Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 173/2019-T
Data da decisão: 2019-10-23  IRC  
Valor do pedido: € 674.782,85
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos. Tributação autónoma. Território com tributação claramente mais favorável.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-05-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA., pessoa colectiva nº..., com sede na ..., ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja anulada a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2012 com o número 2016... no montante de € 674.782,85 e a decisão do recurso hierárquico n.º ...2017... .

A Requerente pede ainda a restituição do imposto, juros de mora e outros encargos pagos pela Requerente no âmbito da adesão ao regime de regularização de dívidas de natureza fiscal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 61/2016, de 3 de novembro, a que corresponda o montante das prestações pagas até ao trânsito em julgado da decisão arbitral, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos nos artigos 43.º e 1oo.º da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-03-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-05-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 11-09-2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal é competente e foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

               

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

A)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III.5. Não-aceitação fiscal das despesas incorridas com as transferências transfronteiras em questão

Da análise da transferência bancária transfronteira em questão, da resposta da A... Lda ao email inicial e à notificação nos termos do artigo 65º do CIRC, dos documentos remetidos e dos solicitados, mas não remetidos, e quanto às transações comerciais em análise (aquisição e venda de bens na China), resultam as seguintes conclusões:

A AQUISIÇÃO DOS BENS CONSIDERADOS EQUIPAMENTOS "DOMÉSTICOS"

(Tratados de um modo geral, quer por serem em número superior a 250, quer por o SP A... Lda nada ter remetido que possa ter contribuído para a sua análise individualizada)

1. Não resulta inequivocamente que tais bens tenham sido sequer adquiridos nas condições em que foram faturados, dada a total ausência de dados e/ou factos comprovativos da existência dos mesmos; mas mesmo que o tivessem sido, ter-se-ia sempre de considerar o ponto seguinte;

2. Também não resulta inequivocamente a prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas, não demonstrou, que os objetos dos contratos (e neste caso nem remeteu cópia dos contratos em questão) se apresentam equilibrados, face ás circunstâncias específicas da contratação da aquisição de tais bens, e já explanadas na análise efetuada quer à resposta ao email inicial quer na resposta à notificação do artigo 65º do CIRC.

a. pois não se tornou clara a demonstração de qual foi a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa pelo SP A... Lda para se poder considerar terem um carácter normal;

b. nem se tornou também clara a prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos credíveis de bens análogos no mercado (ou os mesmos bens com outras proveniências), para se poder considerar não serem exagerados os montantes pagos;

Considera-se assim que as transferências transfronteiras assinaladas efetuadas para países com um sistema fiscal mais favorável têm condições para serem incluídas no âmbito de apreciação do artigo 65º do CIRC, devido à não comprovação dos requisitos em questão,

1. não podendo assim nos termos do n" l do artigo 65º do CIRC serem consideradas dedutíveis fiscalmente as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes num território com um regime fiscal mais favorável entendendo-se estes os referidos na Portaria nº 150/2004, revista pela Portaria nº 292/2011, com o enquadramento efetuado nos moldes já antes exposto nas alíneas A e B do ponto II.3.2.6,

2. havendo ainda sujeição à tributação autónoma prevista no artigo no nº 8 do artigo 88º também do CIRC.

 

III.6. Cálculo das correções em sede de IRC

Dos procedimentos efetuados resultará um acréscimo à matéria tributável e ao imposto, nos valores indicados no segundo e terceiro quadro, apurados a partir dos dados constantes do quadro seguinte:

 

Apuramento das correções:

 

III.6.1. Acréscimo à matéria coletável

 

O apuramento do lucro tributável vai ser concretizado através da junção das correções técnicas aos valores declarados pelo SP A... Lda, conforme se resume no quadro seguinte:

 

III.6.2. Tributação autónoma

 

B)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2012 com o número 2016... no montante de € 674.782,85;

C)           A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que veio a ser indeferida;

D)           A Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido por despacho de 06-12-2018, com os fundamentos de uma informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

1. A A... apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC n.º 2016 ... referente ao período de tributação de 2012 que resultou de uma correção efetuada no âmbito de um procedimento inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço OI2015..., Código de Atividade ... - Controlo das transferências transfronteiriças - 2012 (Ações especiais de 2014).

2. Na verdade a AT coloca em causa um dos pagamentos efetuados pela A... à "B... Ldt." em 2012 no montante de 959.559,00 €, mencionado na fatura n.º A...-... -..., de 31.05.2012, pelo facto de o local de pagamento indicado nessa fatura ser em Hong Kong e a morada da beneficiária do mesmo também.

3. Resumidamente a AT considerou que a transferência transfronteira referida tem condições para ser incluída no âmbito de apreciação do artigo 65.º do Código do IRC (CIRC), devido ao facto de a reclamante não ter comprovado as condições exigidas no n.º 1 daquele artigo para que assim não se procedesse.

4. A A... alega na petição da reclamação graciosa que foram comprovados todos os requisitos previstos no normativo atrás referido, ou seja, que os gastos em questão correspondem a operações reais e que esses gastos não possuem carácter anormal ou excessivo apresentando os seguintes argumentos:

a) Em 31 de Janeiro de 2007, o Ministério das Finanças e da Administração Pública emitiu um comunicado de imprensa em que dá conta da assinatura, entre Portugal e a China, de um memorando para criação de uma linha de crédito para apoio às exportações nacionais, no valor de 300 milhões de euros.

b) Essa linha de crédito viria a consistir numa modalidade de financiamento banco a banco, em que a C... (C...) interveio como mutuante e D... como mutuário, cabendo às autoridades chinesas selecionar os projetos elegíveis.

c) Um dos projetos foi apresentado pela Universidade de ... que pretendia adquirir equipamento para os seus laboratórios envolvendo um financiamento no montante de 4.350.000,00 €. Para agente comercial e intermediário nomeou a "J..." sediada em Pequim (...).

d) A divulgação do caderno de encargos com todas as especificações técnicas dos equipamentos

a fornecer foi apresentado em Março de 2010 sendo a data limite de apresentação de candidatura 31.03.2010.

