DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – Relatório
1. No dia 28.03.2019, a Requerente, A...– SOC. UNIPESSOAL, com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios nºs. 2017... e 2017..., relativas ao período de 1303T, nos valores respetivamente de 25.691,04 € e 3.907,85 €, na sequência de decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra o indeferimento de reclamação graciosa.
A Requerente peticiona, ainda, a anulação do processo de contraordenação nº ...2017..., no qual a Requerente foi notificada para pagar coima no valor de 8.260,82 € em caso de pagamento voluntário no prazo de 15 dias ou de 9.529,39 €, em caso de pagamento entre os 16º e o 20º dia.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 14.06.2019.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
a. A autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste na edição e comercialização de revistas.
b. O presente processo de impugnação surge no âmbito de uma inspeção tributária justificada pelo facto de ocorrer uma diferença, no ano de 2012, no que diz
respeito à classificação contabilística de uma verba no valor de 110.448,04 €.
c. Nos exercícios de 2010 e 2011 a verba de 110.448,08 € estava classificada
em inventários iniciais e finais e declarada como matérias-primas, subsidiárias e de
consumo e, no ano de 2012, a mesma verba foi declarada em mercadorias.
d. A autoridade tributária entende que essa verba ou montante está sujeita a IVA,
por força da presunção do art. 86º, do CIVA e aplicou uma taxa de 23% sobre os 110.448,04 €, o que redundou num valor de IVA a pagar de 25.403,05 €.
e. E efetuou as liquidações adicionais de iva e de juros compensatórios nºs. 2017... e 2017..., relativas ao período de 1303T, nos valores respetivamente de 25.691,04 € e 3.907,85 €.
f. Da liquidação de imposto 25.403,05 € corresponde ao IVA corrigido aplicado aos 110.448,04 €, que no ano de 2011 estava contabilisticamente classificado em inventários e, no ano de 2012, estava em mercadorias.
g. Não consta do Relatório da Inspeção nem da proposta de decisão, que essa verba de 110.448,04 € que passou a “mercadorias” tenha sido transacionada.
h. Além disso, é de considerar e valorar que, em 2013, a reclamante não incluiu
essa verba em inventários iniciais de mercadorias o que significa que em 2013 a reclamante corrigiu o erro.
i. É certo que não fez a correção do ano de 2012, mas tal não invalida a verificação da existência de um erro nesse ano.
j. Se a reclamante nos anos de 2010, 2011 e 2013, não inscreveu essa verba em
mercadorias, e no ano de 2012 tal ocorreu, então, tem de se considerar que há
efetivamente um erro na classificação dessa verba no ano de 2012, além de que não se pode presumir que houve uma transmissão desses bens, porque não existe nenhum documento de venda dessas mercadorias.
k. Acresce que, estas situações não cabem na letra e no espírito do artº 86º, do CIVA, que só prevê a presunção de aplicação de IVA quando os bens em causa não se encontrem nos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade.
l. Não consta do Relatório da Inspeção Tributária e da Decisão que se impugna, que
esses bens não existam ou que no ano de 2012 não estivessem no local onde o sujeito passivo exerce a sua atividade.
m. A Autoridade Tributária, notificou a reclamante do processo de contraordenação nº ...2017..., para pagar uma coima no valor de 8.260,82 € ou de 9.529,39 €.
n. Este processo de contraordenação é relativo aos factos do presente processo de
reclamação, ou seja, pelo facto de a Autoridade Tributária ter feito as correções
oficiosas de IVA, do ano de 2013.
o. Acontece que, o processo de correção do IVA estava em fase de Reclamação.
p. Assim, o processo de contraordenação é claramente extemporâneo, porque
pressupõe algo que ainda não é definitivo.
q. Deve ser anulada a Liquidação Adicional de IVA nº..., no que diz respeito a valor de 25.691,04 €, bem como dos respetivos juros de mora e ainda do processo de contraordenação nº ...2017... .
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
POR EXCEPÇÃO-Incompetência do Tribunal Arbitral em matéria contraordenacional
a. Quanto ao pedido de anulação da decisão de fixação de coima e consequente extinção do processo de contraordenação nº ...2017..., cumpre deduzir a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral, conforme resulta do disposto no art. 2º do RJAT.
b. As matérias sobre as quais o Tribunal Arbitral se pode pronunciar estão fixadas com rigor no Decreto-Lei que aprovou o RJAT, sendo que a matéria atinente a infrações tributárias, no caso em apreço de contraordenações, não se encontra ali contemplada.
c. Nos termos supra expostos, deve o Tribunal Arbitral declarar-se incompetente para conhecer esta parte do pedido, e, em consequência, absolver a Requerida da instância.
