Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 153/2019-T
Data da decisão: 2019-12-16  IRS  
Valor do pedido: € 25.535,75
Tema: IRS de 2015 - liquidação adicional.
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DECISÃO ARBITRAL                                                                                                                                                                                                             

I - RELATÓRIO  

 

1 - DAS PARTES E DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

                1.1 – A..., doravante designada por Requerente, com o número de identificação fiscal n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Porto, área fiscal do Serviço de Finanças do Porto ..., vem nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, solicitar pronúncia arbitral tendo em vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2019... e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2015, no valor respetivamente de € 29.992,92 e € 2.417,01, com fundamento na incorreta interpretação e aplicação dos n.º 3 e 5 do artigo 44.º e n.º 3 do artigo 45.º, ambos do CIRS, que alega ferirem de forma grosseira o princípio constitucional da igualdade e o pressuposto da tributação de acordo com a capacidade contributiva.

 

                1.2 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 07/03/2019, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 8 do mesmo mês. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi nomeado pelo Conselho Deontológico do CAAD o signatário, em 21-03-2019, encargo que aceitou na mesma data e de que foram notificadas as Partes.

 

                1.3 - Por despacho de 20/05/2019, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico deu por constituído o tribunal arbitral, determinando que se procedesse aos trâmites legais, conforme previsto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

                1.4 - As Partes foram notificadas da constituição do tribunal nessa mesma data de 20/05/2019.

 

                1.5 - Ainda na mesma data foi proferido despacho arbitral, determinando-se a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para apresentar resposta no prazo legal e envio do respetivo processo administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

                1.6 - A Requerida juntou aos autos a sua Resposta em 24/06/2019, bem como o respetivo Processo Administrativo, que se dão aqui por reproduzidos.

 

                1.7 - Em 04/07/2019 foi proferido novo despacho arbitral, no qual se dava a conhecer a posição do Tribunal no sentido da dispensa da realização da Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, apesar do arrolamento de duas testemunhas e de a Requerida ter invocado uma exceção dilatória, por se tratar apenas de matéria de direito e de os factos alegados se mostrarem suficientemente provados nos autos, com notificação das partes para se pronunciarem.

 

                1.8 - Mais se determinava no mesmo despacho que a Requerente deveria responder à matéria das exceções invocadas pela Requerida e de que as Partes deveriam apresentar, facultativamente, alegações escritas até 30 de setembro de 2019.

 

                1.9 - Em 04/07/2019 foi apresentado um Requerimento da Requerente, a pronunciar-se sobre a sua não oposição à dispensa de audição das testemunhas e à dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT, precisando ainda algumas imprecisões da AT em sede de Resposta, designadamente no âmbito das exceções que esta havia invocado.

 

                1.9 - Em 24/09/2019 foi proferido despacho arbitral sobre a prolação da decisão arbitral, prevista para 31 de Outubro de 2019.  Porém, em 30 de outubro foi proferido novo despacho arbitral, prorrogando a prolação da decisão por um período de dois meses, a terminar em 31 de dezembro de 2019.

 

                1.9 - Foram proferidas alegações escritas pelo Requerente em 27/09/2019, e pela Requerida recebidas no CAAD em 01/10/2019, ambas consideradas, portanto, dentro da data designada.

 

2 -  DO PEDIDO FORMULADO PELO REQUERENTE

 

                2.1 - O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2019... e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2015, no valor respetivamente de € 29.992,92 e € 2.417,01, com fundamento na incorreta interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, que alega ferir de forma grosseira o princípio constitucional da igualdade e o pressuposto da tributação de acordo com a capacidade contributiva e por não aceitação como valor de realização do efetivo valor de venda dos bens em causa.

 

                2.2 - A Requerente apresentou oportunamente a sua Declaração modelo 3 de IRS respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2015, na qual se inclui o Anexo G (Doc. 18 da PI), respeitante às mais-valias e outros incrementos patrimoniais, no qual indicou, no Quadro 4, os bens imóveis que alienou nesse ano, bem como a alienação de partes sociais e outros valores mobiliários, no Quadro 9 do mesmo Anexo.

 

                2.3 - A Requerente foi notificada pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira (Doc. 19 da PI), em outubro de 2016, por carta registada, para proceder à substituição do Anexo G da sua Declaração modelo 3, por conter incorreções no quadro 4 do Anexo G, relativamente aos valores de aquisição do bem imóvel indicado no Quadro 4, campo 4004, relativamente ao artigo ... da freguesia de ..., do concelho do Porto, muito embora, o valor a corrigir através da dita declaração de substituição, referido na notificação, fosse respeitante ao valor de realização, que em vez do declarado € 87.500,00 deveria ser de € 146.796,15.

 

                2.4 - A Requerente havia indicado, de facto, como valor de alienação de 25% do bem imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., concelho do Porto, Cód. ..., sob o artigo..., o de € 87.500,00, entendendo, porém, a AT que deveria corrigi-lo para € 146.796,15, ou seja, para mais € 59.296,15, considerando o Valor Patrimonial do bem imóvel em causa, no valor global de € 587.184,62.

 

                2.5 - A Requerente enviou resposta ao Chefe do Serviço de Finanças de Porto-..., em 28 de outubro de 2016, no uso do direito de audição, contestando a aplicação do n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, por ser possível demonstrar que o preço de venda realmente praticado de € 350.000,00 foi inferior ao que serviu de base à liquidação do IMT - Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, atentas as circunstâncias que descreve, designadamente a degradação do imóvel e o facto de ter estado arrendado durante um período longo de tempo.

 

                2.6 - Mais alega a Requerente que a adquirente do bem foi a empresa B..., que procedeu à transferência bancária de € 350.000,00 para um dos comproprietários (irmão da Requerente), tendo este, por sua vez, efetuado transferências de € 87.500,00 para cada um dos seus 3 irmãos.

 

                2.7- Realça a Requerente que, nesta data, um seu irmão e comproprietário dos bens imóveis alienados aguardava resposta da AT quanto à requerida aplicação do regime especial para prédios arrendados (art.º n.º 15.º do D.L. n.º 287/2003, de 12 de novembro), da qual resultaria, eventualmente, nova avaliação do imóvel.

 

                2.8 - A Requerida solicitou em 23/10/2018 cópias dos documentos de despesas e das escrituras de aquisição dos imóveis, tendo-lhe sido remetidas em 07/11/2018 (Doc. 21 da PI).

 

                2.9 - A AT, ora Requerida, no entanto, não mais questionou a Requerente e nem sequer ouviu as testemunhas indicadas em direito de audição, mas não atendeu a sua pretensão, por considerar que o formalismo da prova do preço real só poderia ser feito através do procedimento próprio referido no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, que remete para o artigo 139.º do Código do IRC.

 

                2.9.1 - A Requerente refere que a ora Requerida ainda foi mais longe, ao notificá-la, de novo, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 60.º da LGT, em 14/12/2018, para corrigir, além dos valores de realização, agora dos artigos U-... e U-..., ambos da mesma freguesia de ..., do concelho do Porto, também os valores de aquisição dos mesmos imóveis, que lhe haviam sido doados a si e a seus irmãos, pelo seu pai, por escritura de 29 de setembro de 2004, (ano seguinte ao da entrada em vigor do Código do IMI), determinando o reporte dos bens ao valor patrimonial de 2002 - em que vigorava a extinta contribuição autárquica .

 

                2.9.2 - A Requerente, não conformada, exerceu de novo o seu direito de audição em 3 de janeiro de 2019, nos termos constantes do Doc. 23 anexo à PI, em que realça o facto de à data da doação em março de 2004, a redação do n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRS não fazia qualquer referência aos dois anos anteriores à doação, mas sim ao valor anterior à mesma.

               

                2.9.3 - E na resposta dada pela Requerente realçou também que a AT aumenta, deste modo, de forma exponencial, os valores das mais valias por não atribuir ao valor de aquisição um valor igual ao VPT, mas valores de um imposto já extinto à data da doação em 2004,

               

                2.9.4 - A ora Requerida responde que indeferiu a sua pretensão, justificando os fundamentos da sua decisão, quer quanto à correção dos valores de realização quer de aquisição, a primeira pelos fundamentos já referidos atrás e a correção dos valores de aquisição, com base no disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, e porque aqueles bens foram adquiridos a título gratuito em 2004, por doação de seu pai, isenta de imposto, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo e, assim sendo, face ao disposto no n.º 3 do referido artigo 45.º, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até dois anos anteriores à doação.

 

                2.9.5 - Daí que em 31/01/2019, tenha notificado de novo a Requerente em 31/01/2019, através do Ofício n.º 2019..., dando-lhe conhecimento de que foram alterados alguns dos elementos da declaração de IRS de 2015, oportunamente apresentada, ou seja:

                - os valores de aquisição declarados de € 10.499,99 e € 139.210,00, respeitantes, respetivamente, aos já referidos artigos ... e ..., para € 6.148,65 e € 14.987,00;

                - os valores de realização declarados de € 9.125,00 e € 87.500,00, respeitantes, respetivamente, aos mesmos artigos ... e ..., para € 14.987,00 e € 146.796,15 (€ 587.184,62 X 25%);

 

                2.9.6 - A Requerente respondeu à AT remetendo cópia do exercício do direito de audição apresentado pelo seu irmão C..., cuja cópia junta, e na qual descreve o historial de todo o processo de aquisição e alienação dos bens em causa, aderindo, totalmente à sua defesa de não concordância com as correções efetuadas.

 

                2.9.7 A AT não aceitou a defesa apresentada e determinou uma liquidação adicional de IRS n.º 2019... n.º 2019..., no valor total de € 29.992,92, em que se incluem juros compensatórios no valor de € 2.417,01, cuja anulação a Requerente pede (Doc. 25 PI).

 

                2.9.7 - Relativamente à correção do valor de realização, cuja prova do valor efetivo da venda (realização) também não foi aceite pela Requerente, a AT entende que não foi aplicabilido o disposto no n.º 6 do artigo 44.º do IRS, com fundamento em que não foi utilizado o procedimento exigível, porquanto, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRS, "a prova deve ser efetuada em procedimento próprio, mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos" - o que a Requerente também não concorda.

                2.9.8 - E apresenta como fundamento da sua discordância, o facto de a resposta da AT, à comunicação efetuada em 2012 pelo irmão da requerente, para efeitos de avaliação (prédios arrendados - art.º 15.º do CIMI), apenas ter sido emitida em 28/11/2016, pelo que não pode, no entender da Requerente, considerar-se, até então, que o VPT se encontrava definitivamente fixado.

 

                2.9.9 - E mais refere que a Requerente, "no exercício do direito de audição prévia, em requerimento dirigido ao diretor de finanças, acompanhado da documentação da prova do valor real da venda, fora já antes remetido à AT, em outubro de 2016, substituindo, assim, a necessidade de novo requerimento sobre o mesmo assunto dirigido ao mesmo diretor de finanças, por se tratar de ato inútil e por economia processual".

 

               2.9.9.1 - Donde, em seu entender, implica, necessariamente não ter já qualquer sentido repetir o formalismo previsto no n.º 3 do artigo 139 do IRC, por se mostrar ultrapassado e não ser de qualquer utilidade ser substituído por outro.

 

                2.9.9.2 - Por outro lado, quando a avaliação foi efetuada em novembro de 2016, o imóvel já não pertencia à Requerente há mais de um ano e os documentos comprovativos do preço já haviam sido remetidos, como refere anteriormente, designadamente a prova dos movimentos bancários da transferência do vendedor, de € 350.000,00 e as transferências de € 87.500,00 efetuadas para os comproprietários, em que se inclui a Requerente, provas que estes também apresentaram à AT.