e) A A... foi uma das empresas convidadas para apresentar proposta tendo nomeado como representante para apresentação dessa proposta F... .

f) Em 24 de maio de 2010 foi assinado em ... o contrato n.º 2010...J/...PT, entre a reclamante como fornecedora, a Universidade de ..., como compradora e a "J..." na qualidade de agente comercial, para aquisição de equipamentos, no total de 255 artigos, no valor global de 4.350.000,00 €.

g) Deste valor, 3.045.000,00 € dizem respeito a equipamentos importados pela China e exportados por Portugal, provenientes da Alemanha e de Portugal.

h) E, 1.305.000,00 € referem-se a equipamentos provenientes da China, denominados domésticos, no total de 250 artigos.

i) Nos termos contratados, a reclamante comprometeu-se a fornecer à Universidade de ... todos os equipamentos, sob a supervisão da sua agente comercial, sendo o pagamento efetuado através do D... da China e da C..., no âmbito da linha de crédito acima referida.

j) A B... adquiriu os equipamentos aos fornecedores indicados pela universidade de ..., que lhe emitiram as respetivas faturas e esta, depois, procedeu à facturação desses equipamentos à "J..." conforme instruções recebidas e acordadas.

k) No que diz respeito aos equipamentos a adquirir na China, refere a reclamante que tanto os representantes da Universidade ... como os representantes da "J..." lhe sugeriram que contratasse uma empresa de trading, sugestão que foi aceite, concretamente a "B... Ldt." (de agora em diante, B...) para que esta adquirisse os artigos em causa, os entregasse no local estabelecido no contrato e os facturasse à A... .

I) O fornecedor alemão G..., os fornecedores portugueses H... e I... e o fornecedor chinês B... faturaram à reclamante os equipamentos fornecidos por cada um deles, que os pagou, e, por sua vez, procedeu à facturação e entrega dos mesmos à Universidade de ... .

m) A AT colocou em causa um dos pagamentos da reclamante à B..., não aceitando como gasto do período de tributação de 2012 o montante de 959.559,00 € mencionado na fatura A...- -..., de 31.05,2012, pelo facto de o local de pagamento indicado nessa fatura ser em Hong Kong e a morada da beneficiária do mesmo também.

n) A AT aplicou ainda àquela verba a taxa de 35% de tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

o) Refere a reclamante que o único fundamento para esta correção reside no facto de se estar perante uma transferência financeira que teve como destinatário uma entidade localizada em Hong Kong, região que beneficia de um regime fiscal privilegiado.

p) Alega ainda que apesar de constar expressamente na fatura em causa que a beneficiária do pagamento é a B... com uma morada em Hong Kong, o local de emissão de fatura é ... (Pequim) e que a sede da B... é também ... .

q) Mais à frente (ponto 37.º da sua petição) a reclamante refere que " (...) uma vez demonstrada pela AT aquela situação de localização em jurisdição de baixa tributação do beneficiário dos pagamentos, cabe ao contribuinte, para afastar esta presunção, demonstrar a materialidade da relação contratual e fazer prova de que os gastos incorridos correspondem a operações reais e não apresentam um carácter anormal ou exagerado."

r) Essa demonstração, a reclamante considera que a fez, nomeadamente porque os pagamentos efetuados à B... inserem-se no âmbito do contrato de fornecimento de equipamentos educacionais à Universidade de ... e as faturas mencionam o fornecimento de bens "locais" e fazem referência ao número do contrato celebrado entre a A... e a Universidade de ... .

s) Os bens fornecidos pela B... à A... são especificamente os que constam do contrato celebrado com a Universidade de ..., caso contrário não teria sido emitida a declaração de recepção dos mesmos.

t) Quanto ao valor do encargo, refere a reclamante que o mesmo não é excessivo quando comparado com a margem que obteve na venda dos restantes equipamentos, tendo o preço de compra de todos os equipamentos fornecidos sido fixado no contrato.

u) Segundo a reclamante o negócio foi altamente rentável (Margem global 50,166%), sendo que a margem de lucro dos equipamentos exportados (88,27%) mais que justificou a contratação da B... para o fornecimento dos equipamentos locais, tendo mesmo assim proporcionado uma margem de 2%.

v) A reclamante refere que no relatório da inspeção (RIT), não obstante a correção efetuada parece não ter sido posto em causa o fornecimento dos equipamentos locais mas antes o facto do correspondente pagamento ter tido como destino um banco sedeado em Hong Kong, Região Administrativa da República Popular da China com regime de tributação mais favorável e como tal passível de enquadramento na disciplina do artigo 65.º do CIRC, com a redação à data.

w) Alega igualmente que o fornecimento de bens adquiridos e vendidos na China está consubstanciada num projeto de âmbito mais vasto, de fornecimento de equipamentos educacionais a uma universidade, uns provenientes de Portugal e da Alemanha e outros da China.

x) Pelas razões que expôs, a reclamante considera que a não dedutibilidade do custo relativo ao pagamento da fatura A...-B... -..., de 31.05.2012, com base na alegada não comprovação dos requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 65.º do CIRC, carece de sustentação material, porque, a seu ver, foram comprovados todos os requisitos previstos nesse normativo.

y) A reclamante diz lamentar que a AT não recorra ao procedimento da troca de informações prevista nos artigos 25.º e 26.º das Convenções celebradas entre Portugal e a República Popular da China e a Região Administrativa da República Popular da China.

