Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2019-T
Data da decisão: 2019-10-31  IVA  
Valor do pedido: € 199.274,19
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) do CIVA. Recurso de revisão de decisão arbitral; Reenvio a título prejudicial. Decisão arbitral (anexa à decisão).
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Sumário:

O TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da interposição do recurso de revisão, com fundamento no artigo 696.º, alínea f), do CPC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alínea f), do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, com fundamento no acórdão do TJUE tirado no Processo n.º C-581/19, no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no Processo 504/2018-T CAAD.

 

Em requerimento avulso apresentado sem prévio despacho arbitral, a Requerente pronunciou-se no sentido do indeferimento liminar do recurso de revisão por considerar que é ao tribunal nacional que compete a resolução definitiva do litígio, não podendo o TJUE ser tido como uma instância de recurso, para efeitos do artigo 696.º do CPC, quando intervenha em sede de reenvio prejudicial.

 

2. Conforme a tramitação regulada no artigo 699.º do CPC, “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (n.º 1), havendo lugar à notificação pessoal do recorrido para responder apenas quando o recurso seja admitido (n.º 2).

 

E, assim sendo, previamente ao processamento do recurso, cabe proferir decisão liminar sobre a sua admissibilidade.

 

Refere o citado artigo 696.º, alínea f), do CPC, que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

No entanto, o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (LUÍSA LOURENÇO, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA”, in Revista Julgar n.º 35, página 189).

 

                Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234.° CE (actual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.°(acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04, parágrafo 28).

 

                Basta considerar que o reenvio prejudicial não pode ser solicitado directamente pelas partes, mas apenas invocado pelo tribunal nacional em caso de dúvida sobre a interpretação do direito europeu, e a interpretação que venha a ser formulada pelo TJUE é sempre feita sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à factualidade aplicável ao caso, pelo que é sempre o tribunal nacional que decide o litígio.

 

Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, sendo que o esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito Comunitário, 4.ª edição, Coimbra, pág. 367).

 

Certo é que o acórdão do STA de 2 de Julho de 2014 (Processo n.º 0360/13) considerou que, com a nova alínea f) do artigo 771º do CPC (actual artigo 696.º), o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. E, nesse sentido, concluiu que um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 771º do CPC, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciabilidade com decisão interna transitada em julgado.

 

No entanto, na situação do caso, estava em causa um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de uma acção por incumprimento movido contra Portugal, que assume carácter vinculativo para o Estado Português (artigo 260.º do TFUE), o que não é aplicável quando se trata de acórdão proferido em reenvio prejudicial.

 

Acresce que, como se assinalou no acórdão proferido no Processo n.º 159/2019, em situação similar, os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC são taxativos e tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado, não são passíveis de aplicação analógica a situações não previstas.

 

                Há assim lugar ao indeferimento liminar do recurso de revisão por não se verificar o pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso não deve ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso.

 

                3. Termos em que se indefere o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                Notifique.

 

Lisboa, 22 abril de 2021,

 

O árbitro presidente

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

A árbitro vogal

 

Catarina Belim

 

O árbitro vogal

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dra. Catarina Belim e Dr. Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 22 de maio de 2019, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., SA, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... ..., adiante designada por “Requerente”, vem, por pedido de 8 de março de 2019, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos 2013, 2014 e 2015.01, no valor total de € 199.274,19

(€ 172.552,80 de IVA e € 26.721,39 de juros compensatórios), resultantes de correções de uma ação de inspeção tributária aos anos de 2013 e 2014, com as consequências legais.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega vícios de ordem formal e de ordem material.

Considera, por um lado, que a Requerida não logrou fundamentar suficientemente o Relatório de Inspeção, em violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”), e, por outro lado, que incorreu em erro nos pressupostos (errada interpretação e aplicação da lei), por todos os serviços de nutrição prestados serem enquadráveis no disposto no artigo 9.º, n. 1º do Código do IVA e, desta forma, isentos do imposto, e não apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas. No entender da Requerente, a Requerida violou os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma.

                A título subsidiário, a Requerente invoca que caso os serviços de nutrição fossem tributados em IVA o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais.

