Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 250/2019-T
Data da decisão: 2019-11-03  IRS  
Valor do pedido: € 212.906,44
Tema: IRS - Transparência fiscal - Administrador de bens - Administrador de insolvência.
Versão em PDF

Decisão Arbitral

             

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. José Rodrigo de Castro (árbitros vogais, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-06-2019), acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A... (doravante designada como “Primeira Requerente”), NIF..., residente na Rua do ..., n.º..., ..., ...-... Porto

e            

B..., (doravante designado como “Segundo Requerente”) NIF..., residente na Rua do ..., n.º..., ...-... Porto,

 (doravante designados em conjunto como “Requerentes”) vieram, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

Os Requerentes pedem a anulação das seguintes liquidações de IRS:

             Liquidação n.º 2019... (IRS 2016), processada em nome da primeira Requerente, no valor total de € 66.583,39, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019...), o valor a pagar de € 50.166,60, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.012,68, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 22 de Março último (documento n.º 1);

             Liquidação n.º 2019... (IRS 2015), processada em nome da primeira Requerente, no valor total de € 69.222,37, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019...), o valor a pagar de € 38.848,36, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de 3.656,13, sendo que o pagamento voluntário terminou em 22 de Março último (documento n.º 2);

             Liquidação n.º 2018... (IRS 2016), processada em nome do segundo Requerente, no valor total de € 49.222,79, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 47.348,15, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 2.613,02, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 14 de janeiro último (documento n.º 3);

             Liquidação n.º 2018... (IRS 2015), processada em nome do segundo Requerente, no valor total de € 76.977,25, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 43.838,81, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.927,69, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em terminou em 11 de janeiro último (documento n.º 4);

             Liquidação n.º 2018... (IRS 2014), processada em nome do segundo requerente, no valor total de € 105.339,99, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de €32.704,52, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.979,06, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 9 de Janeiro último (documento n.º 5).

 

                A Primeira Requerente pede ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada a pagar-lhe a quantia que considera indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.

                Subsidiariamente, os Requerentes pedem a anulação das liquidações impugnadas no tocante a juros compensatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-04-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do encargo do exercício das funções de árbitro no prazo aplicável.

Em 04-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-06-2019.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 28-10-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           Os Requerentes são sócios únicos de sociedades de administradores de insolvência, respetivamente C..., Lda. e D... Unipessoal, Lda.;

B)           Ao abrigo das Ordens de Serviço OI2017... e OI2018..., foi efectuada uma acção inspectiva à Primeira Requerente relativa aos anos de 2015 e 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável

III.1 - Apresentação das operações e enquadramento legal

III.1.1 - Através da análise à base de dados da AT, verifica-se que o SP, A..., procedeu à entrega das declarações de rendimentos Modelo 03 de IRS com referência aos anos de 2015 e 2016, sem, no entanto, apresentar os respetivos anexos D, destinados à imputação de rendimentos no âmbito da transparência fiscal, em consequência da sua participação de sócio único da sociedade "C..., Lda.", sociedade constituída para o exercício das funções de administrador judicial, obedecendo aos condicionalismos estabelecidos no artigo 6.º, n.º 4 do CIRC, conforme descrição no ponto seguinte.

III.1.2 - Quanto ao enquadramento das sociedades profissionais:

III.1.2.1 - Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 4 alínea a) subalínea 1) do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, considera-se sociedade de profissionais (e, por conseguinte, abrangida pelo regime de transparência fiscal), além do mais, qualquer sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS (i. é excluindo a atividade de "Outros prestadores de serviços" a que corresponde o código 15.19 do Anexo I à Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto), na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade.

III.1.2.2 - Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 54/2004, de 18 de março, que estabelece o regime jurídico das sociedades de administradores da insolvência, determina, além do mais, o seguinte:

Os administradores da insolvência podem constituir sociedades de administradores da insolvência, cujos sócios apenas podem ser pessoas singulares inscritas nas listas de administradores da insolvência (cf. o artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2);

Tais sociedades têm por objeto exclusivo o exercício das funções de administrador da insolvência e devem assumir a natureza de sociedades civis sob forma comercial e respeitar o disposto no Estatuto do Administrador da Insolvência (cf. os artigos 2.º, 3.º e 8.º, n.º 1).

 

III.1.3 - Enquadramento da sociedade de administrador de bens no regime de transparência fiscal:

III.1.3.1 - O regime de transparência fiscal aplica-se a sociedades com sede ou direção efetiva em território português, sendo a matéria coletável imputada aos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, e que a seguir se indicam:

a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;

b) Sociedades de profissionais;

c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

III.1.3.2 - Concretamente quanto às sociedades de profissionais, exige o artigo 6.º, n.º 4, a), subalínea 1) do CIRC que, para ser aplicável o regime de transparência fiscal àquelas sociedades, têm de ser constituídas para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa atividade.

III.1.3.3-Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, alargou-se o conceito de sociedade de profissionais, do artigo 6.º do CIRC, com introdução de uma nova subalínea 2) na al. a) do n º 4, que veio dispor que considera-se uma sociedade de profissionais a sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista constante do artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75% do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade.

III.1.4 - No caso em analise, o sócio único da sociedade exerce, através da sociedade, a atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, designadamente sob o n.º 1310 - Administradores de bens, que representa a totalidade dos rendimentos da sociedade.

