Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 52/2019-T
Data da decisão: 2019-11-29  IRC  
Valor do pedido: € 120.000,00
Tema: IRC – Princípio da periodização económica (artigo 18.º do Código do IRC); dedutibilidade de custos (artigo 23.º do Código do IRC). Competência material do tribunal arbitral. Modificação do pedido.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Dra. Susana Constantino e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 24 de janeiro de 2019, a sociedade comercial A..., LDA., NIPC ..., com sede na ..., n.º..., …, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, alterado pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes atos tributários: (i) liquidação adicional de IRC n.º 2017..., datada de 31.07.2017, referente ao exercício de 2014 e das liquidações de juros compensatórios n.º 2017... e n.º 2017...; (ii) liquidação adicional de IRC n.º 2017..., datada de 31.07.2017, atinente ao exercício de 2015 e liquidações de juros compensatórios n.º 2017... e n.º 2017...;

- Declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... .

 

A Requerente juntou 10 (dez) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, nos seguintes argumentos:

A Requerente tem como objeto: investimentos imobiliários, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária e arrendamento de imóveis. 

Foi sujeita a ações inspetivas aos exercícios de 2013 a 2015, das quais resultaram correções em sede de IRC e de IVA.

Relativamente ao IRC, foram efetuadas as seguintes correções à matéria coletável: ano de 2013 - € 35.951,12; ano de 2014 - € 563.603,33; e ano de 2015 - € 199.749,90.

Não concordando com aquelas correções, deduziu reclamação graciosa contra as subsequentes liquidações adicionais de IRC relativas aos períodos de tributação de 2014 e de 2015 e correspondentes liquidações de juros compensatórios; esta reclamação graciosa foi objeto de decisão de indeferimento.

A Requerente alega que analisando o teor do Relatório de Inspeção Tributária, do projeto de decisão da reclamação graciosa e da decisão final de indeferimento, verifica-se que a AT mantém a mesma fundamentação de facto e de direito desde o início do procedimento tributário, sem considerar os elementos por ela levados ao processo. Assim, a Requerente considera que a AT não cumpriu o ónus de pronúncia que sobre si impendia, nada tendo dito relativamente ao por ela alegado na reclamação graciosa, violando o disposto no artigo 56.º da LGT.

Segundo a Requerente, a decisão da reclamação graciosa inutiliza por completo o seu direito de defesa, mantendo um entendimento autoritário e contrário ao princípio constitucional da participação dos administrados nas decisões da Administração e ao princípio da legalidade.

Assim, a Requerente entende que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não se encontra devidamente fundamentada.

No tocante às correções atinentes à matéria coletável de 2014, a Requerente alega o seguinte:

(i) Custos das mercadorias vendidas – verba € 42.450,18: o imóvel em causa foi adquirido em 2009 e vendido no exercício de 2012, conforme referido no Relatório de Inspeção Tributária, sendo que o gasto de € 42.450,18 não foi considerado no exercício de 2012 por mero erro contabilístico, reconhecendo a Requerente que o referido valor deveria ter sido indicado na declaração fiscal desse ano e não imputado no exercício de 2013. Contudo, a Requerente não se pode ver privada do reconhecimento contabilístico de um gasto que suportou e que sempre se iria repercutir nos exercícios seguintes, não existindo qualquer intenção de transferência de resultados entre exercícios; sendo que a AT não demonstrou a conduta voluntária e intencional da Requerente, nem a intenção da transferência de resultados entre exercícios. Aliás, nem isso pode resultar dos factos, uma vez que a inclusão do custo no exercício de 2013 em vez de no exercício de 2012 não originou qualquer benefício para a Requerente. Assim, por imperativo do princípio de justiça, o montante de € 42.450,18 deve ser efetivamente considerado no exercício de 2014, primeiro exercício em que se apurou lucro tributável.

(ii) Custo das mercadorias vendidas – verba € 59.300,00: esta verba integra-se na fatura n.º 165/08, no valor de € 114.000,00, referente a trabalhos de construção civil para beneficiação do imóvel sito na ..., n.º..., em Lisboa. A AT considerou que a referida fatura foi indevidamente emitida à Requerente, sendo apenas de considerar como custo da sociedade a quantia de € 54.700,00 e não a totalidade dos € 114.000,00, por parte dos custos se referirem a obras realizadas no domicílio do sócio gerente e não na sede da sociedade. A fatura em causa titula um pagamento realizado no âmbito de um contrato celebrado entre a Requerente e a sociedade B..., Lda., respeitante a um contrato de empreitada celebrado por imposição contratual estabelecida num contrato de cedência de utilização temporária de espaço celebrado no dia 31 de Agosto de 2008, entre a Requerente e C..., atualmente sócio da Requerente mas que, à data dos factos, ainda não o era. Com efeito, a Requerente adquiriu o direito a utilizar o espaço pela realização de obras no imóvel sito na  ... n.ºs ... e ..., em Lisboa, até ao valor de € 150.000,00; o custo suportado pela Requerente não se refere pois a obras realizadas na sede da sociedade mas à contraprestação no âmbito do referido contrato, contraprestação essa de cariz não pecuniário, correspondente à realização de um serviço e não ao pagamento de um preço em dinheiro, totalmente possível no âmbito do princípio da autonomia privada, nos termos do artigo 405.º do CC. Assim, a Requerente propugna que o valor de € 59.300,00 deve ser considerado como custo no exercício de 2014 por corresponder a uma contrapartida pela utilização temporária de um espaço, no âmbito da atividade desenvolvida pela Requerente, a que ficou obrigada a realizar no ano de 2014, por força do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., no processo .../10...T....

(iii) Custo das mercadorias vendidas – verba e 230.000,00: relativamente a esta verba, a AT considera que apenas será de relevar para o exercício de 2014 o montante de € 28.125,00, por corresponder ao valor do terreno de imóveis vendidos no ano de 2013, sendo que a restante quantia de € 201.875,00, referindo-se ao custo do terreno de imóveis vendidos em 2012, deve ser desconsiderada no exercício de 2014, por não corresponder ao período de exercício. A inclusão do custo no exercício de 2014 em vez de nos exercícios anteriores resultou de um mero erro contabilístico (tendo sido apenas indicado o valor dos edifícios e não do terreno) e não originou qualquer benefício para a Requerente; aliás, prejudicou a Requerente pois, caso tivesse reconhecido esse custo no ano correto, não teria pago IRC no ano de 2012 e teria beneficiado de um prejuízo fiscal maior em 2013 e em 2014. Ademais, a AT não demonstrou a conduta voluntária e intencional da Requerente, nem a intenção da transferência de resultados entre exercícios relativamente a esta verba. Assim, por imperativo do princípio de justiça, o montante de € 201.875,00 (duzentos e um mil oitocentos e setenta e cinco euros) deve ser efetivamente considerado no exercício de 2014.

No concernente às correções à matéria coletável de 2015 – verba € 144.550,78 –, a Requerente alega que a mencionada verba diz respeito a depreciações acumuladas existentes em 1 de Janeiro de 2015, referentes a imóveis adquiridos entre 2007 e 2010 e alineados entre os anos de 2008 e 2012, sendo que a AT não procedeu a qualquer alteração aos exercícios em análise, considerando as depreciações declaradas em 2015 pela Requerente, mesmo referentes a uma componente positiva do lucro tributável imputável aos períodos de tributação de 2008 a 2012. Desta forma, contrariamente ao que sucedeu relativamente às verbas de € 42.450,18 e de € 230.000,00, a AT vem agora considerar depreciações referentes a períodos não correspondentes ao exercício de 2015, em suposta violação do disposto no artigo 18.º do CIRC e do princípio da periodização do lucro tributável; ou seja, a AT adota dois pesos e duas medidas, consoante lhe seja ou não benéfico. A Requerente alega que se não se considerarem os custos referentes a exercícios anteriores, igualmente não se podem considerar as depreciações; se se considerarem as depreciações, inevitavelmente se terá de considerar os custos.

                Por fim, quanto a outros gastos e perdas, registados na conta 69151, atinentes ao ano de 2014, a Requerente afirma que a AT considerou que o montante de € 31.658,38 não pode ser reconhecido como gasto, em cumprimento do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, em vigor em 2014. No entanto, aquela norma legal impede que seja deduzido como gasto o valor respeitante a juros compensatórios ou moratórios devidos pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenha origem contratual; ora, no caso concreto, os juros de mora devidos à B..., Lda. no âmbito do processo n.º .../10...T... têm natureza contratual uma vez que resultam do não cumprimento do contrato de empreitada celebrado entre essa sociedade e a Requerente, pelo que o sobredito valor deve ser reconhecido como custo no exercício de 2014.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 31 de janeiro de 2019.

               

4. No dia 11 de março de 2019, a AT apresentou o requerimento que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual informa que «ao abrigo do art. 13.º do RJAT procedeu à revogação parcial do acto impugnado referente a IRC de 2014 (liquidação n.º 2017...), por despacho de 27/02/2019 da Sra. Subdiretora-Geral, por delegação, na parte referente à correção efectuada no montante de € 31.658,38 respeitante a juros de mora».

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 15 de março de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

6. Em 26 de março de 2019, a Requerente veio pronunciar-se quanto ao sobredito requerimento apresentado pela AT, tendo afirmado «que mantém o seu interesse no prosseguimento do (…) [processo] quanto às restantes correcções fiscais efectuadas nos períodos de tributação de 2014 e 2015».  

 

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 4 de abril de 2019.

 

8. No dia 20 de maio de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por exceção e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência das invocadas exceções e, no mais, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

9. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:   

                A Requerida começa por dizer que, apesar de o pedido de reclamação graciosa e a respetiva decisão da AT apenas referirem as liquidações de IRC atinentes aos exercícios de 2014 e de 2015, verifica-se que a Requerente também reclamou graciosamente contra uma correção efetuada em sede de IRC de 2013, mais concretamente a correção no montante de € 42.450,18, a qual é também impugnada na presente instância arbitral. 

                A Requerida, em sede de defesa por exceção, alegou o seguinte:

                A AT procedeu à revogação parcial do ato impugnado referente a IRC de 2014, na parte referente à correção efetuada no montante de e 31.658,38, respeitante a juros de mora, conforme foi comunicado ao CAAD, ao abrigo do artigo 13.º do RJAT, devendo nesta parte ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

                No respeitante ao montante de € 144.550,78, referente ao IRC de 2015, verifica-se pela leitura do Relatório de Inspeção Tributária que o mesmo não foi objeto de qualquer correção pela AT, devendo, nesta parte, ser julgada extinta a instância por falta de objeto.

Por impugnação, a Requerida começou por dizer que não aceita que não tenha cumprido com os requisitos legais de fundamentação das liquidações impugnadas. Concretamente, a AT discorda da posição da Requerente quanto à fundamentação emitida no âmbito da reclamação graciosa, uma vez que a mesma é um conceito adaptável que varia em função do tipo legal do ato exigindo-se, apenas, que perante o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido.

No caso concreto, as liquidações adicionais de IRC tiveram por base o procedimento de inspeção efetuado à Requerente no âmbito do qual foram efetuadas correções meramente aritméticas à matéria coletável; sendo que o RIT demonstra o caminho percorrido pela AT para atingir os montantes corrigidos, correções estas fruto das diversas irregularidades e omissões constantes na contabilidade, que não foram justificadas ou cuja justificação apresentada carecia de acolhimento legal como se pode comprovar através da leitura do RIT.

Assim, contrariamente ao que alega a Requerente, não se verifica qualquer vício de fundamentação referente à liquidação pois do teor do relatório final da inspeção resulta de forma clara, expressa e congruente quais as razões de facto e de direito que serviram de fundamento às correções controvertidas. No que respeita à reclamação graciosa, e contrariamente ao aduzido pela Requerente, AT pronunciou-se sobre as correções fiscais em litígio conforme resulta da leitura da informação que suportou a decisão da reclamação graciosa, a que acresce o facto de a Requerente não ter apresentado nem factos nem documentos novos suscetíveis de uma apreciação diferente da que já tinha sido levada a efeito no âmbito do procedimento de inspeção.

Ademais, ainda que se entenda que a decisão da reclamação graciosa está ferida de alguma insuficiência na sua fundamentação, sempre se dirá que uma eventual fragilidade na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa não é minimamente suscetível de anular as liquidações adicionais em apreço, na parte ora controvertida, uma vez que será sempre posterior aos atos de liquidação não sendo, por conseguinte, suscetível de afetar a sua validade.