5. Depois de analisados todos os elementos disponíveis no processo, a Divisão de Justiça Tributária -Contencioso da DF de ... elaborou o projeto de decisão no sentido do indeferimento alegando em resumo que:

a) A A... não remete qualquer elemento que comprove o tipo de bens, fornecedor, preço, unidades adquiridas, totais, etc., emitidos pelos fornecedores chineses;

b) Não foi feita qualquer menção às sedes dos fornecedores efetivos, tipo de contacto (telefone, telemóvel ou e-mail), certificados de qualidade;

c) A aquisição e logística de entrega dos equipamentos proveniente de fabricantes chineses foi delegada na empresa de trading B... que posteriormente faturou à A..., o que parece ter desprovido a A... de qualquer capacidade de efetuar o controlo de todas as operações de compra efetuadas aos fornecedores efetivos em seu nome, não cumprindo assim os termos do contrato que celebrou com a Universidade de ..., designadamente no capitulo 1 (objeto do contrato);

d) A reclamante não demonstrou que as operações não tiveram um carácter anormal ou montante excessivo nem apresentou o contrato com a empresa de trading B... atrás da qual se encontram todos os fornecedores chineses cujos termos contratuais são também desconhecidos.

6. Notificado para exercer o direito de audição (of. n.º ... de 04.07.2017), a reclamante veio dizer que de acordo com o artigo 65.º do CIRC era à AT que cabia demonstrar que a reclamante fez pagamentos a uma entidade não residente e sujeita a um regime fiscal mais favorável.

7. A reclamante considera que o artigo 65.º do CIRC, à data dos factos, atendia à localização da residência ou sede cuja entidade beneficiária do pagamento e não ao local de pagamento.

8. Acresce que a B... tem sede em Pequim,; não obstante o pagamento ter sido efetuado, por indicação da mesma, para uma conta detida por esta entidade em Hong Kong, possivelmente correspondente a uma filial, pelo que, não atendendo a norma à localização do pagamento da operação e tendo a B... sede em Pequim, não se verificam os pressupostos de aplicação daquele artigo.

9. A reclamante diz não compreender a razão pela qual a AT questiona apenas um dos pagamentos feitos à B... no âmbito da mesma operação comercial, que envolveu a Universidade de ... e foi co-financiada pelo Estado Português através da C... .

10. A reclamante volta a referir que a AT devia accionar a cooperação internacional prevista nas Convenções celebradas entre Portugal e a China.

11. Depois de analisados os argumentos apresentados, foi referido que não subsistem dúvidas que a beneficiária do pagamento foi uma entidade localizada em Hong Kong e que a própria reclamante confirma que a B... tinha uma filial naquele território, pelo que a situação em apreço se enquadra nos pressupostos do artigo 65.º do CIRC, em vigor à data.

12. Esse facto acarretou para a reclamante uma inversão do ónus da prova, cabendo-lhe demonstrar para a aceitação do custo fiscal relacionado com aquele pagamento não só a materialidade da operação como o seu carácter não anormal ou excessivo, o que, na opinião daquele Serviço da AT não aconteceu, pelo que foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento com despacho de 01.09.2017 do Chefe de Divisão (em regime de substituição) proferido por subdelegação de competências da Diretora de Finanças Adjunta de ... .

 

IV - RECURSO HIERÁRQUICO

1. Fundamentos apresentados pelo sujeito passivo

A recorrente não tendo concordado com o despacho atrás referido vem interpor recurso hierárquico alegando para o efeito o seguinte:

1. O responsável da AT não se deslocou à sua sede para aí consultar todos os documentos que considerasse pertinentes ao total esclarecimento da situação.

2. Foram efetuadas as seguintes correções:

a) À matéria coletável...................................................959.559,00 €

b) Imposto em falta......................................................335.845,65 €

3. As correções tiveram origem num facto resultante da aquisição e correspondente venda de equipamento laboratorial na República Popular da China, sendo esta operação parte integrante de um contrato com maior amplitude celebrado entre o contribuinte e a Universidade Chinesa de ... .

4. O negócio em causa, no montante global de 4.350.000,00 € foi concretizado na sequência da viagem do Primeiro-ministro à China, tendo tido cobertura financeira em linha de crédito aberta, tendo a C... como mutuante e a China D... (D...) como mutuário, numa modalidade de financiamento banco a banco em que a C... financiou o D... e este a Universidade de ..., conforme contrato celebrado:

a) 3.045.000,00 € de equipamentos de origem portuguesa, no mínimo 40%, e de outros países comunitários;

b) 1.305.000,00 € de equipamentos adquiridos na China e a produtores chineses,

ou seja, 70% de equipamentos de origem externa, incluindo Portugal, e 30% de equipamentos chineses.

5. O negócio foi concretizado nos moldes do estabelecido no contrato celebrado, tendo os equipamentos de origem externa (70%) sido adquiridos pelo contribuinte à G..., à I..., S.A. e à H..., Lda. e os equipamentos domésticos (30%) fornecidos pela B... com sede em Pequim.

6. A recorrente procedeu à faturação à Universidade de ... através do seu agente J... (J...), chamando-se a atenção para a margem de lucro bruto global proporcionada de 2% para equipamentos domésticos e 88,27% para os equipamentos externos, ou seja, uma margem média ponderada de 62,4%.

7. A objetividade e transparência deste negócio, dadas as entidades envolvidas, governos de Portugal e da China e entidades financiadoras são por demais evidentes da comprovação e concretização do negócio acordado.

8. Não obstante, a DF de ... persiste em não considerar como gasto fiscal uma parcela do pagamento efetuado à B..., no montante de 959.559,00 €, procedendo ao enquadramento deste gasto na norma do artigo 65.º do CIRC, com a redação à data, com a consequente tributação autónoma à taxa de 35%.

9. A recorrente questiona como interpretar a autorização da Universidade de ... para a emissão por parte da recorrente da correspondente faturação e consequente pagamento, se não tivessem sido concretizados os pressupostos contratuais, incluindo o fornecimento e entrega dos equipamentos domésticos.

10. A relação causa-efeito (gastos de rendimentos) é evidente, sendo certo que, caso os preços de compra fossem considerados excessivos, o que não concede, estaria aberto o caminho para um eventual recurso à tributação indireta e nunca à correção técnica efetuada.

11. Acresce que apenas os pagamentos efetuados a não residentes sujeitos a um regime fiscal privilegiado se encontram sujeitos à disciplina do artigo 65.º do CIRC, e que não é este o caso.

