.”, é uma sociedade comercial que tem por objeto social a compra, desenvolvimento e promoção, incluindo a reabilitação, de prédios urbanos para arrendamento ou outros tipos de contratos de utilização; poderá desenvolver atividades acessórias, entendendo-se como tal aquelas que no seu conjunto representem menos de 20 das rendas ou outra remuneração obtida com o arrendamento ou cedência da utilização dos seus imóveis em cada exercício fiscal (incluindo, sem limitar, operações imobiliárias diferentes das acima referidas, nomeadamente a compra de imóveis para revenda) ou aquelas que se possam considerar acessórias nos termos da lei aplicável em cada momento. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]
b) Em 28 de novembro de 2014, no âmbito da sua atividade, a Requerente celebrou um contrato de compra e venda com o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B...”, através do qual adquiriu, para revenda, pelo valor global de € 30.000.000,00 (trinta milhões de euros), as frações autónomas destinadas a atividades comercias identificadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D” do prédio urbano designado por “D...”, sito na União das Freguesias de ... e ..., concelho de ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial sob os artigos matriciais n.ºs U-...-A, U-...-B, U-...-C e U-...-D. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
c) O Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B...”, atualmente designado Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto “C...”, é e sempre foi um fundo de investimento imobiliário aberto, com sede em Portugal, constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa, encontrando-se registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]
d) A Requerente adquiriu os aludidos imóveis para revenda, pelo que beneficiou da isenção de IMT estatuída no artigo 7.º (“Isenção pela aquisição de prédios para revenda”) do Código do IMT. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
e) Em 13 de dezembro de 2017, a Requerente requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-... que procedesse à liquidação de IMT relativamente à sobredita compra que efetuou das referenciadas frações autónomas ao Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B...”, em virtude de não as ter revendido no prazo de 3 (três) anos. [cf. PA]
f) Nessa sequência, em 19 dezembro de 2017, foi emitida a liquidação de IMT n.º..., no montante total de € 1.950.000,00 (um milhão novecentos e cinquenta mil euros) – coleta resultante da aplicação da taxa de 6,5% sobre a matéria coletável de € 30.000.000,00 –, com data limite de pagamento em 20.12.2017. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA e PA]
g) Em 20 de dezembro de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento integral do aludido montante de imposto. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
h) Em 26 de outubro de 2018, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-... um pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, autuado sob o n.º ...2018... e tendo por objeto a liquidação de IMT referenciada no facto provado f), nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial constante do PA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo ali sido peticionado a final que “seja a liquidação de IMT em análise parcialmente anulada, sendo reembolsado o imposto indevidamente pago, no valor global de € 975.000, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios”.
i) Até à presente data, aquele pedido de revisão oficiosa não foi objeto de qualquer decisão por parte da AT.
j) Em 24 de abril de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
12. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
III.2. DE DIREITO
§1. O THEMA DECIDENDUM
14. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar se a liquidação de IMT controvertida padece de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
A problemática jurídico-tributária subjacente à questão decidenda já foi objeto de análise em diversas decisões arbitrais, designadamente nas prolatadas nos processos n.º 544/2016-T, n.º 677/2016-T, n.º 440/2017-T, n.º 547/2017-T, n.º 580/2017-T, n.º 622/2017-T, n.º 260/2018-T, n.º 563/2018-T e n.º 656/2018-T; embora a perspetiva de abordagem a adotar seja aqui diferente da prosseguida na quase totalidade daqueles processos arbitrais (o fundo de investimento imobiliário é aqui a entidade alienante dos imóveis, o que apenas acontecia no último dos citados processos arbitrais), desde já salientamos que não vislumbramos motivos para nos afastarmos das posições ali vertidas, nos segmentos que se afiguram aplicáveis ao caso sub judice.
§2. O BENEFÍCIO FISCAL, EM SEDE DE IMT, PREVISTO NO ARTIGO 49.º DO EBF
§2.1. DA EVOLUÇÃO DO REGIME LEGAL
15. O regime legal do benefício fiscal, em sede de IMT, previsto no artigo 49.º do EBF conheceu uma evolução legislativa de que, seguidamente, daremos conta; a apreciação jurídico-tributária da situação sub judice será efetuada tendo em consideração a redação daquela norma legal que estava em vigor à época dos factos, uma vez que, como estatui o artigo 5.º, n.º 1, do Código do IMT, a incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo determina que a obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão.