No referente à correção no montante de € 42.450,18, respeitante ao exercício fiscal de 2013, a AT entende que não pode a pretensão da Requerente proceder uma vez que o imóvel em causa foi adquirido em 2009 e vendido em 2012. Ao abrigo do artigo 18.º do CIRC, a importância de € 42.450,18 foi retirada do CMV do período de 2013, pelo facto de se tratar de um imóvel não vendido em 2013 e por respeitar a 2012; ou seja, a Requerente não deu cumprimento ao princípio contabilístico da periodização económica, uma vez que o reconhecimento dos efeitos da transação em causa apenas podia ter sido efetuado em 2012 e não em 2013. Acresce que de acordo com a repartição do ónus da prova, consignado no artigo 74.º da LGT, cabia à Requerente demonstrar, comprovadamente, para os efeitos que invoca, que o montante em causa fosse imprevisível ou manifestamente desconhecido em 2012, o que não fez.

Quanto à correção atinente ao IRC de 2014 – verba € 59.300,00 –, a Requerida alega que, por acórdão do Tribunal da Relação de ..., proferido no âmbito do processo nº .../10...T..., notificado em 2014-02-05, a Requerente, no período de 2014, procedeu ao pagamento de €106.467,00, à sociedade de construções B..., Lda.; aquele litígio tem por objeto duas faturas, no montante total de € 186.000,00, emitidas pela B..., Lda. à Requerente, atinentes a trabalhos de construção civil de beneficiação de dois imóveis localizados em Lisboa (..., ...) e no Porto (Rua ..., ...), não tendo sido pagas pela Requerente, no período em que foram emitidas, por alegadamente os trabalhos nelas constantes não terem sido realizados. No entanto, o tribunal considerou provado que parte dos mesmos foram efetuados, condenando a Requerente a pagar a quantia de € 138.125,38 correspondente a faturação no montante € 106.467,00 e € 31.658,38 referentes a juros de mora; a Requerente integrou o montante de € 106.467,00 no CMV do período de 2014. Acontece que foi afastado do apuramento do CMV do período de 2014 o pagamento parcial de uma das referidas faturas, no montante de € 59.300,00, por a mesma não reunir os requisitos de dedutibilidade fiscal, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC; porquanto, tendo em conta que as obras foram realizadas no domicílio fiscal do proprietário do imóvel e atual sócio gerente da Requerente, a fatura sob contestação deveria ter sido emitida em seu nome, não podendo a Requerente vir justificar as obras realizadas como uma contraprestação "não pecuniária " pelo contrato de cedência de utilização temporária do espaço.

No tocante à correção referente ao IRC de 2014 – verba € 230.000,00 (€ 201.875,00) –, a Requerida refere que a correção em causa foi efetuada após análise aos custos imputados a um determinado imóvel vendido no período de 2014, tendo sido detetado que a contabilização dos custos daquele imóvel incorporava, indevidamente, o montante de € 230.000,00, respeitante ao valor dos terrenos de outros imóveis. Deste modo, a importância de € 230.000,00 foi afastada do CMV do período de 2014, por não respeitar nem ao dito imóvel nem a qualquer outro imóvel alienado nesse período de tributação. Por outro lado, o montante de € 28.125,00 foi reconhecido como gasto no período de 2013 por se referir ao custo do terreno imputado a imóveis alienados nesse período. 

Por último, no concernente ao peticionado a título de juros indemnizatórios por pagamento indevido de imposto, será forçoso concluir pela inexistência de erro quanto aos factos imputável à AT e, consequentemente, pela inexistência de qualquer direito a juros indemnizatórios consignado no artigo 43.º da LGT.

                 

10. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se sobre as exceções invocadas pela Requerida, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo concordado com a alegada inutilidade superveniente da lide e pugnado pela improcedência da exceção de falta de objeto processual.

 

11. Por despacho de 5 de julho de 2019, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

12. No dia 24 de setembro de 2019, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, prorrogado o prazo para a prolação da decisão arbitral por 2 (dois) meses, a contar do termo do prazo estatuído no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, daí resultando a fixação do dia 29 de novembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.

 

13. Em 10 de outubro de 2019, a Requerente apresentou o requerimento que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual requereu a «rectificação e alteração do pedido arbitral».

 

14. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas no pedido de pronúncia arbitral, sendo que a AT pronunciou-se ainda quanto ao aludido requerimento de «rectificação e alteração do pedido arbitral» apresentado pela Requerente.    

***

II. SANEAMENTO

15. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

A Requerente, como acima foi dito, requereu a “Rectificação e Alteração do Perdido Arbitral”, sendo que para a apreciação e decisão desta questão afigura-se necessária a prévia fixação da matéria de facto.

 

§1. DA COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

16. O âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (cf. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, alínea a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

17. Dito isto. A Requerente, no artigo 2.º do PPA, afirma que «pretende que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento identificada no artigo anterior [decisão de indeferimento da reclamação graciosa], com fundamento em violação do dever de fundamentação e erro na apreciação dos factos e na aplicação do Direito ao caso concreto»; posteriormente, nos artigos 21 a 46 do PPA, a Requerente discorre sobre o alegado vício de falta de fundamentação que imputa à decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa. 

 

O artigo 2.º do RJAT delimita o âmbito material da arbitragem tributária fixando, nas duas alíneas do n.º 1, o conjunto de questões que podem ser submetidas a apreciação nos tribunais arbitrais: a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a)) e a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (alínea b)).  

 

No caso concreto, importa centrarmos a nossa atenção na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, da qual resulta que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; temos assim que o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Acontece que, como é consabido, os contribuintes podem impugnar administrativamente, por meio de reclamação graciosa os atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos do disposto nos artigos 68.º e seguintes e 131.º a 133.º do CPPT; em caso de indeferimento ou da formação de indeferimento tácito, pode ser ainda apresentado recurso hierárquico, nos termos dos artigos 66.º, 67.º e 76.º do CPPT. A par desses meios graciosos ao dispor dos contribuintes encontra-se ainda o pedido de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT.

 

Como também é consabido, as liquidações, autoliquidações, retenções na fonte e pagamentos por conta são denominados atos de primeiro grau, sendo que os atos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão de ato tributário são denominados atos de segundo e terceiro graus na medida em que comportam, ou poderão comportar, a apreciação da legalidade dos atos de primeiro grau.

 

Para além dos atos de primeiro grau, também os atos de segundo e terceiro graus poderão ser arbitráveis, na medida em que comportem – e apenas nessa medida – eles próprios a (i)legalidade dos atos de primeiro grau em causa. Como refere Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, Coord. Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 109 e 110), estão incluídos na competência dos tribunais arbitrais os “atos de segundo ou de terceiro grau [que] conhecerem efetivamente da legalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento e não também quando aqueles atos se abstiverem desse conhecimento, por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (…). Com efeito, nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação”.     

 

Voltando ao caso concreto, deparamo-nos com uma situação em que a Requerente, notificada das liquidações adicionais de IRC controvertidas, reclamou graciosamente por entender ter havido erro na apreciação dos factos e na respetiva subsunção normativa. A AT indeferiu a reclamação graciosa, sem que, na perspetiva da Requerente, tenha fundamentado o ato de indeferimento. Neste enquadramento, temos então a coexistência, por um lado, de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, dos atos de liquidação e, por outro lado, de um vício de falta de fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa. O primeiro vício é arbitrável, o segundo vício não o é; ou seja, a Requerente pode recorrer, como fez, à via arbitral para ver apreciada a (i)legalidade dos atos tributários controvertidos, não sendo, contudo, arbitrável a (alegada) falta de fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que terá necessariamente de ficar de fora do objeto deste processo.

 

Nesta conformidade, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para conhecer da (alegada) falta de fundamentação do ato de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, o que importa a absolvição da instância, nessa parte, da Requerida (cf. artigo 99.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), não ficando pois prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Requerente.

 

§2. DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO

18. A AT, como foi dito, defendeu-se por exceção, tendo invocado a inutilidade superveniente da lide – em virtude da revogação parcial da liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2014, na parte atinente à correção no montante de € 31.658,38 – e a falta de objeto processual – quanto ao montante de € 144.550,78, referente a IRC do ano de 2015, por a mesma não ter sido objeto de qualquer correção –, o que passaremos seguidamente a apreciar.

 

§2.1. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

19. Como acima se deu conta, por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 27 de Fevereiro de 2019, por delegação, foi parcialmente revogado o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, na parte relativa à correção efetuada no montante de € 31.658,38 respeitante a juros de mora.

 

O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

Volvendo ao caso concreto, temos que o referenciado ato de liquidação adicional de IRC do ano de 2014 foi objeto de revogação (anulatória, em conformidade com o disposto no artigo 165.º, n.º 2, do CPA) parcial, nos termos acima enunciados. Nessa medida, a pretensão formulada pela Requerente, quanto à declaração de ilegalidade e anulação do mencionado ato de liquidação, ficou parcialmente prejudicada por aquela atuação administrativa, concretamente na parte relativa à correção efetuada no montante de € 31.658,38, respeitante a juros de mora; consequentemente, a instância atinente à apreciação da legalidade daquela liquidação fica parcialmente extinta por inutilidade superveniente da lide, por terem sido parcialmente eliminados os seus efeitos pela referenciada revogação anulatória parcial.

 

20. Nestes termos, julga-se verificada a inutilidade superveniente da lide no concernente ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, na parte relativa à correção efetuada no montante de € 31.658,38 respeitante a juros de mora., o que implica a extinção, nessa parte, da respetiva instância (cf. artigo 277.º, alínea e), do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

§2.2. DA FALTA DE OBJETO PROCESSUAL

21. Como acima se deu conta, a Requerida afirma que no respeitante ao montante de € 144.550,78, referente a IRC do ano de 2015, verifica-se pela leitura do Relatório de Inspeção Tributária que o mesmo não foi objeto de qualquer correção pela AT, devendo, nesta parte, ser julgada extinta a instância por falta de objeto.

 

A Requerente pronunciou-se a este propósito dizendo o seguinte que aqui importa salientar:

«12. No artigo 94.º [do PPA], a Requerente reconhece que “A ATA não procedeu a qualquer alteração aos exercícios em análise, considerando as depreciações declaradas em 2015 pela Requerente, mesmo referentes a uma componente positiva do lucro tributável imputável aos períodos de tributação de 2008 a 2012”.

13. Portanto, está claro que o objecto da Impugnação da Requerente não está relacionado com supostas correcções realizadas pela ATA quanto a esta verba, ao contrário do que parece entender a ATA.

14. O que acontece, na verdade, é que a Requerente chama a atenção para a forma como a ATA analisou e reagiu relativamente às verbas de € 42.450,18 e de € 230.000, comparando com a decisão tomada relativamente à verba € 144.550,78.

15. Se considera as depreciações relativamente à referida verba, a ATA não pode deixar de considerar os custos invocados pela Requerente, sob pena de violação dos princípios da justiça e da igualdade tributárias.

16. Se, pelo contrário, não considera os custos, impõe-se à ATA que aplique o artigo 18.º do CIRC em conformidade, não considerando as depreciações.

(…)

18. Trata-se de aplicação da lei ao caso concreto e, por conseguinte, de matéria de Direito.

19. Assim, apenas se pode concluir que não se verifica qualquer falta de objecto processual.»

 

Visto o que a Requerente alega nos artigos 93 a 100 do PPA – onde se detém sobre as correções à matéria coletável de IRC do ano de 2015 e, mais concretamente, sobre a verba de € 144.550,78, respeitante a depreciações acumuladas existentes em 1 de janeiro de 2015, referentes a imóveis adquiridos entre 2007 e 2010 e alienados entre os anos de 2008 e 2012 –, afigura-se-nos que, efetivamente, o cerne da posição da Requerente quanto a este aspeto concreto não radica em qualquer correção que tenha sido feita pela AT, mas sim na sua discordância – nos termos acima enunciados – quanto à consideração da dita verba para efeitos de cálculo da matéria coletável de IRC do ano de 2015, o que poderá ter consequências quanto à (i)legalidade da controvertida liquidação adicional de IRC do ano de 2015.

 

Deste modo, improcede pois a invocada exceção da falta de objeto processual.

*

22. Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra agora conhecer.  