De forma que, a sociedade, por preencher o conceito de sociedade de profissionais, encontra-se, de acordo com o artigo 6.º do referido CIRC, sujeita ao regime de transparência fiscal, por verificação cumulativa de todos os seus requisitos legais.

III.1.5 - Assim, dado encontrarem-se verificadas as condições enunciadas no n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, deverá ser imputada em sede de IRS a respetiva matéria coletável, a declarar no Anexa D -Transparência Fiscal - Imputação de Rendimentos; Herança Indivisa - Imputação de rendimentos.

Por outro lado, importa referir que a matéria coletável é determinada em sede de IRC na esfera da sociedade transparente que, subordinada a este regime fica obrigada ao cumprimento de todas as obrigações declarativas e contabilísticas, como a apresentação de declarações de inscrição, de alterações bem como da declaração periódica de rendimentos e da declaração anual IES/DA, etc.. De facto, a sociedade considerada transparente, não é assim, tributada em sede de IRC, exceto quanto às tributações autónomas.

Em sede de IRS, os valores serão imputados no rendimento do sócio, pessoa singular nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC como rendimento líquido na categoria B de IRS (n.º 1 e 2 do artigo 20.º do CIRS) e integram-se no quadro 4 do referido Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS dos anos em análise.

 

III.2 - Correções propostas

Em face ao exposto anteriormente, dado encontrarem-se verificados os pressupostos subjacentes à aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, deverá ser imputada ao SP supracitado, em sede de IRS, a respetiva matéria coletável apurada na sociedade "C..., Lda., NIF ... em virtude desta sociedade se encontrar abrangida pelo regime da transparência fiscal. Assim, destacam-se correções a efetuar no apuramento do resultado tributável declarado pelo SP em sede de IRS com referência aos anos de 2015 e 2016, conforme quadro seguinte:

 

(...)

V- Direito de Audição - Fundamentação

O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício n.º 2018... de 2018.06.12 (que substituiu o ofício n.º 2018... de 2018.05.10) para, querendo, exercer o direito de audição nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), sobre o Projeto de Correções do Relatório da Inspeção. O contribuinte veio exercer o direito de audição por escrito em 2018.06.29.

O sujeito passivo A... não se conforma com a correção proposta por entender que:

 

1. O presente projecto de correcções do relatório notificado à SP a 14 de Junho de 2018, não enquadra a sociedade com o NIF ... no regime das sociedades sujeitas à transparência fiscal.

2. Limita-se de forma genérica e vaga a imputar a globalidade do exercício dos anos de 2015 e 2016 a tributação em sede de IRS ao invés de IRC como foi devidamente declarado,

3. O que é falso e manifestamente excessivo.

4. Não se compadece com o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, a ambiguidade de aplicação do regime de transparência fiscal.

5. O projecto não se encontra fundamentado, não imputando concretamente os factos originadores da alegada prática de inexactidões nas declarações modelo 03 de IRS relativamente ao exercício dos anos de 2015 e 2016 que constitui infracção prevista e punível nos termos do art. 119º do Regime das Infracções Tributárias.

6. Sendo que inexiste qualquer um dos pressupostos subjetivos à verificação do disposto na subalínea 1) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

7. Nem tão pouco os objetivos.

 

Razão pela qual a presente proposta, não está conforme a lei, sendo por isso ilegal, o que se argui com todas as ínsitas consequências legais;

 

Assim, reunida toda a informação ao dispor da Administração Tributária:

- Declarações (e respetivos anexos) apresentadas pelo contribuinte em cumprimentos das suas obrigações fiscais em sede de diversos impostos, nomeadamente em sede de IRS e IRC;

- Elementos/informações enviadas no âmbito do direito de audição; e

- Verificação das normas fiscais e qualificação dos factos, relativamente às operações em causa, a qual abrange os códigos fiscais a legislação complementar e a doutrina administrativa;

Concluímos pela manutenção do valor da correção proposta, por se entender que, para além do referido nos Projetos de Correções do Relatório de Inspeção elaborados nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA:

- Relativamente ao enquadramento em sede de IRS, entende a AT, de acordo com informação vinculativa Processo n.º 3716/2008 que, "Com a alteração do artigo 3º do CIRS, introduzida pela Lei n.º 30- G/2000, de 29 de Dezembro, foi redefinido o âmbito da incidência da categoria B, designadamente no que respeita aos "rendimentos profissionais" (por conta própria) e revogada a lista de profissões a que se referia o n.º 2 do mesmo artigo.

Nestes termos, afigura-se que, actualmente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS inclui as seguintes prestações de serviços:

- As prestações de serviços anteriormente constantes da lista anexa ao CIRS;

- Algumas prestações de serviços expressamente enumeradas na anterior redacção do n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, tais como serviços de intermediação, de representação, de publicidade, de administração de bens e de segurança.

O processo de insolvência tem como finalidade, a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, (art. 1.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas - CIRE)

No âmbito deste processo cabe ao designado administrador de insolvência, nomeadamente prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à preparação do pagamento das suas dividas à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram, conforme artigo 55º do CIRE.

A par desta sua função essencial, estão-lhe atribuídas outras tarefas, de natureza complementar como sejam o acompanhamento do insolvente ou mesmo a sua substituição em actos ou procedimentos em que intervêm os credores, contudo a sua intervenção noutros procedimentos não afasta a sua função do essencial: administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores.