12. Na opinião da recorrente, a disciplina do então artigo 65.º do CIRC bem como a tributação autónoma prevista no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, apenas devem ser associadas a operações de natureza imaterial (prestações de serviços e outras da mesma natureza) e não a transmissões de bens, para além do facto da entidade fornecedora dos equipamentos não ser entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado.

13. A universidade de ... certificou a recepção dos equipamentos domésticos, pelo que se houve recepção é porque a materialidade existiu, ou seja, a operação em causa foi efetivamente realizada.

14. O preço faturado pela B... ao contribuinte apenas seria de considerar de montante exagerado se não estivesse coberto pelo contrato celebrado entre o contribuinte e a Universidade de ..., sendo que toda a logística foi delegada na B..., entidade credenciada em operações desta natureza e indicada pela Universidade, como tal, prova mais do que suficiente da sua credibilidade e consequente irrelevância do preço praticado.

15. Segundo a recorrente não existe qualquer interesse direto ou indireto do contribuinte nem dos respetivos órgãos sociais na B... .

16. À recorrente parece absurdo que a DF de ... considere que lhe "competia encontrar outro fornecedor do mesmo equipamento e preço praticado para o mesmo bem", porquanto quer o fornecedor, quer os modelos, as marcas e as características dos equipamentos domésticos se encontravam contratualmente definidos e, como tal, sem possibilidade de alteração por sua iniciativa.

17 Tendo em conta que a operação económica em causa foi efetivamente realizada, publicitada à data, no site da B..., e sendo a localização do banco de destino do pagamento efetuado irrelevante para o efeito da aplicação da disciplina do artigo 65.º do CIRC, a recorrente estranha também que a DF de ... não recorra ao mecanismo da cooperação administrativa internacional, tanto mais que entre Portugal e a China existe Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento.

18. A recorrente refere que facultou toda a informação, comprovada e documentada sobre a efetividade da operação realizada e residência dos intervenientes, contrariamente ao referido na decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

4.2. Apreciação do Recurso Hierárquico

Neste recurso hierárquico cumpre-nos emitir parecer relativamente à correção efetuada pela AT, que teve a ver com a não aceitação a titulo de gastos da verba relativa ao pagamento a entidade não residente e ao indeferimento da reclamação graciosa, impondo-se por isso, a análise de todos os elementos do processo, no sentido de se verificar se se cumpriram os requisitos e condições necessários para que o pagamento pudesse ou não ser considerado como gasto fiscal.

Pela análise dos referidos elementos, o Serviço de Inspeção Tributária da DF de ... na sequência da análise efetuada pela Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária (DSCPIT), entidade a quem compete a análise da declaração modelo n.º 381 apresentado pela C..., relativamente a uma transferência efetuada pela recorrente que tinha como destinatário uma entidade localizada em território com regime de tributação privilegiada mais favorável, entendeu ser necessário, em ação interna, via email/oficio, tomar conhecimento da justificação económica e/ou financeira daquela transferência.

3. Na sequência dos emails trocados, aquele Serviço concluiu que a recorrente tinha contabilizado uma transferência referente a uma fatura (Invoice n.º A...-B ... -...) emitida pela sociedade B..., com sede em Hong Kong, no montante de 959.559,00 €.

Constatou também que o pagamento efetuado pela recorrente foi feito através de transferência para uma conta bancária sedeada em Hong Kong, território que tem um sistema fiscal mais favorável.

4. Assim, considerando (não haver prova inequívoca da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas; não tendo sido demonstrado, quedos objetos dos contratos (os quais não foram remetidos) se apresentavam equilibrados;, não tendo havido demonstração clara da importância real das vantagens auferidas pela recorrente através dos contratos em causa; nem tendo havido prova clara de que os encargos estabelecidos constituíam a Justa remuneração dessas vantagens e não serem exagerados os montantes pagos, por comparação com custos credíveis de bens análogos no mercado, a AT concluiu, nos termos do n.º 1 do artigo 65.º do CIRC, que o montante da referida transferência não podia ser considerado fiscalmente dedutível.

5. Ora, a recorrente vem dizer basicamente que:

• O negócio foi concretizado nos termos do contrato celebrado com a universidade de ... e que esta certificou a recepção dos equipamentos domésticos, pelo que a operação em causa foi efetivamente realizada;

• Procedeu à faturação à Universidade de ... através do seu agente J... e chama a atenção para a margem de lucro bruto global proporcionada ser de 2% para equipamentos domésticos e 88,27% para os equipamentos externos, ou seja, uma margem média ponderada de 62,4%.

• A tributação autónoma (n.º 9 do artigo 88.º do CIRC) e a disciplina do artigo 65.º do CIRC, apenas devem ser associadas a operações de natureza imaterial, nomeadamente prestações de serviços e outras da mesma natureza e não a transmissões de bens;

• A entidade fornecedora dos equipamentos não é uma entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado;

• O preço faturado pela B... ao contribuinte apenas seria de considerar de montante exagerado se não estivesse coberto pelo contrato celebrado entre o contribuinte e a Universidade de ..., sendo que toda a logística foi delegada na B..., entidade credenciada em operações desta natureza e indicada pela Universidade;

• Considera que a AT não pode dizer que não comprovou a materialidade da operação, bem como o seu carácter não normal ou excessivo, porquanto o fornecimento dos equipamentos domésticos, nomeadamente, características, identificação do fornecedor, modelos, marcas, características, preços e quantidades se encontravam contratualmente definidos e, como tal, sem possibilidade de alteração por sua iniciativa.

6. Antes de qualquer análise importa fazer o enquadramento jurídico-fiscal, começando por referir o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que na redação aplicável à data dos factos estabelecia as condições que os gastos deviam obedecer para serem fiscalmente aceites, ou seja, consideravam-se gastos os que comprovadamente fossem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Quer isto dizer que os gastos ou perdas da empresa constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como gastos, assim devendo os respetivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

7. Por outro lado, o artigo 65.º do CIRC consagrava, naquela data, o enquadramento do pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, sendo que da interpretação daquela norma se podia concluir que que não eram fiscalmente dedutíveis as importâncias pagas ou devidas, a qualquer titulo, a entidades residentes num território com um regime fiscal claramente mais favorável a não ser que o contribuinte demonstrasse que estavam cumpridos dois requisitos:

a) Estarmos perante operações efetivamente realizadas;

b) Que não tinham um carácter anormal ou que o montante em causa não era exagerado.