***

                III. FUNDAMENTAÇÃO

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

23. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto: investimentos imobiliários; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária e arrendamento de imóveis. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

b) No período compreendido entre a data da sua constituição (01.02.2007) e 15.05.2010, a Requerente era uma sociedade comercial unipessoal por quotas, tendo como único sócio e gerente D..., sendo que, a partir de 16.05.2010, a Requerente passou a ter também como sócio C... que, a partir de 04.06.2010, assumiu as funções de gerente da Requerente. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]     

c) No período compreendido entre a data da sua constituição (01.02.2007) e 04.06.2010, a Requerente teve a sua sede social na Rua ..., n.ºs..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, a qual foi alterada, naquela última data, para a ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]  

d) No período referido no facto provado anterior (01.02.2007 a 04.06.2010), a Requerente era titular dos contratos de abastecimento de luz e água ao prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa, e recebia nesta morada diversa correspondência (designadamente extratos bancários e contas de telecomunicações), sendo ainda que, naquele mesmo período, a Requerente figurou em diversas liquidações de IMT com morada na ..., n.º..., em Lisboa. [cf. PA]    

e) O imóvel sito na ..., n.ºs ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, foi adquirido por C..., em 10.02.2007, que tem ali (concretamente no n.º 6) o seu domicílio fiscal desde 20.03.2013. [cf. PA]     

f) Em 31 de agosto de 2008, foi celebrado um denominado “Contrato de Cedência de Utilização Temporária de Espaço” entre C..., residente na ..., n.º..., em Lisboa (designado “Primeiro Contratante”), e a Requerente (designada “Segunda Contratante”), o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido, importando respigar os seguintes segmentos [cf. PA]:  

“Cláusula Primeira

Pelo presente Contrato e pelo prazo de 10 (dez) anos, com início a 1 de Setembro de 2008 e termos a 31 de Agosto de 2018, o PRIMEIRO CONTRATANTE cede à SEGUNDA CONTRATANTE, a utilização parcial do prédio urbano sito na ..., n.ºs..., ... e ..., em Lisboa, (…).

Cláusula Segunda

(…)

2. A presente cedência parcial destina-se exclusivamente à instalação dos escritórios, sede social e desenvolvimento de negócio da SEGUNDA OUTORGANTE, não podendo ser-lhe dado outro uso, no todo ou em parte, sem autorização escrita do PRIMEIRO CONTRATANTE.

  Cláusula Terceira

(…)

2. Como contrapartida da presente cedência de utilização, a SEGUNDA CONTRATANTE compromete-se a realizar e custear obras de beneficiação e recuperação do imóvel, até ao montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).”

g) Em 31 de dezembro de 2008, a empresa B..., Lda. emitiu a fatura n.º A165/08, tendo como destinatário a Requerente, com o descritivo “... ,...– Lisboa. Trabalhos de construção civil referentes à beneficiação do imóvel”, no montante total de € 114.000,00. [cf. PA] 

h) Por acórdão proferido no processo n.º .../10...T....L1 pelo Tribunal da Relação de ..., notificado à Requerente em 05.02.2014, foi esta condenada a efetuar o pagamento parcial da fatura referida no facto provado anterior, no valor de € 59.300,00, bem como a efetuar o pagamento de juros de mora, no valor de € 31.658,38, referentes àquela mesma fatura e a uma outra fatura emitida pela B..., Lda. (fatura n.º A112/09, datada de 15.09.2009, no montante total de € 72.000,00). [cf. PA]

i) A matéria coletável de IRC da Requerente, atinente ao exercício de 2012, cifrou-se no montante de € 19.892,10. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]

j) A coberto das Ordens de Serviços n.ºs OI2017..., OI2016... e OI2017..., a Requerente foi sujeita a ações inspetivas, respetivamente, aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, de carácter externo e âmbito geral. [cf. PA]

k) No âmbito desses procedimentos inspetivos, foi elaborado o respetivo projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, foram propostas as seguintes correções em sede de IRC [cf. PA]: 

«III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES ARITMÉTICAS

III.1 – Correções em sede de IRC

III.1.1 – Correções à matéria Coletável

III.1.1.1 – Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)

Através da consulta à aplicação do património disponível no sistema informático da AT e dos dados recolhidos na empresa, constata-se que nos exercícios de 2013 a 2015 a sociedade A... alienou 13 imóveis identificados no Quadro 6.

 

 

O Quadro 6 identifica os imóveis vendidos em cada um dos anos de 2013, 2014 e 2015, indica o respetivo ano de aquisição, o valor do contrato relativo à compra e à venda, obtidos dos documentos extraídos da aplicação do património que constam nas páginas 21 a 40 do Anexo.

O artigo 18.º do Código do IRC, estabelece que:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica."

"2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”

Deste modo, para cumprimento da referida norma, foi efetuada uma análise às rúbricas 7111 - Vendas e 6111 - Custo das Mercadorias Vendidas e outros gastos associados às Vendas.

Na rúbrica Custo das Mercadorias Vendidas, conta 6111 cujos extratos constam nas páginas 47 a 49 do Anexo, constata-se que nos anos em análise, foi reconhecido como gastos o montante de 2.485.949,44€, assim discriminado por anos.

 

 

O Quadro 7 contém informação sobre os registos contabilísticos efetuados na conta 6111 em cada um dos anos (data, no do documento e valor) e a conta movimentada em contrapartida, o que permite conhecer a proveniência dos montantes registados na conta 6111, ou seja a que imóvel foram imputados, conforme se constata nos extratos que constam nas páginas 47 a 49 do Anexo.

Da análise dos Quadros 6 e 7, relativamente a alguns imóveis, conforme adiante se descreve e fundamenta, não foi cumprido o referido art. 18.º do CIRC, ou seja, os custos dos imóveis não foram imputados ao ano em que ocorreu a respetiva venda ou foram imputados custos a determinado imóvel que não dizem respeito a esse imóvel.

Assim no Quadro 8 resumem-se as correções a efetuar ao Custo da Mercadoria Vendida em cada um dos anos, tendo por base as Vendas e o Custo da Mercadoria Vendida reconhecidos em cada ano, sendo de -60.700,72€ no exercício de 2013, 583.776,47€ em 2014 e 181.467,62€ no exercício de 2015 as quais se fundamentam nas páginas seguintes.

 

Ano 2013

Conforme consta nos Quadros 6A e 7A infra, extraídos dos Quadros 6 e 7, no ano de 2013 os montantes declarados na rúbrica Vendas e na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida foram 400.000,00€ e 308.839,31€, respetivamente.

 

Da confrontação dos Quadros 6 A e 7 A, verifica-se que no exercício de 2013:

             Verba 9.349,13€

Foi reconhecido indevidamente o custo do imóvel designado "...", no montante de 9.349,13€, dado que não foi vendida no exercício de 2013;

             Verba 42.450,18€

Foi reconhecido indevidamente o custo do imóvel designado "...", no montante de 42.450, 18€, dado que este montante respeita ao custo de aquisição do imóvel descrito na matriz sob o artigo ... freguesia ..., adquirido em 2009 e vendido no exercício de 2012, conforme documentos extraídos da aplicação do Património que constam nas págs. 29 e 41 do Anexo.

Assim, trata-se de um gasto do exercício de 2012, pelo que será desreconhecido no exercício de 2013.

             Verbas 84.175,00€ e 28.125,00€

Conforme se constata através do Quadro 7A, no exercício de 2013 não foi reconhecido como gasto o custo de 112.500,00€ referente ao valor de aquisição das Frações E e F do imóvel sito na Rua ..., vendidas nesse exercício.

Conforme se descreveu na fundamentação das correções ao Custo da Mercadoria Vendida relativo ao ano de 2014, para a qual se remete, o valor do terreno dessas frações no montante de 28.125,00€ foi reconhecido no exercício de 2014.

Também no exercício de 2014, foi reconhecido como custo do Imóvel sito na Rua ... um montante de 104.205,59€, o qual não foi demonstrado que diga respeito a esse imóvel, pelo que se reconhece que parte deste montante diga respeito ao custo das frações E e F.

O valor de aquisição das frações E e F é de 112.500,00€ conforme consta nas linhas 1 e 2 do Quadro 6 A, pelo que o montante a reconhecer como gasto no exercício de 2013, ano em que ocorreu a venda, é de 112.500,00€, sendo 84.175,00€ o valor do edifício e 28.125,00€ o valor do terreno, dado que não foi demonstrado que o custo daquelas frações é de 104.205,59€ acrescido do valor do terreno de 28.125,00€.

 

Ano 2014

Conforme consta nos Quadros 6 B e 7 B infra, extraídos dos Quadros 6 e 7, no ano de 2014 os montantes declarados na rúbrica Vendas e na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida, foram 2.741.200,00€ e 1.833.294,50€, respetivamente.

 

Da confrontação dos Quadros 6 B e 7 B, verifica-se que no exercício de 2014:

             Verba 84.589,12€

Não foi reconhecido o gasto relativo ao valor de aquisição das sete frações do imóvel sito na Rua ..., ..., vendidas no exercício de 2014, no montante 84.589, 12€ tendo sido reconhecido indevidamente no ano de 2015.

             Verba 59.300,00€

O montante de 106.467,00€ indicado na linha 1 do Quadro 7B não respeita a nenhum dos imóveis vendidos no exercício de 2014.

Trata-se de um montante que a sociedade A... foi condenada a pagar à sociedade de Construções B..., Lda, NIF..., por sentença notificada em 05-02-2014 no processo no .../10...T... do Tribunal da Relação de ... (págs. 51 a 56 do Anexo).

Em resumo:

  A sociedade B... emitiu à sociedade A... as faturas indicadas no Quadro 9 as quais constam nas páginas 57 e 58 do Anexo).

 

Segundo informações prestadas pelo sócio gerente, aquelas faturas não tinham sido pagas pela A..., invocando que os trabalhos faturados não tinham sido realizados.

O tribunal considerou provado que parte dos trabalhos foram realizados e condenou a A... a pagar o montante de 138.125,38€ sendo 106.467,00€ relativo às faturas e 31.658,38€ relativo a juros de mora.

Relativamente ao imóvel sito na ..., n.º ... - Lisboa, corresponde ao artigo matricial ...-... (anterior ...-...), cuja localização é ..., n.ºs ... e ... – Lisboa (conforme documento que consta na página 61 do Anexo).

Aquele imóvel é propriedade do sócio gerente da sociedade A..., Sr.C..., NIF ... e foi adquirido em 10-07-2007, sendo:

O n.º..., o domicílio fiscal da sociedade desde 15-07-2010.

Entre 01-02-2007 e 14-07-2010 o domicílio fiscal foi na Rua ..., n.ºs ... e...— Lisboa (págs. 63 a 68 do Anexo).

O n.º 6, o domicílio fiscal do sócio gerente desde 20-03-2013 (págs. 69 e 70 do Anexo).

Refere-se ainda que a morada da sociedade que consta nas faturas emitidas em 31-12-2008 e 15-09-2009 pela sociedade B..., identificadas no Quadro 8, é o domicílio fiscal à data, Rua ..., n.º.../... – Lisboa (págs. 57 e 58 do Anexo).

Face ao exposto o n.º ... da ..., nunca foi o domicílio fiscal da A... .

De tudo o que foi exposto, pode concluir-se que a fatura n.º A 165/08 de 114.000,00€ relativa aos trabalhos de construção civil referentes a beneficiação do imóvel sito na ..., ...— Lisboa, foi indevidamente emitida à sociedade A..., devia ter sido emitida ao sócio gerente.

Assim o montante de 59.300,00€ (parte da fatura de 114.000,00€) que foi reconhecido como gasto na sociedade A... na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida, não é dedutível para efeitos fiscais ao abrigo do n.º 1 do art. 23.º do CIRC o qual estabelece que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

             Verba 297.360,00€

Foi reconhecido em 2014 como Custo da Mercadoria Vendida na conta 6111, o montante de 297.360,00€, referente ao imóvel sito na ..., ... (...-...).

Esta fração foi vendida no exercício de 2015 (ver linha 13 do Quadro 6) e no exercício de 2015 foi também reconhecido como gasto no montante de 295.000,00€, pelo que o custo daquela fração foi reconhecido nos exercícios de 2014 e 2015, conforme se verifica através do Quadro 7 linhas 6 e 9 e nos extratos dos anos de 2014 e 2015 da conta 61 11, que constam nas páginas 48 e 49 do Anexo.

Assim o montante de 297.360,00€, será desreconhecido como gasto no ano de 2014.

             Verbas 104.205,59€ e 230.00,00€

Relativamente ao Imóvel sito da Rua ..., vendido no exercício de 2014, foi adquirido em 2009 por 1.063.561,91€, tendo sido reconhecido como gasto o montante de 1.429.467,50€, verificando-se um diferencial de 365.905,59€ (1.429.467,50€ - 1.063.561,91€).

De acordo com os esclarecimentos prestados pelo sócio gerente C... e pelo contabilista certificado E... o, aquele diferencial respeita a obras de reparação e remodelação daquele imóvel.