                Juntou 13 documentos, incluindo parecer da Professora Doutora Celorico Clotilde Palma e requereu prova testemunhal.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22 de maio de 2019.

                Em 25 de junho de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Invoca que não está em causa a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que considerou existirem e serem válidos, mas antes o seu carácter de acessoriedade face ao serviço principal prestado, de acesso e utilização do ginásio, configurando uma prestação global única, passível de IVA. Solicita ainda o reenvio prejudicial de 3 questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e a dispensa de prova testemunhal solicitada pela Requerente.

Por despacho de 8 de julho de 2019, após dar contraditório à Requerente quanto à dispensa de prova testemunhal solicitada pela Requerida, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas, por entender existir matéria, com relevo para a decisão, passível de prova testemunhal. A reunião foi reagendada em 9 de julho de 2019 para o dia 25 de setembro de 2019.

No dia 6 de setembro de 2019 foi apresentado requerimento pela Requerida a solicitar a suspensão da instância com base no reenvio prejudicial ao TJUE efetuado no processo arbitral 504/2018-T.

Em 25 de setembro 2019, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual foram ouvidas as Partes sobre os pedidos da Requerida de suspensão da instância e de reenvio prejudicial ao TJUE, ouvidas 4 das testemunhas arroladas pela Requerente (que prescindiu de 2 testemunhas inicialmente arroladas) e junto um documento adicional pela Requerente.

No final da sessão, o Tribunal proferiu despacho arbitral contendo indeferimento do pedido de suspensão da instância e do pedido de reenvio prejudicial para o TJUE apresentados pela Requerida por: (i) entender não haver dúvida razoável sobre a solução de direito europeu quanto ao enquadramento da consulta de nutrição no âmbito da prestação de serviços paramédicos, quanto à possível acessoriedade dos serviços de nutrição relativamente aos serviços de ginásio e quanto à exigência da efetivação de serviços ou da sua mera disponibilização e (ii) por um reenvio judicial efetuado num processo arbitral não obrigar um outro tribunal arbitral a determinar a suspensão da instância, visto que esse é um poder discricionário do juiz.

Após notificação para o efeito: (i) em 26 de setembro de 2019, a Requerente juntou ao processo pedido de informação vinculativa emitido a favor da entidade B..., SA., NIPC ... (ii) em 30 de setembro de 2019, a Requerida procedeu à junção do processo administrativo (“PA”) e (iii) em 10 e 18 de outubro de 2019, Requerente e Requerida apresentaram, respetivamente, as respetivas alegações e mantiveram as posições anteriormente assumidas.

Em 24 de outubro de 2019, a Requerente apresentou requerimento de junção ao processo de certidão da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo .../19...BCLSB, proferida em 26.09.2019, com trânsito em julgado de 10 de outubro de 2019, que determina a improcedência da impugnação interposta pela Autoridade Tributária da decisão do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 373/2018-T, proferida em 14.06.2019, sobre a mesma questão suscitada nestes autos e relativa a um sujeito passivo do mesmo grupo da Requerente.

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que a está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, em concreto, a relação de acessoriedade, para efeitos de IVA, entre os serviços (consultas) de nutrição disponibilizados pela Requerente e a utilização do ginásio.

***

REENVIO PREJUDICIAL E SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA

Conforme referido supra, a Requerida solicitou na sua Resposta o reenvio prejudicial de 3 questões ao TJUE, tendo ainda apresentado, em 6 de setembro de 2019, requerimento de suspensão da instância com base no reenvio prejudicial ao TJUE efetuado no processo arbitral 504/2018-T.

No final da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT,  este Tribunal proferiu despacho de indeferimento destes 2 pedidos – os quais, a proceder, impediriam a instância de prosseguir – por: (i) entender não haver dúvida razoável sobre a solução de direito europeu quanto ao enquadramento da consulta de nutrição no âmbito da prestação de serviços paramédicos, quanto à possível acessoriedade dos serviços de nutrição relativamente aos serviços de ginásio e quanto à exigência da efetivação de serviços ou da sua mera disponibilização e (ii) por um reenvio judicial efetuado num processo arbitral não obrigar um outro tribunal arbitral a determinar a suspensão da instância, visto que esse é um poder discricionário do juiz.