8. Estamos então perante uma norma anti-abuso específica, criada com o objetivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais. A determinação desta norma consagrou uma cláusula de salvaguarda, que opera mediante a inversão do ónus da prova que passa para o sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do referido preceito, desde que cumpra cumulativamente aquelas duas condições.

9. A não comprovação dos gastos nos termos atrás referidos tem como consequência a não consideração como gastos do período de tributação e ainda a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, independentemente, quer num caso quer no outro, do tipo de operação, ou seja, não está correto o que a recorrente refere que a disciplina do artigo 65.º e o n.º 9 do artigo 88.º do CIRC esteja associada apenas a prestações de serviços.

Com efeito, tanto num caso como no outro a lei é muito mais abrangente uma vez que diz, no caso do artigo 65.º do CIRC "Não são dedutíveis (...) as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português (...)" e o n.º 9 do artigo 88.º do mesmo diploma refere que "São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, (...), as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português

10. Convém ainda referir que os territórios com um regime fiscal mais favorável são os referidos na Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, revista pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro.

11. Analisando o caso concreto à luz da lei então vigente, constata-se que o pagamento em questão foi efetuado à B..., residente fora do território português e situada numa jurisdição constante da Portaria atrás citada, isto é, num território com regime fiscal mais favorável.

A recorrente alega no ponto 4º da sua petição de recurso hierárquico que a B... tem sede em Pequim e remete no ponto 12º da sua petição de recurso hierárquico para as alegações que fez sobre o mesmo assunto e no mesmo sentido quando exerceu o direito de audição ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Contudo, o que existe de concreto é a factura n.º A...-B...-..., emitida pela B... em 31.05. 20122, a qual faz referência à sede nomeadamente: ..., Hong Kong, tendo sido o pagamento direcionado para uma conta bancária situada em Hong Kong cujo Código Swift é ... .

Declarando a recorrente que a sede da B... era em Pequim e não em Hong Kong então deveria ter apresentado provas inequívocas do que disse de forma que não restassem dúvidas, o que não aconteceu.

Além disso, mesmo que a sede estivesse em Pequim como a recorrente alega, a conta bancária para onde foi efetuada a transferência, é, sem margem para dúvidas, de Hong Kong, território constante da lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.

12. Assim, tendo a transferência em causa sido efetuada para um território com um regime fiscal mais favorável, para afastar a aplicação do regime previsto no artigo 65.º do CIRC, a recorrente deveria provar que os encargos em questão correspondiam a operações efetivamente realizadas e que não tinham um carácter anormal ou montante exagerado.

13. Ora, não obstante a recorrente ter apresentado em sede de procedimento de reclamação graciosa uma declaração assinada pelo representante da recorrente e pelo representante da Universidade de ... intitulado de "Acceptance Certificate" que refere a aceitação dos "equipamentos domésticos" assim como o "Recibo de Carga" "Cargo Receipt" em que a Universidade de ... declara que o equipamento contratado chegou ao local de destino antes de Fevereiro de 2012 e ainda uma declaração da B... a dizer que as faturas n.ºs A...-B...-..., A...-B... -... e A...-B... -... emitidas para a recorrente em 06/12, 31/05 e 28/12 de 2012, respetivamente, se referem às mercadorias descritas na lista anexa à declaração e ao acordo celebrado entre a recorrente e a Universidade de ..., continuam, no entanto, a existir dúvidas acerca dos chamados "equipamentos domésticos".

Com efeito, apesar dos argumentos apresentados, nunca foi apresentado qualquer contrato entre a recorrente e a B..., não sendo credível que uma empresa de trading como a B..., a quem foi delegada, segundo a recorrente, a compra dos equipamentos a adquirir na China, os chamados "equipamentos domésticos", no montante de 1.279.412,00 € não tivesse celebrado um contrato a definir o tipo de equipamentos, preços, regras de pagamento, entrega das mercadorias, regras para eventuais devoluções e responsabilidades em caso de incumprimento do contrato.

14. A recorrente afirma no ponto 17.º da sua petição que o preço que lhe foi faturado pela B... apenas seria de se considerar de montante exagerado se não estivesse coberto pelo contrato celebrado entre si e a Universidade de ... e que o facto da logística da operação ter sido delegada na B..., entidade credenciada em operações desta natureza e indicada pela Universidade é prova mais do que suficiente da sua credibilidade e consequente irrelevância do preço praticado. Diz ainda, no ponto 19.º da sua petição, que "quer o fornecedor, quer os modelos, as marcas e as características dos equipamentos domésticos se encontravam contratualmente definidos e, como tal, sem possibilidade de alteração (...)"

15. Ora, não obstante as afirmações atrás referidas, a verdade é que o contrato celebrado entre a recorrente e a Universidade de ... não faz qualquer referência à B..., tendo o mesmo sido assinado e acordado apenas entre a recorrente, a Universidade de ... e o seu "agente comercial" J... .

16. Assim, quando a recorrente afirma que o preço faturado pela B... seria de considerar exagerado apenas se não estivesse coberto pelo contrato celebrado com a Universidade de ... e que os equipamentos domésticos se encontravam contratualmente definidos deveria apresentar elementos que comprovassem as suas afirmações, pois o contrato entre a recorrente e a Universidade de ... é omisso em relação a isso e o contrato assinado entre a recorrente e a B... para o fornecimento dos referidos "equipamentos domésticos" nunca foi apresentado.