Em 21-03-2017 a sociedade foi notificada para:

- Apresentar a(s) licença(s) camarária(s) referentes às obras realizadas naquele imóvel;

- Apresentar as faturas relativas àquelas obras e os correspondentes orçamentos;

- Fazer prova de que as faturas foram registadas na contabilidade e de que os encargos nelas debitados não foram reconhecidos como gastos em anos anteriores a 2014.

(Ponto 1.1 da notificação que consta na página 72 do Anexo).

Em resposta, foram apresentados os seguintes elementos:

- Alvará de Obras no .../EO/2014, datado de 04-07-2014 (págs. 77 e 78 do Anexo);

- Faturas e 1 Nota de Crédito no total de 182.518,09€ que constam nas páginas 79 a 115 do Anexo as quais estão identificadas no documento que consta na página 75 do Anexo.

Não foram apresentadas as provas solicitadas.

Da análise aos elementos apresentados constata-se que:

- Todas as faturas têm data anterior à emissão do Alvará de Obras;

- Nenhuma das faturas indica como local da obra o imóvel sito na Rua  ...- Parte das faturas indica o no do contrato ou orçamento, mas nenhum foi apresentado, tendo referido na resposta que “a empresa não opera com orçamentos para as obras que realizava”;

- No Alvará de Obras consta que o empreiteiro da obra é a sociedade F...;

- Apenas uma fatura e a correspondente nota de crédito foram emitidas pelo empreiteiro F..., datadas de 13-11-2013 e 18-12-2013 no montante de 31.700,00€ (117.400,00€ - 85.700,00€);

Face ao exposto, não se considera demonstrado que as faturas apresentadas digam respeito ao imóvel da Rua ..., pelo que foi solicitada abertura de Despacho e posteriormente Ordem de Serviço para o ano de 2013, para verificação e comprovação dos valores imputados ao imóvel em causa.

Da análise dos extratos de conta do ano de 2013, que constam na página 47, foi possível discriminar por contas o valor imputado ao imóvel da Rua ..., os saldos em 01-01-2013 (31-12-2012), os movimentos no ano de 2013 e os saldos em 31-12-2013, os quais se resumem no Quadro 10.

                (…)

Através do Quadro 10, verifica-se que o montante de 1.429,467,50€ imputado ao custo do imóvel da Rua ... corresponde ao somatório de quatro parcelas:

1             – 1.063.561,91€

2             – 230.000,00€

3             – 104.205,59€

4             – 31.700,00€

¬¬¬____________

1.429.467,50€

A parcela 1 no montante de 1.063.561,91€ contido no saldo de 01-01-2013 das contas 32100003 – Rua ... e 4321101 – Edifícios e Outras Construções, refere-se ao valor da aquisição do imóvel (pág. 29 do Anexo).

A parcela 2 de 230.000,00, refere o contabilista via mail de 31-05-2017 que consta na página 117 do Anexo, que se refere ao valor dos terrenos dos imóveis identificados no Quadro 10 A representando 25% do valor de aquisição dos imóveis:

 

Os imóveis identificados foram vendidos no ano de 2012, à exceção das frações E e F da Rua ..., que foram vendidas no ano de 2013, conforme se verifica no Quadro 6, linhas 1 e 2, sendo o valor do terreno de 28.125,00 [(37.500,00 + 75.000,00) x 25%].

Deste modo o montante de 230.000,00€ não diz respeito ao Custo do Imóvel sito na Rua ..., pelo que será desreconhecido no exercício de 2014.

Será reconhecido como gasto no exercício de 2013 o montante de 28.125,00€ relativo ao custo do terreno imputado às frações E e F.

Relativamente à parcela 3 no montante de 104.205,59€, a sociedade não demonstrou através dos elementos apresentados em resposta à notificação que aquele montante diga respeito ao imóvel sito na Rua ... .

Assim o montante de 104.205,59€ será desreconhecido como gasto no exercício de 2014.

Conforme foi referido na fundamentação das correções ao Custo da Mercadoria Vendida relativo ao ano de 2013, naquele exercício foram vendidas as frações E e F da Rua ..., não tendo sido reconhecido como gasto o valor de aquisição dessas frações no montante de 112.500,00€, pelo que se reconhece que parte do montante de 104.205,59€, diga respeito ao custo daquelas frações vendidas no ano de 2013.

Relativamente à parcela 4 no montante de 31.700,00€ corresponde ao valor da fatura e da nota de crédito emitidas no exercício de 2013 pela sociedade F... (empreiteiro da obra indicado no Alvará de Obras relativo ao processo do imóvel da Rua ...).

Considera-se que esta parcela respeita a obras realizadas no imóvel da Rua ..., apesar de não indicarem a obra a que respeita, dado que foram emitidas pelo empreiteiro da obra indicado no Alvará daquele imóvel, a sociedade F...(pág. 78 do Anexo).

             Verba 22.500,00€

Foi reconhecido como gasto no exercício de 2015 na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida, conta 6111, o montante de 25.000,00€ (doc. 51/10001) que respeita a obras realizadas no imóvel sito na Rua ..., ..., ... e ...(pág. 121 do Anexo).

Conforme consta no Quadro 6, relativamente àquele imóvel foram vendidas sete frações no exercício de 2014 e uma fração no exercício de 2015, pelo que aquele montante vai ser repartido pelas frações em função da sua permilagem e imputar o correspondente gasto ao ano em que foram vendidas as frações.

Sendo 100 a permilagem da fração G vendida em 2015 (pág. 45 do Anexo), a esta fração corresponde o montante de 2.500,00€ (25.000,00x100/1000) e às sete frações vendidas no exercício de 2014, corresponde o montante de 22.500,00€ (25.000,00>(900/1000).

Assim o montante de 22.500,00€ será reconhecido como gasto no exercício de 2014 e será desreconhecido no exercício de 2015.

 

Ano 2015

Conforme consta nos Quadros 6 C e 7 C infra, extraídos dos Quadros 6 e 7, no ano de 2015 os montantes declarados na rúbrica Vendas e na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida foram 575.000,00€ e 488.366,41€, respetivamente.

 

Da confrontação dos Quadros 6 C e 7 C, verifica-se que no exercício de 2015:

             Verbas 84.589,12€ e 22.500,00€

Foram reconhecidos como gastos os montantes de 93.987.91€ e 25.000,00€ (doc. 51/10001) que respeitam respetivamente ao custo de aquisição do imóvel sito na Rua ..., ..., ... e ... e a obras realizadas nesse imóvel (págs. 29 e 121 do Anexo).

Conforme consta no Quadro 6, relativamente àquele imóvel foram vendidas sete frações no exercício de 2014 e uma fração no exercício de 2015, pelo que os montantes de 25.000,00€ e 93.987.91€ vão ser repartidos pelas frações em função da sua permilagem e imputar o correspondente gasto ao ano em que foram vendidas as frações.

Sendo 100 a permilagem da fração G vendida em 2015 (pág. 45 do Anexo), a esta fração e às sete frações A a F e H, correspondem os seguintes montantes:

 

 

Assim os montantes de 84.589,12€ e 22.500,00€ serão desreconhecidos como gasto no exercício de 2015 e serão reconhecidos como gasto no exercício de 2014.

             Verba 74.378,50€

Foi reconhecido como gasto o montante de 74.378,50€, tendo sido movimentada a crédito a conta 278110099 — Valores a regularizar. O documento de suporte (doc. 63/100001) não foi apresentado, pelo que se desconhece a que respeita aquele gasto.

Não estando aquele gasto comprovado documentalmente, não é dedutível para efeitos fiscais nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC, que estabelece que, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

             Verba 144.550,78 — Linha 10 do Quadro 7

A conta 43812 - Depreciações Acumuladas, apresenta em 01-01-2015 um saldo de 144.550,78€, sendo 142.158,01€ relativo ao saldo de 01-01-2013 e 2.392,77€ relativo ao exercício de 2014.

No exercício de 2015 aquela conta foi saldada pela transferência do montante de 144.550,78€ para a conta 6111, pelo que o Custo da Mercadoria Vendida reconhecido como gasto no exercício de 2015 foi de 343.815,63€ (488.366,41 - 144.550,78) (pág. 123 do Anexo).

De acordo com os Mapas de Depreciações e Amortizações Modelo 32 dos anos de 2013 e 2014 agora apresentados e com a informação prestada pelo contabilista, o montante de 144.550,78€ discrimina-se da seguinte forma (págs. 117, 119 e 120 do Anexo):

 

As Depreciações Acumuladas em 01-01-2013 de 142.158,01€, de acordo com a Informação Empresarial Simplificada (IES) respeitam aos exercícios de 2007 a 2012.

Foi solicitada a apresentação dos Mapas de Depreciações e Amortizações Modelo 32 dos exercícios anteriores a 2013, conforme documento que consta da página 118 do Anexo, para confirmação dos valores inscritos nas IES e para demonstração dos cálculos dos montantes anuais de modo que permitissem confirmar se os valores constantes no Quadro 12 respeitam aos imóveis que constam nos Mapas de Amortizações de 2013, 2014 e 2015 agora preenchidos e apresentados.

Não foram apresentados os Mapas de Depreciações e Amortizações dos exercícios de 2007 a 2012.

Não basta dizer que são aqueles os montantes e aqueles imóveis é necessária a prova documental em cumprimento do art. 123.º, n.º 2, a) do CIRC o qual estabelece que na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.

Face ao exposto dada a insuficiência de prova documental, não se procede a qualquer correção aos exercícios em análise.

III.1.1.2 – Outros Gastos e Perdas

1 – Outros Gastos e Perdas a Desreconhecer

(…)

Ano 2014

             Conta 69151 -Juros de mora

O documento 63/20001 (…), registado na conta 69151 – Juros de Mora, no montante de 31.658,38€ respeita a juros de mora que a A... foi condenada a pagar em 2014 à sociedade de Construções B... no processo .../10...T... do Tribunal de Relação de ..., conforme se descreveu no capítulo III.1.1.1, para o qual se remete (página 14).

Nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC em vigor em 2014, aquele montante foi reconhecido indevidamente como gasto, dado que aquela norma estabelece que as multas, coimas e demais encargos, incluindo os juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, bem como por comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da atividade.

(…)

III.1.3 – Resumo das Correções Propostas

As correções aritméticas ao Resultado Fiscal, descritas no capítulo III, totalizam os montantes de – 35.951,12€ em 2013, 563.603,33€ em 2014 e de 199.749,90€ em 2015, conforme se resume no Quadro 15.

 

Tendo em conta as correções do Quadro 15, a Matéria Coletável Corrigida dos anos de 2014 e 2015 é de 293.815,21€ e 266.818,61€ respetivamente, conforme se determina no Quadro 16:

 

 »

 

l) Pelo ofício n.º..., datado de 08.06.2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por correio registado, a Requerente foi notificada do projeto de RIT e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez, por escrito, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]

m) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo RIT, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram apreciados os argumentos aduzidos pela Requerente, em sede de direito de audição, tendo sido mantidas as correções ao IRC da Requerente, supra referidas no facto provado k) e com a mesma fundamentação ali igualmente referenciada. [cf. PA] 

n) A Requerente foi notificada do RIT pelo ofício n.º..., datado de 13.07.2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por correio registado. [cf. PA] 

o) Posteriormente, a AT procedeu à emissão, além do mais, das seguintes liquidações [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

•             relativamente ao exercício de 2014, da liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., datada de 31.07.2017, das liquidações de juros compensatórios n.º 2017 ... e n.º 2017 ... e da correspondente demonstração de acerto de contas, datada de 04.08.2017, da qual resultou o montante total a pagar de € 81.135,42; e

•             relativamente ao exercício de 2015, da liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., datada de 31.07.2017, das liquidações de juros compensatórios n.º 2017 ... e n.º 2017 ... e da correspondente demonstração de acerto de contas, datada de 07.08.2017, da qual resultou o montante total a pagar de € 54.351,16.

p) A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário dos montantes referenciados no facto provado anterior, pelo que lhe foram instaurados os processos de execução fiscal n.º ...2017... e n.º ...2017..., visando a respetiva cobrança coerciva. [cf. PA] 

q) Em 6 de fevereiro de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos tributários mencionados no facto provado o), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a qual foi autuada sob o n.º ...2018... e correu termos na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

r) No âmbito daquele procedimento de reclamação graciosa, foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no sentido do respetivo indeferimento, com base na seguinte fundamentação [cf. PA]:

«V - ANÁLISE GLOBAL E PARECER

A empresa A... LDA, é uma sociedade por quotas, que está coletada em sede de IRC e de IVA, desde 01-02-2007, pelo exercício da atividade principal de "COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS", CAE 68100 (cf. fls. 119 em anexo).