                Com efeito, nos termos do disposto no art.º 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE):

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

                a) Sobre a interpretação dos Tratados;

                b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

           (…)”

                Nesta sede, é entendimento unânime da doutrina e jurisprudência  que o reenvio prejudicial fica dispensado quando: (i) já exista jurisprudência firme ou consolidada do TJUE na matéria ou (ii) quando o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis sobre a forma correta de interpretar a regra de direito em causa, podendo um órgão jurisdicional nacional, quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece.  

                Ora o caso em apreço versa sobre matéria - a qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas, o enquadramento em sede de IVA dos serviços em causa e a exigência da efetivação de serviços ou da sua mera disponibilização - que foi já objeto de jurisprudência sucessiva e firme por parte do TJUE, tal como demonstrado pelas dezenas de decisões citadas no parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma junto aos autos,  e a qual permite interpretar, de forma clara, as normas aplicáveis.

Na verdade, a consulta ao TJUE, obrigatória em determinados casos, não o é naqueles em que, como no presente caso, o tribunal nacional não tenha dúvidas sobre a interpretação das normas de direito comunitário aplicáveis, seja porque as entende inequívocas, seja porque considera que anteriores pronúncias do tribunal da União as clarificaram já. Conclusão que, por maioria de razão, se estende ao pedido de suspensão da instância, nos termos do artigo 272.º do CPC.

Cumpre assim decidir.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

1.            MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A.           A Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 2003, cujo objeto social consiste na “Exploração de health clubs: cedência de espaços em imóveis próprios ou alheios e serviços conexos […]”. À data dos factos a Requerente estava inscrita com o CAE 93192 – “OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.” e CAE 86906 a que corresponde “OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e certidão permanente indicada no artigo 17.º do PPA.

B.            A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA – cf. RIT.

C.            A Requerente faz parte do Grupo empresarial denominado C... e explora um Health Club sob a insígnia C... em ..., no ..., Rua ..., ..., Lisboa – cf. RIT.

D.           No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio e diversos outros serviços, como SPA, Fisioterapia e Estética – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

E.            A partir do ano 2013, em concretização da máxima “Life Well”, assente em três pilares “move well, eat well e feel well” – exercício, nutrição, repouso – a Requerente passou também a disponibilizar Serviços de Nutrição – cf. RIT, artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) e depoimento das testemunhas.

F.            Para prestar tais serviços, a sócios e não sócios, a Requerente contratou, inicialmente,  dois técnicos especializados – nutricionistas – e apetrechou dois Gabinetes nas suas instalações dedicados em exclusivo a esta área de atividade, nos quais são realizadas as consultas de nutrição – cf. documento 5 do PPA e depoimento das testemunhas.

G.           As expressões “dietista” e “nutricionista”, “dietéticos” e “nutricionais” são utilizadas pela Requerente de forma indistinta para designar respetivamente os profissionais e os serviços relativos à nova área de atividade de nutrição, sendo que os profissionais que realizam as consultas são todos inscritos na Ordem dos Nutricionistas, com quem a Requerente celebrou um protocolo de colaboração – cf. depoimento das testemunhas.

H.           Neste âmbito, a partir de 2013, os clientes (“sócios”) da Requerente passaram a poder subscrever um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, pelo valor de € 20,00 mensais – cf. depoimento das testemunhas e doc. 13 do PPA.

I.             Este contrato era subscrito, necessariamente, a par de um contrato individual de adesão para se tornar sócio do ginásio, objeto de pagamento de mensalidades variáveis consoante o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados - cf. RIT, Anexo 2, e depoimento das testemunhas.

J.             A campanha de adesão ao contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” visou sobretudo novos clientes/sócios do ginásio – cf. depoimento das testemunhas.