 

                2.9.9.3 - Mais refere a Requerente que "a natureza do IRS e de qualquer outro imposto sobre o rendimento, implica isso mesmo: tributar um rendimento. Ora, se o rendimento não existiu não pode ser tributável. A norma cuja dimensão interpretativa está aqui em causa enquadra-se no regime tributário das mais-valias, rendimento-acréscimo, incremento patrimonial - e por isso mesmo foi já julgada inconstitucional (Tribunal Constitucional, 3.ª Secção, Acórdão 211/2017 de 2 de maio, Proc.º 285/2015)".

 

                2.9.9.4 - E a Requerente remete também para o Acórdão n.º 84/2003 do Tribunal Constitucional, de que extrata a seguinte passagem: "O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério, preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação".

 

                2.9.9.5 - E cita mais uma passagem do citado Acórdão n.º 211/2017 do TC, quando refere que "O n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção 'juris tantum' e não de 'de juris et de jure', sob pena de violar o princípio constitucional da igualdade".

                2.9.9.6 - E ainda neste sentido cita a Decisão Arbitral do CAAD de 14.01.2017, de que transcreve a seguinte passagem: 

 

                2.9.9.7 - E remete também para a Decisão Arbitral do CAAD no processo n.º 107/2015-T, de 23.10.2015, segundo a qual "…o presente pedido de decisão arbitral é assim o meio próprio para ilidir a presunção de incidência ínsita no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS…".

 

                2.9.9.8 - Donde, conclui a Requerente que "não se entende porque haveria a correção de valor de venda ser alterada para € 146.769,15 (€ 587.184,62 X 25%), quando em 17.07.2015 foi pela AT fixado ao imóvel em questão o valor patrimonial global de € 437.190,00 (Doc. 5 da PI)".

 

                2.9.9.9 - Relativamente aos Valores de Aquisição, a Requerente               começa por transcrever os n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do Capítulo III (Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), bem como o preâmbulo e um conjunto de normas provisórias do CIMI:

 

Artigo 13.º, n.º 1 do Imposto do Selo

"1. O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI…"

 

                2.9.9.9.1 - Ora, realça a Requerente, que os imóveis em questão foram adquiridos pelo Requerente em escritura de doação outorgada em março de 2004 (Doc. 1 da PI), sendo esta a primeira transmissão gratuita isenta de imposto do selo ocorrida após 1 de janeiro de 2004.

 

                2.9.9.9.2 - De seguida transcreve ainda uma parte do preâmbulo do CIMI, donde se releva a conceção de um novo sistema de avaliação para atualização de valores patrimoniais que se encontravam desajustados há longos anos, para realçar que, com a reforma tributária e o novo CIMI, se visou aproximar os valores patrimoniais aos de mercado, que se encontravam desajustados à realidade.

 

                2.9.9.9.3 - Porém, a AT, através do de Ofício n.º 2019..., de 31.01.2019 (Doc. 24 PI), vem, segundo a Requerente, "de uma forma extremamente vaga, errada, não fundamentada e leviana, indeferir a pretensão do Requerente e aplicar como valores de aquisição dos imóveis os valores da extinta contribuição autárquica(?)".

 

                2.9.9.9.4 - Mais realça a Requerente, quanto aos supra transcritos n.ºs 1 e 2 do artigo 155.º do Capítulo III (Dec. Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), e do preâmbulo com o conjunto de normas provisórias do CIMI, a AT refere no ofício referido no ponto anterior: "…Ora, nos termos da redação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º da Lei n.º 60.º-A/2011, de 30 de novembro, a revogação dos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012".

 

                2.9.9.9.5 - Mas, a Requerente refere que a AT "nem deve ter lido o n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 60.º-A/2011, de 30 de novembro, que refere:'4. Aos prédios urbanos inscritos na matriz e objeto de transmissão onerosa ou gratuita ocorrida até 31 de dezembro de 2011, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro' ".

               

                2.9.9.9.6 - E porque os imóveis em questão foram adquiridos pelo Requerente em 2004, antes, portanto de 31 de dezembro de 2011, continua a aplicar-se-lhes o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

 

                2.9.9.9.7 - Donde conclui que a liquidação está ferida de ilegalidade, por violação dos artigos 45.º, n.º 1. alínea b) do CIRS e 13.º do CIS.

 

                2.9.9.9.8 - E em reforço da sua tese transcreve um extrato do Ac. do STA, proc. 0442/12, de 23.04.2013, que refere:

"62. É incontroverso que nas transmissões gratuitas de bens, ocorridas                 após      a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 287/2003, ou seja, a partir de 1 de janeiro de 2004, o Imposto do Selo incidia sobre o valor dos bens transmitidos, revelado à data da transmissão, por via da avaliação imposta pelo n.º 2 ddo supra transcrito artigo 15.º (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0442/12, de 23.04.2013).

 

                2.9.9.9.9 - E conclui a Requerente que "o valor anterior à doação é o resultante da primeira avaliação, por força dos transcritos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º  do capítulo III (Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), do preâmbulo com o conjunto das normas do CIMI".

 

3 - DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

A - DO PEDIDO

 

                A.1 - A Requerida vem referir, primeiramente, que nos termos do art.º 13.º do RJAT, a AT revogou parcialmente a liquidação objeto de pronúncia, referente ao ano de 2015, com o n.º 2019..., conforme fundamentação que foi oportunamente notificada à Requerente.

 

                A.2 - No que se refere à parte da liquidação que tem como fundamento o imóvel U-..., a AT pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado, por entender que o mesmo consubstancia uma correta aplicação do direito aos factos.

 

 

B - POR EXCEÇÃO

 

                A.3 - Refere a Requerida que, "de acordo com o consignado no artigo 139.º do CIRC, para se proceder à demonstração do preço efetivo, tal implica a realização de um prévio procedimento junto da entidade Requerida com vista a demonstrar que o valor de realização foi efetivamente inferior ao valor patrimonial que serviu de base à liquidação de IMT".

 

                A.4 - Isto é, trata-se, segundo a Requerida, de "um procedimento instaurado através de requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente, apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões (n.º 3 do art.º 139.º do CIRC), ficando desse modo suspensa a liquidação (n.º 4 do citado art.º 139.º do CIRC)".

 

                A. 5 - E a Requerida refere que, "conforme alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos de autoliquidação de retenção na fonte e de pagamento de conta". 

 

                A.6 - E, em consequência, entende a Requerida que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para aferir, no processo arbitral, da prova do preço efetivo, primeiro porque se trata de um procedimento administrativo, e depois porque a competência para apreciação desse processo é exclusiva do Diretor de Finanças.

 

                A.7 - E que assim sendo, o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido atinente à demonstração do preço efetivo, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos invocados termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 576.º do CPC ex vi  alínea e) do art.º 2.º do CPPT e alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

No entanto, a Requerida, À CAUTELA, sem conceder:

 

                A.7 - Vem recordar a Requerente que, "com vista a ilidir a tal presunção, o legislador criou em sede de IRC, um procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, que estipula no seu n.º 1 que o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável, caso o sujeito passivo faça prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis".

 

                A.8 - Mais refere que nos termos do n.º 3 do art.º 139.º do CIRC, a prova deverá ser feita em procedimento próprio instaurado mediante requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores  à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

 

                A.9 - E ainda que, conforme prescreve o n.º 7 do art.º 139.º do CIRC, a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar das correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa .

 

                A. 10 - E precisa também que este mecanismo para a elisão da presunção se rege pelos art.ºs 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

 

                A.11 - E à luz do n.º 7 do artigo 139.º do CIRC, a Requerida esclarece que "o legislador determinou como efeito cominatório - à luz do que acontece para as comissões de revisão (Art.º 91.º e 92.º e 86.º, todos da LGT) - previamente à dedução judicial".

 

                A.12 - Ou seja, o legislador determinou que previamente à dedução de impugnação judicial - com vista à discussão do preço efetivo - que se proceda previamente à apreciação, discussão e demonstração, num procedimento próprio, que o valor da transmissão corresponde ao valor do contrato.

 

                A.13 - E é por isso que, esclarece a Requerida, a demonstração da prova do preço efetivo não é suscetível de impugnação contenciosa autónoma, sem que para o efeito exista um esgotamento de todos os meios graciosos expressamente previstos na lei.

 

                A.15 - Assim, não tendo a Requerente apresentado em tempo  pedido do procedimento consignado no disposto no art.º 139.º do CIRC, fica, segundo a Requerida "irremediavelmente precludida a demonstração (agora) em sede de impugnação judicial".

 

                A.16 - E extrata a seguinte passagem do Acórdão do STA proferido no proc. n.º 0406/10, 15-09-2010:

                "1 - Os artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 177.º, n.º 1 do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria coletável como condição de impugnabilidade judicial de atos tributários com base em erro na quantificação da matéria coletável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos".

                 

                A.17 - A Requerida citou, ainda, o Acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 0692/13, de 16-10-2014, bem como o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 89/2018-T, ambos no mesmo sentido.

 

                POR IMPUGNAÇÃO, sem conceder

                DOS FACTOS

               

                A Requerida relata os factos nos termos seguintes:

 

                A.18 - A Requerente, no ano de 2015, declarou no Anexo G, Quadro 4, a alienação de três prédios urbanos com a identificação: Código de Freguesia - ..., Artigos matriciais -..., ... e... .

 

                A.19 - Com base na declaração, a AT identificou divergências para efeitos de comprovação do ato tributário, quanto à alienação dos imóveis.

 

                A.20 - Em consequência, notificou o contribuinte para efeitos de Audição Prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, através do Ofício n.º GI-..., ciente de que "deve entregar declaração de substituição, alterando o valor da linha 4004 do Anexo G, quadro 4, referente à aquisição do bem (artigo...), para € 146.796,15, e, não o fazendo no prazo concedido será elaborado auto de notícia e elaborado o competente documento de correção".

 

                A.12 - A Requerente exerceu o seu direito de resposta, afirmando não concordar com a correção proposta pela AT ao valor de realização do bem imóvel inscrito na linha 4004 do Quadro 4 do Anexo G, relativo ao artigo ... da freguesia de ..., concelho do Porto, por o valor por si indicado corresponder ao preço recebido pela venda do mesmo, no total de € 350.000,00, a que lhe corresponde uma 1/4 parte, no valor de € 87.500,00.

 

                A.13 - E por serem aqueles os valores verdadeiros da venda e da parte que lhe corresponde na herança, entende a Requerente que não andou bem o Serviço de Finanças, ao aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, que refere que prevalece o valor patrimonial quando superior.

 

                A.14 - No entanto, também refere o n.º 5 do mesmo artigo 44.º que "o disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização for inferior ao ali previsto" .

 

                A.15 - A Requerida confirma que o Requerente pretendeu fazer tal prova, apresentando para o efeito:

 

•             "A Carta de Direito de Preferência enviada à B..., dada a sua qualidade de arrendatária do R/C e de uma garagem do imóvel em questão, direito que a arrendatária exerceu, aceitando o valor da venda do imóvel em apreço pelo valor global de € 350.000,00.

 

•             Os movimentos da conta bancária onde se encontra espelhado o montante de € 350.000,00 transferido pelo comprador – B... .

 

•             E as transferências efetuadas para os comproprietários, no valor de € 87.500,00".           

 

                A.16 - E a Requerida confirma também que da consulta ao sistema do IMI-Atos por Outorgante - Declaração Modelo 11, confirmaram-se os valores de realização declarados.