No âmbito da incidência real do IRS, o rendimento decorrente do exercício de funções de administrador de insolvência, enquadra-se na categoria B do IRS, tendo em conta a forma autónoma como a mesma é exercida não obstante a obrigatoriedade de prestação de contas ao tribunal e à Assembleia de Credores, cabe na lista de actividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, na actividade de "Administradores de bens" com o código 1310.º

Assim, conclui-se na citada ficha doutrinária que, no âmbito da incidência real do IRS, o rendimento decorrente de funções de administrador de insolvência enquadra-se na categoria B do IRS, tendo em conta a forma autónoma e individualizada como a mesma é exercida, não obstante a obrigatoriedade de prestação de contas ao Tribunal e Assembleia de Credores, cabendo na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na atividade de "Administradores de bens", com o código 1310.

- No que concerne às alterações legislativas entretanto verificadas, quanto às competências exigidas aos administradores judiciais, vêm no sentido de alargar as competências e até de porventura de serem mais exigentes num contexto de PER. No entanto, quer os motivos da proposta de Lei n.º 107/XII, que esteve na origem do diploma de 2013 (Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro) que estabelece o estatuto do administrador judicial, e foi elaborada "dando continuidade à reforma iniciada com a alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), operada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, através da qual se procurou criar condições necessárias a estimular a recuperação das empresas que se encontram em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, a presente lei prevê que os administradores da insolvência passem a ser designados, nos respetivos estatutos, pela terminologia "administradores judiciais", sempre que não esteja em causa a função específica da insolvência. Pretende-se, assim, desligar os administradores judiciais da simples administração da insolvência, uma vez que o CIRE, com as últimas alterações que lhe foram introduzidas, atribui a estes auxiliares da justiça um papel mais amplo, mormente, pelas funções que lhes comete no âmbito do processo especial de revitalização".

Refira-se ainda, que na proposta de Lei se reconhece que "com as alterações legislativas mais recentes ao CIRE, as competências exigidas a estes oficiais de justiça são mais alargadas ressaltando a necessidade de se formarem administradores judiciais cada vez com mais competências na área da gestão, pois já não está em causa apenas liquidar empresas e massa insolventes, mas, outrossim, promover a sua recuperação, sempre que tal seja possível o que implica uma verdadeira gestão de empresas e de patrimónios alheios".

Aprovada a Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, que estabelece o estatuto do administrador judicial, verifica-se que a noção de administrador judicial, constante do seu artigo 2.º, o define enquanto "pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo da insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela ler. Faz-se, ainda, uma tripla distinção dentro da noção de "administrador judicial" que abrange as designações de "administrador judicial provisório", "administrador da insolvência" ou "fiduciário" dependendo das funções que lhe são exercidas no processo judicial.

Noutros diplomas, nomeadamente a Lei n.º 16/2012, de 20 de abril (onde foi criado o PER) relativamente às diversas do exercício de atribuições, apesar das funções do administrador judicial (mesmo o provisório) extravasarem as de mera administração de bens, na realidade esta função continua a ser essencial e mantém-se inalterada, inclusivamente no PER. Veja-se ainda a importância da função de administração de bens que é conferida ao administrador judicial provisório no PER resulta evidente do n.º 2 da artigo 17.º -E do CIRE, onde estabelece que "caso o Juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos do n.º 4 do artigo 17.º-C, a empresa fica impedida de praticar atos de relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório."

Esta nova figura do administrador judicial provisório existe quer no processo de insolvência, quer no Processo Especial de Revitalização (PER).

A respeito das funções que são atribuídas ao administrador judicial provisório, refere Catarina Serra, in Processo Especial de Revitalização - Contributos para uma retificação", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Vol. ll/III abril/setembro, 2012, refere que em relação às competências e desempenho de funções que "No processo de insolvência, a nomeação de administrador judicial provisório é uma medida cautelar que visa impedir o agravamento da situação patrimonial do devedor. Neste contexto, o administrador é, fundamentalmente, um administrador de bens, devendo pugnar pela manutenção dos bens da massa da forma mais favorável aos interessados dos credores, até que seja proferida a sentença de declaração de insolvência (cf. art. 33º). No PER, ele é, com certeza, um administrador de bens, mas, além disso, ele é um negociador."... "Tratando-se de um tipo de atos em que se integra, muito provavelmente, a quase totalidade dos atos que serão praticados neste período, a necessidade de autorização do administrador representa uma forte restrição à administração pelo devedor."

Como se verifica, apesar das funções do administrador judicial (provisório) extravasarem as de mera administração de bens, na realidade esta função continua a ser essencial e mantém-se, inclusivamente no âmbito da PER.

Assim, tendo em consideração o exposto no presente relatório, conclui-se o seguinte:

- O regime jurídico das sociedades de administradores da insolvência SAI, de acordo com o Decreto-Lei n.º 54/2004, de 18 de março, estabelece que estas sociedades devem assumir a natureza de sociedades civis constituídas sob a forma comercial, estando limitadas a ter sócios apenas administradores judiciais e tendo por objeto exclusivo o exercício das funções de administrador judicial;

- Conforme referido anteriormente, a atividade profissional de administrador da insolvência ou de administrador judicial é enquadrável na lista de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, mais concretamente, na atividade com o código 1310 - "Administradores de bens", perante o tipo de atividade desenvolvida conforme ficou plenamente especificado na resposta ao direito de audição exercido;

- Entende-se, portanto, que a situação em análise será enquadrável no regime de transparência fiscal, por se encontrarem verificados os requisitos previstos no artigo 6.º do Código do IRC, mais concretamente, por se tratar de sociedades de profissionais, nos termos da alínea b) do n.º 1 do referido normativo.