POR IMPUGNAÇÃO
d. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento do recurso hierárquico (...2018...) interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa (...2017...) deduzida contra a liquidação adicional de IVA nº 2017... e juros compensatórios nº 2017..., referente ao período de 1303T, na parte em que a mesma reflete a correção efetuada pela Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da ordem de serviço nº 2015..., a título de imposto em falta/inventários.
e. E relativamente às correções efetuadas naquele período de 1303T, a Requerente apenas impugna a correção ao imposto em falta apurado com base em inventário elencada (25.403,05 (23% * € 110.448.04) e correspondentes juros compensatórios:
f. Em causa está o enquadramento jurídico-tributário da importância de € 110.448,04, que nos exercícios de 2010 e 2011 estava relevada na contabilidade em inventários iniciais e finais e declarada como matérias primas, subsidiárias e de consumo, no ano de 2012 estava revelada na contabilidade em inventários finais de mercadorias e no ano de 2013 não foi declarada qualquer verba nos inventários iniciais de mercadorias.
g. Consequentemente, ao abrigo da presunção contida no art. 86º do CIVA, e na falta de prova em contrário pela Requerente, foi a mesma sujeita a tributação à taxa legal de 23%.
h. Na reclamação graciosa a Requerente alega que a divergência declarativa nas IES de 2012 e 2013 resulta de um erro contabilístico, uma vez que os bens no total de € 110.441,04 não eram mercadorias comercializáveis, mas antes o espólio da sociedade.
i. Sucede que na IES de 2012 aquele montante foi incluído em inventário de mercadorias.
j. A forma como os bens em questão foram relevados na contabilidade e posteriormente incluídos na IES faz indiciar que os mesmos se destinam a comercialização.
k. Assim sendo, cumpre à Requerente o ónus de comprovar o alegado, afastando a presunção que resulta da sua contabilidade e da sua IES.
l. Porém, a Requerente não apresenta elementos que comprovem o alegado, assim como não substituiu a IES alegadamente preenchida com base num erro contabilístico.
m. A presunção de venda contida no art. 86º do CIVA, e consequente obrigação de liquidação do imposto à taxa aplicável, compreende todos os bens suscetíveis de serem transacionados, sejam eles matérias-primas, subsidiárias e de consumo, ou mercadorias.
n. Estando assente que no ano de 2013 os bens em causa deixaram de estar na empresa, alegadamente devido a destruição, e deixando os mesmos de constar do inventário deste ano, verificam-se todos os pressupostos de que depende a aplicação daquele art. 86º do CIVA.
o. Verificada a presunção nos termos legalmente exigíveis, cumpre ao sujeito passivo o ónus de comprovar o alegado.
p. Sucede, porém, que essa na prova não foi efetuada no decurso da ação inspetiva nem posteriormente no decurso do contencioso administrativo que se lhe seguiu,
q. Assim como continua a não se efetuar no âmbito dos presentes autos de pronúncia arbitral.
r. A ação inspetiva visou os exercícios de 2012 e de 2013, e o facto de aquela verba não constar registada em mercadorias no ano de 2013 não apaga o registo que das mesmas foi efetuado em 2012, cabendo ao contribuinte justificar e comprovar o alegado erro.
s. Mesmo que se venha a considerar provado que houve um erro contabilístico, conforme alega a Requerente, o que se impugna por não provado, e que, por conseguinte, aquela verba respeita a matérias primas e bens de consumo, conforme registo contabilístico de 2010 e 2011, e não a mercadorias.
t. Resulta ainda assim forçoso concluir que é aplicável a presunção de transação do art. 86º do CIVA uma vez que ela se aplica independentemente de os bens em causa respeitarem a mercadorias ou a matérias primas ou bens de consumo.
u. Nos termos supra expostos, deve ser julgada procedente a exceção da incompetência do tribunal arbitral quanto ao pedido de extinção do processo de contraordenação, com a consequente absolvição da Requerida da instância e quanto ao pedido para anulação da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, deve o mesmo ser julgado improcedente por não provado.