16. O regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, veio criar diversos incentivos fiscais à constituição de fundos de investimento imobiliário, pois, como referido no respetivo preâmbulo, “[o] Governo reconhece o importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no sector imobiliário. Acrescem os efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios”, para o que se tornava necessário “definir um quadro fiscal adequado”.
No artigo 1.º desse diploma legal consignou-se, desde logo, o seguinte:
São isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora.
Mais tarde, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 189/90, de 8 de junho, em cujo preâmbulo se dá conta da criação, no âmbito do EBF, da “isenção de contribuição autárquica para os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário com o objectivo de incentivar esta forma de investimento”; foi, assim, aditado ao EBF o artigo 56.º, com a seguinte redação:
Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.
Na sequência da revisão operada ao EBF pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, aquela norma do EBF foi renumerada – passando a ser o artigo 46.º – e alterada, tendo passado a ter a seguinte redação:
Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional e em fundos de poupança-reforma.
No ano seguinte, o artigo 46.º do EBF foi alterado pelo artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (LOE 2003), passando a ter a seguinte redação:
Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
No ano subsequente, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de julho, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, por via do qual se procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os novos Código do IMI e Código do IMT e procedendo a alterações de diversa legislação tributária conexa com a mesma reforma; foram, então, objeto de revogação, além de outros diplomas legais, o Código da Contribuição Autárquica e o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Nos termos do disposto no respetivo artigo 28.º, ficaram estabelecidas as seguintes remissões:
1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.
Ademais, ficou estatuído o seguinte no n.º 6 do respetivo artigo 31.º:
Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.
Posteriormente, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (LOE 2007), através do seu artigo 82.º, alterou o artigo 46.º do EBF, tendo este passado a ter a seguinte redação:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 91.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (LOE 2008), foi aprovado o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, que alterou e republicou o EBF, tendo o artigo 46.º sido renumerado, passando agora a ser o artigo 49.º, com a seguinte redação:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis reduzidas para metade.
Em momento posterior, por via do artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (LOE 2010), o artigo 49.º do EBF foi, mais uma vez, objeto de alteração, passando a estatuir o seguinte:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - (Revogado)
No mesmo ano, aquela norma do EBF foi novamente alterada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE 2011), tendo passado a ter a seguinte redação:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - …
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014) veio consignar no seu artigo 206.º uma nova alteração à mesma norma do EBF, a qual passou a ter a seguinte redação:
1 - São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - ...
Ainda no domínio do mesmo diploma legal, importa também atentarmos na disposição transitória no âmbito do EBF, vertida no respetivo artigo 209.º, com o seguinte teor:
O regime tributário resultante da nova redação dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades.
Por último, nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016), o artigo 49.º do EBF foi revogado; igual destino teve o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que foi revogado pelo artigo 319.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019).
§2.2. DA CARACTERIZAÇÃO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL
17. Como resulta do anteriormente exposto, a apreciação jurídico-tributária do caso concreto deverá ser efetuada tendo presente a redação do artigo 49.º do EBF decorrente da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro:
1 - São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - ...
Trata-se de um benefício fiscal de caráter automático porque o direito ao benefício resulta direta e imediatamente da lei, operando, portanto, ope legis, pela mera verificação do respetivo pressuposto de facto, não carecendo de qualquer ato posterior de reconhecimento por parte da AT (cf. artigo 5.º, n.º 1, do EBF).
18. Noutra ordem de considerações, como foi referido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 544/2016-T, “uma leitura conjunta da nova disposição do artigo 46.º do EBF e da regra precedente do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, permite razoavelmente concluir que a partir da entrada em vigor da nova redacção do artigo 46.º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46.º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses mesmos imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46.º do EBF. No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes.
(…)
Não obstante as diferenças estruturais que separam ambas as isenções, a verdade é que em ambos os casos as sociedades gestoras de fundos de investimento são colocadas numa posição economicamente vantajosa: ou porque não têm que pagar o IMT quando adquirem imóveis para os integrar no respectivo fundo de investimento imobiliário, ou porque os podem colocar no mercado mais facilmente em virtude de o prospectivo adquirente estar isento de IMT. (…)
Com efeito, apesar de, nos termos do artigo 4.º do CIMT, o IMT dever ser suportado pelo adquirente do bem imóvel – que na generalidade dos casos será alguém inteiramente alheio à actividade de investimento imobiliário – a verdade é que esta isenção coloca os fundos de investimento imobiliário numa posição economicamente favorável e competitiva no seio do mercado imobiliário, na medida em que lhes permite escoar os seus bens imóveis mais facilmente, a um preço mais atractivo do ponto de vista do consumidor, porque está isento de IMT ou beneficia de uma redução de taxa.