 

C)           Na sequência da inspecção à Primeira Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRS:

Liquidação n.º 2019... (IRS 2016), processada em nome da primeira Requerente, no valor total de € 66.583,39, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019 ...), o valor a pagar de € 50.166,60, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.012,68, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 22 de Março último (documento n.º 1);

Liquidação n.º 2019... (IRS 2015), processada em nome da primeira Requerente, no valor total de € 69.222,37, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019...), o valor a pagar de € 38.848,36, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.656,13, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 22 de Março último (documento n.º 2);

D)           Ao abrigo das Ordens de Serviço OI2017..., OI2017... e OI2018..., a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva ao Segundo Requerente relativa aos anos de 2014, 2015 e 2016;

E)            Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte;

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável

III.1 - Apresentação das operações e enquadramento legal

III.1.1 - Através da análise á base de dados da AT, verifica-se que o SP, B... procedeu à entrega das declarações de rendimentos Modelo 03 de IRS com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, sem, no entanto, apresentar os respetivos anexos D, destinados à imputação de rendimentos no âmbito da transparência fiscal, em consequência da sua participação como sócio único da sociedade "D..., Lda.", sociedade constituída para o exercício das funções de administrador judicial, obedecendo aos condicionalismos estabelecidos no artigo 6º, n.º 4 do CIRC, conforme descrição no ponto seguinte.

(...)

III.2 - Correções propostas

Em face ao exposto anteriormente, dado encontrarem-se verificados os pressupostos subjacentes à aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, deverá ser imputada ao SP supracitado, em sede de IRS, a respetiva matéria coletável apurada na sociedade D..., Lda.", NIF ... em virtude desta sociedade se encontrar abrangida pelo regime da transparência fiscal. Assim, destacam-se Correções a efetuar no apuramento do resultado tributável declarado pelo SP em sede de IRS com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, conforme quadro seguinte:

 

(...)

V - Direito de Audição - Fundamentação

O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício n.º 2018..., de 2018.05.10 para, querendo, exercer o direito de audição nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar da Inspeção Tributaria e Aduaneira (RGPITA), sobre o Projeto de Correções do Relatório da Inspeção.

O contribuinte veio exercer o direito de audição por escrito em 2018.05.29.

No essencial e a título conclusivo, o sujeito passivo B... não se conforma com a correção proposta por entender que:

"1º- Como pode a AT e mais concretamente a DF do Porto justificar que durante 20 anos - desde a constituição das SGJ/SLJ e das SAI, em 2004, - o legislador e a AT, cada um no âmbito dos seus poderes e funções, nada tenham feito para que de forma clara e inequívoca em que prevaleça a segurança jurídica, - e nomeadamente no uso do dever de colaboração séria e transparente com os contribuintes - neste caso os profissionais AI/AJ - NADA TIVESSE SIDO FEITO para que a atividade de ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA/ADMINISTRADOR JUDICIAL FOSSE ESPECIFICAMENTE INCLUÍDA NA LISTA DE ACTIVIDADES DO ARTIGO 151º DO CIRS, no caso de ser esse o seu entendimento na defesa dos interesses superiores do ESTADO?

2º- A lista do artigo 151.º do CIRS é clara: não contempla de forma específica as actividades desenvolvidas pelo administrador da insolvência/administrador judicial nas suas funções de administrador da insolvência/administrador judicial, administrador judicial provisório e fiduciário.

3ª- E como acima demonstrado nunca estas funções de AI/AJ/AJP/FID se podem enquadrar nas atividades de "administradores de bens- 1310" daquela referida lista do artigo 151º do CIRS.

4ª- As SAI foram criadas com a finalidade de tirar proveito das sinergias e economias da associação entre estes profissionais (e só por impedimentos a que os AI/AJ/AJP/FID são completamente alheios -de que se destaca a recusa dos Tribunais em aceitar a facturação por parte das SAI só resolvida em finais de 2016 por acórdãos de Tribunais da Relação que deram razão aos AI/AJ/AJP/FID)- é que a sua utilização foi durante muitos anos insipiente, mas, como se pode verificar, vem registando uma elevadíssima adesão nos últimos meses.

5ª- Como muito bem acima se demonstra, o aqui SP não poderia ter tido outro comportamento junto das TOC/CC e na recolha de opiniões junto da AT e das posições assumidas, nomeadamente nas acções e formação da OTOC/OCC para o esclarecimento da polémica em crise neste Projecto de Relatório.

6ª- Não pode a AT desde há 20 anos, nestas matérias de obrigações declarativas e fiscais continuar a actuar casuisticamente: a DF de Setúbal diz que não: a DF de Braga pratica o não, a DF do Porto diz que sim, etc, etc..

7ª- A ser assim os AI/AJ/AJP/FID passarão a localizar os seus escritórios e as suas sedes das respetivas SAI nas Direções de Finanças que tenham entendimentos claros sobre a matéria.