17. Em conclusão não há demonstração de que as operações não tiveram carácter anormal ou montante exagerado, pois o sujeito passivo não apresentou elementos que permitissem ajuizar da adequação dos montantes em causa. Não basta à recorrente alegar que o fornecedor, os modelos, as marcas e as características estavam contratualmente definidos, deveria ter provado e isso não aconteceu.

18. Relativamente ao facto da recorrente alegar que a operação económica foi efetivamente realizada e publicitada no site da B..., remetemos para a leitura do ponto 8 da Informação final de indeferimento reclamação graciosa com a qual concordamos, ou seja, a informação ali contida é genérica e não permite por si só saber quais os bens fornecidos e em que termos, quantidades, valores unitários e globais, etc.

19. A recorrente vem uma vez mais invocar o recurso ao mecanismo da cooperação administrativa internacional, na medida em que foi celebrada Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento entre Portugal e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China.

Importa referir a este respeito que o artigo 25.º da referida convenção estabelece uma obrigação mútua das administrações fiscais em trocar informações com relevância tributária para a aplicação da Convenção ou do direito interno dos Estados Contratantes relativamente a impostos compreendidos na Convenção, assim como impedir a fraude e a evasão fiscal.

Por outro lado, a função da Convenção reside unicamente na definição de um modo operacional de eliminar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal mediante a repartição dos poderes tributários, seja pela atribuição exclusiva do poder tributário a um dos Estados ou repartindo-o impondo simultaneamente a eliminação da eventual dupla tributação mediante a concessão de uma isenção ou crédito ao Estado onde o contribuinte é residente.

20. Ora, no caso em apreço, convém referir em primeiro lugar que a Convenção sobre dupla tributação não foi accionada e em segundo lugar, definindo o artigo 65.º do CIRC que poderão não ser fiscalmente dedutíveis as importâncias pagas ou devidas a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, isto é, recaindo sobre a recorrente o ónus da prova e não tendo ela demonstrado de forma inequívoca o que lhe era solicitado, não se pode dizer que ficaram esgotadas todas as formas do Estado obter informações e por isso não faz sentido invocar a aplicação do artigo 25.º da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento entre Portugal e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China.

 

V-CONCLUSÃO

Face ao exposto é de reiterar a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, indeferindo-se o presente recurso hierárquico.

 

E)            Em 31 de Janeiro de 2007, o Ministério das Finanças e da Administração Pública emitiu um comunicado de imprensa em que dá conta da assinatura, entre Portugal e a China, de um memorando para criação de uma linha de crédito para apoio às exportações nacionais para a República Popular da China, no valor de 300 milhões de euros (documento n.º 1 junto com a reclamação graciosa cujo teor se dá como reproduzido);

F)            Essa linha de crédito viria a consistir numa modalidade de financiamento banco a banco, em que a C... interveio como mutuante e o D... como mutuário, cabendo às autoridades chinesas seleccionar os projectos elegíveis neste âmbito e apresentá-los junto do Ministério das Finanças e da Administração Pública (documentos n.ºs 2 e 2-A juntos com a reclamação graciosa cujos teores se dão como reproduzidos);

G)           O uso da linha de crédito tinha como condição que pelo menos 30% do valor dos financiamentos fosse destinado a aquisição de mercadorias e serviços da República Popular da China (documentos n.ºs 2 e 2-A juntos com a reclamação graciosa cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas F... e K...);

H)           Tendo em vista a utilização desta linha de crédito, a Universidade de ... apresentou um projecto de aquisição de equipamentos para as suas instalações e laboratórios, no montante de € 4.350.000,00, dos quais 70% dizem respeito a equipamentos exportados por Portugal e 30% a equipamentos adquiridos directamente na China a produtores chineses - respeitando os termos do protocolo aprovado -, sendo fornecedora a Requerente mediante contrato celebrado com aquela Universidade (documento n.º 3 junto com a reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             O convite para se candidatar ao projecto referido foi efectuado através da B... . LTD (doravante “B…”), em nome da J... (doravante “J...”) e na qualidade de agente comercial da Universidade de ... (depoimentos das testemunhas F... e K... e documento n.º 3 junto com a reclamação graciosa cujo teor se dá como reproduzido);

J)            A Requerente apresentou a sua candidatura e, após reuniões para negociação com as autoridades Chinesas, foi assinado em ... o contrato n° 2010...PT entre a aqui Requerente, como fornecedora, a Universidade de..., como compradora e a J... , na qualidade de agente comercial daquela, para aquisição dos equipamentos cuja identificação, especificação técnica, fabricante e preço consta do apêndice 1 do contrato, no total de 255 artigos, no valor global de € 4.350.000,00, representando: € 1.255.197,24 equipamentos de origem portuguesa provenientes da I... (uma central de betão ...) e H... (duas centrais ópticas ...); € 1.789.802,76 equipamentos de origem alemã (G...- três centrais 5 Axis C-... e C-...) (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)           O que perfaz € 3.045.000,00 de equipamentos importados pela China e exportados por Portugal, identificados nos números 1, 2, 3, 62 e 154 do apêndice 1 ao contrato e € 1.305.000,00 de equipamentos a adquirir na China e a fabricantes chineses, denominados equipamentos domésticos ou locais, no total de 249 artigos, cuja descrição, características, preço e respectivos fabricantes estão identificados no apêndice 1 ao contrato, que discrimina em colunas separadas os equipamentos importados e os que são provenientes de fabricantes locais (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            O negócio foi concretizado nos moldes estabelecidos no contrato celebrado, tendo os equipamentos de origem externa (70%) sido adquiridos pela requerente à G..., à I..., SA e à H..., Lda, e os equipamentos domésticos (30%) fornecidos pela B... a quem a J... havia delegado o estabelecimento de todos os contactos a este nível com a Requerente e foi indicada como apta, por esta, para providenciar pelo fornecimento dos equipamentos domésticos;

M)          A Requerente A... adquiriu os equipamentos em causa aos fornecedores referidos (G..., I..., H... e B...), que lhe emitiram as respectivas facturas e esta, depois, procedeu à facturação desses equipamentos à J...;