K.            Este contrato podia, também, ser subscrito por antigos sócios - cf. RIT e depoimento das testemunhas.

L.            No caso de clientes/sócios, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, estes tinham direito a duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais, os quais eram efetivamente prestados e monitorizados pelos nutricionistas contratados para o efeito – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

M.          Aos sócios que aderiram a este novo serviço foi oferecido um desconto de € 20,00 ou € 15,00 na mensalidade do ginásio (valores de 2013 e 2014 respetivamente). Este desconto é igual à mensalidade dos serviços de nutrição, também fixada em € 20,00 ou € 15,00 (valores de 2013 e 2014 respetivamente), como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente – cf.  depoimento das testemunhas e faturas de serviços de nutrição e ginásio juntas como documento 13 do PPA.

N.           A subscrição dos serviços dietéticos é uma condição de obtenção do desconto comercial na mensalidade do ginásio. Assim, os clientes/sócios que subscreveram os serviços de nutrição não tinham de pagar qualquer valor adicional pelos serviços de nutrição, até ao número de consultas/telefonemas anuais previstos no contrato. Se pretendessem mais do que estas consultas, podiam adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes (valor de € 40 por consulta nos anos de 2013 e 2014), sendo as consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e nas mesmas instalações – cf. RIT, depoimento das testemunhas e faturas de serviços de nutrição juntas como documento 12 do PPA.

O.           Caso um sócio quisesse terminar o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos poderia fazê-lo, e passava a pagar a totalidade do valor da mensalidade do ginásio correspondente, sem o desconto comercial acima referido – cf. depoimento das testemunhas. 

P.            No total, foram prestadas nos anos de 2013 e 2014, pela Requerente o total de 7252 consultas de nutrição – cf. artigo 31.º do PPA, documento 8 do PPA e depoimento das testemunhas.

Q.           O número de consultas de nutrição avulsas e de pacotes adicionais vendidos pela Requerente nos anos de 2013 e 2014 foram 171 o que corresponde a 2,36% do cômputo das consultas totais realizadas – cf. artigo 31.º do PPA, documento 8 do PPA e depoimento das testemunhas.

R.            A Requerente, na faturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA – cf. RIT, documento 13 do PPA e depoimento das testemunhas.

S.            Neste âmbito, as faturas emitidas aos clientes sócios que subscreveram o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos (a par do contrato individual de adesão relativo à utilização do ginásio) contêm as seguintes menções – fatura datada de 2013 (descritivo e valores) – cf. documento 13 do PPA:

 

“Artigo Descrição            Qtd.       Preço unit.          Valor     % Iva

NLSMTFH            Utilização das instalações desportivas   1              59,90     59,90     23,00

SDIET1  Prestação de Serviços Dietéticos              1             20,00     20,00     0,00

DCOM1 Desc. por subscrição de acomp. dietético             1              -20,00   -20,00   23,00

 

 

                                                                              

                Discriminação de IVA    

                % IVA    Base tributável  IVA        Valor    

                0,00       20,00€   0,00€     20,00€  

                23,00     32,44€   7,46€     39,90€  

                Total Fatura/Recibo      

                Total base tributável      Total IVA             Total valor         

                52,44€   7,46€     59,90€  

[…]”

Isento de IVA de acordo com o número 1 do artigo 9º do CIVA

[…]”

 

T.            Os sócios podiam continuar a usufruir apenas da componente de ginásio, sem a componente das consultas de nutrição – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

U.           Era ainda possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da Requerente, embora, neste caso, em condições financeiras menos vantajosas – cf. depoimento das testemunhas.

V.           Os Serviços de Inspeção Tributária iniciaram em 25 de outubro de 2017 uma ação inspetiva externa à Requerente, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017.../..., datadas de 8 de agosto de 2017, de âmbito parcial, abrangendo IRC e IVA de 2013 e 2014, com finalidade de controlo declarativo – cf. RIT.

W.          Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT conclui que as prestações de serviços dietéticos realizadas pela Requerente no âmbito do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos devem ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) e, por essa razão, não beneficiam da isenção de IVA – cf. RIT e PA.