8ª- OS ADMINISTRADORES DA INSOLVÊNCIA E OS ADMINISTRADORES JUDICIAIS SÃO, NOS TERMOS DA LEI E DO SEU ESTATUTO, AUXILIARES DA JUSTIÇA.

9ª- Não podem os AUXILIARES DA JUSTIÇA ser discriminados em função da Direcção de Finanças em que residem ou localizamos seus escritórios profissionais ou se situam as sedes das SAI de que são sócios.

10ª- OS ADMINISTRADORES DA INSOLVÊNCIA E OS ADMINISTRADORES JUDICIAIS SÃO, NOS TERMOS DA LEI E DO SEU ESTA TUDO, EQUIPARADOS A AGENTES DE EXECUÇÃO (AE).

11ª- ORA, COMO CONSTA DA INFORMAÇÃO VINCULATIVA QUE SE ANEXA (DOC 6), A SUJEIÇÃO DAS SOCIEDADES DE AE AO REGIME DE TRANSPARÊNCIA FISCAL NÃO MENCIONA A "ACTIVIDADE DE "ADMINISTRADOR DE BENS"

Como pode a AT para actividades não análogas invocar fundamentação tão díspar para o seu entendimento de que a respetivas sociedades profissionais são enquadráveis no regime de transparência fiscal?

12ª- ALIAS, SEMPRE SE PODERIA DEFENDER A INCLUSÃO DOS AI/AJ NA LISTA DE ACTIVIDADES DO ARTIGO 151º DO CIRS «OS "PROFISSIONAIS DEPENDENTES DE NOMEAÇÃO OFICIAL", como os Revisores Oficiais fie Contas e os Notários, PUGNANDO PELA RESPETIVA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA.

13ª- EM SUMA: AS ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS AI/AJ NO EXERCÍCIO DAS SUAS

FUNÇÕES PARA QUE SÃO NOMEADOS OFICIALMENTE - COMO ADMINISTRADORES DA INSOLVÊNCIA OU ADMINISTRADORES JUDICIAIS OU FIDUCIÁRIOS - EM PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA QUE VISAM A RECUPERAÇÃO DO DEVEDOR POR APRESENTAÇÃO DE PLANO OU EM PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO OU EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA EM QUE NÃO HÁ APREENSÃO DE BENS E ENCERRAM NOS TERMOS DO ARTIGO 232º DO CIRE OU CORREM TERMOS PELO ARTIGO 39º DO MESMO CIRE NÃO PODEM SER ENQUADRÁVEIS NAS ACTIVIDADES DE "ADMINISTRADORES DE BENS" DA LISTA DE ACTIVIDADES DO ARTIGO 151º DO CIRS."

(...)

- Relativamente à questão do CAE escolhido pelo SP e por outros administradores judiciais, conforme elementos apresentados no direito de audição, tal só poderá traduzir-se em termos de enquadramento fiscal, como tendo tratamento congruente com a conclusão do presente Relatório de Conclusões de Inspeção à luz do princípio da igualdade, princípio jurídico-constitucional, transversal a todo o ordenamento jurídico.

No que respeita ao termo de declarações dado pelas testemunhas indicadas pelo SP temos:

- No testemunho de E..., (Dra E...], esta declarou em termo de declarações que enquanto responsável pela "contabilidade de D..., Lda. em 2013... foi questionado o enquadramento em termos de transparência fiscal... verificou-se não haver concordância fiscal na equiparação de administrador de bens e administrador de insolvência. Após discussão em sede de administradores de insolvência ficou definido a não aplicação da transparência fiscal a sociedades de administradores de insolvência;

- No testemunho de F... (Dra. F...) na qualidade de contabilista certificada desde 2015 do sujeito passivo B..., declarou que tendo sido colocada a questão se a sociedade D..., Lda. NIF ... estaria sujeita ao regime da transparência fiscal, tendo colocado a questão numa ação de formação onde lhe foi dito que na Direção de Finanças de Braga que à semelhança da Direção de Finanças de Setúbal este tipo de sociedades não estariam sujeitas a transparência fiscal. Refere, ainda, que foi colocada a questão aos serviços de IRC não tendo obtido qualquer resposta. É entendimento da testemunha, a não aplicação do regime da transparência fiscal às sociedades de administradores de insolvência, interpretação que vai ao encontro da anterior contabilista, Dra. E... .

Da análise ao depoimento das testemunhas, salienta-se em comum, a interpretação da não aplicação do regime de transparência fiscal às sociedades de administradores de insolvência e das diligências então efetuadas, no entanto, sem que tenha sido exposto algum argumento para além dos aduzidos na exposição do direito de audição.

(...)

(AS PARTES OMITIDAS SÃO IDÊNTICAS ÀS CORRESPONDENTES DO RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA RELATIVO À PRIMEIRA REQUERENTE)

F)            Na sequência da inspecção ao Segundo Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRS:

Liquidação n.º 2018... (IRS 2016), processada em nome do Segundo Requerente, no valor total de € 49.222,79, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 47.348,15, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 2.613,02, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 14 de janeiro último (documento n.º 3);

Liquidação n.º 2018... (IRS 2015), processada em nome do Segundo Requerente, no valor total de € 76.977,25, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 43.838,81, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.927,69, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em terminou em 11 de janeiro último (documento n.º 4);

Liquidação n.º 2018...  (IRS 2014), processada em nome do segundo requerente, no valor total de € 105.339,99, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de €32.704,52, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.979,06, sendo que o prazo de pagamento voluntário terminou em 9 de Janeiro último (documento n.º 5).