Quanto aos factos, dir-se-á que a matéria de facto subjacente aos presentes autos encontra-se estribada no relatório de inspeção junto aos autos a fls. 87 a 113 tendo sido detalhadamente abordadas as questões, cujas conclusões aqui perfilhamos, e para o qual desde já remetemos.

Assim, nos termos do disposto no art. 153.º do CPA e art. 77.º da LGT, dão-se aqui por integralmente reproduzidas as razões de facto e de direito constantes da fundamentação do relatório de inspeção tributária, tendo em conta que "as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei", tal como prevê o n.º 1 do artigo 76.º da LCT.

Deste modo quanto às alegações da reclamante ao Ano 2014, cumpre-nos referir o seguinte

- Custo das mercadorias vendidas – 42.450,18€ – art. 18.º do CIRC

Os SIT apuraram que foi reconhecido, indevidamente, em 2014, o custo do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... freguesia ..., adquirido em 2009 e vendido em 2012.

Efetivamente, o custo do imóvel em questão foi reconhecido em 2014 sendo que a venda dos imóveis ocorreu em períodos anteriores como é confirmado pelo próprio reclamante, o que viola o regime contabilístico do acréscimo ou periodização económica, que estabelece no art. 18.º do CIRC "os rendimentos e os gastos (...) são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento (...)".

Refere também o Ofício-Circulado n.º 14/93, de 23/11: "2.Assim, e competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria colectável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18.º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização".

Ora, do que se infere da lei quanto à especialização dos exercícios, não está subjacente qualquer benefício para o SP, pelo que a AT não tem que fazer qualquer prova desse facto.

Deste modo, foi corrigido o valor de 42.450,18€ em sede de inspeção tributária, correção com a qual concordamos, pelo que não se aceita o pedido do reclamante nesta matéria, por não sofrer de qualquer ilegalidade.

- Custo das mercadorias vendidas – 201.875,00€ – art.18.º do CIRC

Ora, de acordo com o vertido no ponto III.1.1.1. Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) do relatório de inspeção – "(...) relativamente a alguns imóveis (...), não foi cumprido o referido no art. 18.º  do CIRC, ou seja, os custos dos imóveis não foram imputados ao ano em que ocorreu a respetiva venda ou foram imputados custos a determinado imóvel que não dizem respeito a esse imóvel", como se pode verificar.

A este propósito, importa ainda referir o teor do Ofício-Circulado n.º 14/93 de 26 de novembro, da DSIRC, ainda em vigor, que determina " competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria coletável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18.º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável ao exercício da sua contabilização"

Ora, do que se infere da lei quanto à especialização dos exercícios, não está subjacente qualquer benefício para o SP, pelo que a AT não tem que fazer qualquer prova desse facto.

Deste modo, concordamos com a correção aqui em crise, pelo que não se aceita o pedido do reclamante nesta matéria, por não sofrer de qualquer ilegalidade.

- Custo das mercadorias vendidas – 59.300,00€ – art. 23.º do CIRC

A verba de 59.300,00€ integra-se na fatura n.º 165/08 de 114.000,00€ referente a trabalhos de construção civil para beneficiação do imóvel sito na  ...n.º..., em Lisboa.

Ora, da consulta à base de dados da AT (confirmado também pelos SIT) constatamos que a morada que consta da fatura corresponde a um imóvel que é propriedade do sócio gerente da A..., Sr. C... e que nunca foi o domicílio fiscal da A... .

Assim, este valor não pode ser reconhecido como gasto pela reclamante, uma vez que não é dedutível para efeitos fiscais por violar o disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, não tendo a reclamante oferecido qualquer meio de prova do que alega.

- Juros de Mora – 31.658,38€

Este valor corresponde a juros de mora que a reclamante foi condenada a pagar em 2014 à sociedade de construções B... no processo .../10...T... do Tribunal da Relação de ....

Este montante foi reconhecido indevidamente como gasto do ano 2014, pelo que foi corrigido pelos SIT correção com a qual concordamos porque segundo a alínea e) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC em vigor em 2014 "não são dedutíveis (...) mesmo que contabilizados como gastos do período de tributação: as multas, coimas e demais encargos, incluindo os juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, bem como por comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da atividade".

Assim, será de manter a referida correção, por se encontrar de acordo com o estipulado na Lei.

Ano 2015:

- Correções à matéria coletável 2015 – 144.550,78€

Este valor diz respeito a depreciações acumuladas em 01-01-2015, referentes a imóveis adquiridos entre 2007 e 2010 e alienados entre 2008 e 2012.

Em sede de inspeção tributária, foi solicitado a apresentação dos Mapas de Depreciações e Amortizações modelo 32 dos exercícios anteriores a 2013, para confirmação dos valores inscritos na IES, que não foram apresentados, violando a alínea a) do n.º 2 do art.123.º do CIRC que estabelece que na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.

Neste sentido, o SIT desreconheceu este valor do exercício de 2015, correção com a qual concordamos, e que se mantém dada a insuficiência de prova documental, tanto em sede de inspeção como em sede de reclamação graciosa.

Ora, o teor do Ofício-Circulado n.º 14/93 de 26 de novembro, da DSIRC, ainda em vigor, determina "…

2. Assim, e competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria colectável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18.º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização.

3. Exceptuam-se deste procedimento as provisões, reintegrações e amortizações quando não contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam."

Deste modo será de manter a referida correção, por se encontrar de acordo com o estipulado na Lei.

Assim se conclui que, uma vez que a reclamante não vem juntar, em sede de reclamação graciosa, quaisquer novos elementos de prova que não tenham sido já apreciados no decurso da ação inspetiva, e sobre os quais recaiu a pronúncia dos serviços da IT, conclui-se que não assiste razão à reclamante no que se refere aos argumentos elencados para solicitar a anulação das liquidações de IRC de 2014 e 2015.

Com efeito, encontrando-se o sujeito passivo investido na condição de Reclamante, cabe-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT "o ónus da prova dos fatos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque", o que não se verifica no caso em apreço.

Consequentemente, os factos só devem ser considerados provados quando forem determinados com uma certeza absoluta, razão pela qual a não prestação de prova ou a sua prestação insuficiente não poderá deixar de influenciar o mérito da pretensão.

 

JUROS COMPENSATÓRIOS

Consagra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 06670/13, de 17-10-2013, que "(...) A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:

a)            Atos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou

b)           Não pagamento de imposto que deva ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou

c)            Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou

d)           Reembolso superior ao devido;

e)           Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;

f)            Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

"Para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação ou o reembolso excessivo (...) A conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência (...) Deverá partir-se do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do sujeito passivo integrar a hipótese de qualquer infração tributária (...)", tal como defendem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Comentada e anotada.

No caso em apreço, os juros compensatórios liquidados à Reclamante resultaram da violação das normas estabelecidas no Código do IRC, tal como explanado no relatório de inspeção tributária e nos termos descritos nos presentes autos.

Dispõe o art. 102.º do CIRC que "Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.”

Assim, os juros compensatórios revestem a natureza de um agravamento da própria dívida de imposto, com vista a "indemnizar" o Estado (ou, atendendo ao próprio conceito, compensar o Estado) pela perda da quantia que não foi liquidada no momento em que deveria ter sido.

Assim, e face ao exposto, afigura-se serem devidos juros compensatórios porquanto houve retardamento daquela liquidação, existindo também um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências referidas lesivas para o Estado, enquanto credor.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.»

s) Pelo ofício n.º..., datado de 09.10.2018, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez, por escrito, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. documentos n.ºs 4 e 5 anexos ao PPA e PA]

t) Posteriormente, por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (por subdelegação de competências), datado de 26 de novembro de 2018, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com a fundamentação constante da informação datada de 15.11.2018 e que reproduz integralmente a supra referenciada no facto provado r). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA] 

u) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pelo ofício n.º..., datado de 30.11.2018, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA] 

v) Em 24 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

w) Por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 27 de Fevereiro de 2019, por delegação, foi parcialmente revogado o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, na parte relativa à correção efetuada no montante de € 31.658,38 respeitante a juros de mora. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

24. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

25. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

                Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade por esta alegada, sobre a qual depuseram, tendo-o feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto daqueles factos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade. 

 

                A testemunha G...– funcionária da Requerente no período compreendido entre 2013 e 2018 – afirmou que, no mesmo ano em que foi admitida ao serviço da Requerente, foi contratado um novo contabilista, pois o anterior não estava a exercer as respetivas funções com a competência e o rigor necessários.

 

Mais disse que o anterior contabilista não dava quaisquer respostas aos sucessivos pedidos de esclarecimentos que lhe eram dirigidos pelo novo contabilista, relativamente a múltiplas situações irregulares com que este último se foi deparando à medida que foi analisando a documentação contabilística da empresa. Segundo a testemunha, o anterior contabilista deixou grande parte daquela documentação desorganizada e sem o devido tratamento contabilístico, tendo sido preocupação do novo contabilista organizá-la o mais rapidamente que era possível e, simultaneamente, regularizar todas as situações, designadamente de natureza fiscal, que o anterior contabilista ou tinha tratado incorretamente ou não tinha de todo tratado.  

 

A testemunha afirmou, ainda, que em 2013 a empresa ocupava diversas salas no edifício sito na ..., não pagando qualquer renda, em virtude das condições decorrentes do contrato de cedência de utilização temporária daqueles espaços que tinha celebrado com o respetivo proprietário.

 

A testemunha E...– contabilista certificado da Requerente desde 2013 até ao presente – afirmou que enfrentou diversas dificuldades na obtenção de informação e documentação do anterior contabilista da empresa, pois este não respondia às múltiplas solicitações que lhe eram dirigidas nesse sentido, sendo que foi da responsabilidade deste último a elaboração e apresentação da declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2012.

 

Mais disse que efetuou várias correções na contabilidade da empresa, à medida que foi detetando erros no tratamento contabilístico e no enquadramento fiscal de diversas situações, sendo algumas delas as que estão em causa neste processo; segundo a testemunha, a empresa não procurou, nem retirou qualquer benefício dessas mesmas situações, sendo que na sua génese estiveram apenas e tão só erros contabilísticos. A empresa não teve, pois, qualquer intenção de contornar a lei fiscal, nem de defraudar o Estado; o único objetivo foi sempre que a contabilidade e as declarações fiscais espelhassem, como se impunha, a realidade da empresa. Ainda segundo a testemunha, a última correção/ajustamento que houve necessidade de fazer foi a atinente à verba de € 230.000,00 – custos das mercadorias vendidas –, no âmbito do IRC de 2014 e que subjaz a uma das correções em apreço neste processo.

 

                III.2. DE DIREITO

§1. DA MODIFICAÇÃO DO PEDIDO ARBITRAL

                26. Como acima se disse, a Requerente apresentou um “Requerimento de Rectificação e Alteração do Perdido Arbitral”, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, importando aqui realçar os seguintes segmentos:

                «6. (…) entende a Requerente que a intenção que expressou no seu articulado não corresponde integralmente ao seu pedido, na medida em que não pretende a anulação em simultâneo das liquidações referentes a 2014 e a 2015, mas apenas a anulação de uma ou de outra, em função do que vier a ser decidido pelo tribunal sobre a aplicação do Princípio da Espacialização e que, por isso, deve corrigir o seu pedido no sentido de o fazer corresponder mais adequadamente à posição manifestada.

                7. A possibilidade de rectificação resulta do disposto no artigo 249.º do Código Civil.

                (...)

                9. A Requerente entende ainda que da sua exposição resulta uma oposição clara à manutenção na ordem jurídica da alteração introduzida na liquidação referente ao ano de 2013 e que foi supra referida.

                10. Essa mesma oposição foi identificada claramente pela AT, tendo feito referência a isso nos artigos 1 a 5 da Resposta ao Requerimento Arbitral.

11. Assim e de forma a corrigir esse erro, entende a Requerente impor-se a introdução de um pedido subsidiário, para o caso de se considerar que o Tribunal Arbitral não possa considerar dedutível no ano de 2014, a despesa desconsiderada no exercício de 2013 (Verba € 42.450,18 – gasto do imóvel designado ...»