5. A Requerente apresentou resposta escrita à matéria de exceção invocada pela Requerida, no essencial, nos seguintes termos:
a. Acontece que o processo contraordenacional é relativo à eventual infração resultante do não pagamento da liquidação oficiosa de IVA.
b. Com a procedência da ação principal a infração tem de ser declarada extinto.
c. Se, porventura, a requerente tivesse pago o imposto liquidado também podia pedir, neste processo, a restituição do indevidamente pago: sereia uma consequência do deferimento do pedido de anulação da Liquidação de IVA.
d. Assim, também o pedido de anulação do processo contraordenacional é uma
consequência do pedido de anulação da Liquidação de IVA.
e. Termos pelos quais se mantém o pedido de anulação do processo contraordenacional, por ser uma decisão decorrente ou consequente do pedido de anulação da Liquidação Adicional de IVA.
6.Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
7. O tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Incompetência do tribunal arbitral para a anulação do processo de contraordenação nº
...2017... .
b) Ilegalidade das liquidações adicionais de iva e de juros compensatórios nºs. 2017 ... e 2017 91606, relativas ao período de 1303T.
No pedido anulatório formulado referente a juros a impugnante escreveu “juros moratórios” e não “juros compensatórios”.
Porém, em momento algum da parte narrativa da sua petição a requerente invoca que lhe tenham sido liquidados juros moratórios e, diferentemente, invoca a liquidação de juros compensatórios nº 2017... no valor de 3.907,85 €. A Requerida defendeu-se na contestação da pretensão anulação da liquidação dos juros compensatórios nº 2017..., invocada pelo Requerente, e não de pretensão a anulação de hipotéticos juros moratórios, sem que a Requerente tenha feito qualquer observação, designadamente em sede de resposta escrita à contestação.
No entender do tribunal deve, pois, entender-se que a Requerente pretende a anulação dos juros compensatórios e não de juros moratórios, que nem sequer alega, tratando-se dum lapso de escrita, revelado no contexto da petição, sem qualquer prejuízo para a posição processual da Requerida que interpretou corretamente a pretensão anulatória, pelo que se considera retificado o lapso.
9. Questão da incompetência quando ao pedido de anulação do processo contraordenacional.
Na redação em vigor do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, que define o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, consta o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
c) (Revogada) (Redação da Lei n.º 64-B/2002, de 30 de Dezembro)”;
Não consta deste artigo a atribuição de competência dos tribunais arbitrais no que respeita a matéria contraordenacional.
É, pois, manifesta a incompetência do tribunal arbitral quanto a esta pretensão, o que determina a absolvição da instância arbitral nesta parte, nos termos dos artigos 2º, nº 1, do RJAT e 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
II – A matéria de facto relevante
10. Consideram-se provados os seguintes factos:
a. A autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste na edição e comercialização de revistas.
b. No exercício de 2012 a requerente qualificou contabilisticamente como inventários uma verba no valor de 110.448,04 € que nos exercícios de 2010 e 2011 estava classificada como matérias-primas, subsidiárias e de Consumo.
c. Tal verba constou dos inventários finais de 2012, mas não consta do inventário inicial de 2013.
d. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção externa de âmbito parcial a IRC, referente a 2012 e de âmbito geral relativamente ao ano de 2013, de cujo relatório de inspeção consta, além do mais, o seguinte:
e. Consta ainda do RIT o seguinte:
f. Na sequência do relatório de inspeção tributária a Requerida efetuou as liquidações objeto do processo.
g. A Autoridade Tributária, notificou a reclamante, no âmbito do processo de contraordenação nº ...2017..., para pagar uma coima no valor de 8.260,82 €, em caso de pagamento voluntário no prazo de 15 dias, ou de 9.529,39 € em caso de pagamento entre os 16º e o 20º dia.
h. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra as liquidações, ao abrigo do artigo 78º da LGT, o qual foi convolado em reclamação graciosa e autuado com o nº ...2017... .
i. A AT no âmbito deste procedimento notificou a autora do projeto de decisão e do direito para exercer o direito de participação.
j. A autora apresentou o seu direito de participação por escrito, tendo o mandatário da autora sido notificado de que o seu requerimento para o exercício do direito de
participação fora remetido para além do prazo, mas que podia ser analisado em sede de
recurso hierárquico.
k. Na sequência de pedido da Requerente, este direito de audição prévia foi convolado em recurso hierárquico, autuado com o nº ...2018....
l. O recurso hierárquico foi indeferido pela Requerida tendo, na sequência da notificação de tal decisão, sido apresentado pela Requerente o presente pedido de pronúncia arbitral.
Com interesse para a decisão da causa, à luz da fundamentação dos atos tributários impugnados, inexistem factos não provados
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, sendo de observar que, dos articulados apresentados, não emerge qualquer discordância das partes relativamente à matéria de facto que o tribunal julgou provada.
-III- O Direito aplicável.