G)           Em 21-03-2019, a Primeira Requerente pagou as quantias respeitante às liquidações emitidas em seu nome (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           As empresas dos Requerentes estão classificadas pelo Instituto Nacional de Estatística com o Código 69101, respeitante a «actividades jurídicas» (   );

I)             Em 05-04-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelos Requerentes e nos processos administrativos.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão que é objecto do processo

 

Os Requerentes são sócios únicos de sociedades de administradores de insolvência, respetivamente C..., Lda. e D..., Lda.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções tributárias aos Requerentes em que entendeu, em suma, o seguinte:

 

– quanto às sociedades de profissionais, exige o artigo 6.º, n.º 4, a), subalínea 1) do CIRC que, para ser aplicável o regime de transparência fiscal àquelas sociedades, têm de ser constituídas para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa actividade;

– o sócio único da sociedade exerce, através da sociedade, a atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, designadamente sob o n.º 1310 - Administradores de bens, que representa a totalidade dos rendimentos da sociedade;

– encontram-se verificados os pressupostos subjacentes à aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, deverá ser imputada aos Sujeitos Passivos, em sede de IRS, a respectiva matéria coletável apurada em cada uma das sociedades de que são sócios únicos.

 

O artigo 6.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 6.º

Transparência fiscal

1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

(...)

b) Sociedades de profissionais;

 

4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais:

1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade; ou,

 

O CIRS estabelece o seguinte, no seu artigo 151.º:

 

Artigo 151.º

Classificação das atividades

As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

Ao abrigo deste artigo 151.º foi emitida a Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, em que se inclui uma lista com a denominação «Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS», a que foram aditadas pela Portaria n.º 256/2004, de 9 de Setembro, as actividades «Notários» e «Terapeutas ocupacionais», sob os códigos 9011 e 5016 respectivamente, e alterado o código da actividade «Farmacêuticos» de 5011 para 1335 .

Nessa lista, inclui-se, além do mais, o seguinte:

 

                13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados:

1310 Administradores de bens;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que a actividade de administrador de insolvência se enquadra nesta categoria de «Administradores de bens» e, como tal, se enquadra nos n.ºs 1, alínea b) e 4, alínea a), subalínea 1) do artigo 6.º do CIRC.

               

3.2. Posições das Partes

 

                Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– a lista a que alude o artigo 151.º do CIRS é taxativa;

– só estão sujeitos ao regime de transparência fiscal as sociedades de profissionais que exerçam uma atividade que, indiscutivelmente, corresponda a uma das aí enumeradas;

– estando em causa normas excepcionais, têm que ser objeto de interpretação restritiva, estando excluída a integração analógica por se tratar de normas de incidência (artigo 11.º, n.º 4, da LGT);

– o traço marcante comum às actividades listadas é o de serem actividades empresariais, isto é, actividades exercidas por conta própria em regime de concorrência num mercado livre, o que não sucede com a actividade de administrador de insolvência, que é nomeado pelo juiz em cada processo;

– o administrador da insolvência não só não tem possibilidade de angariar clientela, mas também o seu prestígio, a sua competência, não relevam na decisão da sua nomeação que é, no essencial, aleatória;

– a lista faz referência a «profissionais dependentes de nomeação oficial», o que poderia ser considerado o caso dos administradores da insolvência, mas aí apenas estão incluídos notários e revisores oficiais de contas;

– o Administrador da Insolvência também não é um técnico que trabalha por conta própria;

– segundo o INE, as sociedades de administradores insolvência aparecem incluídas no CAE 69101 – ATIVIDADES JURÍDICAS – e aos administradores de bens (e sociedades profissionais por eles constituídas) correspondem outros CAE, consoante a concreta atividade em questão, nomeadamente os 68322 - ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS - e 68321 — ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS POR CONTA DE OUTREM;

– na noção de sociedades de administradores de bens apenas cabem as actividades a que correspondam códigos iniciados por 68;

– a actividade do administrador de insolvência é diferente da actividade dos administradores de bens;

– o administrador judicial actua no quadro do exercício de uma função soberana do Estado, como auxiliar dos tribunais, estando vinculado a critérios de objetividade e imparcialidade inerentes ao interesse público subjacente à sua atividade, o que, obviamente, não acontece com um administrador de bens;

– em muitos processos (porventura na maioria) não há lugar à prática de atos que possam ser havidos como sendo de administração de bens, pela simples razão que não há bens suscetíveis de integrar a massa insolvente, em muitos outros processos, quando o insolvente pretenda a aprovação de um plano de recuperação, a administração dos bens não é cometida ao administrador da insolvência, continuando nas mãos do insolvente ou, sendo este uma pessoa coletiva, dos seus legais representantes;

– o administrador da insolvência tem poderes de disposição dos bens, uma vez que lhe cabe promover e realizar a sua venda, em caso de liquidação da massa insolvente;

– o administrador da insolvência realiza toda uma série de funções enquanto sujeito processual, que nada tem a ver com administração de bens, e que constituem o cerne das funções que é chamado a desempenhar;

