Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 648/2018-T
Data da decisão: 2019-12-04  IRC  
Valor do pedido: € 153.150,16
Tema: IRC - Vícios do procedimento inspetivo; Tributação autónoma de despesas não documentadas; Gastos não aceites fiscalmente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Carlos Alberto Cadilha (Árbitro Presidente), Francisco Nicolau Domingos e Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 19 de dezembro de 2018, A...Lda., NIPC..., com sede na Rua da ... n.º..., ..., ...-..., ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes à liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2014, no valor de €131.746,16, a qual inclui juros compensatórios no valor de €14.333,94, liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2015, no valor de €113.445,37, a qual inclui juros compensatórios no valor de €8.594,86 e a liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2016, no valor de €58.046,61, a qual inclui juros compensatórios no valor de €2.338,22.

2.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

3.            O presente Tribunal foi constituído no dia 28 de fevereiro de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.

4.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 3 de março de 2019.

5.            No dia 5 de março de 2019, por despacho, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar sobre a proposta da AT no sentido da dispensa da prova testemunhal indicada pela Requerente, e em caso de discordância com a mesma, vir indicar aos autos os factos sobre os quais serão inquiridas as testemunhas.

6.            No dia 22 de março de 2019, a Requerente apresentou um requerimento de resposta ao despacho indicado em 5 supra, nele tendo manifestado o seu interesse na produção da prova testemunhal, alterando o respetivo rol e indicando os artigos sobre os quais serão as testemunhas inquiridas.

7.            Por despacho de 24 de março de 2019, o Tribunal, por um lado, designou o dia 19 de junho de 2019 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT com a produção de prova testemunhal arrolada e alterada pela Requerente, e por outro, notificou a Requerida para usar, querendo, da mesma faculdade.

8.            A realização da reunião do artigo 18.º do RJAT apenas teve lugar no dia 26 de junho de 2019, em virtude do requerimento apresentado pela Requerente datado de 06 de maio de 2019, no qual manifestava a sua indisponibilidade para a primeira data.

9.            Na reunião do artigo 18.º do RJAT, os representantes da Requerida e da Requerente pronunciaram-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na sua resposta. Não obstante, o Tribunal entendeu dever ser concedido um prazo de 10 dias para as partes se pronunciarem por escrito sobre as questões prévias, tendo sido adiada a inquirição das testemunhas para momento oportuno, após proferida decisão sobre a matéria de exceção invocada.

10.          Em 9 de Julho de 2019, a Requerida vem nos termos consignados em ata da reunião do Tribunal Arbitral de 26 de junho de 2019, defender a procedência da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral relativamente às correções de imposto identificadas no Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) com fundamento no recurso a métodos indiretos.

11.          Por despacho de 28 de agosto de 2019, o Tribunal informa que por força das férias judicias o processo encontra-se pendente de decisão arbitral quanto à questão da competência, usando da faculdade de proceder à prorrogação do prazo para a decisão por dois meses, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

12.          Em 2 de setembro de 2019, a Requerente apresentou a sua Resposta às exceções invocadas pela Requerida, defendendo a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do mérito do pedido quanto aos vícios do ato tributário que não resultem da revisão da matéria tributável por métodos indiretos ou de erro na quantificação.

13.          Em 4 de setembro de 2019, o Tribunal profere acórdão arbitral interlocutório decidindo, por um lado, pela incompetência do Tribunal Arbitral no que respeita à apreciação das liquidações na parte que emergem das correções à matéria coletável promovidas pela AT com recurso a métodos indiretos, por outro, determinando o prosseguimento do processo relativamente à verificação da legalidade das correções meramente aritméticas resultantes do RIT. No mesmo acórdão o Tribunal notificou a Requerente para dizer se mantém interesse na produção de prova testemunhal devendo indicar, em caso afirmativo, os pontos de facto sobre que deve incidir a inquirição.

14.          Em 10 de setembro de 2019, a Requerente apresenta um requerimento manifestando interesse na produção da prova testemunhal.

15.          Por despacho do dia 17 de setembro de 2019, o Tribunal designa nova data para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção da prova testemunhal solicitada pela Requerente.

16.          No dia 9 de outubro de 2019, teve lugar a reunião referida no ponto 15 supra. Na referida reunião, o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, e designou o dia 27 de Dezembro de 2019 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT. Nos termos do artigo 21.º n.º 2 do RJAT o Tribunal determinou a prorrogação do prazo anteriormente fixado por dois meses, tendo tal circunstância sido determinada em função do período de férias judiciais entre 16 de julho e 31 de agosto de 2019, bem como pelo prazo concedido às partes para apresentarem alegações escritas. Por último, advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

17.          Nesta sequência, no dia 22 de outubro de 2019, a Requerente apresentou alegações escritas.

18.          Seguidamente, no dia 04 de novembro de 2019 a Requerida apresentou as suas contra-alegações.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            Relativamente às correções meramente aritméticas resultantes do relatório de inspeção, num montante total de €145.093,18 (cento e quarenta e cinco mil, noventa e três euros e dezoito cêntimos) a Requerente aceita algumas das correções efetuadas, pedindo a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes aos anos de 2014, 2015, 2016, na parte correspondente ao valor de €129.818,24 (cento e vinte e nove mil, oitocentos e dezoito euros e vinte e quatro cêntimos) e respetivos juros compensatórios, no seguinte:

 

a)            Invoca a Requerente, como questão prévia, a ILEGALIDADE DA INSPEÇÃO, por entender que: «(…) atuação da inspeção tributária obedece ao Plano Nacional de Atividades da Inspeção Tributária e Aduaneira (PNAITA). O PNAITA define os programas, critérios e ações a desenvolver que servem de base à seleção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar, fixando os objetivos a atingir por unidades orgânicas dos serviços centrais, regionais e locais, pelo que as inspecções podem ser desencadeadas com base no PNAITA nacional, ou com base no PNAITA regional. Das ordens de serviço prévias, bem como da ordem de serviço que determinou o início da IT, resulta apenas que é mencionado como critério de seleção o regional e nada mais surge em qualquer documento, ou comunicado à impugnante, pelo que corresponde a uma violação de lei».

b)           Continua, a Requerente, defendendo que apenas no projeto de relatório foi mencionado “A acção de inspecção foi desencadeada a fim de analisar a situação tributária do sujeito passivo, devido a declarar crédito de IVA em períodos sucessivos, tendo âmbito parcial - IRC e IVA e abrangendo os anos de 2014, 2015 e 2016.” pelo que, no seu entender só no momento em que a Requerente foi notificada do projeto de relatório tomou conhecimento da razão que levou à realização da inspeção tributária, o que não condiz com a menção constante das ordens de serviço, que indicaram o critério Regional.

c)            Defendendo que tal incongruência, resultará numa violação de lei, designadamente do disposto no artigo 27.º n.º 1 alínea d), do RCPITA, e «na nulidade ou anulabilidade do relatório da inspecção tributária e consequentemente na anulação das liquidações respectivas.»

d)           Adicionalmente, a Requerente arguiu uma ilegalidade relacionada com o facto do RIT «ter como data de conclusão 18/6/2018, sendo que o parecer do chefe de equipa é datado de 19/6/2018 e o despacho por delegação do Director de Finanças de ... tem a data de 20/6/2018 (...).» 

e)           Relativamente ao sucedido, conclui que no exercício do direito de audição prévia, protestou juntar vários documentos, não obstante a AT ter exarado o relatório final sem nunca ter dado a oportunidade desses documentos serem juntos pela Requerente, o que no seu entender consubstancia um vício de preterição de formalidade legal, gerador da anulação de todos os atos tributários.

f)            Adicionalmente argui, a Requerente, VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI, designadamente do artigo 88.º n.º 1 do Código do IRC, no que diz respeito a tributações autónomas que incidem sobre o que a AT considerou despesas não documentadas. Entende a Requerente que as tributações autónomas baseiam-se na desconsideração de movimentos contabilísticos que nem sequer são custos, mas movimentos de terceiros constantes da contabilidade da Requerente.

g)            Com efeito, defende que os movimentos financeiros efetuados pela Requerente no âmbito do contrato de conta corrente celebrado com B... não têm de justificar despesa nenhuma pela razão de que tais movimentos não foram contabilizados como despesa, esclarecendo ainda que a relação comercial mantida com a contraparte é a própria conta corrente que é um contrato comercial, sendo apenas o seu saldo final exigível.

h)           Por conseguinte, entende que «As contas de terceiros existem para se reproduzirem contabilisticamente movimentos de créditos e débitos, com entidades terceiras, os quais são sempre passíveis de serem diminuídos, aumentados, saldados e movimentados em função das operações.» sendo certo que nunca tendo sido contabilizados como custos não poderão concorrer para a formação do lucro tributável, nem tributadas autonomamente à taxa de 50%, no montante de €52.295,00. 

i)             A Requerente sublinha que esses valores nunca foram contabilizados como custo ou despesa, pelo que os mesmos nunca concorrerem para efeitos do apuramento do resultado líquido, nem, por conseguinte, tais valores constam do quadro 07 da Modelo 22 de IRC, a partir do qual se apura o lucro tributável.

j)             Quanto à tributação autónoma incidente sobre o valor de €94.892,71 que foi contabilizado por débito da conta 561 – resultados transitados e por crédito na conta 1210 de depósitos à ordem, esclarece a Requerente que tal montante correspondeu a um pagamento de IVA à própria AT que havia sido liquidado com referência ao ano fiscal de 2007, liquidado em 2011, resultante de uma inspeção tributária realizada pela mesma divisão e supervisionada pelas mesmas pessoas.