Por esse motivo, a isenção do actual artigo 49.º do EBF, mesmo na sua versão atenuada de redução das taxas de IMT para metade, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal.
(…)
Com efeito, para além do distinto teor literal, as duas isenções em discussão são estruturalmente diferentes, económica e fiscalmente compatíveis, e, em rigor, complementares.”
Como acima já se frisou, outras decisões arbitrais alinharam pelo mesmo diapasão, citando-se aqui, a título meramente exemplificativo, o aresto arbitral proferido no processo n.º 622/2017-T, no qual é dito que “importa fazer notar que o âmbito aplicativo da isenção inicialmente criada pela Lei 53-A/2006, mediante a alteração do artigo 46.º do EBF – que passou a prever a isenção de IMI e de IMT em relação a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários –, não é coincidente com o da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, que se refere a aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora. Na verdade, por efeito da nova disposição do artigo 46.º do EBF, passaram a estar isentas do IMT os prédios já integrados nos fundos imobiliários, ao passo que a isenção a que se referia o diploma de 1987 abrangia as aquisições de bens imóveis efectuadas por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para passarem a integrar o património desses fundos. O que significa que o EBF veio ampliar a isenção, cobrindo não apenas as situações em que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel, mas também aquelas em que o fundo age na posição de alienante do imóvel (…).”
Como também já tivemos ocasião de afirmar, não descortinamos qualquer motivo para divergirmos desta jurisprudência arbitral e, nessa medida, reiteramos aqui o entendimento de que o benefício fiscal, em sede IMT, consagrado no artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, visa as situações em que os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública agem na posição de alienantes dos imóveis e aplica-se quer aos imóveis que, à data da entrada em vigor deste diploma legal, integravam os ditos fundos de investimento imobiliário, quer aos imóveis que, posteriormente, vieram a integrar esses mesmos fundos de investimento (cf. artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro).
Consequentemente, consideramos que o diferente entendimento plasmado no Parecer do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, junto pela AT à sua resposta, não reflete aquela que é a correta exegese hermenêutica das normas legais em apreço, designadamente porque “confunde o facto tributário (a transmissão) com os pressupostos da isenção (o objeto da transmissão)”, como bem afirma a Requerente.
§3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA
19. Resultou provado que a Requerente adquiriu os aludidos imóveis, por contrato de compra e venda celebrado em 28 de novembro de 2014, a um fundo de investimento imobiliário aberto, com sede em Portugal, constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa (cf. factos provados b) e c)).
Nessa conformidade, uma vez que está preenchido o respetivo pressuposto de facto, tem a Requerente direito ao benefício fiscal, em sede de IMT, estatuído no artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – em vigor à data da transmissão dos imóveis objeto da liquidação de IMT controvertida –, ou seja, à redução para metade da taxa de imposto que, à data, era aplicável à referenciada transmissão e que se cifrava em 6,5% (cf. artigo 17.º, n.º 1, alínea d), do Código do IMT); assim, a aquisição dos aludidos imóveis pela Requerente ao Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B...” deveria ter sido tributada, em sede de IMT, à taxa de 3,25%, daí resultando o montante total de imposto a pagar de € 975.000,00 (€ 30.000.000,00 x 3,25%).
Não o tendo sido, como comprovadamente não foi (cf. facto provado f)), a liquidação de IMT controvertida padece de vicio de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, devendo, por isso, ser anulada na parte em que excede metade da taxa de IMT que, à data, era aplicável à referenciada transmissão e que se cifrava em 6,5%; o mesmo vício invalidante fulmina o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... .
20. Não é obstativo desta conclusão o facto de a Requerente, anteriormente, ter beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º (“Isenção pela aquisição de prédios para revenda”) do Código do IMT (cf. facto provado d)), a qual caducou em virtude de os aludidos imóveis não terem sido revendidos no prazo de três anos (cf. facto provado e)), atento o disposto no artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT.
Porquanto, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos (cf. artigo 12.º do EBF) e, no caso concreto – como acima foi evidenciado –, aquando da referenciada transmissão estava preenchido o pressuposto de facto de que dependia a aplicação in casu do benefício fiscal, em sede de IMT, estatuído no artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pelo que, a caducidade da dita isenção não teve por efeito a reposição automática da tributação-regra (cf. artigo 14.º, n.º 1, do EBF), pois a operatividade do facto tributário em sede de IMT foi então impedida por aquele benefício fiscal emergente automaticamente da lei (ver, neste sentido, a decisão arbitral proferida no processo n.º 20/2018-T).