– administrador da insolvência é remunerado não em função da atividade de administração de bens (que pode ou não ter exercido), mas sim por um valor fixo a que poderá acrescer um valor variável em função do valor da liquidação da massa insolvente

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida pela Inspecção Tributária, dizendo, em suma, o seguinte:

– nos termos da subalínea 1) da alínea a) do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC, considera-se sociedade de profissionais a sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa atividade;

– A ficha doutrinária da Direção de Serviços do IRS, relativa ao processo n.º 3716/2008, que obteve despacho concordante do substituto legal do Diretor-Geral dos Impostos, de 28/12/2009, procede ao enquadramento, em sede de IRS, dos administradores da insolvência;

– no âmbito do processo de insolvência, cabe ao designado administrador da insolvência, nomeadamente, prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente, e à preparação do pagamento das suas dívidas à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente, das que constituem produto da alienação que lhe incumbe promover dos bens que a integram, conforme o artigo 55.º do CIRE;

– o facto de ter outras tarefas não obsta a que a função essencial seja administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores;

– o rendimento decorrente do exercício de funções de administrador de insolvência enquadra-se na categoria B do IRS, tendo em conta a forma autónoma como a mesma é exercida, não obstante a obrigatoriedade de prestação de contas ao tribunal e à Assembleia de Credores, cabe na lista de actividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na actividade de “Administradores de bens”, com o código 1310;

– na Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, faz-se uma tripla distinção dentro da noção de “administrador judicial”; que abrange as designações de “administrador judicial provisório”, “administrador da insolvência” ou “fiduciário”, dependendo das funções que são exercidas no processo judicial;

– aquilo que se espera do administrador judicial provisório no contexto do PER é diferente - porventura mais exigente - quanto à sua capacidade e ao seu posicionamento relativamente a todos os intervenientes. A par da competência como administrador de bens, ele deve, por um lado, pugnar pelo êxito das negociações e pela conclusão do acordo conducente à revitalização do devedor, aparecendo, nesta altura, mais como um colaborador do devedor do que como defensor dos interesses dos credores”;

– além da orientação e da fiscalização das negociações (cf art.º 17.º, n.º 9), o administrador desempenha funções ao nível da verificação de créditos (cf art.º 17.º, n.º 2) e da administração dos bens do devedor (cf art. 17.º -E, n.º 2). Depois da nomeação do administrador o devedor fica impedido de praticar os atos de especial relevo a que se refere o art.º 161.º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório (cf. art.º 17.º -E n.º 2);

– apesar das funções do administrador judicial (provisório) extravasarem as da mera administração de bens, na realidade esta função continua a ser essencial e mantém-se inalterada, inclusivamente no âmbito do PER;

– as decisões judiciais vão no sentido de ser possível efetuar tal pagamento às sociedades de administradores judiciais;

– de acordo com o Decreto-Lei n.º 54/2004, de 18 de Março, que estabelece o regime jurídico das sociedades de administradores da insolvência, estas sociedades devem assumir a natureza de sociedades civis constituídas sob a forma comercial, estando limitadas a ter como sócios apenas administradores judiciais e tendo por objeto exclusivo o exercício das funções de administrador judicial;

– a presente situação é enquadrável no regime de transparência fiscal, por se encontrarem verificados os requisitos previstos no artigo 6º do CIRC, mais concretamente, por se tratar de sociedades de profissionais, nos termos da alínea b) do nº1 do referido normativo.

 

3.3. Apreciação da questão

 

A questão a apreciar reconduz-se a saber se a actividade de administrador de insolvência é de considerar uma «atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS».

Em caso afirmativo, a actividade dos Requerentes estará sujeita ao regime de transparência fiscal em face da definição que consta do n.º 4, alínea a), subalínea 1) do artigo 6º do CIRC, com referência à alínea b) do seu n.º 1.

A referência «atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS» reporta-se, como resulta do seu teor, apenas àquelas actividades a que são adequadas as designações que constam da lista referida.

Como defendem os Requerentes e também a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, a actividade de administrador de insolvência pode incluir actividade de administração de bens do insolvente, mas não se esgota nela e pode nem sequer a incluir no caso de não existirem bens ou e no caso de "insuficiência da massa insolvente", previsto no artigo 39.º do CIRE, em que o "administrador da insolvência limita a sua actividade à elaboração do parecer a que se refere o n.º 2 do artigo 188.º" [como se estabelece na alínea c) do n.º 7 daquele artigo 39.º].

Por outro lado, é manifesto que a actividade de administrador de insolvência inclui várias outras actividades que não se reconduzem a administração de bens, como é o caso da primeira indicada no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que é «preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram».

Para além disso, ao administrador da insolvência são atribuídas pelo CIRE importantes funções processuais que não constituem administração de bens, como elaborar lista dos créditos que reconhece e não reconhece (artigo 129.º, n.º 1), apreender e diligenciar no sentido de lhe serem entregues os bens integrantes da massa insolvente, para que deles fique depositário (artigos 149.º, n.º 1, e 150.º, n.ºs 1 e 2), publicitar a composição da massa insolvente (artigo 152.º), elaborar inventário com avaliação dos bens, sua natureza, características, lugar em que se encontram, direitos que os onerem, e dados de identificação registral, se for o caso (artigo 153.º), elaborar uma lista provisória dos credores que constem da contabilidade do devedor, tenham reclamado os seus créditos (artigo 154.º), elaborar relatório com análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor e indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis (artigo 155.º), apresentar proposta e emitir parecer sobre plano de insolvência e fiscalizar a sua execução [artigos 156.º, n.º 3, 193.º, n.ºs 1 e 3, 195.º, 196.º, 207.º, n.º 1, alínea d), 208.º e 220.º], encerrar estabelecimentos do devedor (artigo 157.º).º, alegar e emitir parecer sobre a qualificação da insolvência e intervir no respectivo incidente (artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 7).

Além disso, o CIRE permite ao administrador da insolvência a prática de actos que não se integram nos poderes limitados de administração de bens, como é o caso de «desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes» (artigo 55.º, n.º 8), decidir sobre a execução ou recusa de cumprimento de negócios ainda não cumpridos (artigo 102.º, n.º 1), decidir a venda antecipada e promover a venda dos bens que compõem a massa insolvente (artigos 158.º, n.ºs 2 e 3, e 164.º), efectuar diligências para a alienação da empresa do devedor ou dos seus estabelecimentos (artigo 162.º, n.º 2), optar por satisfazer integralmente um crédito com garantia real à custa da massa insolvente antes de proceder à venda do bem objecto da garantia (artigo 166.º, n.º 2), assumir a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, mesmo sem as limitações de poder de disposição estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas (artigo 81.º, n. s 3 e 4), intervir e propor acções de responsabilidade, indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente e contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente (artigo 82.º n.º 3) e exigir aos sócios, associados ou membros do devedor, logo que a tenha por conveniente, das entradas de capital diferidas e das prestações acessórias em dívida, independentemente dos prazos de vencimento que hajam sido estipulados, intentando para o efeito as acções que se revelem necessárias (artigo 82.º, n.º 4).

É, decerto, o reconhecimento de que a actividade dos administradores da insolvência não é primacialmente, nem necessariamente inclui, uma actividade de administração de bens, mas antes envolve a prática de muitos actos de natureza jurídica que não consubstanciam administração de bens que justifica que o Instituto Nacional de Estatística atribua o Código 69101 da Classificação das Actividades Económicas (CAE), relativo à «actividades jurídicas», às sociedades de administradores da insolvência e não qualquer código relacionado com administração de bens.

Além disso, como salientam os Requerentes, o código 1310 atribuído aos «Administradores de bens» na lista anexa a Portaria n.º 1011/2001, enquadra-se na categoria «13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados» e a actividade dos administradores de insolvência, dependente de nomeação por um Tribunal e por este controlada, não se desenvolve nos termos da generalidade das profissões liberais arroladas na lista referida. Neste contexto, como sugerem os Requerentes, o possível enquadramento adequado da actividade de administrador de insolvência nas categorias que constam na lista referida seria na categoria «9 - Profissionais dependentes de nomeação oficial», mas o certo é que não esta aí incluída.

Assim, é de concluir que é manifestamente inadequado designar a actividade dos Requerentes como sendo de "administradores de bens".

Por isso, essa actividade não se inclui no conceito de "administradores de bens" utilizado na lista que consta da Portaria n.º 1011/2001, nem está especificamente nela prevista.

Portanto, não se verifica o requisito exigido pela alínea b) do n.º 1 e pela alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC para aplicação do regime de transparência fiscal.

Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação das normas referidas, que justifica que sejam anuladas nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.4. Liquidação de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRS, pelo que enfermam dos mesmos vícios, que justificam também a sua anulação.

 

3.5. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento e vício de violação de lei, que a assegura a tutela dos interesses dos Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Juros indemnizatórios

 

Em 21-03-2019, a Primeira Requerente pagou as quantias liquidadas nos actos que impugnou e pede juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 

Pagamento indevido da prestação tributária

 

                1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foram elaboradas por sua iniciativa.

Por isso, sendo de anular as liquidações, o imposto respectivo foi indevidamente pago, pelo que a Primeira Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 21-03-2019 (data do pagamento) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular liquidação n.º 2019... (IRS 2016), processada em nome da Requerente A..., no valor total de € 66.583,39, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019 ...), o valor a pagar de € 50.166,60, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.012,68;

c)            Anular a liquidação n.º 2019... (IRS 2015), processada em nome da Requerente A..., no valor total de € 69.222,37, a que corresponde, após o acerto de contas (n.º 2019...), o valor a pagar de € 38.848,36, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.656,13;

d)           Anular a liquidação n.º 2018... (IRS 2016), processada em nome do Requerente B..., no valor total de € 49.222,79, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 47.348,15, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 2.613,02;

e)           Anular a liquidação n.º 2018... (IRS 2015), processada em nome do Requerente B..., no valor total de € 76.977,25, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de € 43.838,81, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.927,69;

f)            Anular a liquidação n.º 2018... (IRS 2014), processada em nome do Requerente B..., no valor total de € 105.339,99, a que corresponde, após o acerto de contas (2018...), o valor a pagar de €32.704,52, incluindo a liquidação de juros compensatórios no valor de € 3.979,06;

g)            Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente A... e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 212.906,44.

 

Lisboa, 03-11-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Tomás Cantista Tavares)

(José Rodrigo de Castro)