N)           Os bens provenientes de Portugal e da Alemanha foram transportados para a China por via marítima, e os adquiridos na China à B... foram entregues directamente na Universidade de..., que declarou a sua recepção (documento n.º 9 junto à reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           A Requerente deu conhecimento deste contrato e do seu cumprimento à Direcção-Geral do Tesouro, para efeitos do estabelecido no protocolo da linha de crédito criada entre o governo português e a República Popular da China (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P)           A intervenção da Requerente na venda das máquinas de origem alemã e a sua não aquisição directa à empresa alemã foi motivada pela intenção da Universidade de ... de utilizar a linha de crédito referida (depoimento das testemunhas F... e K...);

Q)           A B... é uma empresa chinesa que tem clientes chineses e procura linhas de financiamentos para promover os negócios com eles (depoimentos das testemunhas F..., K... e L...);

R)           Sem a intervenção da B... na aquisição dos equipamentos de origem chinesa a Requerente não teria possibilidade de cumprir o contrato, pois era uma pequena empresa, com seis colaboradores, não dispondo de meios para negociar com produtores chineses que não falavam inglês (depoimentos das testemunhas F..., K... e L...);

S)            A B... tinha sede em Pequim e todos os contactos da Requerente com ela foram aí efectuados (depoimentos das testemunhas F..., K... e L...);

T)            A Requerente efectuou os pagamentos à B... na sequência de a Universidade de ... ter declarado que tinha recebido os equipamentos (depoimentos das testemunhas F... e K...);

U)           O fornecimento de 30% de equipamento de origem chinesa foi controlado pelas autoridades chinesas e se tal não se verificasse não teriam autorizado o contrato;

V)           O pagamento foi efectuado em três tranches como é habitual, sendo o primeiro a título de sinal, o segundo quando os equipamentos estão prontos para fornecimento e o último quando é feita a instalação (depoimento da testemunha F...);

W)          A Requerente não tinha possibilidade de adquirir os produtos chineses a outros preços, pois não tinha possibilidade de consultar o mercado chinês e negociar com os fornecedores chineses (depoimento da testemunha F...);

X)           A universidade de ... conhecia os preços dos equipamentos de origem chinesa (depoimento da testemunha F...);

Y)            Com o fornecimento do material de origem chinesa a Requerente auferiu uma margem de 2% (depoimento da testemunha F...);

Z)            As transferências para a B... foram efectuadas pela C..., na qual a Requerente abriu uma conta propositadamente para este negócio (depoimento da testemunha F...);

AA)        A linha de crédito destinava-se apenas a contratos nas áreas da educação, saúde e ambiente;

BB)         A dívida resultante da liquidação de IRC aqui em causa foi objecto de adesão ao regime de regularização de dívidas fiscais aprovado pelo DL n° 67/2016, de 3 de Novembro, na modalidade de pagamento em prestações mensais (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

CC)         Em 11-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos provados baseiam-se na prova documental indicada, e nos depoimentos prestados na reunião, tendo as pessoas ouvidas aparentado depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a pagamentos que efectuou à B.... LTD, por as transferências terem sido efectuadas para um banco sedeado em Hong-Kong.

A não aceitação da dedutibilidade destes gastos baseou-se no artigo 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2012), que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 65.º

 

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

 

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.

(...)

 

Cumulativamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8, do CIRC que estabelece o seguinte:

 

8 – São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

O território de Hong Kong estava incluído, em 2012, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

Como ensina Gustavo Lopes Courinha, “Nestes casos, encontramo-nos diante de uma reação especial de caráter anti-abusivo, que contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efetivamente realizadas” – e outras de planeamento abusivo – “operações (com) carácter anormal ou um montante exagerado”. No primeiro dos casos, visam-se operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação ao nível da prova pela Administração Fiscal; no segundo, operações reais pretendidas pelas partes, embora por vezes estruturadas de modo a obter uma vantagem fiscal indevida. Sendo que, para ambos os casos se determinou como sanção a não dedução de tais quantias para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo demonstração em contrário da previsão pelo contribuinte (inversão do ónus da prova).” (   )

                O afastamento da dedutibilidade dos pagamentos que constam da contabilidade como tendo sido efectuados a empresas sujeitas a um regime fiscal privilegiado tem ínsita uma presunção de que se trata de operações total ou parcialmente simuladas, que visam afastar a tributação de rendimentos em território nacional. (   )

É por tal regime assentar numa presunção, que se admite, com a consequente inversão do ónus da prova, a dedutibilidade dos gastos se o sujeito passivo provar que os pagamentos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

3.1. Prova da realidade da operação

 

No caso em apreço, a prova produzida aponta manifestamente no sentido de as operações a que se reportam os pagamentos foram efectivamente realizadas.

Na verdade, não é questionada a autenticidade do contrato com a Universidade de ..., nem da declaração que fez confirmando a recepção dos equipamentos de origem chinesa, nem a exigência contratual de 30% do valor do contrato se reportar a esses equipamentos.

Para além disso, quanto às relações entre a Requerente e a Universidade de ..., não há qualquer presunção legal de que se trate de operações simuladas, pelo que não há fundamento para pôr em dúvida a realidade do contrato e recepção dos equipamentos pela Universidade.

Por outro lado, a explicação dada pela Requerente para a intervenção da B... na aquisição dos equipamentos, que é a inviabilidade de contactar directamente os fornecedores chineses, é perfeitamente plausível e é explicitamente aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 35.º da sua Resposta.

A falta de um contrato escrito com a B..., que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca com fundamento para não acreditar na realidade da intervenção daquela empresa, afigura-se não ser suficiente para duvidar da realidade da operação, uma vez que o fornecimento dos equipamentos foi declarado pela Universidade de ..., esta efectuou o seu pagamento à Requerente e não há qualquer sinal de que tenha sido outro o fornecedor.

Por outro lado, não se pode olvidar que a linha de crédito se destinava a contratos para fins específicos, pelo que não é crível que a C..., como empresa estadual incumbida de intervir na concessão dos financiamentos, não confirmasse a realidade das operações e não controlasse adequadamente a sua inclusão no âmbito das finalidades da linha de crédito.