 

                A.17 - Mais refere a Requerida que já quanto aos valores de aquisição dos imóveis U-... e U-..., por terem sido adquiridos por doação isenta nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto de Selo, considera-se, face ao disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da respetiva matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

                A.18 - Assim, continua a Requerida, "tendo a Requerente adquirido os imóveis em causa, em 2004, por doação isenta nos termos daquele normativo do Código do Imposto de Selo, considerou-se na liquidação vigente o VPT constante da matriz, reportado a 2002, ou seja, dois anos anteriores à doação". 

 

                DO DIREITO

 

                A.19 - Quanto ao valor de realização, remete a Requerida para o que dispõe o n.º 6 do artigo 44 do CIRS, que refere que a prova antes referida "deve ser feita de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, com as necessárias adaptações".

 

                A. 20 - E que, conforme n.º 7 do referido artigo 44.º, nos casos em que são efetuados ajustamentos ao valor de realização, se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver já decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º do CIRS, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte.

 

                A.21 - E que nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, a prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis for inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas, deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

 

                A.22 - E como tal não aconteceu, a pretensão do contribuinte, ora Requerente, não poderá ser atendida, no entendimento da Requerida, pelo que o valor de realização do imóvel com a identificação matricial ... -U-..., terá de ser alterado para € 146.796,15 (VPT € 587.184,60 X 25%).

 

                A.23 - Mais refere que a Requerente entende que a aplicação ao caso do disposto no n.º 6 do art.º 44.º do CIRS para prova de que o valor de realização foi inferior ao VPT deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, com as necessárias adaptações.

 

                A.24 - E mais realça a Requerida que "o n.º 3 do artigo 139.º do CIRC refere que a prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos".

 

                A.25 - Relativamente ao cumprimento da Requerente desta obrigação legal, entende a Requerida o seguinte:

 

                1. Que tendo a resposta da AT, à comunicação efetuada em 2012 pelo irmão da Requerente, quanto à aplicação do regime especial para prédios           arrendados, sido notificada em 28/11/2016, e

 

                2. Que tendo a Requerente submetido, em Outubro de 2016, requerimento      dirigido ao diretor de finanças, acompanhado da documentação da prova do valor real da venda, este substituiu a necessidade de novo requerimento, para evitar atos inúteis.

 

                A. 26 - Importa apenas e agora analisar se a participação de rendas efetuada nos termos e para efeitos do art.º 15.º-N do decreto-Lei n.º 287/2003, de 13/11 tem a virtualidade de tornar o valor patrimonial dos imóveis em causa ainda não "definitivamente fixado".

 

                A.27 - E prossegue a Requerida com a sua argumentação, ao referir, por esclarecedor, segundo assim entende, o Preâmbulo da Portaria n.º 240/2012 que aprova o modelo da participação de rendas:

                "A Lei n.º 60-A, de 30 de novembro, que aditou os artigos 15.º- A a 15.º- P ao    Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, veio consagrar a avaliação geral dos prédios urbanos, concluindo dessa forma a Reforma da Tributação do Património iniciada em 2003.

                No sentido de salvaguardar a situação específica dos prédios arrendados, a Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, prevê um regime especial para os prédios ou partes de prédios urbanos abrangidos pela avaliação geral que estejam arrendados por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em           vigor do decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro.

                Nestes casos, sempre que o resultado da avaliação geral for superior ao valor    que resultar da capitalização da renda anual através da aplicação do fator 15, será este último o valor patrimonial tributário relevante para efeitos, exclusivamente, da liquidação do IMI". 

 

                A.28 - Mais refere a Requerida que, para melhor esclarecimento, na alínea e) do n.º 10 daquele normativo é expressamente referido que: "o valor    patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, fixado nos termos do presente artigo, não é aplicável, prevalecendo, para todos os efeitos, o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral, nas seguintes situações (…) transmissão onerosa ou doação do prédio ou parte do prédio urbano".

               

                A.29 - E que assim sendo, conclui a Requerida que não tendo sido impugnado o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral à data da transmissão onerosa do prédio em questão, em 2015 já se encontrava definitivamente fixado o valor patrimonial tributário do imóvel, pelo que o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força de n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, deveria ter sido apresentado em janeiro do ano seguinte, ou seja, em janeiro de 2016 .

 

                A.30 - A Requerida remete para a fundamentação do Acórdão do TC n.º 211/2017, de 2 de maio, proc. 285/2015, chamada à colação pelo Requerente, no sentido de que a interpretação dada pela AT aos n.ºs 2 e 5 do art.º 44.º do CIRS e art.º 139.º do CIRC, fere o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade, sendo por isso inconstitucional. Também invocou a Requerente as decisões do CAAD sobre a interpretação do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, no sentido de estabelecer uma «Presunção que, em matéria de incidência tributária, admite prova em contrário, conforme art.º 73.º da LGT.

 

                A.31 - No entanto, a Requerida alerta para o facto de que as decisões invocadas pela Requerente consideram o quadro normativo anterior à reforma da tributação das pessoas singulares, concretizada pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 01.01.2015 e passou a admitir no n.º 6 do art.º 44.º do CIRS a prova do preço da venda.

 

                A.32 - Donde, existe, segundo a Requerida, inaplicabilidade das decisões que a requerente invoca ao caso em apreço, porquanto o quadro normativo vigente à data dos factos (2015) já admite prova em contrário que afasta a aplicação da regra ínsita no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS.

 

                A.32 - E lembra que a Requerente invoca que em 17.07.2015 a AT fixou um VPT global (correspondente à soma de todas as frações) de € 439.190,00, que, no mínimo, seria o reconhecimento de que se encontrava sobreavaliado.

 

                A.34 - A esta argumentação responde a Requerida que, consultada a informação constante da matriz predial, verifica-se que:

 

•             "Por motivo "95-transmissão a título oneroso", foi atribuído ao imóvel um VPT global de € 587.187,62, com referência a "ANO VP 2014";

•             E, na sequência de apresentação de declaração Mod. 1 de IMI com motivo "Prédio melhorado/Modificado", foi o imóvel avaliado em 12.07.2015, tendo-lhe sido atribuído o VPT global de € 437.190,00"

 

A.35 - Realça, ainda, a Requerida que "nos termos do n.º 2 do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecem, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida".

 

A.36 - Ora, diz a Requerida, "o art.º 12.º do Código do IMT determina que o IMT incide sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o VPT, consoante o que for maior".

 

                A.37 - E mais refere que "considerando que a avaliação efetuada nos termos do Código do IMI atribui ao imóvel um valor global (correspondente à soma dos VPT das várias frações) de € 437.190,00, reportado a 09.07.205 , entende-se ser este o valor a considerar como realização na respetiva quota-parte da requerente, ou seja, € 109.297,50" .

 

                E termina por julgar:

                i. procedente, por provada, a exceção dilatória de incompetência material do    tribunal arbitral para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente,    atinente à demonstração do preço, atendendo a que o mesmo só poderá ser          apreciado em sede de prévio procedimento administrativo, nos termos do         disposto no n.º 1 e 2 do art.º 576, CPC ex-vi alínea e) do art.º 2.º do CPPT e alínea a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT;

                ii. procedente, por provada, a exceção perentória, visto que a Requerente          não apresentou o Requerimento a que alude o artigo 139.º do CIRC - o que coarta, desde logo, a apreciação da prova do preço efetivo, sob pena de       violação do disposto no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC e do disposto no art.º 86.º, 91.º e 92.º todos da LGT;

                iii. improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral,     mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários e absolvendo-se, em               conformidade, a entidade Requerida do pedido.

 

4.  - DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

 

                4.1 - A Requerente começa por dar por reproduzido na íntegra o teor da sua PI e formula as seguintes conclusões:

 

                a) - Que a liquidação impugnada se baseia, quer quanto ao valor de realização quer quanto ao de aquisição, em presunções consagradas em normas de incidência ;

 

                b) - Presunções que constam, quanto ao valor de realização, no n.º 2 do art.º 44.º do CIRS e, quanto ao de aquisição, no n.º 3 do art.º 45.º do CIRS;

 

                c) - E classifica estas normas como de anti-abuso e que visam, com a presunção ali estabelecida, "contornar eventuais dificuldades de prova da autoridade tributária, atirando o ónus da mesma para a esfera do contribuinte".

 

                d) - E realça que "seguramente não visam tributar rendimentos que não existam".

 

                e) - E argumenta ainda que o IRS visa tributar um rendimento e que se o rendimento não existiu não pode ser tributável. Trata-se de norma, cuja dimensão interpretativa está aqui em causa, que se enquadra no regime tributário das mais-valias, rendimento-acréscimo, incremento patrimonial - e por isso mesmo, realça, já foi julgada inconstitucional /TC, 3.ª Secção, Acórdão 211/2017 de 2 de maio, Proc. 285/2015);

                f) - A Requerente cita também o Acórdão n.º 84/2003 do TC, segundo o qual: "O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação".

 

                g) - E por isso argumenta a Requerente que a interpretação dada pela AT aos n.ºs 2 e 5 do artigo 44.º do CIRS e 39.º do CIRC fere de forma grosseira o princípio da capacidade contributiva, o qual é corolário do princípio da igualdade, pelo que é inconstitucional por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 103.º, n.º 2, 104.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

 

                h) - E volta a reafirmar que "o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção "juris tantum" e não "juris et de jure", sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade" (TC, 3.ª Secção, Acórdão 211/2017 de 2 de maio, Proc.º 285/2015).

 

                i) - E reafirma também que nos termos do artigo 73.º da LGT "As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário".

               

                j) - E remete para a decisão Arbitral do CAAD de 14.01.2017, transcrevendo um excerto que termina referindo: "…Presunção (do nº. 2 do art.º 44.º) que, como todas em matéria de incidência tributária, admite prova em contrário, conforme o art.º 73.º da LGT". 

 

                k) - E remete ainda para a Decisão Arbitral do CAAD no processo n.º 107/2015-T, de 23.10.2015, segundo a qual "…o presente pedido de decisão arbitral é assim o meio próprio para ilidir a presunção de incidência ínsita no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS…".

 

                l) - Mais alega a Requerente que a prova documental por si produzida "quanto ao estado e vetustez do imóvel, arrendamentos de renda congelada a idosos e as circunstâncias da venda a um dos arrendatários por exercício de direito de preferência, são por si só bem elucidativas da verdade quanto ao real valor de realização. Facto, aliás, que a própria Requerida parece aceitar na posição que assume nos autos, insistindo apenas na "pretensa" falta de cumprimento de um prazo de um formalismo tendente à respetiva demonstração".

 

                m) - E mais alega que "o formalismo até foi cumprido, mas com as necessárias adaptações conforme refere a lei. O exercício do direito de audição pelo Requerente em requerimento dirigido ao diretor de finanças, no qual a única matéria é exatamente a prova do valor efetivo da venda, apresentado ainda antes do VPT do imóvel estar definitivamente fixado, preencheu todos os requisitos legalmente exigidos".

 

                n) - E, quanto ao prazo, a Requerente "e sem prescindir, sempre dirá que qualquer entrega de um requerimento fora do prazo poderia ficar sujeita a uma eventual coima, mas não justificaria nunca cobrar um imposto sobre um rendimento que não auferiu".