k)            Acrescenta que o pagamento do IVA não é custo, devendo ser classificado na conta de resultados transitados conforme o disposto na NCRF 4 – Políticas Contabilísticas, alterações nas estimativas e erros. Refere ainda que o referido pagamento se encontra devidamente documentado e que a liquidação adicional de imposto foi paga em 2013, através de uma conta do Banco C... (hoje D...) tendo o mesmo sido contabilizado em 2015.

l)             Assim, em conformidade com as orientações constantes de Parecer da Ordem dos Contabilistas Certificados, a Requerente procedeu da seguinte forma «Creditou-se uma conta de depósitos à ordem (em termos contabilísticos as contas do activo creditam-se pelas saídas e debitam-se pelas entradas), por contrapartida de uma conta de resultados transitados (...) Não tendo sido contabilizado como custo contabilístico, ou custo fiscal, tendo-o sido como resultados transitados, mas não tendo sido levado a variações patrimoniais negativas, não teve qualquer influência no resultado líquido, quer contabilístico, quer fiscal» concluindo, que a sua consideração como despesas não documentadas, é um erro grosseiro da AT.

m)          A Requerente defende a contabilização deste montante em resultados transitados, pois estamos perante uma regularização não frequente ou de grande significado. Desta forma, não se trata de uma despesa não documentada, mas sim de um fluxo financeiro de liquidação de imposto, conforme se encontra devidamente comprovado nos autos.

n)           Quanto aos roubos de mercadorias com participação à seguradora, a Requerente esclarece que um dos roubos ocorreu na loja do centro comercial do ..., no dia 12 de dezembro de 2016, tendo a indemnização no valor de €27.718,58 sido recebida em 2 de Maio de 2017, motivo pelo qual a contabilização foi feita nesse mesmo mês, e não em 2016 sob a forma de estimativa como pretendia a AT, face à falta de indicação, à data do fecho de contas do exercício de 2016, dos possíveis valores da indemnização. Por conseguinte, não houve qualquer omissão de rendimento, tendo a Requerente declarado esse proveito em 2017, em obediência ao princípio contabilístico da prudência. Por outro lado, sustenta que o princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respetivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram.

o)           Ademais, entende a Requerente que as mercadorias à consignação não têm de ser classificadas numa conta de custos, pois não são propriedade da impugnante, muito embora o custo das mercadorias roubadas à exceção dos artigos em ouro e prata tenha sido contabilizado na conta #61-custo das mercadorias vendidas. 

p)           No que respeita aos roubos de mercadorias alegadamente sem participação à seguradora sustenta a Requerente quanto ao anel de ouro roubado na loja do Centro Comercial ..., que foi comunicado à seguradora e participado à Polícia de Segurança Pública. O segundo roubo, ocorrido na loja do centro comercial ..., correspondente a um relógio Versace, foi participado à Guarda Nacional Republicana e à seguradora. Neste caso, sendo um artigo consignado pelo fornecedor a mercadoria foi comunicada ao fornecedor como tendo sido roubado, o qual a faturou à Requerente, que por seu turno a pagou. O acerto de stock que foi desconsiderado pela AT configurou um movimento contabilístico necessário para retirar o artigo do stock.

q)           Por conseguinte, ao contrário do referido no relatório da AT – «Estes roubos não estão registados na contabilidade dos respetivos anos, mas o seu valor está refletido no custo das mercadorias vendidas, devido a essas mercadorias não terem sido incluídas nos inventários de mercadorias, por os mesmos terem sido elaborados após as datas dos roubos» – clarifica a Requerente que os roubos estão registados na contabilidade, através dos movimentos supra referidos. Refere ainda quanto à alegação de não ter sido emitida fatura definitiva da venda da mercadoria roubada, que tal fatura não podia existir uma vez que o relógio fora roubado e encontrava-se à consignação, não sendo de emitir, nestes casos, fatura definitiva.  

r)            No tocante à participação do furto à seguradora, entende a Requerente não existir qualquer problema no facto do furto ter ocorrido em 7-03-2016 e ter sido participado em 22-12-2016.

s)            Assim, conclui, pela necessária aceitação como gasto no valor de € 1.323,30, reputando os argumentos da AT como contraditórios e violadores dos princípios da justiça, da verdade material e da proporcionalidade pois «é a própria ATA que defende o registo a débito da conta “6842 – Outros gastos e perdas - Perdas e inventários Quebras” e a crédito da conta “382 Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Mercadorias", mas registando a custo na conta 61, já não pode ser aproveitado. (...) O que a ATA deveria fazer (...), era proceder a uma correção neutra, pois se deveria ter sido contabilizada na conta de custos 68, deveria ser aí adicionada por contrapartida da diminuição da conta 61».

t)            A Requerente não contesta as correções ao resultado tributável resultantes de multas não dedutíveis, no valor de €1.874,94 (mil oitocentos e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), bem como as correções da dedução à coleta de IRC de benefícios fiscais, no valor de € 13.400,00 (treze mil e quatrocentos euros) uma vez que, a não aceitação deste último valor resulta da aplicação de métodos indiretos, questão que não é objeto de discussão nos presentes autos.    

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

a)            Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, começando por se pronunciar sobre a alegada ILEGALIDADE DA INSPECÃO, no que respeita à violação do disposto na alínea d) do artigo 27.º do RCPITA referindo que não há qualquer incongruência no critério de seleção utilizado, nem o critério teria de ser o indicado na alínea d) do art.º 27.º do RCPITA pois, «Em cumprimento do disposto na alínea a) do art.º 27.º do RCIPTA, o critério de selecção, regional, encontra-se referenciado ao PNAIT na respectiva Ordem de serviço no início da acção inspectiva, como pode ler-se no Processo Administrativo que se junta aos autos arbitrais.(...) Assim, a identificação do sujeito passivo a inspecionar, no caso concreto, teve por base “A aplicação dos critérios objectivos definidos no PNAITA para a actividade de inspecção tributária”, encontra-se referida nas respectivas Ordens de Serviço, por referência ao PNAIT e foi devidamente identificada no Projecto de Relatório, no momento procedimental apropriado, conforme defendido pela doutrina e jurisprudência». 

b)           Assim, não colhe a alegação da Requerente, uma vez que, desde que referenciados ao PNAIT na Ordem de Serviço do início do procedimento de inspeção, os critérios de seleção podem ser revelados ao contribuinte só após concluídos os atos de inspeção, para que não se comprometa a eficácia da inspeção, sem que daí advenha qualquer prejuízo para a defesa do contribuinte, o qual pode, ainda em sede de procedimento de inspeção, contestar a aplicabilidade do critério de seleção à sua situação concreta.

c)            Quanto ao alegado vício procedimental invocado pela Requerente relacionado com a notificação da Nota de Diligência em 18/06/2018, sendo o parecer do chefe de equipa datado de 19/6/2018 e o despacho por delegação do Diretor de Finanças de ... com data de 20/6/2018, clarifica a Requerida que há que distinguir entre o fim dos atos de inspeção e o fim do procedimento de inspeção, designadamente nos casos em que o sujeito passivo exerce o direito de audição. Ora, sustenta a Requerida que o procedimento de inspeção só termina com a notificação ao sujeito passivo do relatório final, que no caso, ocorreu a 26/06/2018, tendo sido dado integral cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 61.º do RCPITA, nos termos do qual «Caso exista audição prévia nos termos do art.º 60.º, a notificação da nota de diligência é efetuada após a análise e verificação dos factos invocados pelo sujeito passivo», o que foi escrupulosamente cumprido.

d)           Relativamente à não consideração de documentos juntos pela Requerente após ultrapassado o prazo para o exercício do direito de audição, refere a Requerida, que à luz do prazo previsto no n.º 2 do artigo 36.º do RCIPTA, não dispunha de mais tempo para a conclusão do procedimento, fazendo notar que outra atuação não lhe era exigível uma vez que, «o sujeito passivo, depois de 25 dias para exercer o seu direito de audição, alegou juntar documentos ao processo, mas que durante 14 dias em que a Inspecção Tributária esteve a analisar os seus argumentos, nunca os entregou.»

e)           Finalmente a Requerida considera manifestamente infundados e não devidamente demonstrados os vícios imputados ao ato tributário relativos ao erro na quantificação e qualificação dos rendimentos por violação dos princípios da verdade material, da proporcionalidade e da necessidade de cooperação por parte da AT.

f)            No que toca às questões de fundo, começando pelas correções realizadas em sede de tributação autónoma, a Requerida clarifica a sua posição em relação ao contrato de conta-corrente celebrado pela Requerente a favor de B... alegando que «Na contabilidade do ano de 2014, a conta “27821005 – Outras contas a receber e a pagar – Outros devedores e credores – Credores diversos – Mercado Nacional –B...” apresenta um saldo inicial a débito de 15.000€, e durante esse ano foram efetuados apenas lançamentos a débito por contrapartida da conta 1210 – Depósitos à ordem – Banco E..., (…) Esses lançamentos correspondem a saídas do Banco E..., não se sabendo a que título foram efetuadas, pelo que tem enquadramento em despesas não documentadas, previstas no artigo 88.º n. 1 do CIRC, sendo tributadas autonomamente à taxa de 50%».

g)            Acresce, no âmbito do referido contrato de conta-corrente, segundo a Requerida as despesas em causa não podem ser justificadas por via do próprio contrato, pois, por um lado, a Requerente não é um banco, por outro lado, o sujeito passivo B... não é seu cliente, ou seu fornecedor, nem se encontra coletada para o exercício de uma atividade comercial, pelo que não se compreende qual a relação comercial existente, sendo de manter a correção no valor de €52.295,00.

h)           Quanto à tributação autónoma no valor de €94.892,71€, o qual foi contabilizado por débito da conta #561- Resultados transitados e por créditos na conta #1210 de depósitos à ordem, esclarece a Requerida que a Requerente possui na sua contabilidade de 2015 um Diário - Banco-C..., dentro do qual se encontra um documento, aparentemente mal contabilizado, que se intitula Conta 1210- Depósitos à Ordem Banco E... .

i)             Continua a Requerida explicando que em termos contabilísticos, «saíram 94 892,71€ duma conta do Banco E..., mas quando consultados os extratos da respectiva conta bancária do Banco E..., este valor não foi encontrado pela Inspecção e nas restantes pastas também não exista documento de suporte para este lançamento.» acrescentando além do mais, que se fosse certo, como a Requerente afirma, que o pagamento desse valor correspondia ao pagamento de um imposto ao Estado ocorrido em 04/11/2013, não foi feita prova dessa circunstância, nem tal montante foi contabilizado em Novembro de 2013, como deveria, nem a contabilidade dava qualquer indicação da existência dessa dívida no anos de 2014 e 2015 (ano da contabilização). Mais refere que «O registo a débito na conta 561- Resultados Transitados consubstancia uma diminuição do capital próprio do sujeito passivo, por via de uma despesa não documentada, não se sabendo a que título foi efectuada nem a identificação do beneficiário.» 

j)             No que respeita aos roubos de mercadorias com participação à seguradora, a Requerida entende que o proveito referente à indemnização recebida por parte da seguradora em 2017 deveria ter sido imputado a 2016, de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC nos termos do qual, segundo um princípio de especialização dos exercícios devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam. Por conseguinte, aduz a Requerida que sendo tal rendimento expectável, conhecido e previsível, deveria ter sido contabilizado no ano de 2016, ainda que sob a forma de estimativa.

k)            E continua aludindo a Requerida que «A não consideração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, constitui não só violação do princípio da especialização de exercícios (art.º 18.º do CIRC), como também viola o princípio da tributação do lucro real, porque se não forem declarados, pelo contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício, e é em relação a esse período de tempo, que o lucro real, para efeitos de tributação, deve ser aferido.»

l)             Concluindo a sua argumentação, no sentido da omissão de rendimentos verificada no ano de 2016, no montante de €27.718,58, por força da aplicação de princípios constitucionais como a justiça distributiva, o princípio da legalidade fiscal e da capacidade contributiva.

m)          No que toca à correção referente a roubos de mercadorias sem participação à seguradora, a Requerida discorda de todas as justificações apresentadas pela Requerente. Em primeiro lugar, entende que numa lógica de razoabilidade não faz sentido a participação à seguradora de um roubo de mercadorias 9 meses depois da ocorrência, havendo risco de recusa de pagamento da indemnização. Por outro lado, encontrando-se o bem à consignação, e tendo sido roubado deveria ter existido uma fatura definitiva por parte do consignante ao consignatário, que titule a venda, o que no caso concreto não existiu, gerando-se a dúvida se o consignatário terá recebido a indemnização e não pagou ao consignante.

n)           Por conseguinte, a Requerida entende que devem ser mantidas as correções, uma vez que, os roubos não se encontram registados na contabilidade dos respetivos anos, embora o seu valor esteja reflectido no custo das mercadorias vendidas, devido a essas mercadorias não terem sido incluídas nos inventários de mercadorias, uma vez que os mesmos foram elaborados após as datas dos roubos.   

o)           Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião havida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma sociedade por quotas que desenvolve a atividade de relojoaria e ourivesaria, com CAE 47770.

B.            A Requerente tem a sua sede na ... e estabelecimentos de venda situados em vários centros comerciais (..., ..., ..., ... (abertura em Junho de 2014), ... (abertura em final de Novembro de 2015) e ... (abertura em Maio de 2016). Acresce que a Requerente comercializa mercadoria através da Internet.

C.            Em sede de IVA, a Requerente está enquadrada, no regime normal de periodicidade mensal, e, em sede de IRC, encontra-se abrangida pelo regime geral de determinação do lucro tributável – cfr.  processo administrativo -;

D.           A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção, iniciada em 09-01-2018, ao abrigo das ordens de serviço OI2017..., OI2017..., e OI2017..., tendo para efeitos da conclusão dos atos de inspeção sido emitidas as notas de diligência NDO..., NDO... e NDO... em 18-06-2018  – cfr. processo administrativo -;

E.            A ação de inspeção foi desencadeada a fim de analisar a situação tributária do sujeito passivo, devido a este declarar crédito de IVA em períodos sucessivos, tendo âmbito parcial – IRC e IVA, e abrangendo os anos de 2014, 2015 e 2016 – cfr. processo administrativo - ;

F.            O critério de seleção da Requerente foi de ordem regional, com o código de atividade..., encontrando-se referenciado ao PNAIT (Plano Nacional de Atividades de Inspeção Tributária) na respetiva Ordem de Serviço no início da ação inspetiva – cfr. processo administrativo - ;  

G.           No âmbito da ação de inspeção identificada em D supra, a 07-05-2018, foi a Requerente notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, de onde resultam, por um lado, correções ao IRC por aplicação de métodos indiretos – as quais não são objeto dos presente autos – , e, por outro, correções meramente aritméticas relativas aos períodos inspecionados, em sede do mesmo imposto, que totalizam o montante de €145.093,18,  dividindo-se da seguinte forma:

 

        

 

H.           No âmbito do mesmo ofício a Requerente foi notificada, para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, através de carta registada – Ofício n.º DIT ... de 07-05-2018 –  cfr. processo administrativo -;

I.             No dia 04.06.2018, a Requerente exerceu, através de requerimento, o direito de audição prévia que lhe assistia – cfr. processo administrativo -;

J.             A Requerente utilizou o prazo de 25 dias para exercer o seu direito de audição, tendo protestado juntar ao processo vários documentos, que até à data da notificação do Relatório de Inspeção Tributária, nunca juntou – cfr. processo administrativo – e pontos 23 e 24 das alegações da Requerente –;

K.            Pelo ofício n.º DIT..., datado de 18 de junho de 2018, e recebido a 21 de junho de 2018, foi notificada a Requerente da conclusão do procedimento inspectivo, nos seguintes termos: «ENVIO DE NOTAS DE DILIGÊNCIA N.º ND..., ND... e ND... .

Para efeitos do n.º 1 do art. 61.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributaria e Aduaneira, aprovado pelo Decreto Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, envia-se em anexo as Notas de Diligência N.ºs ND..., ND... e ND..., relativas às Ordens de Serviço N.ºs 012017..., 012017... e 012017..., respetivamente, considerando-se assim concluídos os actos de inspecção a coberto destas Ordens de Serviço.»

L.            O parecer concordante do Chefe de Equipa, é datado de 19 de junho de 2018 – cfr. processo administrativo –; 

M.          No dia 26.06.2018, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) – cfr. processo administrativo – do qual resultaram correções meramente aritméticas, concomitantemente com a aplicação de métodos indiretos, retirando-se do referido documento, com relevância para os autos, o seguinte:

 

« III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

 

1.            Despesas não documentadas

1.1          Em resultados transitados

Na contabilidade do ano de 2015, o montante de 94.892.71€ está registado a crédito da conta “1210 Depósitos à ordem – Banco E...”, o que corresponde a uma saída da conta do Banco E..., não do Banco C... como alega o sujeito passivo no direito de audição.

 

Se o pagamento desse valor ao Estado ocorreu no dia 04-11-2013, deveria ter sido contabilizado em Novembro/2013, e não foram apresentadas provas nenhumas que não tenha sido contabilizado nesse mês, tanto mais que na contabilidade dos anos de 2014 e 2015 não existe nenhuma indicação dessa dívida ao Estado.

 

Reafirma-se que o valor de 94.892,71 não consta de nenhum extrato bancário do ano de 2015 – ano em que está registado na contabilidade, tanto do banco C... como do Banco E... .

 

Assim não foram apresentadas provas que o lançamento contabilizado em Janeiro de 2015, que se traduziu numa diminuição do saldo da conta Banco E... e uma diminuição dos capitais próprios no valor 94.892,71€, corresponda ao pagamento de imposto ocorrido em 04-11-2013, pelo que se propõe manter a correção.  

 

1.2 Em outros Devedores e Credores

O contrato de conta-corrente apresentado no direito de audição (documento 6), a fim de justificar os pagamentos efetuados a B..., na primeira cláusula apresenta a seguinte redação:

“As partes declaram celebrar entre si um contrato de conta corrente, sem determinação de plafond, com a movimentação de quaisquer valores a crédito e a débito entre elas, por razões meramente comerciais”.

 

Pela análise da contabilidade dos anos de 2014, 2015, e 2016, não se detetou a existência de qualquer relação comercial entre o sujeito passivo e B..., pelo que o contrato de conta corrente não justifica as despesas em causa, sendo assim consideradas não documentadas.»   

 

Assim manteve-se a correção constante do projeto de relatório nos seguintes termos:

 

«2.Multas e coimas

No direito de audição o sujeito passivo refere que concorda com a correção.»

 

Assim, manteve-se a correção constante do projeto de relatório nos seguintes termos:

Rubrica                Ano 2014             Ano 2015

Multas não dedutíveis fiscalmente          1.786,69€            88,25€

 

«3. Falta de liquidação de IVA na venda de viatura de mercadorias

(...)

 

4. Roubos de mercadorias

4.1 Roubos de mercadorias com participação à seguradora

No dia 12 de Dezembro de 2016, na loja do centro comercial ..., ocorreu um assalto, tendo sido roubada mercadoria e existido estragos em outra parte da mercadoria, no mobiliário e nas instalações

Este roubo foi participado à companhia de seguros –...– Anexo 1, tendo recebido a indemnização em 2 de Maio de 2017, conforme quadro seguinte:

Este roubo não está registado na contabilidade do ano de 2016, mas uma parte das mercadorias roubadas - relógios - está refletido no custo das mercadorias vendidas desse ano, devido a terem sido efetuados os acertos de stock n.ºs..., ..., ... e ... de forma a não constarem do inventário de mercadorias de 31-12- 2016.

Quanto aos artigos de ouro e prata roubados no valor para efeitos de indemnização de 17.297,22 , foi efetuado o acerto de stock n° ... datado de 13-12-2016, no entanto, consultado o inventário de 31-12-2015 não se detetou a existência dessas mercadorias e consultadas as faturas do ano de 2016 emitidas pelo fornecedor dessas mercadorias – F..., Lda., não se detetou a sua compra, assim não se considera que tenha influenciado o custo das mercadorias vendidas do ano de 2016.

 

Como o gasto referente ao roubo de relógios está contabilizado no ano de 2016, por via do custo das mercadorias vendidas, o sujeito passivo deveria ter contabilizado um acréscimo de rendimentos no ano de 2016, no valor da indemnização a receber do seguro, referente aos mesmos relógios.

Assim, existiu omissão de rendimentos no ano de 2016, relativamente à indemnização do seguro referente aos relógios roubados, conforme mapa seguinte: »   

 

O Relatório final refere ainda o seguinte:

«O sujeito passivo possuía um seguro contra roubos de mercadorias, participou o roubo à seguradora, conhecia as condições, era expectável que recebesse uma indemnização e cujo valor era estimável.

Assim, nos termos do artigo 18.º n.º 1 do CIRC e Norma Contabilistica e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 21, o sujeito passivo deveria ter reconhecido o rendimento referente à indeminização do roubo, independentemente do seu recebimento, ainda que sob a forma de estimativa relativamente aos artigos em que o gasto foi reconhecido. 

4.2 Roubos de mercadorias sem participação à seguradora 

 

Nos anos em analise, o sujeito passivo teve roubos noutras lojas, que não participou ao seguro, conforme seguidamente se descreve:

• Em 07-03-2016, roubo na loja do Centro Comercial ... de... de um anel em com a referência 32JALI00001 e descrição ALI.JOIA OB C/TRAV E BTS C/ 36 DIT0.3 ct, no valor de custo de 867,00 - Anexo 2;

• Em 13-12-2016, roubo na loja do ... de um relógio com a referenda n.º 80Q80SD497S002 e descrição REL. EON PLAQUÉ MST BRANCO C/ CORR, no valor de456,30 - Anexo 2.

Não foi efetuada nenhuma participação do roubo à seguradora, embora possuísse seguro contra roubos. Estes roubos não estão registados na contabilidade dos respetivos anos, mas o seu valor está refletido no custo das mercadorias vendidas, devido a essas mercadorias não terem sido incluídas nos inventários de mercadorias, por os mesmos terem sido elaborados após as datas dos roubos.

 

Assim, nos termos do artigo 23.º n.º 1 e 23.º A n.°1 alínea g), ambos do CIRC, não é dedutível fiscalmente como gasto, o valor registado na conta “61 - Custo das mercadorias vendidas” referente aos roubos mencionados anteriormente, conforme mapa seguinte:

 

5. Benefício fiscal de dedução de lucros retidos e reinvestidos

Na declaração de rendimentos modelo 22 do ano 2016, o sujeito passivo deduziu à coleta o valor de 13.400€, respeitante ao benefício de dedução por lucros retidos e reinvestidos, previsto nos artigos 27.º a 34.º do Decreto-Lei nº 162/2014 de 31 de Outubro.

Como o lucro tributável do ano 2016 é determinado por métodos indiretos, conforme descrito no capítulo IV e V, deste relatório, o sujeito passivo não pode usufruir desse benefício, nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31 de outubro. Pelo que a dedução à coleta vai ser objeto de correção desse valor.» 

 

N.           Relativamente ao ponto do RIT «Roubo de mercadorias sem participação à seguradora» a Requerente esclareceu no exercício do direito de audição o seguinte:

«Cabe desde já mencionar que não se compreende como se escreve que não foi efectuada nenhuma participação desses roubos, quando, conforme documentos números 8 e 9, os mesmos roubos foram participados, Apólice ..., e isto mesmo foi dito em sede de inspecção tributária.

O primeiro furto/roubo correspondeu ao roubo de um anel de ouro na loja do Centro Comercial ..., também ele além de comunicado à Seguradora, foi participado à Policia de Segurança Pública (PSP), tendo dado origem ao processo número NUIPC.../...PAMGR, conforme documento número 10 que se anexa.

O segundo furto/roubo, corresponde a um relógio Versace, no Centro Comercial ..., também ele além de comunicado ao Seguro participado à Guarda Nacional Republicana, tendo dado origem ao processo número ...GCBNV, conforme documento número 11 que se anexa. Acresce, ainda, que o artigo em causa era consignado pelo fornecedor conforme documento n.º 29 que se anexa, o que deita por terra toda a teoria veiculada pela ATA relativa a este furto/roubo: a mercadoria foi comunicada ao fornecedor como tendo sido roubada, o fornecedor facturou-a ao sujeito passivo e este tratou de pagar a factura respectiva. O acerto de stock em causa e desconsiderado pela ATA foi meramente o movimento contabilístico necessário para retirar o artigo do stock próprio da empresa (pois foi facturado pelo fornecedor ao sujeito passivo posteriormente ao roubo).»

O.           O relógio Versace, entregue à Requerente à consignação, e objeto de furto ocorrido no centro comercial ... em 13-12-2016, foi transmitido por via de fatura de consignação – cfr. documento n.º 29 junto com o direito de audição; 

P.            Em Agosto de 2018, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IRC e juros n.º liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2014 no valor de €131.746,16, a qual inclui juros compensatórios no valor de €14.333,94, liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2015, no valor de €113.445,37, a qual inclui juros compensatórios no valor de €8.594,86 e a liquidação número 2018..., correspondente ao ano de 2016, no valor de €58.046,61€, a qual inclui juros compensatórios no valor de €2.338,22, emitidos pela Autoridade Tributaria e Aduaneira – cfr. documentos n.º 1, 2 e 3  junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral -;

Q.           No dia 19 de dezembro de 2018 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral – cfr. requerimento electrónico submetido no CAAD -;

 

b.            Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas pelas partes conjugadas com a análise crítica da prova documental junta aos autos e o processo administrativo.

Quanto aos depoimentos das testemunhas arroladas nada de relevante se extraiu para a decisão da presente causa.

 

VI- DO DIREITO

 

1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente invoca vícios de ordem formal e vícios de ordem substantiva.

A título prévio, na sua resposta a Requerida alegou duas exceções dilatórias – (i) incompetência material do Tribunal por não serem arbitráveis as liquidações praticadas com base em matéria coletável fixada por métodos indiretos e (ii) falta de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável – tendo o tribunal mediante acórdão interlocutório julgado procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria na parte dos atos de liquidação praticados com recurso a métodos indiretos e julgado prejudicado o conhecimento da questão atinente à necessidade de apresentação de pedido de revisão. 

Nesta sequência, está em causa apreciar e decidir os suscitados vícios de ilegalidade da inspeção bem como os vícios materiais relativos às correções ao resultado tributável em sede de IRC, conforme delimitado no RIT (quadro a fls. 47), referentes às tributações autónomas de despesas não documentadas, ao enquadramento do roubo de mercadoria com participação à seguradora e ao enquadramento do roubo de mercadorias sem participação à seguradora.

 

1.1          VÍCIOS DA ILEGALIDADE DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA

Começa a Requerente por invocar, nos termos do artigo 23.º do RCPIT, sem prejuízo da possibilidade de realização de outras ações de inspeção, a atuação da inspeção tributária obedece ao Plano Nacional de Atividades da Inspeção Tributária e Aduaneira (PNAITA) o qual define os programas, critérios e ações a desenvolver que servem de base à seleção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar, fixando os objetivos a atingir por unidades orgânicas dos serviços centrais, regionais e locais, pelo que as inspeções podem ser desencadeadas com base no PNAITA nacional, ou com base no PNAITA regional.

Ora, neste contexto, entende a Requerente que das ordens de serviço prévias, bem como a ordem de serviço que determinou o início da IT, resulta apenas que é mencionado como critério de seleção o regional e nada mais surge em qualquer documento, ou comunicado, o que em seu entender, corresponde a uma violação de lei.

 

Vejamos.

               

                                O procedimento de inspeção tributária e aduaneira abreviadamente designado procedimento de inspeção tributária ou procedimento de inspeção é regulado pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira , que define, «sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras aplicáveis aos atos de inspeção» (artigo 1.º do RCPITA).

Segundo o RCPITA «O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias» (n.º 1 do artigo 2.º), para o que compreende, designadamente «A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários» e «A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários» (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º).

O procedimento tributário deve obedecer aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (artigos 5.º a 10.º).

A classificação do procedimento varia de acordo com os fins, o lugar, o âmbito e a extensão (capítulo III do título I), sendo que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada (n.º 1 do artigo 15.º).

Nos atos de inspeção, sem prejuízo do carácter reservado do PNAITA, a AT deve divulgar os critérios nele definidos para a seleção dos sujeitos passivos a inspecionar (artigo 26.º).

                               Ora, de acordo com entendimento da Requerente os SIT não comunicaram oportunamente o critério de seleção para realizar o procedimento inspectivo, tendo a Requerente apenas tomado conhecimento no momento em que foi notificada do projeto de relatório, o que, ademais, não condiz com a menção constante das ordens de serviço que indicaram o critério regional.

Vertendo aos autos, constata-se do teor das comunicações efetuadas pelos SIT que «a ação de inspeção foi desencadeada a fim de analisar a situação tributária do sujeito passivo, devido a este declarar crédito de IVA em períodos sucessivos, tendo âmbito parcial – IRC e IVA, e abrangendo os anos de 2014, 2015 e 2016» (vide ponto E do probatório).  

Acresce que o critério de seleção da Requerente foi de ordem regional, tendo sido creditado o código de atividade ..., encontrando-se referenciado ao PNAITA na respetiva Ordem de Serviço no início da ação inspetiva (vide ponto F do probatório). Não obstante, alega a Requerente que o critério de inspeção deveria ter sido comunicado à Requerente ab initio, e não no momento da notificação do projeto de relatório. 

Na verdade, tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que os critérios pelos quais o contribuinte foi selecionado para a ação inspetiva embora devam estar referenciados ao PNAITA na ordem de serviço do início da inspeção podem ser revelados ao contribuinte só após concluídas as atuações inspetivas quando possam comprometer a eficácia da inspeção, sem que daí advenha qualquer prejuízo para a defesa do sujeito passivo, que pode, ainda, em sede procedimental, impugnar a aplicabilidade do critério de seleção à sua situação.

No mesmo sentido, entende a doutrina, face ao carácter reservado do PNAITA, que «…não está claro se a Administração deve motivar e comunicar ao interessado os critérios pelos quais foi seleccionado. Na prática não é hábito fazer-se, e entendemos que a motivação pode ser necessária mas não assim a sua revelação ao contribuinte, ao menos até uma vez concluídas as actuações inspectivas».

Concordando com o entendimento doutrinário expresso, a circunstância de apenas ter sido revelado à Requerente o critério de seleção no momento em que foi notificada do projeto de relatório não consubstancia qualquer violação da lei, pois a informação foi dada à Requerente de forma suficiente e no momento procedimental certo – após concluída a ação inspetiva – tendo em vista assegurar os objetivos de eficácia que naturalmente norteiam a ação inspetiva. 

Note-se que a decisão de referenciar a sua inclusão no PNAITA já estava tomada e reflectida na ordem de serviço que determinou o procedimento de inspeção, pelo que a Requerente sempre poderia impugnar esclarecidamente a decisão de seleção, ficando desse modo assegurado o equilíbrio entre a eficácia da atividade inspectiva e as garantias de defesa dos contribuintes contra atuações desproporcionais e abusivas, isto é, desconformes aos limites programáticos fixados no PNAITA (cf. art.º23.º, n.º4 e 27.º do RCPIT).

Cabe, ainda, referir que resulta da regulamentação do procedimento de inspeção tributária, uma finalidade essencialmente organizatória e, na perspectiva dos sujeitos passivos, visará definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se refletirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de visar assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.

Relativamente a este último aspecto, ressalva-se, todavia, que, atento o princípio geral da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no artigo 60.º da LGT, sempre estarão os interesses juridicamente relevantes daqueles, nessa matéria, no essencial devidamente salvaguardados, independentemente da concreta regulamentação do procedimento de inspeção tributária. Neste domínio, e conforme resulta do probatório, nunca foi negado à Requerente o direito de audição e de participação na formação das decisões da AT no âmbito da ação inspectiva em apreço, tendo sempre tomado conhecimento das diligências efetuadas pelos SIT e sido notificada das decisões proferidas no procedimento de inspeção.

Improcede assim, este segmento da argumentação da Requerente.

Invoca ainda a Requerente uma ilegalidade relacionada com o facto do RIT «ter como data de conclusão 18/6/2018, sendo que o parecer do chefe de equipa é datado de 19/6/2018 e o despacho por delegação do Director de Finanças de ... tem a data de 20/6/2018 (...).» 

Adicionalmente, refere que no exercício do direito à audição prévia, protestou juntar vários documentos, não obstante a AT ter exarado o relatório final sem nunca ter dado a oportunidade desses documentos serem juntos, o que, no entender da Requerente constitui um vício de preterição de formalidade legal, gerador da anulação de todos os atos tributários.

Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 36.º do RCPIT, o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (isto, sem prejuízo das situações legalmente previstas de ampliação de tal prazo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 36.º do RCPIT).

Por seu turno, concluído o procedimento de inspeção, impõe-se a audição prévia do contribuinte, nos casos em que os atos de inspeção possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, ou seja, quando os atos de inspeção resultem em proposta/projeto de correções ao imposto declarado pelo sujeito passivo, (cfr. artigo 60.º, n.º 1, do RCPIT e do artigo 60.º, nº 1, al. e), da LGT).

A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para o contribuinte se pronunciar sobre o projeto de conclusões, devendo o prazo ser de 30 dias, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.

Ora, no caso dos autos, a Requerente foi notificada do fim dos atos de inspeção para exercer a audição prévia prevista no artigo 60.º do RCPITA.

A Requerente utilizou o prazo de 25 dias para exercer o seu direito de audição, tendo-o feito a 4 de junho de 2018. Por conseguinte, em relação a este aspecto, é facto assente que foi concedido à Requerente o prazo máximo concretamente aplicável à sua situação previsto na lei para se pronunciar sobre a proposta de decisão da AT, e para juntar todos os documentos que considerasse essenciais à defesa da sua posição.

Acresce que a Requerente, vendo-se na eminência de não lograr juntar atempadamente aos autos os documentos que entendia, podia ter formalizado um pedido de prorrogação do prazo inicialmente concedido, concretizando o tempo necessário para reunir a prova em falta.

A este respeito refere a Requerente que «não se sabendo quais os documentos que a impugnante pretendia juntar também não se pode sequer equacionar que a decisão final a ser tomada seria exatamente a mesma». Ora, salvo o devido respeito que nos merece a posição da Requerente, não podemos concordar com a interpretação que perfilha dos princípios orientadores do procedimento tributário, bem como do disposto no artigo 60.º do RCPITA.

Ao abrigo dos deveres mútuos de cooperação entre a AT e o sujeito passivo não seria razoável que se colocasse nas mãos deste a faculdade de concluir, quando muito bem entendesse, o exercício do seu direito de audição, possibilitando-se por essa via, em última análise, a inviabilização da tributação de rendimentos em falta e a ultrapassagem de prazos de caducidade do direito à liquidação. Incumbia outrossim à Requerente o dever de demonstrar a dificuldade na reunião da prova dentro dos prazos estipulados, e de fundamentar a relevância da mesma para o esclarecimento da verdade material.    

Posto que não o fez, não se afigura exigível que a AT tivesse esperado por tempo indefinido pela junção dos documentos da Requerente, dado o risco de não serem cumpridos os prazos legais para a conclusão do procedimento inspetivo, numa circunstância, sublinhe-se, em que foi garantido à Requerente a possibilidade de utilizar o prazo máximo de resposta.

Acresce que os inspetores tributários procederam à análise dos argumentos apresentados pela Requerente entre os dias 4 de junho de 2018 e 18 de junho de 2018, momento em que, ainda assim, a Requerente podia ter procedido à junção dos documentos em causa. Porém, também não o fez.

Pelo que, a 18 de junho de 2018, a AT elaborou as notas de diligência n.ºs NDO..., NDO..., NDO..., dando por finda a elaboração do Relatório Final de Inspeção.

Em 26 de junho de 2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção concluindo-se, com este relatório, o procedimento de inspeção, em observância do disposto no artigo 62.º do RCPITA.

Assim, resulta claramente dos autos, que a Requerente foi notificada dos atos inspetivos relevantes de forma sequencial, e em cumprimento dos prazos previstos no procedimento inspetivo, até à respetiva conclusão.

Por conseguinte, tanto basta para afirmar que improcede, também, nesta parte, o pedido arbitral, sem prejuízo do que seguidamente se decidirá sobre a apreciação do mérito das liquidações, em sede de IRC, decorrentes da aplicação de correções aritméticas.

 

1.2            VÍCIOS MATERIAIS

1.2.1      TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DE DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS

 

A primeira questão que se coloca no domínio das correções meramente aritméticas respeitantes às despesas não documentadas consiste em apurar se os lançamentos   efetuados a débito no montante total de € 104 590,00, a favor de B... e se o valor de € 94 892,71, contabilizado por débito na conta 561, não se subsumem a despesas não documentadas como defende a Requerente ou, pelo contrário, preenchem a norma de incidência aplicável, v.g. art. 88.º, n.º 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), como conclui a Requerida.

O legislador, no artigo 88.º do CIRC, consagrou uma lista de tributações autónomas relativas a encargos suportados pelos sujeitos passivos que não estão diretamente conexos com a tributação do rendimento sujeito àquele imposto. As tributações autónomas reportam-se a despesas que estão em zona de interseção entre a esfera privada e a esfera empresarial e que assim criam dificuldades na definição do seu regime fiscal, bem como visam evitar que, com a realização de tais despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, tendo uma finalidade antielisiva .

As tributações autónomas têm caraterísticas próprias que as afastam do IRC; se o IRC tem por base a capacidade contributiva manifestada pelo rendimento, aquelas, incidem, regra geral, sobre o encargo; o IRC constitui um imposto de natureza periódica, enquanto que as tributações autónomas integram-se na categoria de impostos de obrigação única, pois tributam factos isolados; o IRC tem uma finalidade fiscal – arrecadação de receita, as tributações autónomas também terão uma finalidade extrafiscal, desincentivar a prática de comportamentos que se subsumam às distintas fontes de tributação autónoma vertidas no artigo 88.º do CIRC.

Em resumo, cada tributação autónoma visa, regra geral, desincentivar a realização de comportamentos que podem obnubilar a transparência fiscal por parte dos sujeitos passivos e reduzir o montante do rendimento tributável no IRC.

Traçada a natureza jurídica das tributações autónomas, há que analisar o recorte da tributação autónoma aqui concretamente em causa, aquela que se encontra prevista no artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, que dispõe: «As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A».

Impõe-se agora fazer uma análise jurisprudencial sobre a tributação autónoma em estudo, assim, observa a jurisprudência estadual tributária :

«As despesas não documentadas ou despesas confidenciais são sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. Por seu turno, as despesas não devidamente documentadas apenas são consideradas custos não dedutíveis – artigo 23.º-A/1/c), do CIRC.

«Ou seja, [em relação às despesas não documentadas], para além da sua não aceitação como custo fiscal são, ainda, sujeitas a tributação autónoma»(10).

«Temos assim dois conceitos semanticamente próximos – o de despesas “não documentadas”, a que se refere o artigo 88.º/1 do CIRC, e o de (encargos, onde se incluem) as despesas “não devidamente documentadas”, a que se refere [o artigo 23.º-A/1/c), do CIRC] – que, contudo, têm um conteúdo, natureza e efeitos jurídicos substancialmente distintos.

É que (…) a não aceitação de determinado encargo porquanto se entenda que – nos termos do [artigo 23.º-A/1/c), do CIRC] – o mesmo não se encontra devidamente documentado, não acarreta de forma necessária, direta e/ou automática, a tributação autónoma da correspondente despesa, como não documentada, nos termos do artigo 88.º/1 do CIRC.

Dito de outra forma, se todas as despesas “não documentadas”, para efeitos do artigo 88.º/1 do CIRC, serão despesas “não devidamente documentadas”, para efeitos do [artigo 23.º-A/1/c), do CIRC], o inverso já não será verdade»(11).

Mais se refere que as «[d]espesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação»(12).

A distinção entre despesas indevidamente documentadas e despesas não documentadas tem outras consequências, nomeadamente, no que respeita ao ónus da prova da efectividade da despesa.

«Com efeito, na medida em que a teleologia subjacente ao conceito de despesas não devidamente documentadas se prende com a sua insuficiência para comprovar a respetiva imprescindibilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o juízo de não suficiência de suporte documental da despesa é meramente negativo, reportando-se a uma constatação do incumprimento de um ónus contabilístico do sujeito passivo. Não carece tal juízo, portanto, que se demonstre que a despesa em questão ocorreu na realidade, já que a finalidade prosseguida, a sua desconsideração como encargo, não se vê afetada por tal circunstância.

Já o reconhecimento de uma despesa como não documentada, em ordem a sujeitá-la a tributação autónoma enquanto tal, não poderá prescindir da demonstração da efetiva ocorrência da mesma. Com efeito, “Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correcção/legalidade da mesma de molde a com ela se possa conformar ou vir a impugná-la, graciosa ou judicialmente, se a entender eivada de algum vício que a afecte na sua legalidade”, pelo que “As despesas confidenciais ou não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam. Daí a sua tributação autónoma”»(13).

Ou seja, «Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A. Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.”.

Já no que diz respeito à tributação de despesas não documentadas (…), deverá a AT demonstrar que:

i. As despesas em questão ocorreram efetivamente;

ii. Que o respetivo beneficiário não é conhecido, nem cognoscível»(14)”.

Já a jurisprudência arbitral tributária conclui que :

“O conceito de «despesas» utilizado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de «gastos», definido no artigo 23.º do CIRC (que inclui, designadamente, «perdas» e «ajustamentos»), pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património de uma empresa.

O Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 7-7-2010, proferido no processo n.º 0204/10, citado pela Requerente, que «tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o»: a apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa. No entanto, mas recentemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-3-2016, processo n.º 0505/15: O art.º 81.º do CIRC, na redacção vigente à data da tributação definia as diversas taxas que seriam utilizadas para tributação dos tipos de despesas ali enunciadas, sem haver qualquer dispositivo legal que determinasse que essa tributação só ocorreria se estas despesas houvessem sido tidas como custos fiscais da empresa para a determinação do seu lucro tributável. Admitindo-se que a finalidade da tributação autónoma apontada pela recorrente - reduzir a despesa fiscal evitando a fraude e evasão fiscais – seja um dos elementos considerados pelo legislador no estabelecimento desta regulamentação, essa finalidade não pode permitir, como aquela pretende que a interpretação do normativo em questão seja efectuada de molde a nele inserir um pressuposto legal sem qualquer assento no texto da lei, o que seria manifestamente desconforme com o disposto no art. 9.º do Código Civil. As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC. Na jurisprudência arbitral já havia sido defendida este entendimento, designadamente no voto de vencido proferido pelo Senhor Professor Doutor Manuel Pires no processo n.º 7/2011-T: devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas». Assim, as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza da despesa ou o seu beneficiário. Mas, para ocorrerem despesas, é necessário que se comprove que ocorreram essas saídas de meios financeiros da empresa».

Destaca-se ainda na jurisprudência arbitral tributária :

«…para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração – feita, no caso, como se viu – da ocorrência de despesas não documentadas, e da respectiva quantificação, torna-se necessário demonstrar que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2014. Neste sentido, entendeu-se já no acórdão arbitral proferido no processo 287/2017T2 que “só as despesas efectuadas n[um] período de tributação podem ser tributadas com referência a esse exercício.”. Assim, e em suma, a legal aplicação do artigo 88.º/1 do CIRC pressupõe a demonstração de: i. ocorrência de despesas não documentadas; ii. num determinado exercício; e iii. num determinado montante».

Deste modo é, neste momento, possível formular algumas conclusões: i) as despesas não documentadas resultam de exfluxos monetários, ou seja, despesas que originam uma saída de meios monetários de uma entidade, mas para a qual não existe um documento de suporte, ou comprovativo, não sendo assim possível determinar a natureza da despesa ou do beneficiário; ii) o conceito de «despesas não documentadas», numa primeira linha jurisprudencial  compreendia «…encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o»;  iii)  a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável , não é pelo facto de não terem sido reconhecidas na contabilidade como gastos que não configuram despesas não documentadas e iv) a tributação das despesas não documentadas exige que a AT demonstre que as despesas ocorreram efetivamente, em determinado exercício e que o beneficiário não é conhecido ou cognoscível.

As despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1 do CIRC reconduzem-se, assim, a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza da despesa ou o seu beneficiário. Mas, para ocorrerem despesas, é necessário que se comprove que ocorreram essas saídas de meios financeiros da empresa.

Deste modo para que a despesa não preencha a norma de incidência é necessário documento contabilístico plausível através do qual seja possível delimitar, sem margem para dúvidas, as características estruturantes da operação económica subjacente àquele registo contabilístico, mormente: o como, o quê, o porquê e o para quem.

Nos presentes autos impõe-se determinar se as saídas de meios financeiros da empresa (confessadas pela Requerente), no montante de € 104 590,00 (durante o ano de 2014) e de € 94 892,71 (no ano de 2015) configuram despesas não documentadas, por ausência de documento contabilístico plausível através do qual seja possível concretizar as características da operação económica subjacente ao registo contabilístico e, assim, o beneficiário ser conhecido ou cognoscível.

A Requerente insurge-se, em primeiro lugar, contra o facto de a Requerida defender que : «Na contabilidade do ano de 2014, a conta “27821005 – Outras contas a pagar a receber e a pagar  - Outros devedores e credores – Credores diversos – Mercado Nacional  -B...” apresenta um saldo inicial a débito de 15 000 €, e durante esse ano foram efetuados apenas lançamentos a débito por contrapartida da conta 1210 – Depósitos à ordem…» e «Esses lançamentos correspondem a saídas do Banco E..., não se sabendo a que título foram efetuadas», quando, a seu ver, o facto de não terem sido contabilizados como custo ou despesa nunca podiam ser tributados como despesas não documentadas e, em segundo lugar, a relação comercial existente entre a Requerente e  B... é a conta corrente que, no seu juízo, configura um contrato comercial.

O fundamento apresentado pela Requerente para concluir que não estamos perante uma despesa não documentada – contrato de conta corrente, não permite enquadrar o fundamento da operação económica em causa, mais concretamente, aquele que justificou a transferência a débito, durante o ano de 2014, de um montante de € 104 590,00.  Pelo contrário, o contrato apresentado indicia a transformação dos empréstimos em liberalidades, ao não consagrar a obrigação de reembolso e do vencimento de juros.

Em segundo lugar, como sustenta a Requerida, durante o ano de 2014, não se detetou na contabilidade qualquer relação comercial entre o sujeito passivo e B... quando tal, segundo os normativos contabilísticos, seria imperativo.

Em terceiro lugar, o contrato que, na visão da Requerente tem valor probatório bastante para justificar as diversas operações económicas em causa, apenas foi junto com o direito de audição.

Deste modo, a AT quanto a esta tributação autónoma cumpriu o ónus que sobre si impende, demonstrar os factos constitutivos do direito a tributar as despesas aqui em causa como não documentadas.

Em suma, dever-se-á manter na ordem jurídica esta correção meramente aritmética, sujeitando à tributação autónoma, os fluxos financeiros cujo fundamento económico não se descortina com a mera junção do contrato de conta corrente e que aparentemente foi celebrado com pessoa coletiva distinta, pois a Requerente não descreve qualquer relação entre si e a sociedade que celebrou o aludido contrato.

Por outro lado, a Requerente também se insurge quanto à qualificação do movimento de € 94 892,71, contabilizado por débito da conta 561 – resultados transitados e por crédito da conta 1210 de depósitos à ordem como despesa não documentada, porquanto alega que traduz um pagamento de IVA à AT, liquidado em 2011, por referência ao ano de 2007 e pago em 2013.

Ora, a Requerente alega que a despesa, cuja existência confessa, foi realizada em 2013 e contabilizada no ano de 2015, quando é necessário que o pagamento tivesse sido realizado nesse mesmo ano (2015), pois mesmo em relação às tributações autónomas vigora o princípio da anualidade previsto no art.º 8.º do CIRC.

Se é verdade que o requisito da existência de despesas não documentadas se verifica, a Requerente alega que ocorreram em 2013, pelo que perante a matéria de facto provada, não é possível concluir que assim não seja. O movimento contabilístico em que a AT assentou a sua atuação (561 – resultados transitados, débito de € 94 892,71; 1210 – Depósitos à Ordem – Banco E...- € 94 892,71) respeita a janeiro de 2015.

Assim, perante as regras do ónus da prova é de concluir pela ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto relativamente à tributação autónoma em análise.

 

1.2.2      ROUBOS DE MERCADORIAS COM PARTICIPÇÃO À SEGURADORA

 

Conforme resulta do probatório, a Requerente foi alvo de um roubo de mercadorias, que ocorreu a 20 de dezembro de 2016, tendo contabilizado o gasto referente ao roubo no ano de 2016, por via do custo das mercadorias vendidas.

A Requerente reportou o roubo à seguradora, recebendo uma indemnização no valor de €27.718,58, a qual foi paga a 2 de Maio de 2017, motivo pelo qual, entendeu, de acordo com o princípio da prudência, contabilizar o acréscimo de rendimentos no valor da indemnização, apenas no ano de 2017, por se tratar do exercício fiscal em que ocorreu o pagamento. 

Discordando da Requerente, a AT considerou encontrar-se violado o principio da especialização de exercícios, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, nos termos do qual, os ganhos ou perdas de determinado exercício, quando eram conhecidos ou previsíveis, devem ser imputados ao exercício a que respeitam, ainda que sob forma de estimativa, sendo irrelevante o exercício em que se materializam.

Assim, a questão que é colocada ao Tribunal assenta essencialmente em descortinar se o rendimento relativo à indemnização do seguro referente à mercadoria roubada deve ser reconhecido no exercício fiscal de 2017, como contabilizou a Requerente, ou antes como defende a AT, ou no exercício fiscal de 2016, tendo como consequência, a manutenção da liquidação adicional de IRC nesta parte.

Ora, a apreciação jurídico-tributária da questão tem necessariamente de implicar a análise das normas legais que se afiguram concretamente relevantes, na redação aplicável à data dos factos. 

Assim, do Código do IRC, cumpre atender às seguintes normas: 

 

«Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

 

1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 — (...)

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

«Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

 

1             Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2             As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(...)»

 

Por seu turno, da Lei Geral Tributária, importa atender à seguinte norma:

«Artigo 55.º

Princípios do procedimento tributário

 

A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

 

Importa começar por referir que determinação do rendimento coletável das pessoas colectivas assenta num modelo de dependência parcial face aos ditames da ciência contabilística. O Código do IRC identifica essa realidade não só por via da exigência de fiabilidade e transparência da contabilidade prevista no artigo 17.º supra referido, como também no ponto 10 do seu preâmbulo, clarificando os contornos do modelo em vigor:

«10 - Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.

As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adotar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não refletidas naquele resultado.»

 

Ora, a relevância fiscal do resultado contabilístico implica a projeção para o domínio tributário dos princípios a que obedece a determinação daquele resultado. Tais princípios  constituem um ponto de referência indispensável para dirimir os problemas específicos que possam surgir.

A doutrina tem entendido que o princípio da especialização dos exercícios – espelhado no artigo 18.º do Código do IRC – deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses».

Como explica Rui Duarte Morais, «a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.

(…) não releva, para a imputação temporal de um custo, o momento em que a empresa extingue os seus débitos, mas sim o momento em que tais obrigações nascem. Incluem-se, pois, nos proveitos e custos do exercício, os encargos com origem no mesmo, ainda que a receber ou a pagar no futuro». 

Por conseguinte, o princípio da especialização dos exercícios assegura, do ponto de vista contabilístico, uma imagem verdadeira e apropriada do património ou da situação financeira, do desempenho e das alterações a ocorrer à posição financeira da empresa.

Do ponto de vista fiscal, a obrigatoriedade de considerar os gastos e os rendimentos no exercício em que são gerados/incorridos impede também que os contribuintes difiram os gastos e os rendimentos com finalidades de gestão fiscal diversas daquelas que o legislador fiscal entendeu privilegiar no sistema fiscal português. Assim, não existe qualquer norma no Código do IRC, ou noutra legislação fiscal complementar, que imponha nesta matéria um tratamento fiscal distinto do regime contabilístico, antes ele é confirmado pelo princípio contido no n.º 1 do artigo 18.º do Código IRC. 

Tal como bem esclarece a Requerida, face ao estabelecido no artigo 18.º n.º 2 do Código IRC, a imputação a um determinado exercício das componentes positivas ou negativas do rédito respeitantes a exercícios anteriores, apenas poderá ser efetuada se as mesmas forem imprevisíveis ou desconhecidas na data do encerramento das contas do exercício anterior a que deveriam ser imputadas.

Ora, no caso em apreço, a factualidade provada demostra que a Requerente, na determinação do resultado contabilístico e, consequentemente, do resultado fiscal, não cumpriu as regras contabilísticas e fiscais, nomeadamente violando a regra da especialização resultante do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC.

Destarte, embora o pagamento da indemnização pela seguradora tenha ocorrido no exercício de 2017, a Requerente, enquanto observadora objetiva, e face ao conhecimento e a experiência que dispõe de casos semelhantes ocorridos no âmbito da atividade que desenvolve, podia estimar de forma razoável o recebimento da indemnização referente ao roubo que sofreu.

Com efeito, ficou demonstrado que a Requerente possuía seguro contra roubos de mercadorias, participou o roubo à seguradora, assim como às autoridades policiais, porquanto, o pagamento da indemnização a cobrir os danos sofridos era um dado virtualmente certo, decorrente no contrato de seguro firmado entre a Requerente e a empresa seguradora. 

Donde resulta, indubitavelmente, que se a Requerente reconhece o prejuízo relativo ao roubo da mercadoria no exercício fiscal de 2016, o proveito correspondente, consubstanciado no direito ao percebimento do valor indemnizatório, deveria ter sido imputado ao mesmo exercício de 2016, independentemente do momento do pagamento, de acordo com o disposto no artigos 18.º n.º 1 do Código IRC.

Assim, inexistindo qualquer incerteza atendível, à data do fecho de contas de 2016, sobre o direito da Requerente à indemnização do seguro, a quantia em causa, no valor de €27.718,58, deve ser considerada como rendimento relativo ao período de tributação de 2016 (ano em que se constitui o direito), independentemente da data a que se reporte o pagamento daquele valor, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

1.2.3      ROUBOS DE MERCADORIAS SEM PARTICIPAÇÃO À SEGURADORA

Conforme resulta do RIT, no exercício de 2016, a Requerente foi alvo de roubo de mercadorias no valor de €1.323,30, tendo registado contabilisticamente estas perdas na conta #61- custo das mercadorias vendidas, e reconhecido o respetivo valor para efeitos da determinação do lucro tributável.

Ora, a AT colocou em causa a dedutibilidade fiscal de tais gastos, com base no artigo 23.º n.º 1 e 23.º A n.º 1 alínea g), por dois motivos diferentes que cabe identificar e analisar separadamente:

 

a)            Roubo de anel no valor de €867,00, em 07-03-2016 – no caso em apreço trata-se de uma existência própria da Requerente, tendo a AT posto em causa a dedutibilidade do gasto por dois motivos:  (i) por um lado, considerou não ser razoável nem aceitável que havendo um roubo a Requerente só proceda à participação à seguradora 9 meses depois da ocorrência, por outro, (ii) entendeu que o roubo não está devidamente registado na contabilidade dos respetivos anos, mas o seu valor encontra-se refletido na conta #61 – custo das mercadorias vendidas, por via da contabilização do inventário final, no qual as mercadorias roubadas não constam. Em termos concretos, a AT propugna o registo a débito da conta #6842 – outros gastos e perdas – perdas em inventários e quebras, por contrapartida do registo a crédito da conta #382 – reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos – mercadorias.

b)           Roubo de relógio no valor de €456,30, em 13-12-206 – no caso em apreço, a mercadoria não fazia parte das existências da Requerente, tendo sido entregue à consignação. A discordância entre as partes radica no facto de AT entender não aceitar a dedutibilidade do gasto por este se encontrar suportado documentalmente numa fatura de consignação. Por seu turno, a Requerente entende que havendo um roubo da mercadoria não há lugar à emissão da fatura definitiva de venda.

 

a)            Roubo de anel no valor de €867,00, em 07-03-2016

 

A questão que importa decidir é a de saber se o roubo da mercadoria é subsumível à previsão do artigo 23.º n.º 1 e 23.º A n.º 1 alínea g), isto é se pode ser considerado um gasto ou perda para efeitos de tributação e, concretamente, se pode dar-se como demonstrado nos autos a existência do roubo da mercadoria.

Começando por analisar a questão do ponto de visto do registo contabilístico da operação, conforme referimos supra a determinação do rendimento coletável em sede de IRC assenta num modelo de dependência parcial em relação aos princípios contabilísticos que constituem um prius face ao apuramento do rédito fiscal.

No caso em apreço ocorreu um roubo de existências próprias tendo a Requerente esclarecido como procede ao tratamento contabilístico de um gasto decorrente de um roubo. Assim, segundo resulta da sua contabilidade, havendo uma situação de quebra, o procedimento seguido passa por operar uma diminuição do stock contabilístico ajustando-o à existência final do stock de inventário, o que, implicitamente, afeta o custo das mercadorias consumidas, aumentando-o.

Ora, este sistema de contabilização, segundo o qual as diferenças influenciam diretamente o custo das mercadorias vendidas é a forma típica utilizada por empresas que usam o sistema de inventário permanente. Acresce referir que neste caso, e ao contrário do sistema de contabilização defendido pela AT, a contabilidade não regista em conta própria in casu, conta #6842 – Quebra em Inventários – por contrapartida da conta #382-Regularização de Inventários e ativos biológicos, pelo valor do roubo. Só num segundo lançamento seria feito o registo dos consumos através do lançamento a débito na conta #61 – custo das mercadorias vendidas, por crédito na conta #32 – mercadorias. 

A forma como a AT aferiu a razoabilidade desta quebra, não a reconhecendo com perda nos termos do artigo 23.º n.º 1 do Código do IRC, está influenciada pela forma como a Requerente reconhece este custo e como o reporta na respetiva declaração de rendimentos. 

Ora, muito embora seja inegável a correção e maior fiabilidade do registo contabilístico defendido nos autos pela AT, que ademais se encontra em linha com o previsto no Sistema de Normalização Contabilística (SNC), dir-se-á que, em substância, o resultado líquido contabilístico nos dois sistemas é igual, e o custo das mercadorias vendidas para o sujeito passivo é o mesmo, ainda que tal custo se encontre reconhecido na contabilidade de forma diferente. Com efeito, aplicando o método de revelação contabilística propugnado pela AT, claramente preferível, o custo total encontra-se separado em duas contas diferentes, na conta #68 e na conta #61, respetivamente, enquanto pelo método da Requerente o custo total (e os roubos implicitamente) encontra-se vertido na conta #61, ou seja, a Requerente não isola as diferenças de inventário.

No que toca à prova documental apresentada para responder às dúvidas suscitadas pela AT quanto à efetiva ocorrência do roubo, entende-se suficiente, porquanto, para além da participação do roubo à seguradora, ainda que tardia, foi igualmente feita prova da participação do roubo à Polícia de Segurança Pública, conforme ponto N do probatório.

A circunstância de não ter sido apresentado nenhum documento relativo ao resultado da participação à seguradora não pode ser determinante para aferir da ocorrência ou não do roubo. A este nível, tem sido entendimento da doutrina administrativa, que os furtos de existências são inerentes à atividade normal das empresas de retalho preenchendo claramente o requisito da indispensabilidade, estabelecendo-se como condição que (i) os controlos instituídos assegurem a minimização da ocorrência de furtos (questão que não é posta em causa pela AT) e que (ii) o sistema confira fiabilidade à tradução contabilística das ocorrências. 

Da jurisprudência resulta que não se prescinde da necessária comprovação pelos sujeitos passivos de imposto das situações que se traduziram em quebras de inventário, designadamente por roubo, em obediência ao princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real.

Ora, sendo inequívoco que a existência de mercadorias é um valor positivo, porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de mercadorias, seja a que título for, designadamente por roubo, não pode deixar de ser considerada como realidade que foi indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. 

Por conseguinte, ponderadas as circunstâncias supra referidas, entende-se que a forma de contabilização adoptada pela Requerente analisada em conjugação com a comprovação documental da existência do roubo junta aos autos, assegura, em termos de substância, a demonstração da quebra por roubo da mercadoria em apreço, reunindo o requisito da indispensabilidade, previsto no artigo 23.º n.º 1 do Código do IRC,  condição necessária à dedutibilidade da perda no âmbito do referido Código.

 

b)           Roubo de relógio no valor de €456,30, em 13-12-206

No que respeita ao roubo da mercadoria em questão, a Requerente invocou que «o artigo em causa era consignado pelo fornecedor» (...) «e foi roubado, como é que poderia haver fatura? Vendia-se o quê?», tendo junto aos autos a fatura de consignação. Não obstante o referido, a Requerente releva o valor da mercadoria como custo, em sede de IRC, para efeitos da determinação do lucro tributável.

Ora, a questão objeto de análise passa por aferir se um bem entregue à consignação que foi roubado na esfera do consignatário pode, ou não, ser reconhecido como custo fiscal por este, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, na ausência de uma fatura definitiva de transmissão do bem em causa. 

Analisemos a questão à luz do quadro normativo que se afigura concretamente aplicável.

O artigo 23.º do Código do IRC dispõe que:

 «1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(...)

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:» (Sublinhado nosso). 

Conforme referido no ponto anterior, a dedutibilidade fiscal de um gasto está condicionada no âmbito do requisito legal da “indispensabilidade” a um nexo causal com a obtenção de proveitos, conduzindo à sua inserção no escopo económico da empresa. O artigo 23.º do Código do IRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que podem integrar o grupo dos elementos negativos a relevar para efeitos da determinação do lucro tributável, consagrando como critério definidor que se consideram dedutíveis «todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC ».

Por seu turno, e em concreto, resulta do n.º 4 do referido preceito legal que os gastos incorridos pelo sujeito passivo com a aquisição de bens são dedutíveis, apenas sob condição da comprovação documental do ato aquisitivo.

Ora, o contrato de consignação caracteriza-se pela entrega de coisas móveis pelo consignante ao consignatário (ora Requerente) para que as venda, ficando o último com a obrigação de lhas pagar, ou caso não as venda e não opte por ficar com elas de lhas restituir.

Por conseguinte, do ponto de vista contabilístico, e considerando a morfologia do contrato de consignação, até ao momento da transmissão definitiva da propriedade da mercadoria, esta é um ativo do consignante. Assim sendo, havendo lugar ao roubo da mercadoria na esfera do consignatário, a perda inerente ao roubo ocorre na esfera do consignante, pois a mercadoria não foi faturada ao consignatário pelo que não consta do seu ativo.

 Em síntese, entende-se que, não obstante a ocorrência do roubo, na ausência de comprovação documental da venda definitiva da mercadoria do consignante ao consignatário, este não poderá relevar como custo o referido bem, pelas seguintes razões:

a)            O consignatário (ora Requerente) não comprovou documentalmente a titularidade do bem roubado;

b)           O consignatário sofreu um roubo da mercadoria consignada, não tendo feito prova do registo do bem roubado como elemento do seu ativo; consequentemente,

c)            Na ausência de fatura definitiva de transmissão do bem objeto de roubo, a perda inerente terá sido registada como custo na esfera do consignante.

Por conseguinte, competindo à Requerente provar documentalmente a transferência definitiva do bem em causa para a sua esfera de titularidade, e não o tendo feito, o pedido improcede nesta parte.

 

1.2.4      ANULAÇÃO PARCIAL

 

Perante o decaimento parcial da pretensão da Requerente, coloca-se a questão da anulação parcial das liquidações em crise. A tal propósito ensina JORGE LOPES DE SOUSA : “Nos termos do art. 100.º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio. Desta norma infere-se a possibilidade de anulação parcial dos atos tributários. O STA tem entendido, em geral, que os atos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles atos, no referido art. 100.º, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do CPT). Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial. Será o que acontece quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada.

Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria coletável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada…”.

                No mesmo sentido, sintetiza o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 01532/10.8BEBRG, que:

                “A possibilidade de anulação parcial do ato tributário de liquidação tem sido afirmada, sem divergência, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na natureza divisível, inculcada na sua substância quantitativa e na autoridade da plena jurisdição da sentença de anulação

                Invoca-se o princípio da economia processual, permitindo que a sentença estabeleça de imediato uma definição da situação jurídica, sem necessidade de nova pronúncia pela administração tributária (Saldanha Sanches Fiscalidade, 7/8 Julho/Outubro 2001, pp.63 e sgs., Casalta Nabais Direito Fiscal 2ª edição p.397/ acórdãos STA-SCT 12.01.2011 processo nº 583/10; 4.05.2011 processo nº 21/11; 12.01.2012 processo nº 965/10; 10.10.2012 processo nº 533/12; 5.12.2012 processo nº 477/12; 10.04.2013 Pleno da SCT processo nº 298/12; 30.04.2013 processo nº 01374/12)”.

                Ora, é precisamente o que acontece no caso sub judice em que este Tribunal Arbitral conclui que em relação a parte da matéria tributável, a correspondente a € 867,00 (exercício de 2016) e a tributação autónoma de € 47 446,36 (exercício de 2015) foram determinadas ilegalmente, nos termos supra expostos. Assim devem ser parcialmente anuladas as liquidações impugnadas na parte em que, no exercício de 2016, não foi considerada a dedutibilidade da perda e, no exercício de 2015, o segmento da referida tributação autónoma.

 

 

1.2.5. Juros compensatórios

 

A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos actos de liquidação impugnados.

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

A procedência parcial do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios em relação às liquidações que são objeto de anulação, no segmento respeitante à dedutibilidade da perda e à tributação autónoma, pelo que o pedido é também procedente nessa parte. 

 

 

VI- DECISÃO

               

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação de IRC, do exercício de 2015, no segmento da tributação autónoma, no montante de € 47 446,36, e a liquidação adicional de IRC, do exercício de 2016, no que respeita à dedutibilidade da perda, no montante de € 867,00, bem como a liquidação dos correspondentes juros compensatórios;

b)           Julgar improcedente o pedido arbitral quanto às demais liquidações impugnadas.

***

 

VII- VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 303.238,14 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VIII. CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na percentagem de 84,07% e 15,93%, respectivamente.

 

Notifique.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2019

 

 

Os Árbitros

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Árbitro Presidente)

 

Francisco Nicolau Domingos

(Árbitro Vogal)

 

Filipa Barros

(Árbitro Vogal)