                Para além disso, sendo uma exigência das autoridades chinesas que os fornecimentos incluíssem 30% de matéria de origem chinesa, também não é crível que não fiscalizassem o cumprimento desse requisito.

                Neste contexto, não sendo questionada a autenticidade do contrato nem a sua inclusão no âmbito da referida linha de crédito e não se vislumbrando qualquer outro fornecimento de material de origem chinesa, é de concluir, com a segurança necessária num processo jurisdicional, que está provado que o valor de 30% previsto no contrato foi preenchido pelos fornecimentos efectuados pela B... .

 

3.2. Prova da natureza não anormal dos pagamentos

 

Assente que o fornecimento pela B... à Universidade de ... foi efectivamente realizado é necessário, para ilidir a presunção ínsita nos artigos 65.º, n.º 1, e 88.º, n.º 8, do CIRC, que as despesas efectuadas pela Requerente com os pagamentos à B... «não têm um carácter anormal ou um montante exagerado».

Deverá entender-se, em regra, que «quanto à prova da inexistência de carácter anormal ou exagerado nas despesas esta deve estabelecer-se demonstrando que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o contribuinte deverá demonstrar qual a importância real das vantagens conferidas pelo contrato e provar que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, nomeadamente por comparação com os custos de serviços análogos no mercado. Não se exige, por outro lado, qualquer formalismo nestas provas, vigorando aqui também o sistema da prova livre» (   ).

No entanto, a aferição do requisito do não exagero das importâncias pagas deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços. Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior (   ).

Não pode considerar-se «anormal» que a Requerente tenha efectuado pagamentos à B..., em face da explicação dada para a intervenção desta e de ter sido ela quem concretizou o fornecimento à Universidade de ... dos equipamentos de origem chinesa. Na verdade, a inviabilidade de a Requerente conseguir assegurar o fornecimento de equipamentos chineses no valor de 30% do contrato justifica a intervenção da B... e não pode considerar-se anormal que a Requerente lhe pagasse pelos fornecimento que efectuou, depois de ter sido informada pela Universidade de ... que o fornecimento foi concretizado e de esta ter efectuado à Requerente o respectivo pagamento.

Por outro lado, quanto ao montante não ser exagerado, deve ter-se em conta que, no caso em apreço, o contrato que fixou os preços das mercadorias de origem chinesa, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, nem sequer foi efectuado entre a Requerente e a B..., pois os preços foram contratualizados com a Universidade de ..., pelo que nem se justifica a presunção de exagero que a lei associa aos contratos com empresas sedeadas em territórios de tributação privilegiada.

Para além disso, tendo-se provado que a Requerente ainda apurou uma margem de 2% no fornecimento efectuado pela B... e os preços foram aceites pela Universidade de ..., entidade presumivelmente conhecedora dos preços do mercado chinês, relativamente à qual não há qualquer presunção legal de prática de preços exagerados, é de concluir que está processualmente demonstrado que os preços pagos à B... não foram exagerados.

 

3.3. Consequências da prova

 

Provou-se assim, que os pagamentos efectuados à B... correspondem a operação realizada e que não têm carácter anormal nem montante exagerado.

Por isso, não há fundamento, à face do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC para não aceitar a dedutibilidade dos gastos em causa, pois foi feita a prova aí exigida.

Consequentemente, também não há fundamento para a aplicação da tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, que também tem subjacente a mesma falta de prova.

A liquidação de juros compensatórios tem como pressupostos a liquidação de IRC e tributação autónoma, pelo que enferma dos mesmos vícios que afectam aquela.

 Pelo exposto, a liquidação de IRC, tributação autónoma e juros compensatórios enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão do recurso hierárquico que confirmou a liquidação enferma dos mesmos vícios.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento e vício de violação de lei, a assegura eficaz tutela dos interesses da requerimento, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Reembolso do valor pago e juros indemnizatórios

 

A dívida resultante da liquidação de IRC aqui em causa foi objecto de adesão ao regime de regularização de dívidas fiscais aprovado pelo DL n° 67/2016, de 3 de Novembro, na modalidade de pagamento em prestações mensais.

A Requerente pede que «seja ordenada a restituição do imposto, juros de mora e outros encargos pagos pela requerente no âmbito da adesão ao regime de regularização de dívidas de natureza fiscal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 61/2016, de 3 de novembro, a que corresponda o montante das prestações efectivamente pagas nesse âmbito até ao trânsito em julgado da decisão arbitral, acrescido de juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso».

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios da existência de uma quantia paga a reembolsar, conclui-se que o processo arbitral é também meio adequado para apreciar o pedido de reembolso.

O documento n.º 6 junto pela Requerente não indica quais os pagamentos que terão sido efectuados no âmbito da adesão da Requerente ao regime do Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro.

A adesão ao regime implicava pagamento total ou parcial de dívidas (artigos 4.º e 5.º daquele diploma) e pelo print que consta da página 27 do documento do processo administrativo denominado «Recl. Graciosa ...2017... – 2» infere-se que terá feito pagamento parcial, mas não há informação segura sobre o montante da dívida liquidada que foi pago.

De qualquer forma, sendo anulada a liquidação, a Requerente tem direito a reembolso do que pagou, acrescido de juros indemnizatórios, uma vez que o erro de que enferma a liquidação é manifestamente imputável aos serviços (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, os juros indemnizatórios calculados sobre as quantias que a Requerente pagou, desde as datas dos pagamentos, até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

Não havendo elementos que permitam determinar a medida do reembolso e juros indemnizatórios, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular a liquidação de IRC número 2016... no montante de € 674.782,85 e a decisão do recurso hierárquico n.º ...2017...;

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso e juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for liquidada em execução do presente acórdão, tendo em conta o que se refere no ponto 4.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 674.782,85.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 23-10-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Luís Menezes Leitão)

(Pedro Miguel Bastos Rosado)