X.            A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição, tendo sido emitido o Relatório Definitivo de Inspeção em 10 de abril de 2018, que manteve as correções preconizadas no Projeto, com os fundamentos infra transcritos:

III            DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

III.1- EM SEDE DE IVA

III. 1.1 – Do IVA não liquidado – (prestação de serviços dietéticos)

III.1.1.1 Dos Factos

O SP tem como objeto social o exercício de gestão e exploração de health clubs, atividade, essa, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia C..., no ..., sito na Rua ...-..., Lisboa.

Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física mas também uma série de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE), o SP desenvolve uma série de atividades secundárias, a saber:

Quadro n.º 8: Códigos CAE do sujeito passivo

Tipo       Código  Designação         Data de Início

CAE Principal     93192    OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E              06-03-2008

CAE Secundário 1             86906    OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E. 09-03-2015

CAE Secundário 2             96022    INSTITUTOS DE BELEZA 09-03-2015

CAE Secundário 3             85591    FORMAÇÃO PROFISSIONAL        09-03-2015

Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços neles disponibilizados, tem de se tornar sócio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão  Anexo 2, páginas 1 a 27,  proceder ao pagamento de uma «taxa de inscrição» e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados.

Por outro lado, a partir de 2013, nos atos de inscrição como sócios, verificamos a existência de clientes que passaram a subscrever um «Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos» (embora também possa ser subscrito à posteriori).

Esta possibilidade é, contudo, extensível aos sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor.

[…]

Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber:

             MSI – Faturação (anual)

             Sporstudio (SS) – Loja (anual)

             Sporstudio (GE) – Gestão de Espaços (anual)

Da análise a todos estes ficheiros, concluímos sobre as atividades que o sujeito passivo desenvolve bem como os respetivos enquadramentos em sede de IVA.

O ficheiro «MSI – Faturação (anual)» engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico – Ginásio (atividade principal) – atividade sujeita a IVA e dele não isenta – e algumas outras atividades associadas, tais como a Nutrição (NUT-FIS) – consideradas pelo SP como atividades isentas de IVA.

A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 2) e verificamos que um caso paradigmático é o das faturas emitidas aos clientes que a partir de 2013 subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos. Nelas, para além da rúbrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rúbricas, tais como «Personal Training» (também atividade sujeita e não isenta). Contudo, a esta ou estas, surge sempre associada a rúbrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET» «SDIET1» e «SDIETB» consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.

Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rúbricas – a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos – surge, ainda, uma terceira rúbrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:

•             «Utilização das instalações desportivas» (sujeita a IVA à taxa normal – 23%);

•             «Prestação de serviços dietéticos» (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art.º 9º do CIVA)

Uma terceira rúbrica:

•             «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal – 23%)

Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.

Isso mesmo pode ler-se no portal da internet do Grupo C... no qual é referido que os seus espaços adotaram uma nova filosófica designada por Life Well «assente em três pilares: «move well, eat well e feel well» sendo que na abordagem à vertente «eat well», é referido que:

«o programa tem um custo mensal simbólico de 15 euros, para sócios. Contudo, à mensalidade do clube é retirado esse valor, tornando o programa, na realidade, gratuito.» (sublinhado nosso)

Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na faturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor do SP, no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: «Prestação de serviços dietéticos».

Através da respetiva faturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o nosso entendimento. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes: 

-              Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET);

-              Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT).

Se o próprio SP faz esta distinção (SDIET e NUT) é porque esses dois códigos encerram conteúdos diversos e, de facto, de toda a análise efetuadas, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a «Prestação de Serviços Dietéticos». Esta «Prestação de Serviços Dietéticos» surge sempre associada à «Utilização das Instalações desportivas», constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.

A prová-lo, estão os «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter «acessório» desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é «permitido» enquanto durar o «Contrato de Adesão» (contrato para «Utilização das instalações desportivas» - Ginásio) (Anexo 2)

Clausulas 1ª e 3ª:

Caráter acessório:

«Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (…) – (in Cláusula 1ª);

«O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (…) – (in Cláusula 3ª – ponto 3.3)

Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a respetiva prática, uma vez que, nesta matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho.

Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.

III.1.1.2.  Dos fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1.1.2.1  Enquadramento fiscal

III.1.1.2.1.1  Direito comunitário

             A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.

             Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), «a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

             Por seu turno, a alínea c) isenta «as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa».

             A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde» (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).

             A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.

             No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

             Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.

             Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.

             Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.

III.1.1.2.1.2  Direito interno

             Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:

o             Para a alínea 1), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE) – FORA DE MEIO HOSPITALAR

o             Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). – EM MEIO HOSPITALAR

             Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, «As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.» – FORA DE MEIO HOSPITALAR

             A alínea 2), do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, «As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares».

             Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a «atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, de possível, curar as doenças ou anomalias de saúde».

             Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.

             A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.

             O sujeito passivo isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 2), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.

             Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pela SP à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.

             Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que «estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

             Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:

- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o exercício da função e;

- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a «realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.» (dessa lista consta, designadamente, a atividade de “dietista”).

             Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em «prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde» (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).

             E continua: «Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.» (sublinhado nosso)

             Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.

             Tal significa que as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» (e não consultas) e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por «aconselhamento dietético»).

             De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, ó propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.

             A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).

             Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.

             Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.

             Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.

Prestação principal vs acessória

             Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.

             Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações «puramente acessórias» ou «estreitamente conexas».

Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:

•             Acórdão de 22 de outubro de 1998 «T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel», Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, «não constituem (…) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.», concluindo nesse contexto que se trata de «prestações (…) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal]».

•             Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, «Card Protection Plan Ltd», Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador».

•             Acórdão de 27 de setembro de 2012, «Field Fisher Waterhouse LLP», processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, vide os seguintes acórdãos: a) CPP – Processo n.º C 349/96, Colet., p. I 973, n.° 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I 897, n.° 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, Colet., p. I 1457, n.° 54, de 10 de março de 2011).

•             Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, «BGZ Leasing Sp.z o.o», Processo C-224/11, onde se refere que está «em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial» e que «a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA». Continua, ainda, referindo que «para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa», designadamente «uma determinada conexão entre si».

Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), «uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador».

Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

III.1.1.3  Da Análise dos factos

No âmbito das presentes Ordens de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que, a partir de 2013, nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rúbrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita), podem surgir outras rúbricas, tais como “Personal Training” ou «Ginástica em Grupo» (atividade sujeita), contudo, surge sempre associada a rúbrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET», «SDIET1», consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rúbrica: «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal – 23%)

Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1.2.1/2. . Comunitário e interno), é de salientar que a atividade de “Dietética”, não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).

Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.

Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Da análise a diversos «Contratos de Adesão» e «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).

Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição «avulso», faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rúbrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Fica assim demonstrado o caráter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como; «SDIET») enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» daqueles sócios da SP que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões  nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código «NUT» ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a «Prestação de Serviços Dietéticos» (códigos «SDIET» e «SDIET1»), uma vez que, relativamente às mesmas – e tão só a essas – não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA. 

 III.1.1.4  Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) – Anos 2013 e 2014

Como já foi referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.

Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da «Prestação de serviços dietéticos» como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, foram trabalhados, respetivamente, os ficheiros «III-F Pres Serv ...2013» e «III-F Pres Serv ... 2014», consoante se trate do exercício de 2013 ou 2014, evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos «SDIET»). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.

[…]

 – cf. RIT.

Y.            Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários, no montante total de € 199.274,19 (€ 172.552,80 de IVA e € 26.721,39 de juros compensatórios):

2013

i.             Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período 2013/01 – cf. Documento 1 do PPA;

ii.            Liquidação de IVA n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/02 – cf. Documento 1 do PPA;

iii.           Liquidação de IVA n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/03 – cf. Documento 1 do PPA;

iv.           Liquidação de IVA n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/04 – cf. Documento 1 do PPA;

v.            Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/05 – cf. Documento 1 do PPA;

vi.           Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/06 – cf. Documento 1 do PPA;

vii.          Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/07 – cf. Documento 1 do PPA;

viii.         Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/08 – cf. Documento 1 do PPA;

ix.           Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/09 – cf. Documento 1 do PPA;

x.            Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/10 – cf. Documento 1 do PPA;

xi.           Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/11 – cf. Documento 1 do PPA;

xii.          Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/12 – cf. Documento 1 do PPA;

todas de 17 de abril de 2018, com imposto no montante total de € 46.247,26 e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA, no montante total de € 8.193,36.