 

                o) - E mais refere que, "Por outro lado, no que ao valor de aquisição respeita, também aqui a prova documental produzida e a simples cronologia dos factos (doação em 2004 e venda onze anos mais tarde em 2015), permite desde logo afastar do caso vertente a possibilidade de a doação ser fictícia e ter sido efetuada apenas com o objetivo de fazer subir o VPT, sendo, como é sabido, esta a prática abusiva que motivou a alteração legislativa introduzida em 2010 pela Lei n.º 3-B/2010, de 2010, do art.º 45.º, n.º 3 do CIRS, e que passou a fazer referência ao VPT constante da matriz até aos 2 anos anteriores à doação. Trata-se, também aqui, da consagração numa norma de incidência fiscal objetiva de uma presunção ou ficção legal implícita, sujeita ao princípio do art.º 73.º da LGT".

 

                p) - E alega ainda a Requerente que "sem o justificar ou fundamentar, conclui a Requerida, designadamente no seu despacho de revogação parcial, que considerou na liquidação impugnada o VPT constante da matriz reportado a 2002, ou seja, dois anos anteriores à doação".

 

                q) - E, assim, "mais uma vez, sem o justificar ou fundamentar, entendeu que tal valor seria € 59.948,00 quanto ao artigo matricial ... . Mas, retira-se dos documentos apresentados pela Requerida que o artigo matricial ... tem um VPT apurado nos termos do CIMI desde 2004 (doação) que inicialmente foi de € 556.840,00, posteriormente atualizado para € 587.184,62 e em 2015 diminuído para € 437.190,00".

 

                r) - E reforça a Requerente que "durante onze anos (de 2004 a 2015) pagou IMI calculado com base no VPT referido na alínea anterior".

 

                s) - Reforça ainda a Requerente que "além de não estar minimamente esclarecida em que se baseou a AT ao afirmar que o VPT daquele prédio, em 2002, correspondia a € 59.948,00, não é aceitável este valor", porquanto "em 2002 ainda nem existia o conceito de VPT, e o CIMI só entrou em vigor em finais de 2003".

 

                t) - Logo, diz a Requerente que a AT não respeitou, assim, as exigências legais próprias deste tipo de atos no que concerne à fundamentação, o que viola o disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 23.º, n.º 4 e 77.º da LGT.

 

                u) E a Requerente chama à colação os n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do capítulo III (Dec. Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), do preâmbulo com o conjunto de normas provisórias do CIMI, que referem:

                "Artigo 15.º

                Avaliação de prédios já inscritos na matriz

                1. Em quanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já   inscritos na matriz será avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira    transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.º.

                2. O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de   imposto de selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do   Código do Imposto de Selo, ocorridas após 1 de janeiro de 2004, inclusive".

 

                v) - A Requerente remete, ainda, para o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto de Selo:

                "1. O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos                termos do CIMI…"

 

                x) - Por outro lado, refere também que "É incontroverso que nas transmissões gratuitas de bens, ocorridas após a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 287/2003, ou seja a partir de 1 de Janeiro de 2004, o Imposto de Selo incidia sobre o valor dos bens transmitidos, revelado à data da transmissão, por via da avaliação imposta pelo n.º 2 do citado artigo 15.º (Acórdão do STA, proc. 0442/12, de 23.04.2013)".

 

                z) - E mais refere que esse artigo 15.º ao contrário do referido pela AT não se encontra revogado quanto ao caso vertente, pois que o n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 60.º-A/2011, de 30 de Novembro, refere que: «4. Aos prédios urbanos inscritos na matriz e objeto de transmissão onerosa ou gratuita ocorrida até 31 de Dezembro de 2011, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro»."

                z1 - E em reforço da sua tese, transcreve um excerto da Decisão Arbitral do CAAD de 20.11.2018:

                               "…Atenta a posição das partes, vejamos agora aquela que deverá ser, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica consagradas, a interpretação dos artigos 45.º, n.º 1 e 13.º do CIS, supra transcritos.

                                Da leitura dos citados artigos parecem não resultar quaisquer dúvidas sobre qual o valor que deve ser tido em consideração como valor de aquisição do prédio, para efeito de cálculo da mais valia.

                               E esse valor só pode ser, s.m.o., o valor que haja sido determinado nos termos do CIMI e não qualquer outro, designadamente o valor determinado nos termos do anterior Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e do Código da Contribuição Autárquica…".

 

                Z2 - E lembra a Requerente que os imóveis em questão foram adquiridos por escritura de doação outorgada em março de 2004, como demonstrado nos autos (Doc. junto à PI), tendo sido esta a primeira transmissão gratuita isenta de imposto de selo ocorrida após 1 de janeiro de 2004.

 

                z3 - E que a atual redação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS apenas lhe foi introduzida em 2010, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ou seja, é muito posterior à data da doação, cerca de seis anos mais tarde, não sendo, afirma, passível de aplicação retroativa.

 

                z4 - E em reforço, alega que "a sua interpretação deve ser feita de acordo com as regras da aplicação das leis no tempo, de acordo com as circunstâncias e objetivos que levaram o legislador a criar aquela norma presuntiva anti abuso e com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da posterior Lei n.º 60.º-A/2011, de 30 de novembro, que manda aplicar às doações ocorridas até 31 de dezembro de 2011, o disposto nos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro".

                z5 - E alega que, em seu entender, "Por força do n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, a interpretação cronológica, autêntica e correta daquele n.º 3 do art.º 45.º do CIRS só pode ser uma: só pode ser aplicado às doações ocorridas a partir de 1 de janeiro de 2012 e não retroativamente".

               

                z6 - Mais alega a Requerente que "De outra forma não poderia ser, pois nas doações outorgadas em 2004 e 2005 (como foi a do caso vertente) nunca existe a possibilidade de referência a um valor patrimonial tributário constante da matriz até dois anos antes: é uma questão aritmética, o CIMI só entrou em vigor em 1 de dezembro de 2003".

 

                z7 - E reforça a sua tese argumentado que "aplicar à letra a atual redação do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRS às transmissões gratuitas ocorridas em 2004 e 2005, leva ao absurdo de estas e só estas ficarem excluídas do valor da matriz constante dos dois anos anteriores à doação resultante de avaliação imposta pelo CIMI".

 

                z8 - Donde conclui que "com a venda ocorrida em 2015 do prédio urbano 9250, se constitui uma menos-valia efetiva. Ora, não existindo acréscimo patrimonial não existe rendimento para tributar".

 

                z.9 - E mais conclui que "Na liquidação impugnada, a interpretação dada pela AT aos n.ºs 2 e 5 do artigo 44.º e ao n.º 3 do artigo 45 do CIRS fere de forma grosseira o princípio constitucional da igualdade. bem como o da não retroatividade da lei fiscal e ainda o pressuposto da tributação de acordo com a capacidade contributiva, estabelecendo uma discriminação injusta e absurda entre contribuintes que adquiriram bens por doação em 2004 e 2005 e os que adquiram da mesma forma nos anos seguintes, pelo que é inconstitucional por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 103.º, n.º 2, n.º 3, 104.º, n.º 3, e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa".

                z10 - E a terminar, mais alega a Requerente que "foram ainda violados pela Requerida os artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 23.º, n.º 4 e 77.º da LGT".

 

5.  - DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA

                              

A Requerida vem responder às Alegações da Requerente, em obediência aos princípios da justiça e da verdade material, nos seguintes termos, com esclarecimentos que, aliás, já havia dado, em geral, na Resposta ao pedido de impugnação arbitral do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2015, com o n.º 2019... .

 

                5.1 - Quanto às exceções invocadas pela AT, a interpretação que a Requerente defende é que trata o procedimento do art.º 139.º do CPPT como um mero formalismo dispensável. No  entanto, a Requerida entende que "esta é uma condição de procedibilidade da ação de impugnação, dependente previamente de apreciação, discussão e demonstração do valor da transmissão correspondente ao valor do contrato".

 

                5.2 - Assim, entende que "a aplicação ao caso do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do CIRS para prova de que o valor de realização foi inferior ao VPT deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, com as necessárias adaptações".

 

                5.3 - Mais alega a Requerida que "o n.º 3 daquele normativo do Código do IRC nunca poderia ter sido cumprido pois, quer à data da transmissão do imóvel, quer à data da submissão da declaração de IRS, quer ainda à data da exposição com o inicial exercício do direito de audição prévia, que já incluiu a documentação com a prova do verdadeiro Valor de Realização, o valor patrimonial do imóvel em questão (U-...) não se encontrava ainda definitivamente fixado".

 

                5.4 - Ora, alega a Requerida que o n.º 3 do art.º 139.º do IRC refere que a prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

 

                5.5 - E esclarece que "a resposta da AT à comunicação efetuada em 2012 pelo irmão da Requerente, quanto à aplicação do regime especial para prédios arrendados, apenas foi notificada em 20/11/2016".

 

                5.6 - E conclui que "tendo a Requerente submetido, em outubro de 2016, requerimento dirigido ao diretor de finanças, acompanhado da documentação da prova do valor real da venda, este substituiu a necessidade de novo requerimento sobre o mesmo assunto dirigido ao mesmo diretor de finanças, por se tratar de ato inútil e por economia processual, entendendo a Requerente que foi cumprido o formalismo de prova exigido pelo n.º 6 do art.º 44.º do CIRS, com as necessárias adaptações, considerando também que o irmão da Requerente apresentou, voluntariamente, extratos da sua conta bancária onde se espelha a transferência do preço da venda pelo comprador e as transferências efetuadas para os comproprietários".

 

                5.7 - Pelo que, no entender da Requerida, a primeira questão que se coloca é, então, "analisar se a participação de rendas efetuada nos termos e para os efeitos do art.º 15.º-N do Decreto- Lei n.º 287/2003, de 13/11 tem a virtualidade de tornar o valor patrimonial dos imóveis em causa ainda não “definitivamente fixado”.       

 

                5.8 - E remete, para tanto, para o preâmbulo da portaria n.º 240/2012, que aprova o modelo da participação de rendas:

"A Lei n.º 60-A, de 30 de novembro, que aditou os artigos 15.º-A a 15.º-P ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, veio consagrar a avaliação geral dos prédios urbanos, concluindo dessa forma a Reforma da tributação do Património iniciada em 2003. No sentido de salvaguardar a situação dos especificados prédios arrendados, a Lei n. 60- A/2011, de 30 de novembro, prevê um regime especial para os prédios ou partes de prédios urbanos abrangidos pela avaliação geral que estejam arrendados por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo decreto- Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do decreto- Lei n.º 257/95, de 30 de setembro. Nestes casos, sempre que o resultado da avaliação geral for superior ao valor que resultar da capitalização da renda anual através da aplicação do fator 15, será este último o valor patrimonial tributário relevante para efeitos, exclusivamente, da liquidação do IMI ”.

 

                5.9 - E esclarece, por isso, que "o valor patrimonial de prédios arrendados, resultante da aplicação do limite a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-N do Decreto- Lei n.º 287/2003, é considerado para efeitos exclusivamente de IMI, tendo o legislador o cuidado de referir ao longo dos vários números daquele normativo “valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI” .

 

                5.9.1 - E alega ainda que se dúvidas houvesse, prevê-se expressamente na alínea e) do n.º 10 daquele normativo que “o valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, fixado nos termos do presente artigo, não é aplicável, prevalecendo, para todos os efeitos, o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral, nas seguintes situações (…) transmissão onerosa ou doação do prédio ou parte do prédio urbano”.

 

                5.9.2 - E conclui que resulta manifesto que "não tendo sido impugnado o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral à data da transmissão ao onerosa do prédio em questão, 2015, já se encontrava definitivamente fixado o valor patrimonial tributário do imóvel, pelo que o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do n.º 6 do art.º 44.º do CIRS, deveria ter sido apresentado em janeiro do ano seguinte, ou seja, em 2016.