§4. O REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
21. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do montante de imposto indevidamente pago – € 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil euros) –, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais; sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral do valor resultante do ato tributário controvertido (cf. facto provado g)).
22. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
§4.1. DO REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO
23. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de IMT controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o mencionado ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.
Destarte, procede o pedido de reembolso do montante de € 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil euros).
§4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
24. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”; por seu turno, da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT decorre que são também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
A alusão à revisão do ato tributário remete-nos para o artigo 78.º da LGT, cujo n.º 1 estatui que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços; o n.º 7 do mesmo artigo 78.º determina que interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
No citado n.º 1 do artigo 78.º da LGT, está pois prevista a possibilidade de revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa, devendo entender-se que o legislador está aqui a referir-se ao prazo de reclamação graciosa , o qual é de 120 dias (cf. artigo 70.º, n.º 1, do CPPT).
No caso de ser reconhecida a ilegalidade do ato de liquidação invocada pelo sujeito passivo, não só haverá lugar à restituição do montante de imposto indevidamente pago, como deverá ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos.
No entanto, como resulta do citado n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários também poderá ser efetuada a pedido do contribuinte. Porém, se o pedido de revisão dos atos tributários for realizado dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, os efeitos decorrentes do reconhecimento da ilegalidade do ato de liquidação são diferentes dos que resultam quando o pedido de revisão é efetuado dentro do prazo de reclamação graciosa. Com efeito, apesar de o ato de liquidação ser igualmente anulado, o direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios não é reconhecido nos mesmos termos, ou seja, desde da data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos; nesse caso, tais juros apenas serão devidos se a Administração Tributária só efetuar a revisão do ato de liquidação mais de um ano após a dedução do pedido e o atraso lhe for imputável, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
Neste exato sentido, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 717 e 718) afirmam o seguinte:
«Assim, nos casos em que o pedido de revisão do acto tributário é apresentado no prazo de 120 dias, a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT, é de entender que não há razão para que o Estado se dispense do dever de reparar integralmente os danos provocados pelos seus actos ilegais, com plena reconstituição da situação jurídica que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
Por isso, se o contribuinte reage nesse prazo, através de um pedido de revisão do acto tributário, deverá ser dada à sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte, que vão desde a restituição da quantia indevidamente cobrada à atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, no caso de se reconhecer que o erro não é imputável ao contribuinte, nos termos dos arts. 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3 [n.º 5], do CPPT.
(…)
A mesma argumentação não vale, porém, para os casos em que o pedido da revisão é apresentado fora do prazo de 120 dias a contar dos factos previstos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT.
Na verdade, (…), nesse caso já se fazem sentir as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários e, por isso, os efeitos atribuídos ao pedido de revisão já não são os mesmos, como decorre da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, ao estabelecer que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária, e não juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido.»
Neste mesmo sentido, tem vindo reiteradamente a pronunciar-se o Supremo Tribunal Administrativo, sendo de mencionar aqui, a título de exemplo e pela sua relevância, os acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, em 23 de maio de 2018, no processo n.º 01201/17 e em 24 de outubro de 2018, no processo n.º 099/18.3BALSB (ver, ainda e entre outra, a jurisprudência citada naqueles arestos).
25. Dito isto, voltando ao caso sub judice, resulta do acima exposto que a Requerente suportou uma prestação tributária legalmente indevida – concretamente no montante de € 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil euros) –, tendo, pois, direito ao respetivo reembolso.
Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação parcial da liquidação de IMT controvertida é imputável à AT por, naquela liquidação, ter incorrido em vício de violação de lei, consubstanciado na incorreta interpretação e aplicação do artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro; o mesmo vale para a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., que é também totalmente imputável à AT.
Destarte, tendo presentes os factos provados h) e i) e atendendo ao acima exposto, concluímos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, calculados desde 27 de outubro de 2019 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
*
26. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegal e anular, parcialmente, a liquidação de IMT n.º..., datada de 19.12.2017, com as legais consequências;
b) Declarar ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., com as legais consequências;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:
• a reembolsar o montante de € 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil euros) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;
• no pagamento das custas do presente processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 975.000,00 (novecentos e setenta e cinco mil euros).
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CUSTAS
Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 13.464,00 (treze mil quatrocentos e sessenta e quatro euros), a cargo da Requerida.
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Notifique.
Lisboa, 15 de novembro de 2019.
Os Árbitros,
(Maria Fernanda Maçãs)
(Ricardo Rodrigues Pereira – Relator)
(Adelaide Moura)