 

A Requerente remata aquele seu requerimento peticionando o seguinte:

«Nestes Termos,

Requer-se a V. Exas. a rectificação do Pedido da Requerente, devendo passar a ser:

Deve ser declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação de IRC do período de 2014, com o n.º 2017-..., e as liquidações de juros compensatórios, com os n.ºs 2017... e 2017-..., no montante total de € 78.616,58 (setenta e oito mil seiscentos e dezasseis euros e cinquenta e oito cêntimos) e determinada a sua substituição por uma liquidação que considere como gasto as Verbas de € 42.450,18, referente ao gasto do imóvel designado ‘...”; a Verba € 59.300,00, referente à compensação dada no Contrato de Cessão de Utilização de Espaço; e a Verba de € 201.875,00, referente ao gastos dos terrenos de alguns dos imóveis vendidos em 2012.

Caso não se dê procedência integral ao pedido anterior, por não se considerar dedutível a Verba de € 42.450,18, referente ao custo do imóvel designado ‘...” no ano de 2014, deverá ser declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação de IRC do período de 2013, com o n.º 2017-..., devendo a mesma ser substituída por outra que considere como gasto a Verba de € 42.450,18, referente ao gasto do imóvel designado ‘...”.

Caso não seja dada procedência integral ao pedido primeiramente realizado, por se considerar que, no caso em apreço, o Princípio da Justiça não deve prevalecer sobre o Princípio da Especialização dos Exercícios, deve ser anulada a liquidação de IRC do período de 2015, com o n.º 2017-..., e de juros compensatórios, com os n.ºs 2017-... e 2017-..., no montante total de € 51.536,64 (cinquenta e um mil quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), devendo a mesma ser substituída por outra que não considere as depreciações acumuladas existentes em 1 de Janeiro de 2015, referentes a imóveis adquiridos entre 2007 e 2010 e alineados entre os anos de 2008 e 2012, no valor de € 144.550,78.

Deverá ser reconhecido o direito da Requerente à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios, a liquidar em execução de sentença.»

 

A Requerida, pronunciando-se sobre este requerimento da Requerente afirmando, essencialmente, que “[n]ão estamos perante meras correcções de escrita, mas perante pedidos distintos, que não consubstanciam nenhum desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, pelo que (…) não concorda com a sua alteração”.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

27. O artigo 249.º do Código Civil determina que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio texto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.

 

Nesta norma é acolhido um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.

 

Os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil deteção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação. Assim, para o preenchimento do referido normativo importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detetem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade.

 

 Relativamente à aplicação do preceituado nesta norma às declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial ou, como é o caso, de um processo arbitral, constitui nosso entendimento que, por via do artigo 295.º do Código Civil, o citado artigo 249.º contém um princípio geral de direito aplicável a atos judiciais e extrajudiciais, isto é, atua não apenas em casos das declarações negociais de vontade regidas pela Lei Civil, mas também em outros casos em que se verifique a sua razão de ser, designadamente a declarações emitidas (inclusive pelas partes) no decurso de processo judicial ou de processo arbitral (neste sentido, entre outros, o acórdão do TRP de 25.03.2019, proferido no processo n.º 1512/18.5T8PNF.P1).

 

No caso concreto, não vislumbramos que a Requerente tenha incorrido em qualquer erro de escrita na redação do PPA e, muito menos, nos termos resultantes do seu requerimento em apreço.

 

Assim, concordamos com a Requerida no sentido de que não estamos perante qualquer erro de escrita e a sua consequente retificação, mas sim perante uma verdadeira modificação do pedido.

 

28. O artigo 260.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) consagrando o princípio da estabilidade da instância, estipula que citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consignadas na lei.

 

Relativamente às possibilidades de modificação do pedido, atentas as posições das partes neste conspecto, importa atentarmos no artigo 265.º do CPC que estatui no seu n.º 2 que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, estatuindo ainda no seu n.º 6 que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

 

No caso concreto, resulta do aludido requerimento, desde logo, que a Requerente pretende que os pedidos inicialmente cumulados no PPA – com efeito, estão ali em causa dois atos de liquidação adicional de IRC (atinentes aos exercícios de 2014 e 2015) e diversos atos de liquidação de juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT) – fiquem agora numa relação de subsidiariedade entre si – como estatui o artigo 554.º, n.º 1, do CPC, podem formular-se pedidos subsidiários, dizendo-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior –, só devendo ser apreciada a (i)legalidade da liquidação adicional de IRC do ano de 2015 e das correspetivas liquidações de juros compensatórios no caso de não proceder a peticionada declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação de IRC do ano de 2014 e das correspetivas liquidações de juros compensatórios.

 

Subsumindo esta pretensão da Requerente às citadas normas legais adjetivas, entendemos que nada obsta a que os aludidos pedidos, inicialmente cumulados, passem a configurar pedidos subsidiários, pelo que, nesta parte, é admitida a requerida modificação do pedido arbitral.

 

Noutra ordem de considerações, importa agora atentar no mais que é pretendido pela Requerente, neste conspecto, ou seja, na introdução de um outro pedido subsidiário – para o caso de não proceder a peticionada declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC do ano de 2014 e das correspetivas liquidações de juros compensatórios – visando a anulação da «liquidação de IRC do período de 2013, com o n.º 2017-..., devendo a mesma ser substituída por outra que considere como gasto a Verba de € 42.450,18, referente ao gasto do imóvel designado “...”».

 

Relembremos o que a Requerente diz a este propósito no aludido requerimento:

«9. A Requerente entende ainda que da sua exposição resulta uma oposição clara à manutenção na ordem jurídica da alteração introduzida na liquidação referente ao ano de 2013 e que foi supra referida.

                10. Essa mesma oposição foi identificada claramente pela AT, tendo feito referência a isso nos artigos 1 a 5 da Resposta ao Requerimento Arbitral.»

 

                Compulsada a Resposta apresentada pela Requerida, constatamos que, efetivamente, esta afirma ali o seguinte:

                «3. Por lapso, quer o pedido de reclamação graciosa apresentado pela ora Requerente, quer a decisão de indeferimento da AT, apenas refere as liquidações n.º 2017... e n.º 2017..., referentes a IRC, exercícios de 2014 e 2015.

                4. Verifica-se, porém, que a Requerente também reclamou graciosamente contra uma correção efetuada pela inspecção tributária em sede de IRC de 2013, mais concretamente a correcção no montante de € 42.450,18, conforme resulta do teor do Relatório Final, fls. 11 a 13, a qual é também impugnada na presente instância arbitral.»

 

Adiantamos, desde já, que discordamos quer daquela afirmação da Requerente, quer daquele entendimento da Requerida; com efeito, entendemos que nunca antes a Requerente impugnou – quer no âmbito da reclamação graciosa, quer no PPA – a liquidação de IRC atinente ao ano de 2013; bem pelo contrário, afigura-se-nos que aceitou a aludida correção no montante de € 42.450,18, como passaremos a explicitar.

 

Comecemos por atentar no que é dito, a propósito da mencionada correção, no Relatório de Inspeção Tributária elaborado no âmbito dos procedimentos inspetivos de que foi alvo a Requerente:

«Verba 42.450,18€

Foi reconhecido indevidamente o custo do imóvel designado "...", no montante de 42.450, 18€, dado que este montante respeita ao custo de aquisição do imóvel descrito na matriz sob o artigo ... freguesia ..., adquirido em 2009 e vendido no exercício de 2012, conforme documentos extraídos da aplicação do Património que constam nas págs. 29 e 41 do Anexo.

Assim, trata-se de um gasto do exercício de 2012, pelo que será desreconhecido no exercício de 2013.»

 

No exercício do direito de audição no âmbito daqueles mesmos procedimentos inspetivos, a Requerente afirmou que “admitindo poder tratar-se de um custo relativo a venda registada em exercício anterior cujo custo eventualmente não tenha sido reconhecido no respetivo exercício este valor [€ 42.450,18] deveria ser relevado para o total de prejuízos fiscais de exercícios anteriores”, acrescentando mais adiante o seguinte: “sabendo-se que os prejuízos gerados no ano de 2012 podem ser utilizados por um período de 5 anos, vem a título excepcional (…) solicitar que estes custos possam ser utilizados como prejuízos fiscais” (cf. fls. 155, 156, 161 e 162 do Anexo ao RIT).

 

Posteriormente, na petição inicial da reclamação graciosa por si deduzida – à qual, aliás, apenas anexou as liquidações atinentes aos anos de 2014 e de 2015 –, a Requerente afirma que estão ali em causa «as seguintes liquidações de impostos:

1. Liquidação de IRC do período de 2014, (…);

2. Liquidação de IRC do período de 2015, (…).»

 

Ainda no mesmo articulado, concretamente no seu artigo 38, a Requerente diz que «por imperativo do princípio de justiça, o montante de € 42.450,18 (…) deve ser efectivamente considerado no exercício de 2014, primeiro exercício em que se apurou lucro tributável» (cf. documento n.º 3 anexo ao PPA), afirmação esta repetida no exercício do direito de audição no âmbito daquele procedimento, onde disse expressamente que «o montante de € 42.450,18 (…) deve ser efectivamente considerado no exercício de 2014» (cf. documento n.º 5 anexo ao PPA).

 

Já no âmbito deste processo arbitral, a Requerente afirma no artigo 66 do PPA que «por imperativo do princípio de justiça, o montante de € 42.450,18 (…) deve ser efectivamente considerado no exercício de 2014, primeiro exercício em que se apurou lucro tributável».

 

Posteriormente, quer no requerimento em apreço, quer nas alegações escritas que apresentou, a Requerente torna a pugnar no sentido de a liquidação de adicional de IRC referente ao ano de 2014 ser substituída por outra liquidação em que seja reconhecido o direito da Requerente a considerar como custo, além de outras verbas, o montante de € 42.450,18 do imóvel designado “...” vendido em 2012 e não reconhecido no exercício de 2013.  

 

Nesta conformidade, concluímos, pois, que nunca a Requerente impugnou a aludida correção quanto à verba de € 42.450,18, efetuada ao IRC do ano de 2013, nem, tão pouco, alguma vez manifestou a pretensão de impugnar a liquidação de IRC de 2013, só o vindo fazer agora, no âmbito do dito “Requerimento de Rectificação e Alteração do Pedido Arbitral”.

 

Assim, o pedido subsidiário que tem por objeto essa mesma liquidação de IRC, para além de não consubstanciar o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, afigura-se absolutamente intempestivo (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), pelo que não é admitida a requerida modificação do pedido arbitral quanto a este concreto pedido subsidiário.

 

29. Destarte, o pedido arbitral passa a ter o seguinte teor:

«Nestes Termos,

Deve ser declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação de IRC do período de 2014, com o n.º 2017-..., e as liquidações de juros compensatórios, com os n.ºs 2017-... e 2017-..., no montante total de € 78.616,58 (setenta e oito mil seiscentos e dezasseis euros e cinquenta e oito cêntimos) e determinada a sua substituição por uma liquidação que considere como gasto as Verbas de € 42.450,18, referente ao gasto do imóvel designado ‘...”; a Verba € 59.300,00, referente à compensação dada no Contrato de Cessão de Utilização de Espaço; e a Verba de € 201.875,00, referente ao gastos dos terrenos de alguns dos imóveis vendidos em 2012.

Caso não seja dada procedência integral ao pedido primeiramente realizado, por se considerar que, no caso em apreço, o Princípio da Justiça não deve prevalecer sobre o Princípio da Especialização dos Exercícios, deve ser anulada a liquidação de IRC do período de 2015, com o n.º 2017-..., e de juros compensatórios, com os n.ºs 2017-... e 2017-..., no montante total de € 51.536,64 (cinquenta e um mil quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), devendo a mesma ser substituída por outra que não considere as depreciações acumuladas existentes em 1 de Janeiro de 2015, referentes a imóveis adquiridos entre 2007 e 2010 e alineados entre os anos de 2008 e 2012, no valor de € 144.550,78.

Deverá ser reconhecido o direito da Requerente à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios, a liquidar em execução de sentença.»

 

§2. DO MÉRITO

§2.1. DO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL

                30. A apreciação jurídico-tributária da situação sub judice tem, necessariamente, de iniciar pela delimitação do bloco normativo aplicável, para o que é necessário convocar as normas legais que se afiguram concretamente relevantes, as quais serão consideradas na redação em vigor à época dos factos.

                Assim, cumpre desde logo atender às seguintes normas:

Código do IRC

Artigo 3.º

Base do imposto

                1. O IRC incide sobre:

                a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

                (…)

                2. Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.

 

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

                1. O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

                (…)

                3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

                a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

                b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeita ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

                1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

                2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Artigo 23.º

Gastos e perdas

                1. Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2. Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação ou reparação;

(…)

g) depreciações e amortizações;

(…)

3. Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

(…)

 

                §2.2. DO PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO ECONÓMICA

                31. O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

 

No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.» 

 

                Como é mencionado por Tomás Cantista Tavares, “a periodização temporal dos proveitos e dos gastos é uma característica imanente à noção de rendimento. O rédito obtém-se pela comparação entre dois pontos temporais definidos. (…)

                A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade – e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo. Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques. (…)

                O princípio da especialização dos exercícios (do acréscimo ou da periodização económica) tem fonte contabilística e reprodução tributária.” 

 

A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:

                a) Diferir no tempo os lucros;

                b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»   

                Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:

                - a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;

                - a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.» 

 

É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.

               

Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt). Como afirma Rui Duarte Morais, «a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.»  

 

Não obstante o que se vem de dizer, como salienta Tomás Cantista Tavares, os tribunais nacionais já se confrontaram «com o problema da compaginação entre o interesse tributário e os erros contabilísticos e fiscais da especialização dos exercícios. Com a questão da hipotética aceitação fiscal (e, em caso afirmativo, sob que condições) duma errónea inscrição contabilística, em violação formal do princípio da especialização dos exercícios; com a admissibilidade do registo fiscal de um custo ou de um proveito num ano diverso (anterior ou posterior) ao da sua correcta imputação temporal.

                A Jurisprudência gira em torno de duas teses antagónicas:

                a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;

                b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

                (…)

                Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).

                (…)

                A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).

(…)

A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)»  

               

Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19.11.2008, no processo n.º 0325/08 (disponível em www.dgsi.pt) :

                «O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.

Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.

Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).

Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.

Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).

Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.

Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.

Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»

 

Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul da seguinte forma :

«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»   

 

«I. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II. Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.

III. Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio – o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.»

 

Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T, respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto: 

«(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios

O princípio da justiça, invocado pela Requerente, é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».

A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

“Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.”

(…)

Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»

 

Acompanhando este entendimento jurisprudencial, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa  preconizam a seguinte posição quanto à aplicação do princípio da especialização dos exercícios:

«Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício esta deve proceder a correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano ao qual o contribuinte a imputou.

Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante noutro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.

  Porém, em certas situações em que a correcção é efetuada no último ano em que pode ser feita e tem por objecto um custo que deveria ter sido considerado no exercício anterior, não é já (ou pode não ser já) possível corrigir a matéria colectável desse anterior ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções. O mesmo sucede quando, embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos, ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.

Nestas condições, se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.

Assim, no caso de não poder ser feita já a correcção relativamente ao ano anterior, o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.

Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça. 

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.»                     

 

§2.3. DA DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS EM SEDE DE IRC

32. O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o princípio geral atinente à dedutibilidade fiscal dos custos suportados pelas entidades sujeitas a este imposto, sendo esta uma matéria onde surgem frequentemente divergências entre os contribuintes e a AT.

 

Até ao exercício de 2013, inclusive, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto (IRC) apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade. A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito. 

 

                Como afirmava Saldanha Sanches (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216), é “no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários”.

 

                É hoje relativamente consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.

 

Tal noção, como consta da fundamentação do acórdão do STA (pleno) de 15.06.2011, proferido no processo n.º 049/11 – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.

 

Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no processo n.º 01236/05.

 

O que significa, na explicitação do acórdão do STA de 30.11.2011, proferido no processo n.º 0107/11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

 

Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide acórdãos do STA de 24.09.2014, proferido no processo n.º 0779/12, de 15.11.2017, proferido no processo n.º 0372/16, e de 28.06.2017, proferido no processo n.º 0627/16. Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

 

A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte; como resulta do vertido no acórdão do STA de 28.06.17, proferido no processo n.º 627/16, “[e]m regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.”. 

 

O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.

               

Com a Reforma do IRC suprimiu-se a referência à “indispensabilidade” dos gastos, mantendo-se, no entanto, a conexão necessária entre os gastos e o objetivo de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.

Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 – , a alteração visou confirmar o afastamento da “interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos” e contribuir desta forma para o “decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa”, acolhendo a jurisprudência firmada que sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente dos sócios. 

 

§2.4. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

                33. Feito o necessário enquadramento legal e, dentro deste, dissecado o princípio da periodização económica e analisada a questão da dedutibilidade dos custos em sede de IRC, estamos agora munidos dos elementos normativos, doutrinais e jurisprudenciais que nos habilitam a enfrentar o caso concreto e a dar resposta às questões que nos são colocadas neste processo, que abordaremos pela ordem e tal qual são enunciadas no PPA.

 

                §2.4.1. DAS CORREÇÕES EFETUADAS À MATÉRIA COLETÁVEL DE IRC DE 2014

                A. CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS – VERBA DE € 42.450,18

34. Compulsado o RIT, constatamos que nenhuma correção deste teor foi efetuada à matéria coletável de IRC de 2014; com efeito, como expressamente referido no RIT, a correção em apreço foi efetuada à matéria coletável de IRC do ano de 2013 (cf. factos provados k) e m)):

«III.1 – Correções em sede de IRC

III.1.1 – Correções à matéria coletável

III.1.1.1 – Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)

(…)

Ano 2013

(…)

             Verba 42.450,18€

Foi reconhecido indevidamente o custo do imóvel designado "...", no montante de 42.450, 18€, dado que este montante respeita ao custo de aquisição do imóvel descrito na matriz sob o artigo ... freguesia ..., adquirido em 2009 e vendido no exercício de 2012, conforme documentos extraídos da aplicação do Património que constam nas págs. 29 e 41 do Anexo.

Assim, trata-se de um gasto do exercício de 2012, pelo que será desreconhecido no exercício de 2013.»

 

Assim, não tendo esta verba sido, por qualquer forma, equacionada no âmbito do IRC de 2014 e não tendo, por isso, subjazido a qualquer uma das aludidas correções efetuadas pela AT à respetiva matéria coletável, inexiste qualquer fundamento fático-jurídico que permita conhecer desta correção nesta específica sede; com efeito, em virtude de consubstanciar uma correção à matéria coletável de IRC do exercício de 2013, apenas pode ser objeto de conhecimento no âmbito da impugnação do ato de liquidação de IRC referente a esse mesmo ano, o que, como resulta do acima exposto (cf. §1. DA MODIFICAÇÃO DO PEDIDO ARBITRAL), não está abrangido pelo objeto deste processo.

 

Assim, por extravasar o objeto deste processo, não pode o Tribunal conhecer desta correção à matéria coletável de IRC do ano de 2013 e, consequentemente, é a Requerida absolvida da instância quanto à peticionada declaração de ilegalidade e anulação desta mesma correção.

 

B. CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS – VERBA DE € 59.300,00

35. Relativamente a esta correção à matéria coletável de IRC do ano de 2014, é afirmado o seguinte no RIT (cf. factos provados k) e m)):

«III.1 – Correções em sede de IRC

III.1.1 – Correções à matéria coletável

III.1.1.1 – Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)

(…)

Ano 2014

(…)

             Verba 59.300,00€

O montante de 106.467,00€ indicado na linha 1 do Quadro 7B não respeita a nenhum dos imóveis vendidos no exercício de 2014.

Trata-se de um montante que a sociedade A... foi condenada a pagar à sociedade B..., Lda, NIF..., por sentença notificada em 05-02-2014 no processo no .../10...T... do Tribunal da Relação de ... (págs. 51 a 56 do Anexo).

Em resumo:

  A sociedade B... emitiu à sociedade A... as faturas indicadas no Quadro 9 as quais constam nas páginas 57 e 58 do Anexo).

 

Segundo informações prestadas pelo sócio gerente, aquelas faturas não tinham sido pagas pela A..., invocando que os trabalhos faturados não tinham sido realizados.

O tribunal considerou provado que parte dos trabalhos foram realizados e condenou a A... a pagar o montante de 138.125,38€ sendo 106.467,00€ relativo às faturas e 31.658,38€ relativo a juros de mora.

Relativamente ao imóvel sito na ..., n.º ... - Lisboa, corresponde ao artigo matricial ... (anterior ...), cuja localização é ..., n.ºs ... e ... – Lisboa (conforme documento que consta na página 61 do Anexo).

Aquele imóvel é propriedade do sócio gerente da sociedade A..., Sr. C..., NIF ... e foi adquirido em 10-07-2007, sendo:

O n.º..., o domicílio fiscal da sociedade desde 15-07-2010.

Entre 01-02-2007 e 14-07-2010 o domicílio fiscal foi na Rua ..., n.ºs ... e ... — Lisboa (págs. 63 a 68 do Anexo).

O n.º..., o domicílio fiscal do sócio gerente desde 20-03-2013 (págs. 69 e 70 do Anexo).

Refere-se ainda que a morada da sociedade que consta nas faturas emitidas em 31-12-2008 e 15-09-2009 pela sociedade B..., identificadas no Quadro 8, é o domicílio fiscal à data, Rua ..., n.º.../... – Lisboa (págs. 57 e 58 do Anexo).

Face ao exposto o n.º ... da ..., nunca foi o domicílio fiscal da A... .

De tudo o que foi exposto, pode concluir-se que a fatura n.º A 165/08 de 114.000,00€ relativa aos trabalhos de construção civil referentes a beneficiação do imóvel sito na ..., ...— Lisboa, foi indevidamente emitida à sociedade A..., devia ter sido emitida ao sócio gerente.

Assim o montante de 59.300,00€ (parte da fatura de 114.000,00€) que foi reconhecido como gasto na sociedade A... na rúbrica Custo da Mercadoria Vendida, não é dedutível para efeitos fiscais ao abrigo do n.º 1 do art. 23.º do CIRC o qual estabelece que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.»

 

Na decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa é, por seu turno, dito o seguinte a este propósito (cf. facto provado r)):

«- Custo das mercadorias vendidas – 59.300,00€ – art. 23.º do CIRC

A verba de 59.300,00€ integra-se na fatura n.º 165/08 de 114.000,00€ referente a trabalhos de construção civil para beneficiação do imóvel sito na ... n.º..., em Lisboa.

Ora, da consulta à base de dados da AT (confirmado também pelos SIT) constatamos que a morada que consta da fatura corresponde a um imóvel que é propriedade do sócio gerente da A..., Sr. C... e que nunca foi o domicílio fiscal da A... .

Assim, este valor não pode ser reconhecido como gasto pela reclamante, uma vez que não é dedutível para efeitos fiscais por violar o disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, não tendo a reclamante oferecido qualquer meio de prova do que alega.»

 

Neste conspecto, importa termos presente que resultou provada a seguinte factualidade:

(i) No período compreendido entre a data da sua constituição (01.02.2007) e 04.06.2010, a Requerente teve a sua sede social na Rua ..., n.ºs .../..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, a qual foi alterada, naquela última data, para a ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa. [facto provado c)]

(ii) No período referido no facto provado anterior (01.02.2007 a 04.06.2010), a Requerente era titular dos contratos de abastecimento de luz e água ao prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa, e recebia nesta morada diversa correspondência (designadamente extratos bancários e contas de telecomunicações), sendo ainda que, naquele mesmo período, a Requerente figurou em diversas liquidações de IMT com morada na ..., n.º..., em Lisboa. [facto provado d)]

                (iii) Em 31 de agosto de 2008, foi celebrado um denominado “Contrato de Cedência de Utilização Temporária de Espaço” entre C..., residente na ..., n.º..., em Lisboa (designado “Primeiro Contratante”), e a Requerente (designada “Segunda Contratante”), o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido, importando respigar os seguintes segmentos:  

“Cláusula Primeira

Pelo presente Contrato e pelo prazo de 10 (dez) anos, com início a 1 de Setembro de 2008 e termos a 31 de Agosto de 2018, o PRIMEIRO CONTRATANTE cede à SEGUNDA CONTRATANTE, a utilização parcial do prédio urbano sito na ..., n.º..., em Lisboa, (…).

Cláusula Segunda

(…)

2. A presente cedência parcial destina-se exclusivamente à instalação dos escritórios, sede social e desenvolvimento de negócio da SEGUNDA OUTORGANTE, não podendo ser-lhe dado outro uso, no todo ou em parte, sem autorização escrita do PRIMEIRO CONTRATANTE.

  Cláusula Terceira

(…)

2. Como contrapartida da presente cedência de utilização, a SEGUNDA CONTRATANTE compromete-se a realizar e custear obras de beneficiação e recuperação do imóvel, até ao montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).” [facto provado f)]

(iv) Em 31 de dezembro de 2008, a empresa B..., Lda. emitiu a fatura n.º A165/08, tendo como destinatário a Requerente, com o descritivo “Tv. ...– Lisboa. Trabalhos de construção civil referentes à beneficiação do imóvel”, no montante total de € 114.000,00. [facto provado g)]

(v) Por acórdão proferido no processo n.º .../10...T....L1 pelo Tribunal da Relação de ..., notificado à Requerente em 05.02.2014, foi esta condenada a efetuar o pagamento parcial da fatura referida no facto provado anterior, no valor de € 59.300,00, bem como a efetuar o pagamento de juros de mora, no valor de € 31.658,38, referentes àquela mesma fatura e a uma outra fatura emitida pela B...Lda. (fatura n.º A112/09, datada de 15.09.2009, no montante total de € 72.000,00). [facto provado h)]

 

                Como é consabido, é absolutamente comum nos dias de hoje que, portanto, não causa qualquer estranheza que as empresas tenham a sua sede social num determinado local e escritórios noutros locais, quer no país, quer no estrangeiro, podendo até alguns desses diferentes espaços consubstanciarem estabelecimentos estáveis, com as inerentes consequências, designadamente de índole fiscal. Por isso, salvo o devido respeito, não resulta compreensível que a AT tenha centrado sobremaneira a sua análise no domicílio fiscal da Requerente, fazendo tábua rasa daquela que é a realidade na vida hodierna de muitas empresas, o que resulta ainda mais inaceitável quando é certo que – como resultou provado –, no período compreendido entre 01.02.2007 a 04.06.2010, a Requerente era titular dos contratos de abastecimento de luz e água ao prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa, e recebia nesta morada diversa correspondência (designadamente extratos bancários e contas de telecomunicações), sendo ainda que, naquele mesmo período, a Requerente figurou em diversas liquidações de IMT com morada naquele local.

 

                Por outro lado, no tangente ao mencionado “Contrato de Cedência de Utilização Temporária de Espaço”, não podemos deixar de começar por chamar à colação o princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405.º do Código Civil, nos termos do qual dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (n.º 1), sendo que as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (n.º 2).

 

Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 355):

«O princípio da liberdade contratual é uma aplicação da regra da liberdade negocial, sendo ambos eles um corolário do princípio da autonomia privada, só limitado, em termos gerais, nas disposições dos artigos 280.º e seguintes (cfr. art. 398.º), e, em termos especiais, na regulamentação de alguns contratos.

                (…)

Pelo próprio texto do artigo se verifica que o princípio da liberdade contratual se desdobra em vários aspectos, a saber: a) a possibilidade de as partes contratarem ou não contratarem, como melhor lhes aprouver; b) a faculdade de, contratando, escolher cada uma delas, livremente, o outro contraente; c) a possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei (celebrando contratos atípicos) ou de incluírem em qualquer destes contratos paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva contida no Código Civil.

A admissibilidade de contratos-mistos é, ainda, uma afirmação da regra da liberdade contratual.»   

 

                Nesta conformidade, nada obsta – bem pelo contrário, atento o princípio da liberdade contratual – a que naquele contrato as partes tenham estipulado que “[c]omo contrapartida da presente cedência de utilização, a SEGUNDA CONTRATANTE [a Requerente] compromete-se a realizar e custear obras de beneficiação e recuperação do imóvel, até ao montante de € 150.000,00”, sendo pois essa uma cláusula contratual perfeitamente válida, eficaz e, portanto, vinculativa para as respetivas contraentes.

 

                Sendo, ainda, que resultou comprovado que o referido imóvel foi objeto de obras de beneficiação, pelo menos no montante de € 59.300,00, a cargo da Requerente, responsabilidade essa – pelo pagamento daquela quantia monetária – que foi expressamente declarada no referenciado aresto prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto e que foi notificado à Requerente em 05.02.2014.

 

                Deste modo, subsumindo a factualidade que se vem de expor ao artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC e atento o que acima se disse quanto à dedutibilidade dos custos em sede de IRC, resulta evidente que esta correção à matéria coletável de IRC do ano de 2014 padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que é anulada.  

 

C. CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS – VERBA DE € 230.000,00

36. A este respeito é vertido o seguinte no RIT (cf. facto provado k) e m)):

«III.1 – Correções em sede de IRC

III.1.1 – Correções à matéria coletável

III.1.1.1 – Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)

(…)

Ano 2014

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             Verbas 104.205,59€ e 230.00,00€

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A parcela 2 de 230.000,00, refere o contabilista via mail de 31-05-2017 que consta na página 117 do Anexo, que se refere ao valor dos terrenos dos imóveis identificados no Quadro 10 A representando 25% do valor de aquisição dos imóveis:

 

Os imóveis identificados foram vendidos no ano de 2012, à exceção das frações E e F da Rua ..., que foram vendidas no ano de 2013, conforme se verifica no Quadro 6, linhas 1 e 2, sendo o valor do terreno de 28.125,00 [(37.500,00 + 75.000,00) x 25%].

Deste modo o montante de 230.000,00€ não diz respeito ao Custo do Imóvel sito na Rua ..., pelo que será desreconhecido no exercício de 2014.

Será reconhecido como gasto no exercício de 2013 o montante de 28.125,00€ relativo ao custo do terreno imputado às frações E e F.»

 

A propósito desta correção, é afirmado o seguinte na decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cf. facto provado r)):

«- Custo das mercadorias vendidas – 201.875,00€ – art.18.º do CIRC

Ora, de acordo com o vertido no ponto III.1.1.1. Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) do relatório de inspeção – "(...) relativamente a alguns imóveis (...), não foi cumprido o referido no art. 18.º  do CIRC, ou seja, os custos dos imóveis não foram imputados ao ano em que ocorreu a respetiva venda ou foram imputados custos a determinado imóvel que não dizem respeito a esse imóvel", como se pode verificar.

A este propósito, importa ainda referir o teor do Ofício-Circulado n.º 14/93 de 26 de novembro, da DSIRC, ainda em vigor, que determina " competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria coletável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18.º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável ao exercício da sua contabilização"

Ora, do que se infere da lei quanto à especialização dos exercícios, não está subjacente qualquer benefício para o SP, pelo que a AT não tem que fazer qualquer prova desse facto.

Deste modo, concordamos com a correção aqui em crise, pelo que não se aceita o pedido do reclamante nesta matéria, por não sofrer de qualquer ilegalidade.»

 

Isto posto, importa começar por frisar que a correção em causa apenas está impugnada quanto ao valor de € 201.875,00, como a própria Requerente clarifica no artigo 92.º do PPA, onde expressamente diz que «por imperativo de justiça, o montante de € 201.875,00 (duzentos e um mil oitocentos e setenta e cinco euros) deve ser efectivamente considerado no exercício de 2014».

 

Dito isto, nada foi aportado nem em sede dos aludidos procedimentos inspetivos, nem no âmbito da mencionada reclamação graciosa, nem no seio deste processo que aponte, ainda que indiciariamente, quer no sentido de a Requerente ter aqui atuado de forma voluntária e intencional no sentido de transferir resultados entre exercícios e, dessa forma, obter vantagens fiscais, quer que da atuação da Requerente tenha resultado prejuízo para o erário público; pelo contrário, tudo aponta no sentido de que a não inclusão deste custo no ano de 2012 se ficou a dever a um erro contabilístico que resultou em desfavor da Requerente, uma vez que no exercício de 2012 foi apurado um lucro tributável de € 19.892,10 (cf. facto provado i)) e, caso este custo tivesse sido então considerado, em vez de lucro tributável, teria sido apurado um prejuízo fiscal dedutível aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores (cf. artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRC).   

 

Assim, estamos aqui perante um caso em que a aplicação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC, redundaria num resultado flagrantemente injusto para a Requerente, pelo que se impõe fazer operar o princípio da justiça, consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça; consequentemente, esta correção à matéria coletável de IRC do ano de 2014 padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pelo que é anulada.

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37. Nestes termos, a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., relativa ao exercício de 2014, é ilegal e, por isso, anulada na parte em que assenta nas correções à respetiva matéria coletável atinentes às indicadas verbas de € 59.300,00 e de € 201.875,00; por padecer de iguais vícios invalidantes, também a decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa é, nessa exata medida, declarada ilegal e anulada.

 

§2.4.2. DAS CORREÇÕES EFETUADAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL DE IRC DE 2015

38. Como resulta do que acima ficou dito quanto à modificação do pedido arbitral, a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC referente ao ano de 2015 consubstancia o pedido subsidiário formulado pela Requerente, a ser apreciado «[c]aso não seja dada procedência integral ao pedido primeiramente realizado, por se considerar que, no caso em apreço, o Princípio da Justiça não deve prevalecer sobre o princípio da especialização dos Exercícios».

 

O «pedido primeiramente realizado» é concernente à liquidação adicional de IRC do ano de 2014, cujas correções efetuadas pela AT à respetiva matéria coletável foram anteriormente objeto de análise, não tendo sido declarada ilegal e anulada apenas uma delas – a referente à verba de € 42.450,18 –, mas com fundamento distinto daquele que é enunciado pela Requerente como condição para ser conhecido o pedido subsidiário; com efeito, em virtude de o conhecimento daquela correção extravasar o objeto deste processo, foi a Requerida absolvida da instância, não tendo pois sequer chegado a ser feita qualquer apreciação de mérito quanto àquela mesma correção.

 

Assim, resulta prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário deduzido pela Requerente, atinente à liquidação adicional de IRC n.º 2017..., datada de 31.07.2017, às liquidações de juros compensatórios n.º 2017... e n.º 2017... e à correspondente demonstração de acerto de contas, datada de 07.08.2017, da qual resultou o montante total a pagar de € 54.351,16, relativamente ao IRC do exercício de 2015.

 

§2.5. DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

39. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

 

Na situação sub judice, concluiu-se que o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., atinente ao ano de 2014, é inválido por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, gerador de anulabilidade, na parte em que decorre das correções à respetiva matéria coletável atinentes às mencionadas verbas de € 59.300,00 e de € 201.875,00.

 

Nestes termos, as liquidações de juros compensatórios n.º 2017 ... e n.º 2017 ... são declaradas ilegais e anuladas na parte em que incidem sobre o montante de imposto (IRC) anulado, a determinar pela AT em cumprimento desta decisão.

 

§2.6. DA RESTITUIÇÃO DOS MONTANTES PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

40. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão declaração de ilegalidade para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2.6.1. DA RESTITUIÇÃO DOS MONTANTES PAGOS

41. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos indicados atos tributários controvertidos, nos termos acima referidos, há lugar a reembolso das prestações tributárias indevidamente liquidadas e pagas, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso dos montantes indevidamente liquidados e pagos pela Requerente, a serem determinados pela AT, em cumprimento desta decisão.

 

§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

42. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação dos indicados atos de liquidação controvertidos, nos termos acima enunciados, é imputável à AT por, como foi dito, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito.

 

Destarte, concluímos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação pela AT, em cumprimento da presente decisão, dos montantes indevidamente pagos pela Requerente.

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43. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar parcialmente procedente, nos termos acima enunciados, a modificação do pedido arbitral, com as legais consequências;

b)           Julgar procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da invocada falta de fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., com as legais consequências;

c)            Julgar procedente a invocada exceção de inutilidade superveniente da lide, com as legais consequências;

d)           Julgar improcedente a invocada exceção da falta de objeto processual, com as legais consequências;   

e)           Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

(i)           Absolver a Requerida da instância quanto à peticionada declaração de ilegalidade e anulação da correção radicada na aludida verba de € 42.450,18, à matéria coletável de IRC do ano de 2013, com as legais consequências;

(ii)          Declarar ilegal e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, na parte em que assenta nas correções à respetiva matéria coletável radicadas nas mencionadas verbas de € 59.300,00 e de € 201.875,00, com as legais consequências;

(iii)         Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., na parte referente à liquidação adicional de IRC n.º 2017 ... do ano de 2014 e, concretamente, quanto às correções à respetiva matéria coletável radicadas nas mencionadas verbas de € 59.300,00 e de € 201.875,00, com as legais consequências; 

(iv)         Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente os montantes que, em execução desta decisão, se apure terem sido liquidados e pagos em excesso, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

(v)          Condenar ambas as partes no pagamento das custas do presente processo, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixa em 40% para a Requerente e 60% para a Requerida.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 135.486,58 (cento e trinta e cinco mil quatrocentos e oitenta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos).

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CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), cujo pagamento fica a cargo de Requerente e Requerida na proporção, respetivamente, de 40% e de 60%.

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Notifique.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2019.

 

Os Árbitros,

 

 

(José Poças Falcão)

(Susana Constantino)

(Ricardo Rodrigues Pereira - Relator)