 

                5.9.3 - E refere que a Requerente, chama à colação a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2017, de 2 de Maio, proc. 285/2015, que a interpretação dada pela AT aos n.ºs 2 e 5.º do art.º 44.º do CIRS e art.º 139.º do CIRC fere o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade, sendo por isso inconstitucional e invocando, por outro, as decisões do CAAD sobre a interpretação do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, no sentido de estabelecer uma “Presunção que, como todas em matéria de incidência tributária, admite prova em contrário, conforme o art.º 73.º da LGT.",

 

                5.9.4 - A Requerida contrapõe com o facto de que "as decisões invocadas pela Requerente consideram o quadro normativo anterior à reforma tributação das pessoas singulares, concretizada pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 01.01.2015 e passou a admitir no n.º 6 do art. º44.º do CIRS a prova do preço efetivo da venda .

 

                5.9.5 - E que, deste modo, "perde assim relevância, por inaplicabilidade ao caso em apreço, a fundamentação daquelas decisões, que a Requerente invoca, porquanto o quadro normativo vigente à data dos factos (2015) já admite prova em contrário que afasta a aplicação da regra ínsita no n.º2 do art.º 44.º do CIRS."

 

                5.9.6 - Quanto à invocada sobreavaliação do imóvel pela Requerente, que em 17.07.2015 fixou um VPT global (correspondente à soma de todas as frações) de € 437.190,00, que implica, no entender da Requerente, no mínimo, um reconhecimento de que se encontrava sobreavaliado, a Requerida responde nos seguintes termos:

                "Consultada a informação constante da matriz predial, verifica-se que:

                • Por motivo “95- transmissão a título oneroso”, foi atribuído ao imóvel um VPT global de € 587.187,62, com referência a “ANO VP 2014”;

                • E, na sequência de apresentação de declaração Mod. 1 de IMI com motivo      “Prédio melhorado/Modificado”, foi o imóvel avaliado em 12.07.2015, tendo-lhe sido atribuído o VPT global de € 437.190,00".

 

                5.9.7 - E alega a Requerida que, em consequência, "Nos termos do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecem, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida".

 

                5.9.8 - E que o n.º 12.º do Código do IMT determina que o IMT incide sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o VPT, consoante o que for maior.

 

                5.9.9 - E que assim sendo, face à soma do VPT das várias frações do citado artigo..., de € 437.190,00, reportado a 09.07.2005, entende a Requerida que o valor a considerar como de realização na respetiva quota-parte da Requerente, é de € 109.297,50 .

 

                5.9.9.1 - Mais refere a Requerida que no respeitante "aos valores de aquisição dos imóveis U-... e U-..., nos termos do n.º 3 do art.º 45.º do CIRS, no caso de imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do art.º 6.º do Código de Imposto de Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da respetiva matriz até aos dois anos anteriores à doação".

 

                5.9.9.2 - Donde, conclui, nesta parte, que "Tendo a Requerente adquirido os imóveis em causa, em 2004, por doação isenta nos termos daquele normativo do Código do Imposto de Selo, considerou-se na liquidação vigente o VPT contante da matriz, reportado a 2002, ou seja, dois anos anteriores doação".

 

E, assim, termina a Requerida afirmando que deve:

 

                "i. Ser julgada procedente, por provada, a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente atinente à demonstração do preço efectivo, atendendo a que o mesmo apenas poderá ser apreciado em sede de prévio procedimento administrativo pelo Director de Finanças, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º, CPC ex vi alínea e) do art.º 2.º do CPPT e alínea a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT;

 

                ii. Ser julgada procedente, por provada, a excepção peremptória uma vez que, não tendo a Requerente apresentado o requerimento a que alude o disposto no art.º 139.º do CIRC, fica coarctada a possibilidade de apreciação da prova do preço efectivo, sob pena de violação do disposto no n.º 7 do art.º 139.º do CIRC e do disposto no art.º 86.º 91.º e 92 todos da LGT;     

 

                iii. Ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido".

 

 

II - SANEAMENTO

 

1. - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2. - As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4 e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março.

 

3. - O processo não padece de vícios que invalidem a sua apreciação.

 

4. - A prova documental junta aos autos referente à questão decidenda mostra-se suficientemente provada, pelo que cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão e proceder previamente à apreciação das exceções dilatória e perentória, antes da prolação da decisão arbitral final, se for caso disso.

 

III - MATÉRIA DE FACTO

A) - Factos provados

 

O Tribunal considera como matéria de facto relevante os seguintes factos devidamente provados nos autos:

 

A.1 - DA AQUISIÇÃO, AVALIAÇÃO E VENDA DOS BENS

 

                1. A Requerente adquiriu por doação de 29 de setembro de 2004, lavrada no ... Cartório Notarial do Porto, conjuntamente com seus três irmãos, vários imóveis, entre os quais:

 

                a) Um prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., freguesia de ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ...;

 

                b)  um imóvel de 4 pisos, composto de R/C com estabelecimento comercial e 3 andares para habitação, construído em 1964 pelo avô do Requerente, D..., sito na Rua do ..., n.ºs ... a ..., freguesia de ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ...;

 

                2. A Requerente também adquiriu por doação do ano de 1998, conjuntamente com seus três irmãos um prédio urbano inscrito na matriz da mesma freguesia e concelho sob o artigo ...;

 

                3. A doação de 29/9/2004 constituiu a primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de dezembro de 2003.

 

                4. E da primeira avaliação dos referidos imóveis, nos termos do CIMI, com referência ao ano de 2014, resultou um VPT - Valor Patrimonial Tributário respetivamente de € 19.210,00 para o referido na alínea a) do n.º 1 (artigo...) e de € 587.184,62 para o referido na alínea b), este respeitante ao artigo ..., na totalidade, e de € 146.796,15 para a quarta parte pertencente ao Requerente.

 

                5. O valor atribuído ao imóvel referido em 2, respeitante ao artigo ... não foi contestado pela Requerente, nem estão em causa, portanto, na impugnação.

 

                6. Os imóveis encontravam-se arrendados desde o início da construção em 1964, tendo sido apresentada a competente participação de rendas para efeitos da Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, ficando pendentes de avaliação.

 

                7. O imóvel inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... foi alienado onerosamente pela requerente e seus três irmãos, por escritura notarial de 29 de setembro de 2015, pelo preço de € 36.500,00 e o inscrito sob o artigo ..., também pelos quatro irmãos, por escritura notarial de 14 de julho do mesmo ano, pelo preço global de € 350.000,00.

 

                8.  Em 17 de julho de 2015, na sequência da apresentação de declaração de IMI, com motivo de prédio melhorado/modificado, foi o irmão da Requerente, C..., notificado pela AT de nova avaliação ao imóvel inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., a que foi atribuído o VPT de € 437.190,00 (em vez do inicial VPT de € 587.184,62), conforme notificação que a Requerente junta.

 

                9. Em 28.11.2016 veio de novo a AT notificar o irmão da Requerente, C..., do indeferimento do pedido de aplicação do regime especial para prédios arrendados, conf. doc. também junto pela Requerente.

 

                10. O adquirente do prédio inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... foi o arrendatário do estabelecimento, a B..., S.A., que exerceu o seu direito de preferência, por a inquilina do 1.º andar não o ter feito, tendo-se concretizado a escritura notarial de aquisição em 14 de julho de 2015, pelo preço de € 350.000,00, após se terem gorado as expetativas de venda por preço superior, através de 2 imobiliárias, dada a situação de longos arrendamentos e de alegada degradação do imóvel.

 

                11. Todos os pagamentos foram comprovados e depositados na conta do irmão da Requerente, C..., que, por sua vez, transferiu um quarto do preço recebido para cada um dos irmãos, conforme prova junta.

 

A.2 - DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES FISCAIS E DAS CORREÇÕES NOTIFICADAS    

 

                12. A Requerente apresentou oportunamente a respetiva declaração modelo 3 de IRS, a que juntou o Anexo G, respeitante ao ano de 2015, tendo declarado, pela ordem indicada, no respetivo Quadro 4, as seguintes alienações onerosas de bens imóveis urbanos:

 

                a) Artigo..., (25%), alienado onerosamente por € 9.125,00 e adquirido   gratuitamente, por doação, em 2004, com o valor patrimonial de € 10.499,99 (1/4 de € 41.999,98, conforme escritura de doação);

               

                b) Artigo ... - A, (25%), alienado onerosamente por € 5.000,00 e adquirido no ano de 1998.

               

                c) Artigo ..., (25%), alienado onerosamente por € 87.500,00 e adquirido                gratuitamente, por doação, em 2004 por € 139.210,00, tendo tido despesas e encargos de € 5,381,25.

               

O valor patrimonial constante da escritura de doação, deste último imóvel, foi de € 102.372,72, ou seja, € 25.593,18 relativamente a 1/4 parte.

 

                13. Posteriormente à apresentação da referida declaração de IRS/2015, a Requerente foi notificada para audição prévia, em outubro de 2016, pelo Serviço de Finanças do Porto-..., por carta registada, para prestar esclarecimentos sobre o valor constante do Campo 4 do Quadro 4 do Anexo G à declaração mod. 3, bem como para apresentar declaração de substituição, procedendo às seguintes alterações relativamente ao referido artigo...:

                - Valor declarado de alienação € 87.500,00 a corrigir para mais € 59.296,15, ou seja, a corrigir para € 146.796,15.

               

                No 2.º § da referida notificação refere-se à aquisição, mas deve ter sido por mero lapso, pois o valor que se indica para correção, respeita ao valor de alienação.                        

                14. A Requerente exerceu o direito de audição em 28 de outubro de 2016, por requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto ..., esclarecendo que relativamente ao valor indicado pela AT como valor global de alienação do bem em causa, de € 587.184,62, a que corresponde 1/4 parte indivisa o valor de € 146.796,15, a Requerente não concordava e pretendia fazer prova do efetivo e verdadeiro valor de venda por € 350.000,00 - o que fez na resposta dada, juntando 20 documentos e arrolando 2 testemunhas .

 

                15. Em 14/12/2018 recebeu a Requerente o Ofício n.º 2018..., também da Direção de Finanças do Porto, com notificação para exercer o direito de audição, ao abrigo do art.º 60.º da LGT, relativamente ao despacho do Chefe de Divisão daquele serviço, em que se concorda com o proposto na Informação que junta, da mesma data, nela se determinando, por despacho, que se proceda conforme proposto.

 

                16. E o que nela se propõe é exatamente o de corrigir o campo 404 do quadro 4 do Anexo G da respetiva declaração mod. 3 de IRS de 2015, devendo alterar, através de declaração de substituição, o valor declarado de € 87.500,00 para € 146.796,15, por a AT não concordar com a resposta da Requerente em direito de audição.

 

                17. E mais refere a AT que não concorda com a Requerente quanto à consideração do valor real de alienação do bem em causa, por não ter sido respeitado o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC .

 

                18. Mais se refere na mesma Informação que também os valores de aquisição  declarados dos 2 dos imóveis antes referidos (Ver artigo 10 e suas alíneas), ou seja o dos artigos U-... e U-..., também deviam ser corrigidos, por força do artigo 45.º, n.º 3 do CIRS, para, respetivamente, € 6.148,65 e € 14.987,00, em vez dos declarados, € 10.499,99 e € 139.210,00, respetivamente.    

 

                19. Não tendo a AT atendido o pedido da Requerente dirigido de novo à Direção de Finanças do Porto, agora em 3 de janeiro de 2019, vem declarar que ADERE integralmente à defesa apresentada pelo seu irmão C... em 28 de outubro de 2016, cuja cópia anexou e na qual expunha todos os fundamentos que entendeu adequados, juntando cópia do exercício do direito de audição apresentado pelo seu irmão C..., e dos elementos de prova do efetivo e real preço de venda global do bem em causa por € 350.000,00.

 

                20. Por Ofício de 31.01.2019, da Direção de Finanças do Porto - Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e Sobre a Despesa -, foi a Requerente de novo notificada da concretização  das alterações à sua declaração mod. 3 de IRS, antes referidas, conforme Informação Adicional de 11.01.2019 que a AT juntou, onde se fundamentam as respetivas correções, já antes referidas, quer de aquisição, quer de alienação.

                              

                21. Face à notificação das referidas correções, foi efetuada a liquidação adicional n.º 2019..., de 25.01.2019, de € 29.992,92, em que se incluem juros compensatórios de € 2.417,01, que deduzida da 1.ª liquidação no valor de € 4.457,17, determinou uma notificação da Demonstração de Acerto de Contas e de valor para pagamento de € 25.535,75, com data limite de pagamento de 11.03.2019, liquidação agora impugnada arbitralmente.

 

                22. Posteriormente, face ao despacho de 14/04/2019, do SDG da área do IR, foi a Requerente informada de que a Autoridade Tributária e Aduaneira, proferiu decisão de revogação parcial do ato tributário impugnado, sem que se tenha referido qual o novo valor a pagar, ao que a Requerente vem declarar que "não obstante aquela revogação parcial, mantém o seu interesse no prosseguimento dos autos".

 

                23. De referir que esta revogação parcial tem a ver com a alteração do valor de realização inicialmente considerado na liquidação, relativamente ao VPT do artigo ..., de € 587.187,62, a que corresponde 1/4 parte o valor de € 146.796,15, alteração essa para € 437.190,00, a que corresponde o valor de € 109.297,50, respeitante a 1/4 parte, em consequência da avaliação efetuada em 12/07/2015, face à declaração mod. 1 de IMI com motivo de "Prédio melhorado/Modificado".

 

                24. No entanto, não se conhece dos autos qual o valor do IRS exigível a final, após a revogação parcial antes referida.

 

B) - Factos cuja prova é posta em causa pela Requerida

 

Os factos descritos não foram postos em causa, em termos da sua veracidade.

 

C) - Fundamentação dos factos provados

 

Todos os factos anteriormente descritos e invocados pelo Requerente têm por base a prova documental junta aos autos, considerando-se, portanto, provados.

 

IV - DO DIREITO

 

Fixada a matéria de facto nos termos e condicionalismos antes referidos, importa conhecer do direito a aplicar.

 

A questão decidenda prende-se fundamentalmente em definir qual a situação fiscal do Requerente respeitante ao IRS do ano fiscal de 2015, em matéria de ganhos de mais-valias.

 

Ou seja, à luz do direito aplicável, o que importa conhecer é quais os valores de aquisição e de alineação a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias, face ao disposto nos artigos 44.º e 45.º do CIRS, relativamente aos imóveis inscritos na matriz da freguesia de ... do concelho do Porto sob os artigos ... e ..., (únicos objeto de controvérsia), cuja quarte parte indivisa veio à posse da Requerente por doação de 29 de setembro 2004 e que foram alienados por escritura de 14 de julho de 2015.

 

No entanto, à luz dos artigos 577.º e seguintes do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 29.º do RJAT, impõe-se conhecer previamente das exceções dilatórias e perentórias invocadas pela Requerida nas sua RESPOSTA e ALEGAÇÕES. 

 

A - DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A Requerida invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido da Requerente para demonstrar, no processo arbitral, que o preço real de venda dos imóveis em causa foi efetivamente o declarado, inferior ao VPT, atendendo a que esta questão do preço efetivo só poderá ser apreciada em sede de prévio procedimento administrativo próprio e autónomo, referido no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, o qual remete para o artigo 139.º do Código do IRC;

 

B - DA EXCEÇÃO PERENTÓRIA

 

E invoca, também, uma exceção perentória, por a Requerente não ter apresentado o requerimento nos termos a que alude o disposto no artigo 139.º do CIRC, o que, em seu entender, lhe coarta a possibilidade de apreciação da prova do preço efetivo de venda nos presentes autos, por violação do disposto no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC e dos artigos 86.º, 91.º e 92.º, todos da LGT;

 

Ora,

 

Como nos termos do artigo 576.º do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro Tribunal e as exceções perentórias determinam a absolvição total ou parcial do pedido,

 

IMPORTA, PORTANTO, CONHECÊ-LAS, DESDE JÁ.

 

A questão que trouxe estas exceções à colação pela Requerida, têm a ver com a forma ou o processo adequado para demonstrar que o preço realmente praticado na alienação dos imóveis em causa, os inscritos na matriz da freguesia de ..., do concelho do Porto, sob os artigos ... e ..., foi inferior ao VPT dos mesmos.

 

Está em causa a aplicação do disposto no n.º 1, alínea f), n.º 2 e n.ºs 5, 6 e 7 (estes introduzidos pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31/2), todos do artigo 44.º do Código do IRS, para apuramento do valor de realização relevante para apuramento das mais-valias em IRS.

 

Tal como se descreve no âmbito dos factos, a Requerente apresentou  oportunamente, em 2016, a respetiva declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2015, a que juntou o Anexo G, relativo às mais-valias e outros incrementos patrimoniais, tendo declarado no Quadro 4 do mesmo as seguintes alienações onerosas de bens imóveis urbanos:

 

                a) Artigo ... - (25%), alienado onerosamente por € 9.125,00 e adquirido                gratuitamente, por doação, em 2004, "com o Valor Patrimonial e atribuído"       conforme consta da Escritura de Doação de € 10.499,99;

               

                b) Artigo ... - A, alienado onerosamente por € 5.000,00 e adquirido         gratuitamente, por doação, em 1998 por € 357,97, pelo que relativamente a este prédio não foi levantada qualquer controvérsia; e

               

                c) Artigo ..., (25%), alienado onerosamente por € 87.500,00 e adquirido                gratuitamente, por doação, em 2004, "com o Valor Patrimonial e atribuído"       constante da Doação de € 139.210,00, tendo declarado                 despesas e encargos de € 5,381,25 .

 

Posteriormente à apresentação da sua declaração de IRS respeitante ao ano de 2015, a Requerente foi notificada nos termos em que se descrevem nos números 13 a 22 dos Factos, a que a Requerente respondeu nos termos também ali referidos.

 

Importa aqui realçar que a Requerente respondeu, em direito de audição, em 28 de outubro de 2016, em requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., descrevendo todo o historial do prédio em questão, designadamente, o facto de os bens em causa, em que se inseria o artigo ..., terem sido recebidos por doação feita conjuntamente ao Requerente e aos seus três irmãos e de que os bens se encontravam arrendados desde há muitos anos, ou seja, desde janeiro de 1965, fevereiro de 1966, janeiro de 1965, abril de 1978, e fevereiro de 1965, conforme respetivos contratos de arrendamento que a Requerente juntou, respeitantes aos andares e garagens.

 

Mais referiu que o imóvel em causa havia sido construído pelo seu avô em 1964, conforme Alvará de licença que juntou, que se foi degradando progressivamente e que face à exigência de obras dos inquilinos e da própria Câmara, resolveram todos os donatários colocar o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... em venda por € 450.000,00, primeiro diretamente, posteriormente através da Imobiliária ... e mais tarde pela ..., tendo esta acabado por apresentar um comprador, mas que apenas oferecia € 350.000,00.

 

A proposta do comprador foi aceite, mas o inquilino B..., SA veio a exercer o seu direito legal de preferência e a venda veio a concretizar-se para esta empresa, por escritura outorgada a 14 de julho de 2015, pelos referidos € 350.000,00.

 

Como já antes também se refere, todos os pagamentos foram depositados na conta do irmão da Requerente, C... (tudo cf. Anexos 16 a 20), que transferiu a respetiva quota parte para seus irmãos, entre os quais a Requerente A... .

 

Termina a ora Requerente, referindo no seu requerimento de outubro de 2016, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto ..., acompanhado de 20 documentos, por requerer que a AT "determine que se encontra demonstrado que o valor de realização da venda foi inferior ao que foi considerado para efeitos de liquidação do IMT, correspondendo à verdade o valor constante da declaração de IRS em questão…"

 

Mais refere a Requerente que a AT, dois anos mais tarde, remeteu um novo ofício - n.º 2018..., de 23/10/2018, ao irmão da Requerente, C..., solicitando cópias dos documentos das despesas e das escrituras de aquisição dos imóveis, o que foi satisfeito por carta de 7/11/2018, conf. Doc. 21 junto pela Requerente nos autos.

 

Também pelo Ofício n.º 2018..., de 14/12/2018 (Doc. 22), dirigido agora à Requerente, a AT remete-lhe Projeto de Decisão, constante de Informação anexa, referindo que:

                "…a contribuinte deverá retificar o valor de realização do imóvel com a                identificação matricial ...-U..., e  os valores de aquisição relativos aos       imóveis com a identificação matricial ...-U-... e...-U-..., nos termos já referidos (na informação)",

                ou seja, em síntese:

                "…Em face disso, o Valor de Realização do imóvel com a identificação    matricial ...-U-..., terá de ser alterado para o montante de € 146.796,15 (VPT € 587,184,60 x 25%)".

                …

                "…Os montantes a declarar como Valor de Aquisição, referentes aos artigos ... e ... devem reportar-se ao valor patrimonial do ano de 2002, (imóveis    doados em 2004), e terão de ser os seguintes, por força do disposto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRS para:

                               ...-U-... € 6.148,65 = € 24.594,58 x 25%

                               ...-U-... € 14.987,00 = € 59.947,99".

 

Em Resposta, a Requerente, por Requerimento de 3 de janeiro de 2019, vem declarar que:

                "…vem exercer o seu direito de audição, e para o efeito declara que ADERE        integralmente à defesa apresentada pelo seu irmão C..., NIF..., de que anexa cópia e aqui dá por integralmente reproduzida.

               Anexo: cópia do exercício do direito de audição apresentado pelo contribuinte ...".

Contudo, diz a ora Requerente, a AT não atendeu a pretensão do Requerente por considerar que o formalismo da prova do preço real só poderia ser feito através do procedimento administrativo próprio referido no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, o qual remete para o artigo 139.º do Código do IRC.

 

Este é, pois, o fundamento que levou a Requerida a considerar que o pedido de prova do preço real e efetivamente praticado não podia ser aceite e não por quaisquer dúvidas quanto às provas apresentadas, ou seja, por o Processo Arbitral não ser o meio adequado para proceder a tal prova, pelo que a Requerida considera que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para conhecer desta matéria e, daí, as exceções invocadas.

 

Recorda-se, no entanto, que por Requerimento de 27 de dezembro de 2018, apresentado pelo seu irmão C..., e junto pela ora Requerente A..., nele se refere que o comproprietário seu irmão, C..., em carta dirigida ao Diretor de Finanças do Porto, reclama também da alteração do valor de realização do imóvel com a identificação matricial U-..., para € 146.796,15 e da alteração do valor de aquisição dos imóveis identificados pelos artigos U-... e U-..., para os montantes, respetivamente, de € 6.145,65 e € 14.987,00.

 

E esclarece na mesma carta que o referido n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC nunca poderia ter sido cumprido, pois quer à data da transmissão do imóvel, quer à data da submissão da declaração de IRS, quer ainda à data da apresentação da exposição com o inicial exercício do direito de audição prévia, que já incluía a documentação com a prova do verdadeiro valor de realização, "o valor patrimonial tributário do imóvel em questão não se encontrava definitivamente fixado".

 

De salientar que foram juntas ao processo duas avaliações relativas ao artigo..., sendo uma ao abrigo do artigo 37.º  do CIMI e outra ao abrigo do artigo 38.º , ambas notificadas aos interessados e que se sintetizam:

               

                Avaliação de 14/02/2006, ao abrigo do art.º 37.º  do CIMI:

                               R/C - com o VPT de  € 151.460,00

                               1.º A - com o VPT de € 126.210,00 

                               2.º A - com o VPT de € 126.210,00 

                               3.º A - com o VPT de € 126.210,00  

                               Garag. A - com o VPT de 4.970,00

                               Garag. B - com o VPT de 4.970,00

                               Garag. C - com o VPT de 4.970,00

                               Garag. D - com o VPT de 4.970,00

                               Garag. E - com o VPT de 6.870,00

                               No total de……………..556.840,00

               

                Avaliação de 17/07/2015, ao abrigo do artigo 38.º  do CIMI:

                               R/C - com o VPT de € 119.840,00

                               1.º A - com o VPT de €  98.320,00 

                               2.º A - com o VPT de €  98.320,00 

                               3.º A - com o VPT de €  98.320,00  

                               Garag. A - com o VPT de 4.160,00

                               Garag. B - com o VPT de 4.160,00

                               Garag. C - com o VPT de 4.160,00

                               Garag. D - com o VPT de 4.160,00

                               Garag. E - com o VPT de 5.750,00

                               No total de……………..437.190,00

 

Segundo a AT, esta 1.ª avaliação de 14/02/2006, resultou da apresentação de declaração do cabeça de casal, logo a seguir à doação feita em 2004 e foi a 1.ª avaliação após a entrada em vigor do CIMI e que a avaliação de 17/07/2015, a 2.ª, foi efetuada em consequência da alienação onerosa dos bens em causa, em 14 de julho de 2015.

 

E daí que a Requerente tenha feito constar no Quadro 4 do Anexo G, relativamente ao artigo U-..., como valor de aquisição, 1/4 parte do valor da 1.º avaliação, ou seja € 139.210,00 (€ 556.840,00 /4).

 

Relativamente ao valor da alienação, a AT vem referir, na Resposta à PI, que à data da apresentação do pedido para realização da prova do valor real da venda efetiva do artigo..., de € 350.000,00, em outubro de 2016, "o valor patrimonial do imóvel em questão não se encontrava ainda definitivamente fixado".  

 

De salientar, porém, que da Escritura de venda do artigo ... consta que o Valor Patrimonial Tributário era de € 587.184,26, sendo que em 17/07/2015 foi o irmão da Requerente notificado pela AT de nova avaliação ao imóvel em causa, conforme documento que a Requerente também junta, a que foi atribuído o VPT de € 437.190,00 - que corresponde ao valor da 2.ª avaliação.

 

Não é de estranhar, diz a Requerente, porquanto: "Em 28/11/2016, mais de um ano após a venda e mais de quatro anos após a participação das rendas, veio a AT notificar o irmão da Requerente do indeferimento da aplicação do regime especial para prédios arrendados"

 

Esta é outra questão que cumpre clarificar.

 

O n.º 1 do artigo 15.º do CIMI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, com entrada em vigor em 1 de dezembro de 2003, referia o seguinte, na sua redação inicial:

                "Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz, serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor", transmissão essa que ocorreu com a doação dos bens, em 29 de setembro de 2004.

 

                Esta norma do n.º 1 do artigo 15.º do CIRS foi revogada pelo artigo 9.º da Lei n.º 60.º-A/2011, de 30/11, que refere o seguinte:

                "Artigo 9.º - Norma revogatória

                São revogados os n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro".

               

                No entanto, nos seus n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º do mesmo diploma, referem que:

                " 3 - A revogação dos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de novembro, prevista no artigo anterior, produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012.

                   4 - Aos prédios urbanos inscritos na matriz, objeto de transmissão onerosa ou gratuita ocorrida até 31 de dezembro de 2011, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 , de 12 de novembro".

                  

                Ou seja, o legislador revogou, mas repristinou a norma para efeitos de avaliação nos termos do Código do IMI, nos termos antes expostos.

               

                Esclarecida esta questão, a que mais adiante o Tribunal se voltará a pronunciar, voltemos à prova do preço efetivo de venda.

 

De facto, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, "a prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos "  

 

É facto que a Requerente, como sublinha a Requerida no artigo 43 da sua Resposta, submeteu em Outubro de 2016 requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto... , acompanhado da documentação da prova real da venda e este, no entender da Requerente, substituiu a necessidade de novo requerimento sobre o mesmo assunto dirigido ao mesmo diretor de finanças, por, como realça, se tratar de ato inútil e por economia processual, entendendo, deste modo, a Requerente que foi cumprido o formalismo de prova exigido pelo n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, considerando também que o irmão da Requerente apresentou, voluntariamente, extratos da sua conta bancária onde se espelha a transferência do preço da venda pelo comprador e as transferências efetuadas para os comproprietários.

 

Mas, o que importa saber também é se foi aberto o procedimento prévio previsto no já referido n.º 6 do artigo 44.º do CIRS e n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, em tempo útil e se este meio de prova é o único admissível.

 

Vejamos.

Nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do n.º 6 do artigo 44,º do Código do IRS, "a prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos

 

Por Escritura Notarial de 14/07/2015, foi alienado pelo preço de € 350.000,00, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., do concelho do Porto, sob o artigo U-..., com o VPT - Valor Patrimonial Tributário de € 587.184,62, conforme consta da respetiva escritura notarial;

 

Por Escritura Notarial de 29/09/2015, foi alienado pelo preço de € 36.500,00, o prédio urbano também inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigo..., com o VPT - Valor Patrimonial Tributário de € 20.378,81, conforme consta da respetiva escritura;

 

É também trazido à colação o facto de o valor patrimonial dos prédios, porque arrendados anteriormente ao Regime do RAU, é o que resulta da aplicação do n.º 1 do artigo 15.º-N do Decreto-Lei n.º 287/2013, mas certo é que este valor é considerado apenas para efeitos de IMI.

 

É o que resulta da alínea e) do n.º 10 do referido artigo 15.º-N do Código do IMI, aditado pela Lei n.º 60.º-A/2011, de 30/11, relativo a prédios urbanos arrendados, em que se mostra expressamente referido que:

                "1 - No caso de prédio ou parte de prédio urbano abrangido pela avaliação geral que esteja arrendado por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, o valor patrimonial                 tributário, para efeitos exclusivamente de IMI , não pode exceder o valor que    resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do fator 15".

 

E foi o que aconteceu quanto aos arrendamentos dos prédios urbanos em questão, que foram todos anteriores a 1990 e 1995, cujo valor de avaliação, para efeitos exclusivamente de IMI, não poderia exceder o valor que resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do fator 15".

 

Assim, a avaliação efetuada nos termos do Código do IMI em 17/07/2015, reportada a 09/07/2015 (Vide art.º 56.º da Resposta da Requerida), atribuiu, conforme a AT refere, ao imóvel urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de Porto, sob o artigo..., o valor global (correspondente à soma dos VPT das várias frações) de € 437.190,00 , pelo que a AT considera como valor de realização na respetiva quota-parte da Requerente, o de € 109.297,50 (ou seja, no total, os referidos € 437.190,00).

 

Certo é que, no respeitante a este imóvel e no que respeita ao valor de realização, não será de € 146.796,15 (€ 146.795,15 X 4 = € 587.187,62) como a AT determinou que fosse corrigido e acabou por retificar para € 109.297,50 (109.297,50 X 4 = 437.190,00), com revogação parcial do ato tributário impugnado, por despacho de 10/04/2019 da Subdiretora-Geral da área do IR e comunicada à Requerente, que veio referir que mantém o seu interesse no prosseguimento dos autos.

 

Mesmo assim, o novo valor de avaliação, para a requerente, um valor superior ao preço de venda efetivamente praticado de € 350.000,00 no total, a que lhe corresponde 1/4 parte no valor de € 87.500,00.

 

Mas retomando agora a questão de o pedido de comprovação do preço ter sido o legalmente exigido, ou seja, em procedimento autónomo, e, a ser assim, se foi efetuado ou não dentro do prazo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do n.º 6 do artigo 44,º do Código do IRS ou seja, se foi apresentado em janeiro do ano seguinte ao da transmissão (2016), ou se no prazo de 30 dias após a avaliação se tornar definitiva, ou seja em agosto de 2016, considerando que esta ocorreu em 17/07/2015, sendo esta, portanto, a data relevante para apresentação do pedido de procedimento autónomo.

 

Certo que foi apresentada uma petição, que legalmente se poderia considerar de autónoma e fora do processo arbitral, porque este ainda não existia, mas nem o foi dirigida ao Diretor de Finanças do Porto, mas ao Chefe do serviço de Finanças do Porto ..., nem o foi dentro do prazo legalmente exigível, ou seja, em agosto de 2016, mas tão somente em outubro de 2016 desse mesmo ano é que foi apresentada uma primeira petição pela própria Requerente e outra apenas em 3 de janeiro de 2019, esta já dirigida ao Diretor de Finanças do Porto, quando diz aderir integralmente à defesa apresentada pelo seu irmão C..., em que pretende demonstrar que o preço efetivamente praticado foi o de € 350.000,00.

 

Não fora a questão do prazo, não repugnaria ao Tribunal considerar que existiu um procedimento autónoma, embora no uso do direito de audição, por efetuado na fase preliminar ao processo arbitral em causa, que apenas foi apresentado no CAAD em 8 de março de 2019.

 

Porém, outra questão que se levanta é a de saber se, para efeitos da prova do preço efetivamente praticado, o procedimento prévio previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, é, de facto, o único meio de realizar essa prova.

 

A Jurisprudência do CAAD invocada, foi proferida antes da entrada em vigor deste mecanismo legal, bem como a doutrina também referida. Veja-se, para tanto, os artigos 62.º a 65.º da Decisão Arbitral n.º 107/2015, que respeita a uma alienação onerosa de um imóvel em 2014, e em que se afirma o seguinte:

 

                "62. Recorde-se que à data dos factos não se previa ainda a aplicação do             procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, às situações em que fosse                aplicado o n.º 3 do artigo 44.º do Código do IRS, pelo que não era exigível, nem legalmente possível à Requerente desencadear o referido procedimento         no caso em apreço.

                63.  O artigo 64.º do Código do Procedimento e Processo Tributário prevê um   procedimento contraditório próprio a que os interessados podem recorrer quando pretendam ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária. 

                64. O referido procedimento é um meio alternativo para ilisão de tais presunções, podendo o interessado ilidi-las em reclamação graciosa,       impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral /cf. CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, e SOUSA, Jorge Lopes de - Lei Geral             Tributária Anotada e Comentada, lisboa 2012, pág. 653 e também Decisão Arbitral do CAAD, P.º 26/2013-T, de 19 de julho de 2013.

                65. No presente processo, o presente pedido arbitral é assim o meio própriopara ilidir a presunção de incidência ínsita no número 2 do artigo 44.º do Código do IRS".

 

Porém, o que é facto é que pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31/12, com entrada em vigor em 01/01/2015, que aditou ao artigo 44.º do CIRS os n.ºs 5, 6 e 7, foi criado um procedimento próprio para efeitos de prova de que o valor de venda, efetivamente praticado, foi inferior ao VPT, ilidindo deste modo a presunção prevista na norma do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, que refere que os valores a considerar, como valores de realização para efeitos de apuramento das mais-valias, devem ser os que houverem sido considerados para efeitos de liquidação do IMT, quando da alienação onerosa dos bens.

 

Não há, assim, margem para dúvidas, de que relativamente à alienação onerosa dos bens imóveis em causa, em 2015, o disposto no n.º 2 do artigo 45.º, só poderá deixar de se aplicar se, como dispõem os n.º 5 e 6 do mesmo artigo, for feita prova, de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, cumprindo-se o que se mostra previsto no n.º 3 deste normativo, ou seja, "mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos ".

 

Assim, face ao citado disposto no n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, nem os requerimentos referidos foram apresentados dentro dos prazos legalmente exigíveis - em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, (o que não foi o caso) ou seja, em janeiro de 2016, - nem nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos, ou seja em 17/08/2015, visto que a avaliação ocorreu em 17/07/2015, tendo-se tornado definitiva 30 dias depois.

 

Assim sendo, conclui-se que a Requerente nem apresentou declaração de substituição, como determina o n.º 7 do artigo 44.º do CIRS, nem apresentou atempadamente o requerimento para efeitos de abertura de procedimento próprio previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, nos prazos legais, como antes se refere.

 

Porém, o requerimento para efeitos de prova de que o preço de venda foi o efetivamente praticado, foi, de facto, apresentado e fora do presente processo arbitral, pelo que não se poderá afirmar, como fez a Requerida, que este processo arbitral não é o meio próprio para o efeito.

 

De facto não é, mas o pedido foi antes do processo arbitral, embora fora do prazo, como antes se refere.

 

Por todo o exposto, não vê este Tribunal, deste modo, no caso em apreço, fundamento para se considerar que assim não seja e, portanto, não se reconhece também fundamento para que as exceções dilatória e perentória suscitadas sejam consideradas juridicamente válidas, pelo que se julgam improcedentes.

 

Assim, embora se possa aceitar como provado o preço de venda do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... do concelho do Porto, que é o que aqui está em causa, foi de € 350.000,00, conforme declarado na respetiva escritura notarial, a que corresponde à declarante o valor de € 87.500,00, correspondente a 1/4 parte, conforme declarado  no Anexo G à Decl. mod. 1 de IRS, tal facto não tem qualquer relevância jurídico-fiscal para o cálculo das mais-valias, pelos fundamentos já antes referidos, ou seja, por não ter sido pedida, atempadamente, a abertura do procedimento próprio para efeitos da prova do valor real da venda, como forma de desconsideração do Valor Patrimonial Tributário.

 

Já quanto aos valores de aquisição  dos imóveis inscritos na matriz da freguesia de ... do concelho do Porto, sob os artigos U-...e U-..., recebidos por doação em 2004, também corrigidos pela Autoridade Tributária, por força do n.º 3 do artigo 45.º do IRS, de, respetivamente, € 10.499,99 para € 6.148,65 (artigo U-...) e de € 139.210,00 para € 14.987,00, por deverem reportar-se ao ano de 2002, ou seja, ao segundo ano anterior ao da doação e por alegadamente serem os que constam da matriz no ano de 2002, há a referir o seguinte.

 

Do ponto de vista do cumprimento estrito das disposições legais aplicáveis, quais sejam as do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 45.º do CIRS, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, com entrada em vigor em 29/04, que se transcreve, nada a referir como princípio legalmente, porque aplicável ao caso em apreço.

 

Artigo 45.º

Valor de aquisição a título gratuito

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

 

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

 

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

 

2- (Revogado.)

 

3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

Nota: consulte aqui o mesmo artigo na redação anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro.

 

Porém, a aplicação destas normas às aquisições de bens imóveis por doações isentas, outorgadas nos anos de 2004 e 2005, que remetem para valores de 2002 e 2003, provocam distorções inaceitáveis em comparação com todas as situações de doações feitas a partir de 2006, inclusivé, e isto porque, a partir destes anos, os valores de aquisição a considerar, nos referidos termos do n.º 3 do artigo 45 do CIRS, reportados ao 2.º ano anterior, já remetem para valores de avaliação feitos nos termos do novo Código do IMI, o que não acontece relativamente a 2004, caso em apreço, que remete para 2002, data em que vigorava um ordenamento jurídico diferente (O Código da Contribuição Autárquica), com valores patrimoniais apurados numa ótica e com critérios diferentes.

 

E isto cria, obviamente, distorções ao princípio da igualdade material que o legislador de 2010 não salvaguardou.

 

E estas desigualdades não são despiciendas, bastando, para tanto, ver o preâmbulo do imposto sucedâneo - o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, com entrada em vigor em 1 de dezembro de 2003 - e que consagra um regime inovador na avaliação dos prédios urbanos, com fatores e com critérios mais objetivos do que subjetivos, eliminando, assim uma reconhecida desatualização das matrizes prediais e um inadequado sistema de avaliações prediais, completamente subjetivo.

 

Um dos objetivos do CIMI foi, pois, a da criação de um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, por forma a repartir de um forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, introduzindo, designadamente, um sistema de correção monetária, de uma redução substancial das taxas (entre 0,4% e 0,8%) e do estabelecimento de limites ao aumento da coleta, por forma a que não ocorresse um agravamento exagerado e abrupto do IMI a pagar, mas também sem quebra de receita.

 

Também foi considerada uma atualização do valor patrimonial dos prédios arrendados até 31 de dezembro de 2001, através da capitalização da renda anual, para obstar a que os seus proprietários se vissem confrontados com um IMI a pagar eventualmente superior às rendas recebidas.

 

Quanto aos prédios novos e "os que forem transmitidos já no domínio da vigência do Código do IMI (1/12/2003)", serão objeto de avaliação com base nas referidas regras com base em coeficientes diversos, previstos nos artigos 38.º e seguintes do CIMI, sendo tributados por taxas mais moderadas, entre 0,2% e 0,5%, competindo a cada município, dentro de determinados parâmetros, a sua fixação.

 

De relevar também que até 2003, aos valores patrimoniais dos prédios inscritos na matriz até 1970, (como foi o caso dos prédios em causa no presente processo, ou seja os artigos ... e ... da freguesia de ... do concelho do Porto) foram aplicados fatores de correção monetária fixados por Portaria, tendo em conta o ano em que o prédio foi inscrito na matriz, com algumas particularidades nela fixadas .

 

Ora, face ao que vem sendo exposto, e uma vez que os referidos prédios urbanos em causa no presente processo foram inscritos anteriormente a 1970, em 31 de dezembro de 2002, os valores tributáveis só poderiam ser, face às correções de que foram objeto, e face ao disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, os utilizados na liquidação, ou seja, € 24.594,58 relativamente ao artigo ... e € 59.947,99 para o artigo ... .

 

Mas se compararmos estes valores com os valores patrimoniais tributáveis já existentes a partir de 2004, data da doação, e determinados por avaliação efetuada nos termos dos artigos 38.º e seg.s do CIMI, que atingem um valor muitas vezes superior, no total de € 556.840,00.

 

Donde se conclui que da aplicação dos diferentes critérios de avaliação que vêm sendo referidos resultam valores tão díspares para cada um dos anos, que só podem criar iniquidades fiscais.

 

Donde, a cumprir-se o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, para determinar como valor de aquisição o valor patrimonial de 2002, estão a utilizar-se valores de aquisição e valores de realização que não foram apurados segundo idênticos critérios de avaliação, o que determina uma violação dos princípios da igualdade, face à repercussão no cálculo do valor das mais-valias a tributar, com violação também da capacidade contributiva, que é corolário do princípio da igualdade e, portanto, violadores, por inconstitucionalidade, dos artigos 13.º, n.º 1, 103.º, n.º 2,  e 104.º, n.º 3 da CRP.

 

De facto, o valor de aquisição a considerar só poderia ser o valor patrimonial tributável respeitante a 2004, 1.º ano propriamente dito da entrada em vigor do Código do IMI, por só em 31 de dezembro de 2003 ter entrado em vigor o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, e nunca o respeitante ao ano de 2002, cujo IMI ainda não se encontrava em vigor.

 

É igualmente reprovada pela CRP a retroatividade das leis fiscais, como expressamente se consagra no n.º 3 do artigo 103.º e, portanto, é também inconstitucional que se utilizem valores de aquisição para apuramento das mais-valias em IRS, que sejam determinados de forma diferente dos utilizados como valores de realização, e mais, que tenham sido apurados por regras subjetivas de um Código já revogado à data da realização das mais-valias (o Código da Contribuição Autárquica).

 

Assim sendo, dado que a AT não prescindiu de utilizar, como valor de aquisição o respeitante ao ano de 2002, em que vigorava um quadro legal bem diferente do que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2003, praticou uma violação aos princípios de igualdade, capacidade contributiva e da retroatividade, com violação consequente da CRP, nos termos e fundamentos já profusamente expressos.

 

Pelo que este Tribunal não pode deixar de considerar a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, na redação introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4, com entrada em vigor em 28/4/2010, sem qualquer salvaguardas das situações de aquisição de bens imóveis por doação isente de imposto de selo, relativamente, pelo menos, ao ano de 2004.

 

Donde, este Tribunal profere a seguinte

 

V - DECISÃO:

 

a) Julgar improcedente a exceção dilatória da incompetência material deste Tribunal, prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, que a Requerida invoca, mas que não se verificou, por não ter sido nos presentes autos, mas previamente aos mesmos, que a AT decidiu o pedido formulado atinente à demonstração do preço efetivo;

b) Julgar improcedente a exceção perentória invocada pela Requerida, porque de facto a Requerente apresentou requerimento a que alude o artigo 139.º do CIRC, embora extemporaneamente, mas previamente à existência dos presentes autos;

c) Conceder provimento integral ao presente Recurso e, em consequência, anular o ato de liquidação impugnado, posteriormente corrigido, IRS liquidado e respetivos juros compensatórios, por enfermar de vícios que atingem a ilegalidade do mesmo, por violadores nas normas constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da retroatividade fiscal, além da referida inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, aplicável ao caso dos autos, por serem utilizados valores patrimoniais de aquisição dos bens em causa relativamente ao ano de 2002, quanto aos imóveis inscritos na matriz da freguesia de ... do concelho do Porto sob os artigos ... e ..., quando deveria ter sido utilizado o valor patrimonial de avaliação apurado na vigência do Código do IMI e não os de 2002, que também apurou os valores patrimoniais de realização, ocorrida em 2015;

d) Restituição total do valor da caução prestada a título de garantia;

e) Pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante depositado pela Requerente, a título de caução, por desnecessária e indevida, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e por este Tribunal reconhecer legitimidade ao Requerente para solicitar o pagamento dos juros indemnizatórios e legitimidade do Tribunal para os decretar.

f) Condenar, por consequência, a Requerida ao pagamento integral das custas processuais.

 

 VI - VALOR DO PROCESSO

 

 Fixa-se o valor do processo em € 25.535,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento de custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por ser o valor do IRS em causa conhecido e contestado.

 

VII - CUSTAS

 Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a pagar pelas Partes na proporção dos respetivos decaimentos, fixada no número anterior, dada a procedência parcial do pedido.

 

Lisboa, 16 de dezembro de 2019.

Notifique-se

 

O árbitro,                                                     

(José Rodrigo de Castro)