2014

xiii.         Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/01– cf. Documento 2 do PPA;

xiv.         Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/02 – cf. Documento 2 do PPA;

xv.          Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/03 – cf. Documento 2 do PPA;

xvi.         Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/04 – cf. Documento 2 do PPA;

xvii.        Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/05 – cf. Documento 2 do PPA;

xviii.       Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/06 – cf. Documento 2 do PPA;

xix.         Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/07 – cf. Documento 2 do PPA;

xx.          Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/08 – cf. Documento 2 do PPA;

xxi.         Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/09 – cf. Documento 2 do PPA;

xxii.        Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/10 – cf. Documento 2 do PPA;

xxiii.       Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/11 – cf. Documento 2 do PPA;

todas de 17 de abril de 2018, com imposto no montante total de € 117.977,40 e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de

€ 17.192,26.

2015

xxiv.      Liquidação n. º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01 – cf. Documento 3 do PPA;

de 17 de abril de 2018, com imposto no montante € 8.328,14 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de € 1.335,77.

Z.            Em discordância com as liquidações de IVA e de juros, compensatórios e moratórios, identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 8 de março de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

MOTIVAÇÃO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular dos colaboradores da Requerente e do Grupo empresarial em que se integra, D... (primeira testemunha inquirida) E... (segunda testemunha inquirida) e F... (terceira testemunha inquirida). No primeiro caso, a testemunha é nutricionista, funcionária da Requerente desde 2013, tendo acompanhado, desde esse ano, o lançamento da nova área de atividade de serviços de nutrição, nas instalações da Requerente. No segundo caso, a testemunha é Diretor Financeiro do Grupo C... (Portugal) e acompanhou a inspeção tributária. No terceiro caso, a testemunha é Diretor de Produto do Grupo C... (Portugal), sendo colaborador do Grupo há 15 anos tendo acompanhado o lançamento da nova área de atividade de serviços de nutrição e a respetiva estratégia de marketing.  Os respetivos depoimentos foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento detalhado dos factos relatados.

Os depoimentos foram consensuais no sentido da confirmação da criação, em 2013, de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a outras existentes, como SPA, Personal Training e Fisioterapia, bem como da equivalência das expressões dietista e nutricionista, dada a convergência histórica das duas profissões, requerendo-se a inscrição dos profissionais na Ordem dos Nutricionistas para poderem exercer a prática clínica. As testemunhas descreveram os procedimentos de prestação dos serviços de nutrição, realizados com o apoio de um software específico – SANUT – que, para além de repositório dos dados clínicos dos clientes, permite o registo das consultas e iterações realizadas e gera alertas que visam o acompanhamento sistemático dos clientes por parte dos nutricionistas. As testemunhas foram ainda consensuais na indicação de que os nutricionistas tinham objetivos comerciais e incentivos de angariação de serviços adicionais de nutrição por sócios, para além dos incluídos na mensalidade do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos. Foi consensual a indicação de que a área de nutrição foi implementada na sequência de diretrizes internacionais do Grupo C... que, a nível de estratégia e posicionamento de mercado, quis apostar nestes serviços, uma vez que os mesmos são tendência de mercado e permitem, em termos económicos, uma permanência maior dos clientes. As testemunhas E... e F... foram confrontadas com o documento n.º 8 junto ao PPA, tendo explicitado o número total de consultas efetuadas ao abrigo dos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos vs. consultas avulsas ou em packs (estas últimas designadas por “premium”) nos anos de 2013 e 2014. Explicitaram ainda o conteúdo das faturas relativas às componentes ginásio e serviços de nutrição por confronto com os documentos 13 e 12 respetivamente.    

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidadas.

                FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

2.            DO DIREITO

2.1.        DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

Está em causa uma única questão jurídica que respeita à qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas, por parte dos clientes da Requerente. O caráter acessório de tais serviços (nutrição), invocado pela Requerida e contestado pela Requerente, implica a sua perda de autonomia e o correspondente enquadramento na prestação dita “principal” - os serviços de ginásio -, deixando de ser abrangidos pela isenção de IVA.

Neste âmbito, importa apreciar os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei suscitados pela Requerente.

2.2.  FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

A Requerente invoca que a Requerida não logrou fundamentar o Relatório de Inspeção de forma suficiente a justificar a sua posição, em violação do disposto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT e o artigo 268.º, n.º 3 da CRP. Contudo, não especifica quaisquer argumentos para substanciar esta alegação nem desenvolve este tema no PPA apresentado.

A exigência de fundamentação de atos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Especialmente para a fundamentação dos atos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e que “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário.

Nesta sede, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, em jurisprudência uniforme, que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação .

Compulsados os autos, constata-se que o Relatório de Inspeção contém, de forma clara e com suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a Requerida alicerçou as correções de IVA impugnadas, que se prendem com a pretendida natureza acessória dos serviços de nutrição, em relação aos serviços de ginásio.

Estes argumentos, o seu sentido e alcance, foram devidamente compreendidos pela Requerente, que se multiplicou em apresentar provas e fundamentos de direito a refutar a posição da Requerida. 

                Razões pelas quais improcede o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

***

2.3.  QUESTÃO MATERIAL

No que se refere à questão decidenda aqui em causa – qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas – considerando a matéria de facto provada, este Tribunal concorda plenamente com a decisão do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 373-2018-T, em tudo aplicável ao caso concreto, cujo teor se passa a transpor por facilidade de referência e de economia processual: 

“2.3. A ISENÇÃO DE IVA APLICÁVEL AOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO - ENQUADRAMENTO

O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e  n.º 5 da Lista anexa.

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particulamente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro , e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas. 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.”  – cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.

Como salienta CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer junto aos presentes autos, que se acompanha: “quer a nível internacional, quer a nível nacional o nutricionismo e a prática de atividade física são vistos individualmente como imprescindíveis para a implementação de estratégias transversais para a promoção da saúde pública numa ótica de complementaridade para a adoção de estilos de vida saudáveis e não de acessoriedade, consubstanciando-se neste contexto a obesidade como um dos grandes flagelos do século XXI.”

A prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, segundo o qual:

“Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

[…]”

Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”. Dispõe a referida norma de direito europeu que são isentas (pelos Estados-Membros) “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

Esta isenção provém da anterior Sexta Diretiva  [(artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)] que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das “profissões médicas e paramédicas” serem então referidas por “actividades médicas e paramédicas”, e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da DCCiretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001. (realce nosso)

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.

No caso concreto, as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.

Desta forma, encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10.

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.

2.4. O CARÁTER NÃO ACESSÓRIO DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

                Sem prejuízo de no Relatório de Inspeção se suscitarem alguns pontos relativos à interpretação da norma de isenção escrutinada, a AT não questionou a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que confirmou e considerou serem válidos. Os serviços de nutrição prestados pela Requerente, se considerados autonomamente são, também para a AT, enquadráveis como ¬¬¬operações isentas de IVA.

O que vem verdadeiramente questionado é o caráter autónomo desses serviços. Segundo a Requerida, as “prestações de serviços dietéticos devem ser consideradas acessórias em relação à prestação principal – utilização de instalações desportivas – e, por essa razão, estão sujeitas a IVA à taxa de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.

                Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.

                O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

                O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

                O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 . (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C 394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

                No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

                Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

                Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

                À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.”

* * *

                Nestes termos, os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios acima identificados, são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT. Tendo sido decidida a questão principal, fica prejudicada a decisão de outras questões submetidas à apreciação deste Tribunal, designadamente à forma de cálculo do IVA liquidado.

 

IV.          DECISÃO

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

* * *

                Fixa-se ao processo o valor de € 199.274,19, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Custas no montante de € 3.672,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 31 de outubro de 2019

Os árbitros,

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

(árbitro presidente)

 

Dra. Catarina Belim

(árbitro vogal)

 

Dr. Henrique Nogueira Nunes

(árbitro vogal)