12. Nos termos do artigo 86º do CIVA “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer desses locais”.
De acordo com o RIT:
Com base nos factos mencionados, que não são controvertidos, a Requerida presumiu, assim, a transmissão de €110.448,04 de mercadorias, liquidando à Requerente o respetivo IVA com base no citado art. 86º do CIVA.
Segundo este artigo presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade.
A base da presunção necessária à aplicação do art. 86º do CIVA é, pois, o facto dos bens em causa que não se encontrarem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade.
No caso, a requerida aplicou a presunção pela seguinte factualidade:
Todavia, como se pode ler no acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul de 27 de Setembro de 2018, proferido no processo 428/13.6BECTB :
“Sob a epígrafe “Presunção de aquisição e de transmissão de bens”, dispõe o art.º86.º do CIVA em que, de direito, se baseou a correcção da AT:«Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».
Como se sabe, entre os actos de inspecção compreendidos na actividade fiscalizadora da AT, inclui-se “proceder à inventariação física e avaliação de quaisquer bens ou imóveis relacionados com a actividade dos contribuintes, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e a realização de amostragens destinadas à documentação das acções de inspecção” – art.º29.º, n.º1 alínea b), do RCPIT.
Se o contribuinte é alvo de uma acção inspectiva em que a AT procede à verificação ou contagem física das existências e constata falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados, pode prevalecer-se da presunção prevista no art.º86.º do CIVA, ao que agora importa, presumindo a transmissão dos bens em falta e liquidando o imposto devido.
Essa presunção legal já não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores constantes dos registos contabilísticos e extra- contabilísticos do contribuinte, ou seja, sobre factos revelados pela contabilidade.”
No entender deste tribunal, em linha com o acórdão citado, cujo entendimento se acompanha, os factos contabilísticos considerados na fundamentação da liquidação não se subsumem à previsão normativa.
Traduzem-se, sem dúvida, numa incoerência contabilística que justificaria uma verificação pela inspeção da inexistência bens nos locais em que o sujeito passivo exerce a sua atividade. Feita esta verificação e constatando-se a inexistência dos bens, poderia então operar a presunção do art. 86º (cabendo então ao contribuinte o ónus de provar a sua não transmissão a fim de evitar a aplicação da norma). Porém, tal verificação não ocorreu.
É certo que consta do RIT, também, o seguinte:
Mas tal não legitima a conclusão da AT de que:
Com efeito, diferentemente, o que se afirma é que os bens se deterioraram.
Por outro lado, no RIT conclui-se que:
Ora, se o Direito de audição não pode ser considerado por falta de legitimidade, não pode ser valorado para fundamentar ou reforçar a fundamentação da decisão.
Assim sendo, apenas é de considerar a fundamentação constante do projeto de relatório da qual emerge uma errada aplicação do direito aos factos nele considerados. De resto, a igual solução se chegaria caso se considerasse o direito de audição uma vez que o que foi aí afirmado é que os bens se deterioraram e não que já não existiam.
Nestes termos, o ato de liquidação de imposto em causa, na parte em que emerge das correções com base na aplicação do art. 86º do CIVA (€ 110.448.04 x23%= 25.403,05 €) e correspondentes juros compensatórios, não pode deixar de ser anulado.
Sendo a liquidação de imposto de 25.691,04 € e não tendo a parte remanescente da liquidação de imposto sido impugnada - no valor de 287,99 €- o ato tributário em causa, nesta parte, mantêm-se na ordem jurídica, bem como os respetivos juros compensatórios.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
a) Julgar procedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral para julgar o pedido de anulação do processo contraordenacional, absolvendo-se a Requerida da instância quanto a este pedido.
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de imposto, decretando-se a anulação da mesma quanto ao valor de 25.403,05 €, mantendo-se o ato tributário na ordem jurídica quanto ao valor de 287,99 €.
c) Decretar a anulação parcial da liquidação de juros compensatórios, na parte em que incidem sobre o valor ora anulado de 25.403,05 €, mantendo-se na ordem jurídica os juros compensatórios que incidem sobre o valor de 287,99 €.
Fixa-se o valor da ação em 39.128,28 € (trinta e nove mil cento e vinte e oito euros e vinte e oito cêntimos) correspondente à soma do valor das liquidações e do processo contraordenacional cuja anulação se peticionou, nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT, art. 32º, nºs 2 e 7 do CPTA e e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas no valor de 1 836.00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros), na proporção de vinte e cinco por cento vírgula dois pela Requerente e de setenta e quatro por cento vírgula oito pela Requerida, nos termos do nº 4, do art. 22º, do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 2 de Dezembro de 2019.
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro