Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 53/2019-T
Data da decisão: 2019-09-10  IVA  
Valor do pedido: € 358.340,12
Tema: IVA - Prestação acessória. Operações financeiras. Seguros. Extensão de garantias de eletrodomésticos – Decisão de Reenvio prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor António Carlos dos Santos e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-04-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

                A..., SA, com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., com o NIF ... (doravante designada como “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação de liquidações de IVA e juros compensatórios, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

                É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-01-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 22-03-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e que «deverá a presente instância ser suspensa, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões jurídicas essenciais aqui suscitadas».

Por despacho de 24-05-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio requerer que fosse desentranhado um documento junto pela Requerente, com a designação de «Nota» e que se considerasse não escrita parte das alegações da Requerente, o que foi indeferido, por falta de suporte legal.

A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos pela Requerente com as alegações.

 O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, de âmbito parcial (IVA), relativa aos anos de 2014 e 2015, que foi depois alargada aos anos de 2016 e 2017;

B)           Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (doravante “RIT”) relativo à inspeção respeitante aos anos de 2014 e 2015 que consta do processo administrativo com a designação «procº admº -OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III. 1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

A) Enquadramento legal

Na conta 7816000007, estão registados os rendimentos com as extensões de garantia (€7.093.893,27 em 2014 e €7.033.802,80 em 2015), isentos de IVA pelo artigo 9.º, n.º 28.

Com efeito, as extensões de garantia são seguros, que proporcionam ao cliente uma garantia para além da original, por conta do fornecedor da marca, sendo que a A... é o intermediário entre a companhia de seguros (B...- NIF GB-...) e o cliente final. Como tal, estas prestações de serviços efetuadas pela A...  estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28.

Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Assim, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução. Tal percentagem resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo.

Confrontado o contribuinte com esta situação, veio o mesmo alegar, tendo para o efeito juntado um Parecer emitido pelo Professor Emanuel Vidal Lima (Anexo 1), que as operações de seguro se incluem nas operações financeiras, referidas no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, e, como tal, não relevam para o cálculo do pro rata.

Contudo, as duas operações são distintas, não se confundem entre elas. O CIVA distingue-as desde logo no artigo 9.º, prevendo a isenção para as operações financeiras no n.º 27 e a isenção para as operações de seguro no n.º 28.

Ora, se as operações financeiras e de seguro tivessem a mesma natureza, não teria certamente o legislador necessidade de as destacar no artigo 9.º do CIVA.

Também na Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), e contrariamente ao que é dito no Parecer, as operações de seguro surgem destacadas das operações financeiras.

Na verdade, as operações de seguro figuram na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º e as operações financeiras (descritas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, em várias alíneas), estão previstas nas alíneas b) a 9).

No mesmo n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva estão também referidas outras operações que nada têm a ver com operações financeiras. Portanto, não se pode dizer que a Diretiva arruma as operações de seguro e as financeiras no mesmo nível, o que ela faz é elencar todas as operações isentas de IVA no n.º 1, com diferentes alíneas, reservando o n.º 2 para as exclusões à isenção das operações de locação de bens imóveis.

Veja-se o teor do artigo 135.º:

"Artigo 135º

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

b) A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c) A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d) As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dividas;

e) As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou ouro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f) As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.º 2 do artigo 15.º;

g) A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados-Membros;

h) As entregas, pelo seu valor facial, de selos de correio com valor de franquia no respetivo território, de selos fiscais e de outros valores similares;

i) As apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro, sob reserva das condições e dos limites estabelecidos por cada Estado—Membro;

j) As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 12º;

k) As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º;

I) A locação de bens imóveis.

2. Não beneficiam da isenção prevista na alínea I) do n.º 1 as seguintes operações:

a) As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

c) A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa;

d) A locação de cofres-fortes.

Os Estados-Membros podem prever outras exceções ao âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea l) do n.º 1."

Diga-se que, pese embora o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA não diga expressamente "operações financeiras", da descrição das operações nele incluídas percebe-se claramente tratar-se de operações de natureza financeira.

Aliás, na doutrina encontram-se diversas referências que não deixam dúvidas quanto a esta interpretação. Veja-se, por exemplo, o Ofício-Circulado n.º 30103/2008, emitido com o objetivo de esclarecer as novas regras para a determinação do direito à dedução pelos sujeitos passivos mistos, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que no ponto VII, A., 4. refere "(...) as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9º do CIVA (...)".

Também o Ofício-Circulado n.º 30158/2014, que, a propósito da alteração do artigo 29.º, n.º 3 do CIVA diz "enquanto que a alínea b) contempla a dispensa de obrigação de faturação nas operações financeiras e de seguro a que se referem as alíneas 27) e 28) do artigo 9.º (...)". Ou seja, está aqui a dizer-se claramente que o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA se refere a operações financeiras, destacando-as das operações de seguro, referidas no n.º 28).

Assim, quando o legislador diz no n.º 5 do artigo 23.º "No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo", não está a incluir as operações de seguro, mas tão só as operações financeiras referidas no n.º 27 do artigo 9.º.

Repare-se que no artigo 6.º, n.º 11, c), pretendendo o legislador excluir de tributação diversas prestações de serviços efetuadas a adquirentes estabelecidos fora da Comunidade, refere as "Operações bancárias, financeiras e de seguro ou resseguro". Ou seja, estando as operações de seguro no desiderato da norma, foram as mesmas referidas expressamente.

Também no artigo 20.º do CIVA, que define as operações que conferem o direito à dedução, e pretendendo-se incluir as operações financeiras e de seguro para destinatários estabelecidos fora da comunidade, no ponto V) da alínea b) é expressamente dito "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade",

De facto, o legislador não se limitou a referir "as operações financeiras", querendo incluir as operações de seguro, disse-o expressamente.

Ora, se o legislador pretendesse considerar as operações de seguro no n.º 5 do artigo 23.º, então teria dito certamente "Operações financeiras e de seguro", tal como fez no artigo 6.º, n.º 11, c), ou "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º", como fez no artigo 20.º.

De qualquer modo, caso subsistissem dúvidas, recorrendo novamente à Diretiva, em concreto aos artigos 173.º a 175.º, transpostos para o artigo 23.º do Código do IVA, fica claro que a possibilidade de exclusão das operações financeiras no cálculo do pro rara não inclui as operações de seguro.

Com efeito, se o Código do IVA se refere a "operações financeiras", suscitando a dúvida no sujeito passivo sobre se nelas se incluem as operações de seguro, a Diretiva é clara, já que no artigo 174.º prevê expressamente a exclusão para as operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º.

Ou seja, as operações de seguro, referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º, ficaram de fora. Veja-se:

"Artigo 174.º 1. O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados-Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as diretamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pró rata de dedução não são tomadas em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados-Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pró rata de dedução."

Também o já referido Ofício-Circulado n.º 30103/20082, esclarece no ponto VII, A., 4. que "Para efeitos de cálculo do pró rata de dedução, as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA devem integrar o denominador da fração referida no n.º 4 do artigo 23.º, a menos que as mesmas devam ser consideradas como acessórias no quadro da atividade do sujeito passivo.".

Como se vê, são unicamente as operações do n.º 27 do artigo 9.º que estão incluídas (melhor dizendo, que poderão estar, caso sejam acessórias) no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

Assim, entendemos que a menção "operações financeiras" no Código do IVA se refere apenas e tão só às operações elencadas no n.º 27 do artigo 9.º, e nunca às operações de seguro referidas no n.º 28.

Atente-se que também no Código do Imposto do Selo as operações de seguro se distinguem das financeiras, estando as primeiras previstas na verba 22 da Tabela Geral e as segundas na verba 17.

Tal como se explicita na Circular 7/2009 da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT), referida no Parecer, "2 - As instituições de seguro são somente tidas como instituições financeiras em sentido lato, não lhes sendo legalmente reconhecida a natureza de intermediários financeiros ou de sociedades financeiras." (sublinhado nosso, omitido no Parecer)

Aquela Circular vem reiterar que as operações financeiras se distinguem das operações de seguro, cabendo a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) apenas às operações financeiras strictu sensu e não às operações de seguro.

Ou seja, tal como referido na Circular 7/2009 da DSIMT, as operações de seguro são operações financeiras em sentido lato.

Tal entendimento mereceu acolhimento pela Jurisprudência, vertido no Acórdão do CAAD, no âmbito do processo n.º 74/2012-T, lendo-se na página 15, em nota de rodapé:

"Embora, que se saiba, não se vislumbre na Lei a definição ou conceito de "instituição financeira", admite-se o reconhecimento das seguradoras como instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros. Todavia não se confundem (as seguradoras) com sociedades financeiras nem podem ser consideradas intermediários financeiros."

Assim, e sem prejuízo de no contexto do regime jurídico das empresas de seguro elas se enquadrarem nas instituições financeiras e, como tal, a sua atividade nas operações financeiras, em sede de impostos, quer de IVA, quer de Selo, as operações financeiras são tratadas em sentido estrito, nelas não cabendo as operações de seguro. Umas e outras têm enquadramento próprio e distinto.

Importa ainda aferir, por se mostrar igualmente fundamental, sobre o carácter acessório das operações de seguro em relação à atividade da RP.

Na verdade, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA potência a exclusão das operações financeiras, mas apenas e só se elas se mostrarem acessórias à atividade do sujeito passivo.

O Oficio-circulado n.º 30103/2008, no ponto VII, C., nº 3 refere que "As operações financeiras não poderão, por regra, ser consideradas acessórias caso a sua realização integrar o objeto principal ou habitual da atividade do sujeito passivo, ou constituir um prolongamento dessa atividade".

Ora, ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA (e que não estão, como já se demonstrou), não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa.

Note-se que mesmo que se desconhecesse a importância, em termos de valor, das operações de seguro na atividade da A..., é do conhecimento do público em geral que se trata de uma prática comum e habitual nas grandes superfícies de venda de eletrodomésticos, na medida em que a possibilidade de prolongar a garantia é sempre dada a conhecer ao cliente no momento da venda do produto.

A própria contabilidade também revela o carácter de habitualidade da venda das extensões de garantia. Veja-se a conta 78160000073 em 2014 e 2015 e a evolução do saldo, de forma sistemática e regular ao longo de todos os meses:

 

Saliente-se ainda, por ser ilustrativo, que a quantidade das operações de seguro é de tal ordem, que não se mostrou possível extrair os extratos da conta 7810000007 em folha de cálculo excel (razão pela qual a informação foi disponibilizada por totais mensais), cujo limite de linhas é superior a 1 milhão. Ou seja, são tantas as operações de seguro, feitas habitualmente, que excedem aquele limite.

Concluindo,

i) não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo.

ii) Acresce que tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo.

iii) Como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

(...)

C)           Em 05-09-2018, foi emitida a informação que consta das páginas 103 e 104 do Processo administrativo com a designação «OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I. INTRODUÇÃO

I. A A..., SA (doravante A... ou A...), com sede no distrito do Porto, foi objeto de ação inspetiva, de âmbito geral, dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2017... e 012017..., respetivamente.

II. FACTOS DETETADOS

2 Das diligências efetuadas no decurso da ação inspetiva, constatou-se que a RP, para além de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

3. Tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, sendo a A... o intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final, registando numa conta de rendimentos o valor por ela faturado e numa conta de gastos o valor posteriormente debitado pela companhia de seguros (cerca de 65% do seguro pago pelo cliente, ou seja, a A... tem um ganho de 35% aproximadamente).

4. Tratando-se as extensões de garantia de operações de seguro, estão as mesmas isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do CIVA (como, aliás, é o enquadramento adotado pela A...).

5. Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

6. Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

7. Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, que determina que o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual das operações que dão lugar a dedução.

8. Considerando o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (incluído nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA), que se apurou, e determinado o pró rata, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, foram efetuadas correções em sede de IVA, nos valores de €86.967,69 em 2014 e €71.048,62 em 2015.

 

D)           Na inspecção relativa aos exercícios de 2016 e 2017 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo com a designação «procº admº - OI2018...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

Para além do comércio de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), no exercício da atividade a A... vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

Nos períodos de 2016 e 2017 os rendimentos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respetivamente.

 

III.1.1.1 Enquadramento legal

Conforme devidamente explicitado no ponto A) do capítulo III.1.1. do relatório de inspeção tributária referente à ação inspetiva dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.ºs 012017... e 012017..., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, juntando-se em anexo a sua transcrição (Anexo 1), tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do Código do IVA (CIVA).

Como tal, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, determinando a al. b) do n.º 1 que o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pró rate) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

Dito de outra forma, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

E)            Na sequência das inspecções foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios no valor total de € 356.433,05, (€ 328.107,08 de IVA e € 28.325,97) juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 86.970,39;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 71.050,12;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 93.440,51;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 76.646,06;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 12.418,50;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 7.303,40;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 6.420,39;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 2.183,68;

F)            A actividade principal da Requerente é a venda a retalho de electrodomésticos, enquadrada no regime normal de IVA;

G)           No final de cada venda de electrodomésticos, após fecho desta, o vendedor que a efectuou propõe ao comprador a compra de extensões de garantias por um valor adicional;

H)           Após a venda de electrodomésticos, a Requerente propõe aos seus clientes, além das extensões de garantia, serviços como aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio;

I)             A Requerente não vende extensões de garantia sem prévia venda de eletrodomésticos;

J)            As garantias são asseguradas pelos respectivos fornecedores das marcas dos electrodomésticos que a Requerente vende, tendo esta actividade de intermediação, com base em contratos de agente na actividade de mediação de venda de apólices de seguro;

K)           A venda de extensões de garantia representa cerca de 4% ou 5% do volume de negócios da Requerente;

L)            A actividade de extensões de garantia proporciona a Requerente um lucro de cerca de 35%;

M)          A venda de extensões de garantia ocorre com habitualidade;

N)           A Requerente não investiu nem alterou a sua estrutura, espaços físicos e apresentação ao cliente, por vender extensões de garantia;

O)           A Requerente não tem estrutura logística, de recursos e de suporte especialmente afecta à venda de extensões de garantia;

P)           Não há qualquer obrigação entre a Requerente e a seguradora da extensão de garantia em termos de contratação de pessoal;

Q)           Não houve qualquer contratação de funcionários extra para assegurar a venda de extensões de garantia, nem tão pouco foi contratada formação específica para os funcionários da Requerente;

R)           Os recursos materiais consumidos pela Requerente com a venda de extensões de garantia são:

(i) compra da apólice (isenta de IVA) ou seja, a compra das garantias junto da entidade B... (na prática é uma lista com o número de apólice e o valor unitário de compra) e traduz-se em 4 a 5 facturas mensais da B... à A..., ou seja, anualmente cerca de 60 facturas (59 facturas em 2017, 56 em 2016, 56 em 2015 e 93 em 2014) para um total superior a 100.000 documentos tratadas globalmente pelos serviços e Suporte A... (todos os

fornecedores);

(ii) Comunicação de dados à companhia de seguros, que é feita de forma suportada em recursos IT (leitura do ficheiro de facturação e reenvio automático por interface).

Não há consumo tangível de qualquer recurso (excepto uma ínfima parte de energia/electricidade e da infraestrutura IT), considerada imaterial;

iii) Papel: Impressão do papel da apólice de seguro. Ao cliente é entregue em papel (i) a factura e (ii) a apólice de seguro (esta última caso o cliente não aceite receber via email o respetivo certificado). Assim, para a factura, a EG significa uma impressão de linha adicional (pelo que não há consumo adicional de papel).

Apenas a apólice é consumo adicional e marginal de recursos tangíveis, ou seja, 6 folhas de papel x Número de apólices anual x € por folha * print = 009€/apólice, ou seja, um custo total anual estimado de 17.937€ inerente ao custo de impressão (papel de 0,004€ a folha e avença de impressão a preto e branco de 0,0055 por página);

S)            O custo aproximado da impressão das extensões de garantia foi de € 11.426,76 em 2014, de € 10.879,38 em 2015, de € 15.416,46 em 2016 e de € 17.937,00 em 2017 e os custos de estrutura nesses anos foram, respectivamente, de € 9.500.905,54, € 7.669.866,85, € 8.172.282,26 e de € 8.382.466,70 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Relatório da Inspecção Tributária);

T)            Até à fase de Atendimento e Caixa, não há qualquer recurso interno consumido como extensão de garantia, designadamente a nível de stock, promoção especifica, consumo em energia e limpeza, stand de venda (não existe), farda respeitante às extensões de garantia;

U)           Os vendedores da Requerente despendem cerca de 1/3 da sua jornada para concretizar o volume de vendas apresentado, sendo o tempo restante ocupado com outras tarefas como atendimento sem venda concretizada, arrumação, formação, limpeza, colocação de preços, colocação de campanhas, supervisão, segurança/vigilância, realização de inventários, verificação e cumprimento de normas;

V)           O consumo do tempo de Vendedor e de Caixa, foi de cerca de 0,62% por ano (documentos n.ºs 4 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

W)          Nos períodos de 2014 e 2015 os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €7.093.893,27e €7.033.802,80 respectivamente, isto é, cerca de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

X)           Em 2014 e 2015, o lucro bruto (margem) da actividade de venda de electrodomésticos (38,4Milhões de Euros de lucro) foi cerca de 14 vezes superior à venda das extensões de garantia (2,4, Milhões de Euros de lucro);

Y)            A Requerente obtém uma margem de lucro de 35% na venda de extensões de garantia e de 25% na venda de electrodomésticos;

Z)            Nos períodos de 2016 e 2017, os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respectivamente, isto é, cerca de 5% e de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

AA)        A Requerente foi objecto de um Processo Especial de Revitalização, distribuído e autuado sob o n.º .../13...T… no Tribunal de Comércio de …, com despacho de homologação de acordo de revitalização proferido a 2014-05-02 (documento n.º 2 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

BB)         Em 24-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, nos factos alegados pela Requerente não questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, documentos juntos com a petição inicial e com as alegações e os que constam do processo administrativo.

A generalidade dos factos alegados pela Requerente relativos ao funcionamento das suas lojas de venda de electrodomésticos são factos do conhecimento geral, pelo que não há razões para duvidar da credibilidade das suas afirmações.

                Não se provou que a sustentabilidade da Requerente dependa da venda de extensões de garantia, nem que o modelo de negócio da Requerente não possa ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

Na verdade, embora nos exercícios de 2014 e 2015, o lucro obtido com as extensões de garantia tenha sido necessário para a Requerente obter resultados positivos, nos exercícios de 2016 e 2017 foram obtidos resultados positivos mesmo sem considerar o lucro resultante das extensões de garantia, o que, só por si, manifestamente infirma a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia e de que o modelo de negócio da Requerente não pode ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

O facto, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de «a Requerente ter sido alvo de um Processo Especial de Revitalização», no ano de 2013, não prova que o negócio seja insustentável e, pelo contrário, a homologação de um acordo de revitalização pressupõe indícios de viabilidade, que foi comprovada nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, nestes últimos mesmo sem considerar os lucros obtidos com as extensões de garantias.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente deduziu integralmente o IVA suportado nos anos de 2014 a 2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente tendo feito correcções em sede de IVA, por entender que esta não podia deduzir a integralidade do IVA dos seus inputs, porque, para além da sua actividade principal de venda de electrodomésticos (sujeita a IVA), vende também extensões de garantia relativas a electrodomésticos (isentas de IVA).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:

– “não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo»;

– «tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo»;

– «como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução»;

– «sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia».

– «ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA, não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa»;

– o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

 

                                              

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– a actividade de intermediação assume um conteúdo meramente residual no conjunto da actividade da A..., tendo uma expressão marginal, representando em volume anual total de proveitos em 2014, 2015, 2016 e 2017, respectivamente, 4%, 4%, 5% e 4%, sendo-lhe afecta uma proporção ínfima dos seus recursos humanos, proporção esta praticamente inexistente quanto aos recursos materiais;

– o conceito de operação financeira para efeito do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA deve ser interpretado de forma lata, abrangendo as operações de seguro e resseguro, por imposição do princípio da neutralidade;

– as acções empreendidas na UE ao nível dos mercados financeiros e dos produtos financeiros abarcam igualmente na sua alçada a área dos seguros e, em particular, a mediação de seguros;

– as operações de seguro integram as operações financeiras, designadamente de acordo com o CAE, e as seguradoras são consideradas instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros (veja-se, nomeadamente, o disposto no artigo 5.º, n. º1, alínea ii), do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Actividade Seguradora e Resseguradora, aprovado pela Lei n. º 147/2015, de 9 de Setembro);

– na Circular n.º 7/2009, de 15 de Abril de 2009, da Direcção-Geral dos Impostos, relativa à incidência de Imposto de Selo sobre as comissões de mediação de seguros devidas pelas instituições de seguros às instituições de crédito, é referido nos seus pontos 1 e 2 que “1 - A atividade seguradora exercida pelas instituições de seguro integra a tripartição clássica em que se estrutura o sistema financeiro nacional, a par das atividades bancária e bolsista»;

– a isenção das operações financeiras, incluindo as operações de seguro e de resseguro, está actualmente acolhida no número 1 do artigo 135.º da Directiva IVA;

– o direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas de Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito (tal como o TJUE tem vindo a salientar);

– as proposta de Directiva e de Regulamento relativas aos serviços financeiros e de seguros, vieram propor soluções conjuntas denotando-se que “Os serviços financeiros e de seguros requerem os mesmos tipos de intermediação”, pelo que "Afigura-se por conseguinte, adequado que a intermediação nos seguros e a intermediação nos serviços financeiros sejam objecto de um tratamento idêntico”;

– Nenhum motivo válido existe para o conceito de “operação financeira acessória” para efeitos do cálculo do pro rata ser interpretado de forma restritiva, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o sentido das regras que regem o exercício do direito à dedução do imposto suportado;

– para efeitos do exercício do direito à dedução, a actividade exercida a título secundário de intermediação levada a cabo pela A... deve qualificar-se como uma operação financeira acessória não integrável no cálculo do pro rata, devendo interpretar-se 0 conceito de operação financeira de forma lata, sob pena de violarmos o princípio basilar da neutralidade que rege este tributo.

 

                No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:

– que deve ser aplicada a jurisprudência do TJUE do caso EDM sobre o conceito de actividade acessória e entende que a situação da Requerente não pode ser qualificada como tal, porque «pese embora a venda de EG represente apenas 4% ou 5% do volume de negócios, certo é que o lucro que esta atividade proporciona (cerca de 35%) foi nos anos de 2014 e 2015 superior ao lucro total da empresa»;

– a própria sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia;

– a intermediação na venda de extensões de garantia constitui um prolongamento direto, permanente e necessário da actividade tributada;

– não há paralelismo entre as vendas de extensões de garantia e operações financeiras;

– no artigo 135.º (artigo que elenca, de forma similar ao artigo 9.º do CIVA, um conjunto de operações isentas de IVA), destaca claramente as operações de seguro das operações financeiras, referindo-se às de seguro na alínea a) e às financeiras nas alíneas b) a g);

– a separação entre “operações de seguro” e “operações financeiras” resulta clara na exclusão das operações de seguro no artigo 174.º/2-c), sendo que este normativo, definindo a fórmula de cálculo do pro rata, teve acolhimento no nosso artigo 24.º do CIVA;

– a Diretiva prevê que no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações referidas no artigo 135.º/1, alíneas b) a g) (i.e., as operações financeiras), desde que acessórias (como já acima se viu), deixando, assim, de fora a alínea a) (i.e., as operações de seguro);

– o CIVA procede a uma evidente distinção entre as operações de seguro (artigo 9.º, n.º 28) e as operações financeiras (artigo 9.º/, n.º 27);

– o legislador nacional distingue expressamente as “operações financeiras” das “operações de seguro”, sendo que, quando quer referir-se a ambas, fá-lo em termos inequívocos;

– as isenções devem ser interpretadas de forma estrita;              

– “operações de seguros” e “operações financeiras” são conceitos autónomos e possuem enquadramentos jurídicos próprios (neste conspecto, recorde-se o que supra se disse em torno da articulação entre os artigos 174.º/2-c) e 135.º/1 da Diretiva IVA);

 – a venda das extensões de garantia não se subsume no conceito de “operação financeira”, exigido pelo artigo 23.º/5 do CIVA;

– a interpretação veiculada pela Requerente é contrária à Constituição, na medida em que se traduz na violação dos princípios da justiça e da igualdade fiscais, quando comparada a Requerente com as mediadoras de seguros, que não podem deduzir o IVA, embora suportem despesas de financiamento;

– a posição defendida pela Requerente traduz-se ainda numa situação de concorrência desleal com os mediadores de seguros, suscetível de conduzir a distorções na tributação dos sujeitos passivos.

 

                Ambas as Partes apresentaram sugestões de questões a colocar ao TJUE em sede de reenvio prejudicial.

               

                3.2. Objecto do litígio

               

                O presente processo tem por objecto a questão de saber se a situação da Requerente, quanto à actividade desenvolvida no âmbito de extensões de garantia pode enquadrar-se no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

                O CIVA estabelece o seguinte, nos seus artigos 20.º e 23.º, no que aqui interessa:

 

Artigo 20.º

 

Operações que conferem o direito à dedução

 

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a)            Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

 

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

 

(...)

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

(...)

          


 

Estas normas têm correspondência nos artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 173.º

1.  No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

 

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

(...)

 

 

Artigo 174.º

1.  O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

 

2.  Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

 

(...)

 

A Requerente dedica-se à venda de eletrodomésticos, actividade relativamente à qual liquida IVA.

Na sequência de vendas de electrodomésticos que efectua, a Requerente vende também, quando o cliente pretende, «extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca», actuando a Requerente com «intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final». 

A Requerente não liquida IVA relativamente à actividade de venda das extensões de garantia, mas deduz integralmente o IVA que suporta que incidiu sobre bens e serviços adquiridos para desenvolver a totalidade da sua actividade.

Há acordo das Partes quanto a esta actividade de extensão de garantias beneficiar da isenção prevista no n.º 28) do artigo 9.º do CIVA relativa às «operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro».

Sendo esta actividade de prestação de extensões de garantia isenta, não confere direito à dedução, à face do preceituado artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, que estabelece, no que aqui interessa, que «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas».

 Está-se, assim, perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, pois a Requerente afecta bens e serviços à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confere direito à dedução, situação em que «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução».

O n.º 4 do artigo 23.º do CIVA estabelece que «a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

Porém, o n.º 5 deste artigo 23.º prevê excepções a esta regra, afastando do cálculo referido, além do mais, as operações «financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo», o que se reconduz a que, nestas situações, seja dedutível todo o IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações.

A controvérsia entre as Partes tem por objecto este enquadramento, pois a Requerente defende que a sua situação se enquadra neste n.º 5, por as operações de vendas de extensões de garantia deverem ser qualificadas como «operações financeiras» e terem carácter acessório em relação à actividade principal de venda de eletrodomésticos, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a aquelas operações nem podem qualificar-se como «financeiras» nem têm carácter acessório.

Estando em causa a interpretação de normas de direito da União Europeia, é colocada pelas Partes a questão da necessdade de ser efectuado reenvio prejudicial, para o TJUE.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

Como resulta do Relatório da Inspecção Tributária, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira subjacente às liquidações impugnadas tem uma dupla fundamentação, na medida em que considera que a inviabilidade de afastar do cálculo do pro rata de dedução os montantes do volume de negócios respeitantes às vendas de extensões de garantia resulta não só de não se tratar de operações financeiras como de não serem actividade de natureza acessória, para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (   )

Assim, importa apreciar aa legalidade de ambos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para emitir as liquidações impugnadas.

Por outro lado, para decidir se se deve efectuar reenvio prejudicial para o TJUE,  importa apreciar se a aplicação do Direito da União é imprescindível para a decisão da causa e se se trata ou não de solução clara ou já apreciadas na jurisprudência do TJUE, situações em que é dispensável o reenvio, nos termos do referido acórdão do Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

 

3.3. Questão da natureza acessória ou não da actividade de venda de extensões de garantia

 

A jurisprudência do TJUE tem vindo a ser uniforme no sentido de «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador» (acórdãos proferidos nos processos C 308/96 e C 94/97, n.º 24; C-349/96, n.º 30; C-453/05, n.º 18; C 425/06, n.º 52; C-572/07, n.º 18; C-276/09, n.º 25; C-392/11, n.º 17; C-42/14, n.º 31; C-432/15, n.º 71).

Tem entendido também o TJUE que «uma actividade económica não pode ser qualificada de «acessória», na acepção do artigo 19.º, n.º 2, da Sexta Directiva, se constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável da empresa (acórdão de 11 de Julho de 1996, Régie dauphinoise, C306/94, Colect., p. I3695, n.º 22) ou se implicar uma utilização significativa de bens ou de serviços pelos quais é devido IVA (acórdão de 29 de Abril de 2004, EDM, C77/01, Colect., p. I4295, n.º 76)» (acórdão de 29-10-2009, processo n.º C-174/08).

No caso em apreço, a actividade principal da Requerente reporta-se ao fornecimento dos electrodomésticos e as actividades complementares (como os serviços relativos a aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio, e também de venda de extensões de garantia) não constituem para a clientela um fim em si mesmo, mas são meios de o cliente beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, de fornecimento dos electrodomésticos com a garantia original.

De resto, como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 28.º da sua Resposta, «o conceito de “acessório” incluído naquele articulado prende-se, à luz da jurisprudência do TJUE, não propriamente com a quantificação do resultado dessas operações (‘output’), mas sim, em especial nas operações financeiras, nos recursos afetos» e que «o TJUE chega a admitir que o montante das operações acessórias poderá superar o respeitante à atividade normal quando refere que “(…) o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela atividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a sua qualificação de “operações acessórias” na aceção da referida disposição” (Caso ‘EDM’, n.º 77)». 

Como se diz no referido acórdão EDM, «embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de tais operações produzirem rendimentos superiores aos obtidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode por si só excluir a sua qualificação de «operações acessórias» (n.º 78).

Resulta desta jurisprudência que não tem fundamento, à face do direito da União Europeia, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de  que o «carácter de habitualidade destas operações (...) exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo» e que de que essas operações não podem ser consideradas acessórias por serem «realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa».

Neste caso, a afectação de recursos de utilização mista à actividade de venda de extensões de garantia, numa percentagem de cerca de 0,62% do valor total dos bens ou de serviços utilizados pela Requerente pelos quais é devido o imposto sobre o valor acrescentado, é manifestamente diminuta, pelo que se justifica que aquela actividade de venda de extensões de garantia seja considerada de natureza acessória, em relação à actividade principal de venda de electrodomésticos.

Para além disso,  como se vê pela fundamentação das liquidações, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao conhecimento que retirou no sentido da natureza não acessória da actividade de venda de extensões de garantia, assenta em erro sobre os pressupostos de facto, pois entendeu que sem a actividade de venda de extensões de garantia poderia estar «em causa a sustentabilidade da empresa», o que não corresponde à realidade, como resulta da matéria de facto fixada.

Conclui-se, assim, que as liquidações enfermam de erros sobre os pressupostos de facto e de direito no que concerne ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de as operações em causa não terem natureza acessória em relação à actividade da Requerente.

Porém, pelo que se disse, esta constatação não basta para concluir no sentido da anulação das liquidações, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou também como fundamento para as praticar a não qualificação das vendas de extensões de garantia como «operações financeiras», para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.´, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE.

 

3.4. Questão da natureza financeira ou não financeira da venda de extensões de garantia

 

Como se referiu, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA estabelece que seja excluído do cálculo da percentagem de dedução prevista no seu n.º 4, as «operações (...) financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo».

Nestes termos, assente que a venda de extensões de garantia tem carácter acessório em relação à actividade exercida pela Requerente de venda de electrodomésticos, importa apurar se se está perante «operações financeiras», pois naquele n.º 5 se limita a este tipo de operações (para além das imobiliárias, que aqui não estão em causa) a exclusão do cálculo do pro rata de dedução.

Embora esteja directamente em causa uma questão de interpretação de uma norma do Direito Nacional, ela reconduz-se a uma questão de interpretação de Direito da União Europeia, pois aquele n.º 5 do artigo 23.º corresponde à  transposição da alínea b) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e a interpretação que desta decorrer é imperativa, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

Não é conhecida jurisprudência anterior do TJUE sobre esta questão da natureza financeira ou não das operações de extensão de garantia.

Por outro lado, a questão não se afigura de solução clara.

Na verdade, afiguram-se relevantes argumentos da Requerente sobre a inclusão das operações de intermediação em seguros no conceito de «operações financeiras» ou, pelo menos, a sua equiparação às «operações financeiras», como decorrência dos princípios da neutralidade e não distorção da concorrência. A ser assim, a exclusão do volume de negócios relativo às operações de seguro, no cálculo do pro rata de dedução estará assegurada pela alínea b) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

Mas, o facto, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de a alínea c) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE se reportar às « às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º» e não também à sua alínea a), em que se prevê a isenção das «operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efectuadas por corretores e intermediários de seguros», é susceptível de ser interpretado como manifestação de uma intenção legislativa de não abranger na exclusão do cálculo do pro rata de dedução o volume de negócios relativo às operações de seguro.

Nestes termos, justifica-se o reenvio prejudicial para o TJUE.

Na formulação das questões a colocar em sede de reenvio prejudicial, ter-se-á em conta o decidido sobre a natureza acessória da actividade de venda de extensões de garantia.

Por outro lado, quanto à questão sugerida pela Requerente de saber se deve «ser considerada a dispensa de aplicação ao abrigo do art°173 n°2 alínea e) da 6ª Directiva do IVA, quando refere que deve ser autorizado aos sujeitos passivos que não seja tido em seja tido em consideração o IVA que não pode ser deduzido e que se revele insignificante» , entende-se que não é pertinente, pelo facto de nesta norma se prever uma faculdade dos Estados-Membros, que não foi exercida pelo Estado Português.  

Ponderando as sugestões das Partes e o que atrás se referiu sobre o que importa apreciar, mas tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formula-se a seguinte questão em

 

Reenvio prejudicial

 

As operações de intermediação de venda de extensões de garantia de electrodomésticos, efectuadas por um sujeito passivo de IVA que tenha como actividade principal a venda de eletrodomésticos ao consumidor, constituem operações financeiras, ou são a elas equiparáveis por força dos princípios da neutralidade e da não distorção da concorrência, para efeito de exclusão do seu montante do cálculo do pro rata de dedução, ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1, alínea b) e/ou alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

Lisboa, 10-09-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(António Carlos dos Santos)

(Nuno Maldonado Sousa)

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 DECISÃO ARBITRAL 

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. Paulo Lourenço (designado pela Requerente em substituição do Senhor Professor Doutor António Carlos dos Santos) e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designado pela Requerida), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-04-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

                A..., SA, com sede na ..., ... ..., Maia, ...-... Maia, com o NIF ... (doravante designada como “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação de liquidações de IVA e juros compensatórios, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

                É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-01-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 22-03-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e que «deverá a presente instância ser suspensa, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões jurídicas essenciais aqui suscitadas».

Por despacho de 24-05-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio requerer que fosse desentranhado um documento junto pela Requerente, com a designação de «Nota» e que se considerasse não escrita parte das alegações da Requerente, o que foi indeferido, por falta de suporte legal.

A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos pela Requerente com as alegações.

Por acórdão de 10-09-2019, foi decidido efectuar reenvio prejudicial para o  TJUE sobre a seguinte questão:

 

As operações de intermediação de venda de extensões de garantia de electrodomésticos, efectuadas por um sujeito passivo de IVA que tenha como actividade principal a venda de eletrodomésticos ao consumidor, constituem operações financeiras, ou são a elas equiparáveis por força dos princípios da neutralidade e da não distorção da concorrência, para efeito de exclusão do seu montante do cálculo do pro rata de dedução, ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1, alínea b) e/ou alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006?

 

Por acórdão de 08-07-2021, o TJUE pronunciou-se sobre o reenvio, declarando:

 

O artigo 174.°, n.º 2, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 135.°, n.º 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a operações de intermediação na venda de extensões de garantia efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações aos consumidores, pelo que o montante do volume de negócios relativo a essas operações não deve ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 174.°, n.º 1, da mesma diretiva.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, de âmbito parcial (IVA), relativa aos anos de 2014 e 2015, que foi depois alargada aos anos de 2016 e 2017;

B)           Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (doravante “RIT”) relativo à inspeção respeitante aos anos de 2014 e 2015 que consta do processo administrativo com a designação «procº admº -OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III. 1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

A) Enquadramento legal

Na conta 7816000007, estão registados os rendimentos com as extensões de garantia (€7.093.893,27 em 2014 e €7.033.802,80 em 2015), isentos de IVA pelo artigo 9.º, n.º 28.

Com efeito, as extensões de garantia são seguros, que proporcionam ao cliente uma garantia para além da original, por conta do fornecedor da marca, sendo que a A... é o intermediário entre a companhia de seguros (B...- NIF GB-...) e o cliente final. Como tal, estas prestações de serviços efetuadas pela A... estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28.

Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Assim, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução. Tal percentagem resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo.

Confrontado o contribuinte com esta situação, veio o mesmo alegar, tendo para o efeito juntado um Parecer emitido pelo Professor Emanuel Vidal Lima (Anexo 1), que as operações de seguro se incluem nas operações financeiras, referidas no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, e, como tal, não relevam para o cálculo do pro rata.

Contudo, as duas operações são distintas, não se confundem entre elas. O CIVA distingue-as desde logo no artigo 9.º, prevendo a isenção para as operações financeiras no n.º 27 e a isenção para as operações de seguro no n.º 28.

Ora, se as operações financeiras e de seguro tivessem a mesma natureza, não teria certamente o legislador necessidade de as destacar no artigo 9.º do CIVA.

Também na Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), e contrariamente ao que é dito no Parecer, as operações de seguro surgem destacadas das operações financeiras.

Na verdade, as operações de seguro figuram na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º e as operações financeiras (descritas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, em várias alíneas), estão previstas nas alíneas b) a 9).

No mesmo n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva estão também referidas outras operações que nada têm a ver com operações financeiras. Portanto, não se pode dizer que a Diretiva arruma as operações de seguro e as financeiras no mesmo nível, o que ela faz é elencar todas as operações isentas de IVA no n.º 1, com diferentes alíneas, reservando o n.º 2 para as exclusões à isenção das operações de locação de bens imóveis.

Veja-se o teor do artigo 135.º:

"Artigo 135º

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

b) A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c) A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d) As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dividas;

e) As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou ouro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f) As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.º 2 do artigo 15.º;

g) A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados-Membros;

h) As entregas, pelo seu valor facial, de selos de correio com valor de franquia no respetivo território, de selos fiscais e de outros valores similares;

i) As apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro, sob reserva das condições e dos limites estabelecidos por cada Estado—Membro;

j) As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 12º;

k) As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º;

I) A locação de bens imóveis.

2. Não beneficiam da isenção prevista na alínea I) do n.º 1 as seguintes operações:

a) As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

c) A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa;

d) A locação de cofres-fortes.

Os Estados-Membros podem prever outras exceções ao âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea l) do n.º 1."

Diga-se que, pese embora o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA não diga expressamente "operações financeiras", da descrição das operações nele incluídas percebe-se claramente tratar-se de operações de natureza financeira.

Aliás, na doutrina encontram-se diversas referências que não deixam dúvidas quanto a esta interpretação. Veja-se, por exemplo, o Ofício-Circulado n.º 30103/2008, emitido com o objetivo de esclarecer as novas regras para a determinação do direito à dedução pelos sujeitos passivos mistos, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que no ponto VII, A., 4. refere "(...) as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9º do CIVA (...)".

Também o Ofício-Circulado n.º 30158/2014, que, a propósito da alteração do artigo 29.º, n.º 3 do CIVA diz "enquanto que a alínea b) contempla a dispensa de obrigação de faturação nas operações financeiras e de seguro a que se referem as alíneas 27) e 28) do artigo 9.º (...)". Ou seja, está aqui a dizer-se claramente que o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA se refere a operações financeiras, destacando-as das operações de seguro, referidas no n.º 28).

Assim, quando o legislador diz no n.º 5 do artigo 23.º "No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo", não está a incluir as operações de seguro, mas tão só as operações financeiras referidas no n.º 27 do artigo 9.º.

Repare-se que no artigo 6.º, n.º 11, c), pretendendo o legislador excluir de tributação diversas prestações de serviços efetuadas a adquirentes estabelecidos fora da Comunidade, refere as "Operações bancárias, financeiras e de seguro ou resseguro". Ou seja, estando as operações de seguro no desiderato da norma, foram as mesmas referidas expressamente.

Também no artigo 20.º do CIVA, que define as operações que conferem o direito à dedução, e pretendendo-se incluir as operações financeiras e de seguro para destinatários estabelecidos fora da comunidade, no ponto V) da alínea b) é expressamente dito "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade",

De facto, o legislador não se limitou a referir "as operações financeiras", querendo incluir as operações de seguro, disse-o expressamente.

Ora, se o legislador pretendesse considerar as operações de seguro no n.º 5 do artigo 23.º, então teria dito certamente "Operações financeiras e de seguro", tal como fez no artigo 6.º, n.º 11, c), ou "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º", como fez no artigo 20.º.

De qualquer modo, caso subsistissem dúvidas, recorrendo novamente à Diretiva, em concreto aos artigos 173.º a 175.º, transpostos para o artigo 23.º do Código do IVA, fica claro que a possibilidade de exclusão das operações financeiras no cálculo do pro rara não inclui as operações de seguro.

Com efeito, se o Código do IVA se refere a "operações financeiras", suscitando a dúvida no sujeito passivo sobre se nelas se incluem as operações de seguro, a Diretiva é clara, já que no artigo 174.º prevê expressamente a exclusão para as operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º.

Ou seja, as operações de seguro, referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º, ficaram de fora. Veja-se:

"Artigo 174.º 1. O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados-Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as diretamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pró rata de dedução não são tomadas em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados-Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pró rata de dedução."

Também o já referido Ofício-Circulado n.º 30103/20082, esclarece no ponto VII, A., 4. que "Para efeitos de cálculo do pró rata de dedução, as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA devem integrar o denominador da fração referida no n.º 4 do artigo 23.º, a menos que as mesmas devam ser consideradas como acessórias no quadro da atividade do sujeito passivo.".

Como se vê, são unicamente as operações do n.º 27 do artigo 9.º que estão incluídas (melhor dizendo, que poderão estar, caso sejam acessórias) no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

Assim, entendemos que a menção "operações financeiras" no Código do IVA se refere apenas e tão só às operações elencadas no n.º 27 do artigo 9.º, e nunca às operações de seguro referidas no n.º 28.

Atente-se que também no Código do Imposto do Selo as operações de seguro se distinguem das financeiras, estando as primeiras previstas na verba 22 da Tabela Geral e as segundas na verba 17.

Tal como se explicita na Circular 7/2009 da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT), referida no Parecer, "2 - As instituições de seguro são somente tidas como instituições financeiras em sentido lato, não lhes sendo legalmente reconhecida a natureza de intermediários financeiros ou de sociedades financeiras." (sublinhado nosso, omitido no Parecer)

Aquela Circular vem reiterar que as operações financeiras se distinguem das operações de seguro, cabendo a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) apenas às operações financeiras strictu sensu e não às operações de seguro.

Ou seja, tal como referido na Circular 7/2009 da DSIMT, as operações de seguro são operações financeiras em sentido lato.

Tal entendimento mereceu acolhimento pela Jurisprudência, vertido no Acórdão do CAAD, no âmbito do processo n.º 74/2012-T, lendo-se na página 15, em nota de rodapé:

"Embora, que se saiba, não se vislumbre na Lei a definição ou conceito de "instituição financeira", admite-se o reconhecimento das seguradoras como instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros. Todavia não se confundem (as seguradoras) com sociedades financeiras nem podem ser consideradas intermediários financeiros."

Assim, e sem prejuízo de no contexto do regime jurídico das empresas de seguro elas se enquadrarem nas instituições financeiras e, como tal, a sua atividade nas operações financeiras, em sede de impostos, quer de IVA, quer de Selo, as operações financeiras são tratadas em sentido estrito, nelas não cabendo as operações de seguro. Umas e outras têm enquadramento próprio e distinto.

Importa ainda aferir, por se mostrar igualmente fundamental, sobre o carácter acessório das operações de seguro em relação à atividade da A... .

Na verdade, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA potência a exclusão das operações financeiras, mas apenas e só se elas se mostrarem acessórias à atividade do sujeito passivo.

O Oficio-circulado n.º 30103/2008, no ponto VII, C., nº 3 refere que "As operações financeiras não poderão, por regra, ser consideradas acessórias caso a sua realização integrar o objeto principal ou habitual da atividade do sujeito passivo, ou constituir um prolongamento dessa atividade".

Ora, ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA (e que não estão, como já se demonstrou), não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa.

Note-se que mesmo que se desconhecesse a importância, em termos de valor, das operações de seguro na atividade da A..., é do conhecimento do público em geral que se trata de uma prática comum e habitual nas grandes superfícies de venda de eletrodomésticos, na medida em que a possibilidade de prolongar a garantia é sempre dada a conhecer ao cliente no momento da venda do produto.

A própria contabilidade também revela o carácter de habitualidade da venda das extensões de garantia. Veja-se a conta 78160000073 em 2014 e 2015 e a evolução do saldo, de forma sistemática e regular ao longo de todos os meses:

 

 

 

 

Saliente-se ainda, por ser ilustrativo, que a quantidade das operações de seguro é de tal ordem, que não se mostrou possível extrair os extratos da conta 7810000007 em folha de cálculo excel (razão pela qual a informação foi disponibilizada por totais mensais), cujo limite de linhas é superior a 1 milhão. Ou seja, são tantas as operações de seguro, feitas habitualmente, que excedem aquele limite.

Concluindo,

i) não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo.

ii) Acresce que tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo.

iii) Como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

(...)

C)           Em 05-09-2018, foi emitida a informação que consta das páginas 103 e 104 do Processo administrativo com a designação «OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I. INTRODUÇÃO

I. A A..., SA (doravante A... ou ...), com sede no distrito do Porto, foi objeto de ação inspetiva, de âmbito geral, dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2017... e 012017..., respetivamente.

II. FACTOS DETETADOS

2 Das diligências efetuadas no decurso da ação inspetiva, constatou-se que a A..., para além de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

3. Tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, sendo a A... o intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final, registando numa conta de rendimentos o valor por ela faturado e numa conta de gastos o valor posteriormente debitado pela companhia de seguros (cerca de 65% do seguro pago pelo cliente, ou seja, a A... tem um ganho de 35% aproximadamente).

4. Tratando-se as extensões de garantia de operações de seguro, estão as mesmas isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do CIVA (como, aliás, é o enquadramento adotado pela A...).

5. Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

6. Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

7. Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, que determina que o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual das operações que dão lugar a dedução.

8. Considerando o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (incluído nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA), que se apurou, e determinado o pró rata, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, foram efetuadas correções em sede de IVA, nos valores de €86.967,69 em 2014 e €71.048,62 em 2015.

 

D)           Na inspecção relativa aos exercícios de 2016 e 2017 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo com a designação «procº admº - OI2018... », cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

Para além do comércio de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), no exercício da atividade a A... vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

Nos períodos de 2016 e 2017 os rendimentos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respetivamente.

 

III.1.1.1 Enquadramento legal

Conforme devidamente explicitado no ponto A) do capítulo III.1.1. do relatório de inspeção tributária referente à ação inspetiva dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.ºs 012017... e 012017..., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, juntando-se em anexo a sua transcrição (Anexo 1), tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do Código do IVA (CIVA).

Como tal, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, determinando a al. b) do n.º 1 que o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

Dito de outra forma, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

E)            Na sequência das inspecções foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios no valor total de € 356.433,05, (€ 328.107,08 de IVA e € 28.325,97) juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 86.970,39;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 71.050,12;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 93.440,51;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 76.646,06;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 12.418,50;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 7.303,40;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 6.420,39;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 2.183,68;

F)            A actividade principal da Requerente é a venda a retalho de electrodomésticos, enquadrada no regime normal de IVA;

G)           No final de cada venda de eletrodomésticos, após fecho desta, o vendedor que a efectuou propõe ao comprador a compra de extensões de garantias por um valor adicional;

H)           Após a venda de electrodomésticos, a Requerente propõe aos seus clientes, além das extensões de garantia, serviços como aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio;

I)             A Requerente não vende extensões de garantia sem prévia venda de eletrodomésticos;

J)            As garantias são asseguradas pelos respectivos fornecedores das marcas dos electrodomésticos que a Requerente vende, tendo esta actividade de intermediação, com base em contratos de agente na actividade de mediação de venda de apólices de seguro;

K)           A venda de extensões de garantia representa cerca de 4% ou 5% do volume de negócios da Requerente;

L)            A actividade de extensões de garantia proporciona a Requerente um lucro de cerca de 35%;

M)          A venda de extensões de garantia ocorre com habitualidade;

N)           A Requerente não investiu nem alterou a sua estrutura, espaços físicos e apresentação ao cliente, por vender extensões de garantia;

O)           A Requerente não tem estrutura logística, de recursos e de suporte especialmente afecta à venda de extensões de garantia;

P)           Não há qualquer obrigação entre a Requerente e a seguradora da extensão de garantia em termos de contratação de pessoal;

Q)           Não houve qualquer contratação de funcionários extra para assegurar a venda de extensões de garantia, nem tão pouco foi contratada formação específica para os funcionários da Requerente;

R)           Os recursos materiais consumidos pela Requerente com a venda de extensões de garantia são:

(i) compra da apólice (isenta de IVA) ou seja, a compra das garantias junto da entidade B... (na prática é uma lista com o número de apólice e o valor unitário de compra) e traduz-se em 4 a 5 facturas mensais da B... à A..., ou seja, anualmente cerca de 60 facturas (59 facturas em 2017, 56 em 2016, 56 em 2015 e 93 em 2014) para um total superior a 100.000 documentos tratadas globalmente pelos serviços e Suporte A... (todos os

fornecedores);

(ii) Comunicação de dados à companhia de seguros, que é feita de forma suportada em recursos IT (leitura do ficheiro de facturação e reenvio automático por interface).

Não há consumo tangível de qualquer recurso (excepto uma ínfima parte de energia/electricidade e da infraestrutura IT), considerada imaterial;

iii) Papel: Impressão do papel da apólice de seguro. Ao cliente é entregue em papel (i) a factura e (ii) a apólice de seguro (esta última caso o cliente não aceite receber via email o respetivo certificado). Assim, para a factura, a EG significa uma impressão de linha adicional (pelo que não há consumo adicional de papel).

Apenas a apólice é consumo adicional e marginal de recursos tangíveis, ou seja, 6 folhas de papel x Número de apólices anual x € por folha * print = 009€/apólice, ou seja, um custo total anual estimado de 17.937€ inerente ao custo de impressão (papel de 0,004€ a folha e avença de impressão a preto e branco de 0,0055 por página);

S)            O custo aproximado da impressão das extensões de garantia foi de € 11.426,76 em 2014, de € 10.879,38 em 2015, de € 15.416,46 em 2016 e de € 17.937,00 em 2017 e os custos de estrutura nesses anos foram, respectivamente, de € 9.500.905,54, € 7.669.866,85, € 8.172.282,26 e de € 8.382.466,70 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Relatório da Inspecção Tributária);

T)            Até à fase de Atendimento e Caixa, não há qualquer recurso interno consumido como extensão de garantia, designadamente a nível de stock, promoção especifica, consumo em energia e limpeza, stand de venda (não existe), farda respeitante às extensões de garantia;

U)           Os vendedores da Requerente despendem cerca de 1/3 da sua jornada para concretizar o volume de vendas apresentado, sendo o tempo restante ocupado com outras tarefas como atendimento sem venda concretizada, arrumação, formação, limpeza, colocação de preços, colocação de campanhas, supervisão, segurança/vigilância, realização de inventários, verificação e cumprimento de normas;

V)           O consumo do tempo de Vendedor e de Caixa, foi de cerca de 0,62% por ano (documentos n.ºs 4 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

W)          Nos períodos de 2014 e 2015 os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €7.093.893,27e €7.033.802,80 respectivamente, isto é, cerca de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

X)           Em 2014 e 2015, o lucro bruto (margem) da actividade de venda de electrodomésticos (38,4Milhões de Euros de lucro) foi cerca de 14 vezes superior à venda das extensões de garantia (2,4, Milhões de Euros de lucro);

Y)            A Requerente obtém uma margem de lucro de 35% na venda de extensões de garantia e de 25% na venda de electrodomésticos;

Z)            Nos períodos de 2016 e 2017, os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respectivamente, isto é, cerca de 5% e de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

AA)        A Requerente foi objecto de um Processo Especial de Revitalização, distribuído e autuado sob o n.º .../13...TYVNG no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, com despacho de homologação de acordo de revitalização proferido a 2014-05-02 (documento n.º 2 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

BB)         Em 24-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, nos factos alegados pela Requerente não questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, documentos juntos com a petição inicial e com as alegações e os que constam do processo administrativo.

A generalidade dos factos alegados pela Requerente relativos ao funcionamento das suas lojas de venda de electrodomésticos são factos do conhecimento geral, pelo que não há razões para duvidar da credibilidade das suas afirmações.

                Não se provou que a sustentabilidade da Requerente dependa da venda de extensões de garantia, nem que o modelo de negócio da Requerente não possa ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

Na verdade, embora nos exercícios de 2014 e 2015, o lucro obtido com as extensões de garantia tenha sido necessário para a Requerente obter resultados positivos, nos exercícios de 2016 e 2017 foram obtidos resultados positivos mesmo sem considerar o lucro resultante das extensões de garantia, o que, só por si, manifestamente infirma a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia e de que o modelo de negócio da Requerente não pode ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

O facto, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de «a Requerente ter sido alvo de um Processo Especial de Revitalização», no ano de 2013, não prova que o negócio seja insustentável e, pelo contrário, a homologação de um acordo de revitalização pressupõe indícios de viabilidade, que foi comprovada nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, nestes últimos mesmo sem considerar os lucros obtidos com as extensões de garantias.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente deduziu integralmente o IVA suportado nos anos de 2014 a 2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente tendo feito correcções em sede de IVA, por entender que esta não podia deduzir a integralidade do IVA dos seus inputs, porque, para além da sua actividade principal de venda de electrodomésticos (sujeita a IVA), vende também extensões de garantia relativas a electrodomésticos (isentas de IVA).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:

– “não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo»;

– «tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo»;

– «como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução»;

– «sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia».

– «ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA, não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa»;

– o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

 

                                              

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– a actividade de intermediação assume um conteúdo meramente residual no conjunto da actividade da A..., tendo uma expressão marginal, representando em volume anual total de proveitos em 2014, 2015, 2016 e 2017, respectivamente, 4%, 4%, 5% e 4%, sendo-lhe afecta uma proporção ínfima dos seus recursos humanos, proporção esta praticamente inexistente quanto aos recursos materiais;

– o conceito de operação financeira para efeito do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA deve ser interpretado de forma lata, abrangendo as operações de seguro e resseguro, por imposição do princípio da neutralidade;

– as acções empreendidas na UE ao nível dos mercados financeiros e dos produtos financeiros abarcam igualmente na sua alçada a área dos seguros e, em particular, a mediação de seguros;

– as operações de seguro integram as operações financeiras, designadamente de acordo com o CAE, e as seguradoras são consideradas instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros (veja-se, nomeadamente, o disposto no artigo 5.º, n. º1, alínea ii), do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Actividade Seguradora e Resseguradora, aprovado pela Lei n. º 147/2015, de 9 de Setembro);

– na Circular n.º 7/2009, de 15 de Abril de 2009, da Direcção-Geral dos Impostos, relativa à incidência de Imposto de Selo sobre as comissões de mediação de seguros devidas pelas instituições de seguros às instituições de crédito, é referido nos seus pontos 1 e 2 que “1 - A atividade seguradora exercida pelas instituições de seguro integra a tripartição clássica em que se estrutura o sistema financeiro nacional, a par das atividades bancária e bolsista»;

– a isenção das operações financeiras, incluindo as operações de seguro e de resseguro, está actualmente acolhida no número 1 do artigo 135.º da Directiva IVA;

– o direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas de Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito (tal como o TJUE tem vindo a salientar);

– as proposta de Directiva e de Regulamento relativas aos serviços financeiros e de seguros, vieram propor soluções conjuntas denotando-se que “Os serviços financeiros e de seguros requerem os mesmos tipos de intermediação”, pelo que "Afigura-se por conseguinte, adequado que a intermediação nos seguros e a intermediação nos serviços financeiros sejam objecto de um tratamento idêntico”;

– Nenhum motivo válido existe para o conceito de “operação financeira acessória” para efeitos do cálculo do pro rata ser interpretado de forma restritiva, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o sentido das regras que regem o exercício do direito à dedução do imposto suportado;

– para efeitos do exercício do direito à dedução, a actividade exercida a título secundário de intermediação levada a cabo pela A... deve qualificar-se como uma operação financeira acessória não integrável no cálculo do pro rata, devendo interpretar-se o conceito de operação financeira de forma lata, sob pena de violarmos o princípio basilar da neutralidade que rege este tributo.

 

                No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:

– que deve ser aplicada a jurisprudência do TJUE do caso EDM sobre o conceito de actividade acessória e entende que a situação da Requerente não pode ser qualificada como tal, porque «pese embora a venda de EG represente apenas 4% ou 5% do volume de negócios, certo é que o lucro que esta atividade proporciona (cerca de 35%) foi nos anos de 2014 e 2015 superior ao lucro total da empresa»;

– a própria sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia;

– a intermediação na venda de extensões de garantia constitui um prolongamento direto, permanente e necessário da actividade tributada;

– não há paralelismo entre as vendas de extensões de garantia e operações financeiras;

– no artigo 135.º (artigo que elenca, de forma similar ao artigo 9.º do CIVA, um conjunto de operações isentas de IVA), destaca claramente as operações de seguro das operações financeiras, referindo-se às de seguro na alínea a) e às financeiras nas alíneas b) a g);

– a separação entre “operações de seguro” e “operações financeiras” resulta clara na exclusão das operações de seguro no artigo 174.º/2-c), sendo que este normativo, definindo a fórmula de cálculo do pro rata, teve acolhimento no nosso artigo 24.º do CIVA;

– a Diretiva prevê que no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações referidas no artigo 135.º/1, alíneas b) a g) (i.e., as operações financeiras), desde que acessórias (como já acima se viu), deixando, assim, de fora a alínea a) (i.e., as operações de seguro);

– o CIVA procede a uma evidente distinção entre as operações de seguro (artigo 9.º, n.º 28) e as operações financeiras (artigo 9.º/, n.º 27);

– o legislador nacional distingue expressamente as “operações financeiras” das “operações de seguro”, sendo que, quando quer referir-se a ambas, fá-lo em termos inequívocos;

– as isenções devem ser interpretadas de forma estrita;              

– “operações de seguros” e “operações financeiras” são conceitos autónomos e possuem enquadramentos jurídicos próprios (neste conspecto, recorde-se o que supra se disse em torno da articulação entre os artigos 174.º/2-c) e 135.º/1 da Diretiva IVA);

 – a venda das extensões de garantia não se subsume no conceito de “operação financeira”, exigido pelo artigo 23.º/5 do CIVA;

– a interpretação veiculada pela Requerente é contrária à Constituição, na medida em que se traduz na violação dos princípios da justiça e da igualdade fiscais, quando comparada a Requerente com as mediadoras de seguros, que não podem deduzir o IVA, embora suportem despesas de financiamento;

– a posição defendida pela Requerente traduz-se ainda numa situação de concorrência desleal com os mediadores de seguros, suscetível de conduzir a distorções na tributação dos sujeitos passivos.

 

                Ambas as Partes apresentaram sugestões de questões a colocar ao TJUE em sede de reenvio prejudicial.

               

                3.2. Objecto do litígio

               

                O presente processo tem por objecto a questão de saber se a situação da Requerente, quanto à actividade desenvolvida no âmbito de extensões de garantia pode enquadrar-se no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

                O CIVA estabelece o seguinte, nos seus artigos 20.º e 23.º, no que aqui interessa:

 

Artigo 20.º

 

Operações que conferem o direito à dedução

 

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a)            Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

 

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

 

(...)

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

(...)

 

               

 

Estas normas têm correspondência nos artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 173.º

1.  No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

 

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

(...)

 

 

Artigo 174.º

1.  O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

 

2.  Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

 

(...)

 

 

A Requerente dedica-se à venda de eletrodomésticos, actividade relativamente à qual liquida IVA.

Na sequência de vendas de electrodomésticos que efectua, a Requerente vende também, quando o cliente pretende, «extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca», actuando a Requerente com «intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final». 

A Requerente não liquida IVA relativamente à actividade de venda das extensões de garantia, mas deduz integralmente o IVA que suporta que incidiu sobre bens e serviços adquiridos para desenvolver a totalidade da sua actividade.

Há acordo das Partes quanto a esta actividade de extensão de garantias beneficiar da isenção prevista no n.º 28) do artigo 9.º do CIVA relativa às «operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro».

Sendo esta actividade de prestação de extensões de garantia isenta, não confere direito à dedução, à face do preceituado artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, que estabelece, no que aqui interessa, que «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas».

 Está-se, assim, perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, pois a Requerente afecta bens e serviços à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confere direito à dedução, situação em que «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução».

O n.º 4 do artigo 23.º do CIVA estabelece que «a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

Porém, o n.º 5 deste artigo 23.º prevê excepções a esta regra, afastando do cálculo referido, além do mais, as operações «financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo», o que se reconduz a que, nestas situações, seja dedutível todo o IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações.

A controvérsia entre as Partes tem por objecto este enquadramento, pois a Requerente defende que a sua situação se enquadra neste n.º 5, por as operações de vendas de extensões de garantia deverem ser qualificadas como «operações financeiras» e terem carácter acessório em relação à actividade principal de venda de eletrodomésticos, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a aquelas operações nem podem qualificar-se como «financeiras» nem têm carácter acessório.

Como resulta do Relatório da Inspecção Tributária, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira subjacente às liquidações impugnadas tem uma dupla fundamentação, na medida em que considera que a inviabilidade de afastar do cálculo do pro rata de dedução os montantes do volume de negócios respeitantes às vendas de extensões de garantia resulta não só de não se tratar de operações financeiras como de não serem actividade de natureza acessória, para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (   )

Assim, importa apreciar a legalidade de ambos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para emitir as liquidações impugnadas.

 

 

3.3. Questão da natureza acessória ou não da actividade de venda de extensões de garantia

 

A jurisprudência do TJUE tem vindo a ser uniforme no sentido de «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador» (acórdãos proferidos nos processos C 308/96 e C 94/97, n.º 24; C-349/96, n.º 30; C-453/05, n.º 18; C 425/06, n.º 52; C-572/07, n.º 18; C-276/09, n.º 25; C-392/11, n.º 17; C-42/14, n.º 31; C-432/15, n.º 71).

Tem entendido também o TJUE que «uma actividade económica não pode ser qualificada de «acessória», na acepção do artigo 19.º, n.º 2, da Sexta Directiva, se constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável da empresa (acórdão de 11 de Julho de 1996, Régie dauphinoise, C306/94, Colect., p. I3695, n.º 22) ou se implicar uma utilização significativa de bens ou de serviços pelos quais é devido IVA (acórdão de 29 de Abril de 2004, EDM, C77/01, Colect., p. I4295, n.º 76)» (acórdão de 29-10-2009, processo n.º C-174/08).

No caso em apreço, a actividade principal da Requerente reporta-se ao fornecimento dos electrodomésticos e as actividades complementares (como os serviços relativos a aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio, e também de venda de extensões de garantia) não constituem para a clientela um fim em si mesmo, mas são meios de o cliente beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, de fornecimento dos electrodomésticos com a garantia original.

De resto, como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 28.º da sua Resposta, «o conceito de “acessório” incluído naquele articulado prende-se, à luz da jurisprudência do TJUE, não propriamente com a quantificação do resultado dessas operações (‘output’), mas sim, em especial nas operações financeiras, nos recursos afetos» e que «o TJUE chega a admitir que o montante das operações acessórias poderá superar o respeitante à atividade normal quando refere que “(…) o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela atividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a sua qualificação de “operações acessórias” na aceção da referida disposição” (Caso ‘EDM’, n.º 77)». 

Como se diz no referido acórdão EDM, «embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de tais operações produzirem rendimentos superiores aos obtidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode por si só excluir a sua qualificação de «operações acessórias» (n.º 78).

Resulta desta jurisprudência que não tem fundamento, à face do direito da União Europeia, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de  que o «carácter de habitualidade destas operações (...) exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo» e que de que essas operações não podem ser consideradas acessórias por serem «realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa».

Neste caso, a afectação de recursos de utilização mista à actividade de venda de extensões de garantia, numa percentagem de cerca de 0,62% do valor total dos bens ou de serviços utilizados pela Requerente pelos quais é devido o imposto sobre o valor acrescentado, é manifestamente diminuta, pelo que se justifica que aquela actividade de venda de extensões de garantia seja considerada de natureza acessória, em relação à actividade principal de venda de electrodomésticos.

Para além disso, como se vê pela fundamentação das liquidações, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao conhecimento que retirou no sentido da natureza não acessória da actividade de venda de extensões de garantia, assenta em erro sobre os pressupostos de facto, pois entendeu que sem a actividade de venda de extensões de garantia poderia estar «em causa a sustentabilidade da empresa», o que não corresponde à realidade, como resulta da matéria de facto fixada.

Conclui-se, assim, que as liquidações enfermam de erros sobre os pressupostos de facto e de direito no que concerne ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de as operações em causa não terem natureza acessória em relação à actividade da Requerente.

Porém, pelo que se disse, esta constatação não basta para concluir no sentido da anulação das liquidações, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou também como fundamento para as praticar a não qualificação das vendas de extensões de garantia como «operações financeiras», para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.´, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE.

 

3.4. Questão da natureza financeira ou não financeira da venda de extensões de garantia

 

Como se referiu, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA estabelece que seja excluído do cálculo da percentagem de dedução prevista no seu n.º 4, as «operações (...) financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo».

Nestes termos, assente que a venda de extensões de garantia tem carácter acessório em relação à actividade exercida pela Requerente de venda de electrodomésticos, importa apurar se se está perante «operações financeiras», pois naquele n.º 5 se limita a este tipo de operações (para além das imobiliárias, que aqui não estão em causa) a exclusão do cálculo do pro rata de dedução.

Efectuado reenvio prejudicial sobre esta questão, o TJUE declarou o seguinte:

 

O artigo 174.°, n.º 2, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 135.°, n.º 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a operações de intermediação na venda de extensões de garantia efetuadas por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade principal que consiste na venda de aparelhos eletrodomésticos e de outros artigos de informática e telecomunicações aos consumidores, pelo que o montante do volume de negócios relativo a essas operações não deve ser excluído do denominador da fração utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 174.°, n.º 1, da mesma diretiva.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) do Tratado da União Europeia e artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (   ).

Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE, conclui-se que tem suporte legal no Direito do União Europeia o segundo fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para emitir as liquidações impugnadas, com base no artigo 23.º, n.º 5, do CIVA,  a que correspondem as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, de que que o montante do volume de negócios relativo às operações de seguro não deve ser excluído do denominador da fracção utilizada no cálculo do pro rata de dedução previsto no artigo 174.°, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, a que corresponde no CIVA o artigo 23.º, n.º 4.

Pelo exposto, tendo as liquidações um fundamento válido, improcede o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.5. Pedido de juros indemnizatórios

 

Sendo de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações, improcede também o pedido de juros indemnizatórios, que pressupõe um pagamento indevido (artigo 33.º, n.º 1, da LGT)  

 

4. Decisão

 

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedentes todos os pedidos;

b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 358.340,12.

 

 

Lisboa, 20-07-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Paulo Lourenço)

(Nuno Maldonado Sousa)

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor António Carlos dos Santos e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-04-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

                A..., SA, com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., com o NIF ... (doravante designada como “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação de liquidações de IVA e juros compensatórios, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

                É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-01-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 22-03-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e que «deverá a presente instância ser suspensa, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões jurídicas essenciais aqui suscitadas».

Por despacho de 24-05-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio requerer que fosse desentranhado um documento junto pela Requerente, com a designação de «Nota» e que se considerasse não escrita parte das alegações da Requerente, o que foi indeferido, por falta de suporte legal.

A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada para se pronunciar sobre os documentos juntos pela Requerente com as alegações.

 O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

CC)         A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, de âmbito parcial (IVA), relativa aos anos de 2014 e 2015, que foi depois alargada aos anos de 2016 e 2017;

DD)        Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (doravante “RIT”) relativo à inspeção respeitante aos anos de 2014 e 2015 que consta do processo administrativo com a designação «procº admº -OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III. 1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

A) Enquadramento legal

Na conta 7816000007, estão registados os rendimentos com as extensões de garantia (€7.093.893,27 em 2014 e €7.033.802,80 em 2015), isentos de IVA pelo artigo 9.º, n.º 28.

Com efeito, as extensões de garantia são seguros, que proporcionam ao cliente uma garantia para além da original, por conta do fornecedor da marca, sendo que a A... é o intermediário entre a companhia de seguros (B...- NIF GB-...) e o cliente final. Como tal, estas prestações de serviços efetuadas pela A...  estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28.

Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Assim, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução. Tal percentagem resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo.

Confrontado o contribuinte com esta situação, veio o mesmo alegar, tendo para o efeito juntado um Parecer emitido pelo Professor Emanuel Vidal Lima (Anexo 1), que as operações de seguro se incluem nas operações financeiras, referidas no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, e, como tal, não relevam para o cálculo do pro rata.

Contudo, as duas operações são distintas, não se confundem entre elas. O CIVA distingue-as desde logo no artigo 9.º, prevendo a isenção para as operações financeiras no n.º 27 e a isenção para as operações de seguro no n.º 28.

Ora, se as operações financeiras e de seguro tivessem a mesma natureza, não teria certamente o legislador necessidade de as destacar no artigo 9.º do CIVA.

Também na Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), e contrariamente ao que é dito no Parecer, as operações de seguro surgem destacadas das operações financeiras.

Na verdade, as operações de seguro figuram na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º e as operações financeiras (descritas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, em várias alíneas), estão previstas nas alíneas b) a 9).

No mesmo n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva estão também referidas outras operações que nada têm a ver com operações financeiras. Portanto, não se pode dizer que a Diretiva arruma as operações de seguro e as financeiras no mesmo nível, o que ela faz é elencar todas as operações isentas de IVA no n.º 1, com diferentes alíneas, reservando o n.º 2 para as exclusões à isenção das operações de locação de bens imóveis.

Veja-se o teor do artigo 135.º:

"Artigo 135º

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) As operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros;

b) A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c) A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d) As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dividas;

e) As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou ouro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f) As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.º 2 do artigo 15.º;

g) A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados-Membros;

h) As entregas, pelo seu valor facial, de selos de correio com valor de franquia no respetivo território, de selos fiscais e de outros valores similares;

i) As apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro, sob reserva das condições e dos limites estabelecidos por cada Estado—Membro;

j) As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 12º;

k) As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º;

I) A locação de bens imóveis.

2. Não beneficiam da isenção prevista na alínea I) do n.º 1 as seguintes operações:

a) As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

c) A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa;

d) A locação de cofres-fortes.

Os Estados-Membros podem prever outras exceções ao âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea l) do n.º 1."

Diga-se que, pese embora o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA não diga expressamente "operações financeiras", da descrição das operações nele incluídas percebe-se claramente tratar-se de operações de natureza financeira.

Aliás, na doutrina encontram-se diversas referências que não deixam dúvidas quanto a esta interpretação. Veja-se, por exemplo, o Ofício-Circulado n.º 30103/2008, emitido com o objetivo de esclarecer as novas regras para a determinação do direito à dedução pelos sujeitos passivos mistos, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que no ponto VII, A., 4. refere "(...) as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9º do CIVA (...)".

Também o Ofício-Circulado n.º 30158/2014, que, a propósito da alteração do artigo 29.º, n.º 3 do CIVA diz "enquanto que a alínea b) contempla a dispensa de obrigação de faturação nas operações financeiras e de seguro a que se referem as alíneas 27) e 28) do artigo 9.º (...)". Ou seja, está aqui a dizer-se claramente que o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA se refere a operações financeiras, destacando-as das operações de seguro, referidas no n.º 28).

Assim, quando o legislador diz no n.º 5 do artigo 23.º "No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo", não está a incluir as operações de seguro, mas tão só as operações financeiras referidas no n.º 27 do artigo 9.º.

Repare-se que no artigo 6.º, n.º 11, c), pretendendo o legislador excluir de tributação diversas prestações de serviços efetuadas a adquirentes estabelecidos fora da Comunidade, refere as "Operações bancárias, financeiras e de seguro ou resseguro". Ou seja, estando as operações de seguro no desiderato da norma, foram as mesmas referidas expressamente.

Também no artigo 20.º do CIVA, que define as operações que conferem o direito à dedução, e pretendendo-se incluir as operações financeiras e de seguro para destinatários estabelecidos fora da comunidade, no ponto V) da alínea b) é expressamente dito "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade",

De facto, o legislador não se limitou a referir "as operações financeiras", querendo incluir as operações de seguro, disse-o expressamente.

Ora, se o legislador pretendesse considerar as operações de seguro no n.º 5 do artigo 23.º, então teria dito certamente "Operações financeiras e de seguro", tal como fez no artigo 6.º, n.º 11, c), ou "As operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º", como fez no artigo 20.º.

De qualquer modo, caso subsistissem dúvidas, recorrendo novamente à Diretiva, em concreto aos artigos 173.º a 175.º, transpostos para o artigo 23.º do Código do IVA, fica claro que a possibilidade de exclusão das operações financeiras no cálculo do pro rara não inclui as operações de seguro.

Com efeito, se o Código do IVA se refere a "operações financeiras", suscitando a dúvida no sujeito passivo sobre se nelas se incluem as operações de seguro, a Diretiva é clara, já que no artigo 174.º prevê expressamente a exclusão para as operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º.

Ou seja, as operações de seguro, referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º, ficaram de fora. Veja-se:

"Artigo 174.º 1. O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados-Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as diretamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pró rata de dedução não são tomadas em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados-Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pró rata de dedução."

Também o já referido Ofício-Circulado n.º 30103/20082, esclarece no ponto VII, A., 4. que "Para efeitos de cálculo do pró rata de dedução, as operações financeiras enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA devem integrar o denominador da fração referida no n.º 4 do artigo 23.º, a menos que as mesmas devam ser consideradas como acessórias no quadro da atividade do sujeito passivo.".

Como se vê, são unicamente as operações do n.º 27 do artigo 9.º que estão incluídas (melhor dizendo, que poderão estar, caso sejam acessórias) no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

Assim, entendemos que a menção "operações financeiras" no Código do IVA se refere apenas e tão só às operações elencadas no n.º 27 do artigo 9.º, e nunca às operações de seguro referidas no n.º 28.

Atente-se que também no Código do Imposto do Selo as operações de seguro se distinguem das financeiras, estando as primeiras previstas na verba 22 da Tabela Geral e as segundas na verba 17.

Tal como se explicita na Circular 7/2009 da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT), referida no Parecer, "2 - As instituições de seguro são somente tidas como instituições financeiras em sentido lato, não lhes sendo legalmente reconhecida a natureza de intermediários financeiros ou de sociedades financeiras." (sublinhado nosso, omitido no Parecer)

Aquela Circular vem reiterar que as operações financeiras se distinguem das operações de seguro, cabendo a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) apenas às operações financeiras strictu sensu e não às operações de seguro.

Ou seja, tal como referido na Circular 7/2009 da DSIMT, as operações de seguro são operações financeiras em sentido lato.

Tal entendimento mereceu acolhimento pela Jurisprudência, vertido no Acórdão do CAAD, no âmbito do processo n.º 74/2012-T, lendo-se na página 15, em nota de rodapé:

"Embora, que se saiba, não se vislumbre na Lei a definição ou conceito de "instituição financeira", admite-se o reconhecimento das seguradoras como instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros. Todavia não se confundem (as seguradoras) com sociedades financeiras nem podem ser consideradas intermediários financeiros."

Assim, e sem prejuízo de no contexto do regime jurídico das empresas de seguro elas se enquadrarem nas instituições financeiras e, como tal, a sua atividade nas operações financeiras, em sede de impostos, quer de IVA, quer de Selo, as operações financeiras são tratadas em sentido estrito, nelas não cabendo as operações de seguro. Umas e outras têm enquadramento próprio e distinto.

Importa ainda aferir, por se mostrar igualmente fundamental, sobre o carácter acessório das operações de seguro em relação à atividade da RP.

Na verdade, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA potência a exclusão das operações financeiras, mas apenas e só se elas se mostrarem acessórias à atividade do sujeito passivo.

O Oficio-circulado n.º 30103/2008, no ponto VII, C., nº 3 refere que "As operações financeiras não poderão, por regra, ser consideradas acessórias caso a sua realização integrar o objeto principal ou habitual da atividade do sujeito passivo, ou constituir um prolongamento dessa atividade".

Ora, ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA (e que não estão, como já se demonstrou), não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa.

Note-se que mesmo que se desconhecesse a importância, em termos de valor, das operações de seguro na atividade da A..., é do conhecimento do público em geral que se trata de uma prática comum e habitual nas grandes superfícies de venda de eletrodomésticos, na medida em que a possibilidade de prolongar a garantia é sempre dada a conhecer ao cliente no momento da venda do produto.

A própria contabilidade também revela o carácter de habitualidade da venda das extensões de garantia. Veja-se a conta 78160000073 em 2014 e 2015 e a evolução do saldo, de forma sistemática e regular ao longo de todos os meses:

 

Saliente-se ainda, por ser ilustrativo, que a quantidade das operações de seguro é de tal ordem, que não se mostrou possível extrair os extratos da conta 7810000007 em folha de cálculo excel (razão pela qual a informação foi disponibilizada por totais mensais), cujo limite de linhas é superior a 1 milhão. Ou seja, são tantas as operações de seguro, feitas habitualmente, que excedem aquele limite.

Concluindo,

i) não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo.

ii) Acresce que tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo.

iii) Como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

(...)

EE)         Em 05-09-2018, foi emitida a informação que consta das páginas 103 e 104 do Processo administrativo com a designação «OI2017...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I. INTRODUÇÃO

I. A A..., SA (doravante A... ou A...), com sede no distrito do Porto, foi objeto de ação inspetiva, de âmbito geral, dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2017... e 012017..., respetivamente.

II. FACTOS DETETADOS

2 Das diligências efetuadas no decurso da ação inspetiva, constatou-se que a RP, para além de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

3. Tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, sendo a A... o intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final, registando numa conta de rendimentos o valor por ela faturado e numa conta de gastos o valor posteriormente debitado pela companhia de seguros (cerca de 65% do seguro pago pelo cliente, ou seja, a A... tem um ganho de 35% aproximadamente).

4. Tratando-se as extensões de garantia de operações de seguro, estão as mesmas isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do CIVA (como, aliás, é o enquadramento adotado pela A...).

5. Nessa medida, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

6. Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

7. Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, que determina que o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem (pró rata) correspondente ao montante anual das operações que dão lugar a dedução.

8. Considerando o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (incluído nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA), que se apurou, e determinado o pró rata, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, foram efetuadas correções em sede de IVA, nos valores de €86.967,69 em 2014 e €71.048,62 em 2015.

 

FF)         Na inspecção relativa aos exercícios de 2016 e 2017 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo com a designação «procº admº - OI2018...», cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

III.1.1. Extensões de garantia

Para além do comércio de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), no exercício da atividade a A... vende extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca.

Nos períodos de 2016 e 2017 os rendimentos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respetivamente.

 

III.1.1.1 Enquadramento legal

Conforme devidamente explicitado no ponto A) do capítulo III.1.1. do relatório de inspeção tributária referente à ação inspetiva dirigida aos períodos de 2014 e 2015, credenciada pelas ordens de serviço n.ºs 012017... e 012017..., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, juntando-se em anexo a sua transcrição (Anexo 1), tais extensões de garantia consubstanciam operações de seguro, isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do Código do IVA (CIVA).

Como tal, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços com elas relacionado não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

Sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Nessa medida, impõe-se a aplicação do artigo 23.º do CIVA, determinando a al. b) do n.º 1 que o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pró rate) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

Dito de outra forma, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

GG)       Na sequência das inspecções foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios no valor total de € 356.433,05, (€ 328.107,08 de IVA e € 28.325,97) juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 86.970,39;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 71.050,12;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 93.440,51;

– de IVA n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 76.646,06;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201412, no valor de € 12.418,50;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201512, no valor de € 7.303,40;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201612, no valor de € 6.420,39;

– de juros compensatórios n.º 2018..., relativa ao período 201712, no valor de € 2.183,68;

HH)        A actividade principal da Requerente é a venda a retalho de electrodomésticos, enquadrada no regime normal de IVA;

II)           No final de cada venda de electrodomésticos, após fecho desta, o vendedor que a efectuou propõe ao comprador a compra de extensões de garantias por um valor adicional;

JJ)           Após a venda de electrodomésticos, a Requerente propõe aos seus clientes, além das extensões de garantia, serviços como aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio;

KK)         A Requerente não vende extensões de garantia sem prévia venda de eletrodomésticos;

LL)          As garantias são asseguradas pelos respectivos fornecedores das marcas dos electrodomésticos que a Requerente vende, tendo esta actividade de intermediação, com base em contratos de agente na actividade de mediação de venda de apólices de seguro;

MM)     A venda de extensões de garantia representa cerca de 4% ou 5% do volume de negócios da Requerente;

NN)       A actividade de extensões de garantia proporciona a Requerente um lucro de cerca de 35%;

OO)       A venda de extensões de garantia ocorre com habitualidade;

PP)         A Requerente não investiu nem alterou a sua estrutura, espaços físicos e apresentação ao cliente, por vender extensões de garantia;

QQ)       A Requerente não tem estrutura logística, de recursos e de suporte especialmente afecta à venda de extensões de garantia;

RR)         Não há qualquer obrigação entre a Requerente e a seguradora da extensão de garantia em termos de contratação de pessoal;

SS)         Não houve qualquer contratação de funcionários extra para assegurar a venda de extensões de garantia, nem tão pouco foi contratada formação específica para os funcionários da Requerente;

TT)         Os recursos materiais consumidos pela Requerente com a venda de extensões de garantia são:

(i) compra da apólice (isenta de IVA) ou seja, a compra das garantias junto da entidade B... (na prática é uma lista com o número de apólice e o valor unitário de compra) e traduz-se em 4 a 5 facturas mensais da B... à A..., ou seja, anualmente cerca de 60 facturas (59 facturas em 2017, 56 em 2016, 56 em 2015 e 93 em 2014) para um total superior a 100.000 documentos tratadas globalmente pelos serviços e Suporte A... (todos os

fornecedores);

(ii) Comunicação de dados à companhia de seguros, que é feita de forma suportada em recursos IT (leitura do ficheiro de facturação e reenvio automático por interface).

Não há consumo tangível de qualquer recurso (excepto uma ínfima parte de energia/electricidade e da infraestrutura IT), considerada imaterial;

iii) Papel: Impressão do papel da apólice de seguro. Ao cliente é entregue em papel (i) a factura e (ii) a apólice de seguro (esta última caso o cliente não aceite receber via email o respetivo certificado). Assim, para a factura, a EG significa uma impressão de linha adicional (pelo que não há consumo adicional de papel).

Apenas a apólice é consumo adicional e marginal de recursos tangíveis, ou seja, 6 folhas de papel x Número de apólices anual x € por folha * print = 009€/apólice, ou seja, um custo total anual estimado de 17.937€ inerente ao custo de impressão (papel de 0,004€ a folha e avença de impressão a preto e branco de 0,0055 por página);

UU)       O custo aproximado da impressão das extensões de garantia foi de € 11.426,76 em 2014, de € 10.879,38 em 2015, de € 15.416,46 em 2016 e de € 17.937,00 em 2017 e os custos de estrutura nesses anos foram, respectivamente, de € 9.500.905,54, € 7.669.866,85, € 8.172.282,26 e de € 8.382.466,70 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Relatório da Inspecção Tributária);

VV)        Até à fase de Atendimento e Caixa, não há qualquer recurso interno consumido como extensão de garantia, designadamente a nível de stock, promoção especifica, consumo em energia e limpeza, stand de venda (não existe), farda respeitante às extensões de garantia;

WW)     Os vendedores da Requerente despendem cerca de 1/3 da sua jornada para concretizar o volume de vendas apresentado, sendo o tempo restante ocupado com outras tarefas como atendimento sem venda concretizada, arrumação, formação, limpeza, colocação de preços, colocação de campanhas, supervisão, segurança/vigilância, realização de inventários, verificação e cumprimento de normas;

XX)         O consumo do tempo de Vendedor e de Caixa, foi de cerca de 0,62% por ano (documentos n.ºs 4 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

YY)         Nos períodos de 2014 e 2015 os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €7.093.893,27e €7.033.802,80 respectivamente, isto é, cerca de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

ZZ)         Em 2014 e 2015, o lucro bruto (margem) da actividade de venda de electrodomésticos (38,4Milhões de Euros de lucro) foi cerca de 14 vezes superior à venda das extensões de garantia (2,4, Milhões de Euros de lucro);

AAA)     A Requerente obtém uma margem de lucro de 35% na venda de extensões de garantia e de 25% na venda de electrodomésticos;

BBB)      Nos períodos de 2016 e 2017, os proveitos com as extensões de garantia, registados na conta 7816000007, ascenderam a €8.934.994,90 e €9.569.467,58, respectivamente, isto é, cerca de 5% e de 4% do volume anual total de proveitos desses períodos;

CCC)      A Requerente foi objecto de um Processo Especial de Revitalização, distribuído e autuado sob o n.º .../13...T… no Tribunal de Comércio de …, com despacho de homologação de acordo de revitalização proferido a 2014-05-02 (documento n.º 2 junto com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

DDD)     Em 24-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, nos factos alegados pela Requerente não questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, documentos juntos com a petição inicial e com as alegações e os que constam do processo administrativo.

A generalidade dos factos alegados pela Requerente relativos ao funcionamento das suas lojas de venda de electrodomésticos são factos do conhecimento geral, pelo que não há razões para duvidar da credibilidade das suas afirmações.

                Não se provou que a sustentabilidade da Requerente dependa da venda de extensões de garantia, nem que o modelo de negócio da Requerente não possa ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

Na verdade, embora nos exercícios de 2014 e 2015, o lucro obtido com as extensões de garantia tenha sido necessário para a Requerente obter resultados positivos, nos exercícios de 2016 e 2017 foram obtidos resultados positivos mesmo sem considerar o lucro resultante das extensões de garantia, o que, só por si, manifestamente infirma a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia e de que o modelo de negócio da Requerente não pode ser implementado sem a venda de extensões de garantia.

O facto, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de «a Requerente ter sido alvo de um Processo Especial de Revitalização», no ano de 2013, não prova que o negócio seja insustentável e, pelo contrário, a homologação de um acordo de revitalização pressupõe indícios de viabilidade, que foi comprovada nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, nestes últimos mesmo sem considerar os lucros obtidos com as extensões de garantias.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente deduziu integralmente o IVA suportado nos anos de 2014 a 2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente tendo feito correcções em sede de IVA, por entender que esta não podia deduzir a integralidade do IVA dos seus inputs, porque, para além da sua actividade principal de venda de electrodomésticos (sujeita a IVA), vende também extensões de garantia relativas a electrodomésticos (isentas de IVA).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:

– “não sendo as operações de extensão de garantia efetuadas pela A... consideradas financeiras, não se aplica o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não estão excluídas do cálculo do pro rata, a que se refere a alínea b) do nº 1 daquele artigo»;

– «tal norma sempre seria de afastar, dado o carácter de habitualidade destas operações, que exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo»;

– «como tal, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista é dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução»;

– «sendo certo que não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade), há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia».

– «ainda que as operações de seguro pudessem ser equiparadas a financeiras e, como tal, estar incluídas no nº 5 do artigo 23.º do CIVA, não parece que as mesmas fossem consideradas de carácter acessório, já que de facto mais não são do que um prolongamento da atividade da A..., realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa»;

– o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, na percentagem respeitante às extensões de garantia, não é dedutível.

 

                                              

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– a actividade de intermediação assume um conteúdo meramente residual no conjunto da actividade da A..., tendo uma expressão marginal, representando em volume anual total de proveitos em 2014, 2015, 2016 e 2017, respectivamente, 4%, 4%, 5% e 4%, sendo-lhe afecta uma proporção ínfima dos seus recursos humanos, proporção esta praticamente inexistente quanto aos recursos materiais;

– o conceito de operação financeira para efeito do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA deve ser interpretado de forma lata, abrangendo as operações de seguro e resseguro, por imposição do princípio da neutralidade;

– as acções empreendidas na UE ao nível dos mercados financeiros e dos produtos financeiros abarcam igualmente na sua alçada a área dos seguros e, em particular, a mediação de seguros;

– as operações de seguro integram as operações financeiras, designadamente de acordo com o CAE, e as seguradoras são consideradas instituições financeiras em sentido lato, na consideração do clássico tríptico do sistema financeiro português: Bancos, Bolsa e Seguros (veja-se, nomeadamente, o disposto no artigo 5.º, n. º1, alínea ii), do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Actividade Seguradora e Resseguradora, aprovado pela Lei n. º 147/2015, de 9 de Setembro);

– na Circular n.º 7/2009, de 15 de Abril de 2009, da Direcção-Geral dos Impostos, relativa à incidência de Imposto de Selo sobre as comissões de mediação de seguros devidas pelas instituições de seguros às instituições de crédito, é referido nos seus pontos 1 e 2 que “1 - A atividade seguradora exercida pelas instituições de seguro integra a tripartição clássica em que se estrutura o sistema financeiro nacional, a par das atividades bancária e bolsista»;

– a isenção das operações financeiras, incluindo as operações de seguro e de resseguro, está actualmente acolhida no número 1 do artigo 135.º da Directiva IVA;

– o direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas de Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito (tal como o TJUE tem vindo a salientar);

– as proposta de Directiva e de Regulamento relativas aos serviços financeiros e de seguros, vieram propor soluções conjuntas denotando-se que “Os serviços financeiros e de seguros requerem os mesmos tipos de intermediação”, pelo que "Afigura-se por conseguinte, adequado que a intermediação nos seguros e a intermediação nos serviços financeiros sejam objecto de um tratamento idêntico”;

– Nenhum motivo válido existe para o conceito de “operação financeira acessória” para efeitos do cálculo do pro rata ser interpretado de forma restritiva, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o sentido das regras que regem o exercício do direito à dedução do imposto suportado;

– para efeitos do exercício do direito à dedução, a actividade exercida a título secundário de intermediação levada a cabo pela A... deve qualificar-se como uma operação financeira acessória não integrável no cálculo do pro rata, devendo interpretar-se o conceito de operação financeira de forma lata, sob pena de violarmos o princípio basilar da neutralidade que rege este tributo.

 

                No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:

– que deve ser aplicada a jurisprudência do TJUE do caso EDM sobre o conceito de actividade acessória e entende que a situação da Requerente não pode ser qualificada como tal, porque «pese embora a venda de EG represente apenas 4% ou 5% do volume de negócios, certo é que o lucro que esta atividade proporciona (cerca de 35%) foi nos anos de 2014 e 2015 superior ao lucro total da empresa»;

– a própria sustentabilidade da Requerente depende da venda de extensões de garantia;

– a intermediação na venda de extensões de garantia constitui um prolongamento direto, permanente e necessário da actividade tributada;

– não há paralelismo entre as vendas de extensões de garantia e operações financeiras;

– no artigo 135.º (artigo que elenca, de forma similar ao artigo 9.º do CIVA, um conjunto de operações isentas de IVA), destaca claramente as operações de seguro das operações financeiras, referindo-se às de seguro na alínea a) e às financeiras nas alíneas b) a g);

– a separação entre “operações de seguro” e “operações financeiras” resulta clara na exclusão das operações de seguro no artigo 174.º/2-c), sendo que este normativo, definindo a fórmula de cálculo do pro rata, teve acolhimento no nosso artigo 24.º do CIVA;

– a Diretiva prevê que no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações referidas no artigo 135.º/1, alíneas b) a g) (i.e., as operações financeiras), desde que acessórias (como já acima se viu), deixando, assim, de fora a alínea a) (i.e., as operações de seguro);

– o CIVA procede a uma evidente distinção entre as operações de seguro (artigo 9.º, n.º 28) e as operações financeiras (artigo 9.º/, n.º 27);

– o legislador nacional distingue expressamente as “operações financeiras” das “operações de seguro”, sendo que, quando quer referir-se a ambas, fá-lo em termos inequívocos;

– as isenções devem ser interpretadas de forma estrita;              

– “operações de seguros” e “operações financeiras” são conceitos autónomos e possuem enquadramentos jurídicos próprios (neste conspecto, recorde-se o que supra se disse em torno da articulação entre os artigos 174.º/2-c) e 135.º/1 da Diretiva IVA);

 – a venda das extensões de garantia não se subsume no conceito de “operação financeira”, exigido pelo artigo 23.º/5 do CIVA;

– a interpretação veiculada pela Requerente é contrária à Constituição, na medida em que se traduz na violação dos princípios da justiça e da igualdade fiscais, quando comparada a Requerente com as mediadoras de seguros, que não podem deduzir o IVA, embora suportem despesas de financiamento;

– a posição defendida pela Requerente traduz-se ainda numa situação de concorrência desleal com os mediadores de seguros, suscetível de conduzir a distorções na tributação dos sujeitos passivos.

 

                Ambas as Partes apresentaram sugestões de questões a colocar ao TJUE em sede de reenvio prejudicial.

               

                3.2. Objecto do litígio

               

                O presente processo tem por objecto a questão de saber se a situação da Requerente, quanto à actividade desenvolvida no âmbito de extensões de garantia pode enquadrar-se no n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.

                O CIVA estabelece o seguinte, nos seus artigos 20.º e 23.º, no que aqui interessa:

 

Artigo 20.º

 

Operações que conferem o direito à dedução

 

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

b)           Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

 

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

 

(...)

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

(...)

 

               

 

Estas normas têm correspondência nos artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 173.º

1.  No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

 

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

(...)

 

 

Artigo 174.º

1.  O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

 

2.  Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

 

(...)

 

 

A Requerente dedica-se à venda de eletrodomésticos, actividade relativamente à qual liquida IVA.

Na sequência de vendas de electrodomésticos que efectua, a Requerente vende também, quando o cliente pretende, «extensões de garantia, que proporcionam ao cliente um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca», actuando a Requerente com «intermediário entre a companhia de seguros e o cliente final». 

A Requerente não liquida IVA relativamente à actividade de venda das extensões de garantia, mas deduz integralmente o IVA que suporta que incidiu sobre bens e serviços adquiridos para desenvolver a totalidade da sua actividade.

Há acordo das Partes quanto a esta actividade de extensão de garantias beneficiar da isenção prevista no n.º 28) do artigo 9.º do CIVA relativa às «operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro».

Sendo esta actividade de prestação de extensões de garantia isenta, não confere direito à dedução, à face do preceituado artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, que estabelece, no que aqui interessa, que «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas».

 Está-se, assim, perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, pois a Requerente afecta bens e serviços à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confere direito à dedução, situação em que «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução».

O n.º 4 do artigo 23.º do CIVA estabelece que «a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

Porém, o n.º 5 deste artigo 23.º prevê excepções a esta regra, afastando do cálculo referido, além do mais, as operações «financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo», o que se reconduz a que, nestas situações, seja dedutível todo o IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações.

A controvérsia entre as Partes tem por objecto este enquadramento, pois a Requerente defende que a sua situação se enquadra neste n.º 5, por as operações de vendas de extensões de garantia deverem ser qualificadas como «operações financeiras» e terem carácter acessório em relação à actividade principal de venda de eletrodomésticos, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a aquelas operações nem podem qualificar-se como «financeiras» nem têm carácter acessório.

Estando em causa a interpretação de normas de direito da União Europeia, é colocada pelas Partes a questão da necessdade de ser efectuado reenvio prejudicial, para o TJUE.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

Como resulta do Relatório da Inspecção Tributária, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira subjacente às liquidações impugnadas tem uma dupla fundamentação, na medida em que considera que a inviabilidade de afastar do cálculo do pro rata de dedução os montantes do volume de negócios respeitantes às vendas de extensões de garantia resulta não só de não se tratar de operações financeiras como de não serem actividade de natureza acessória, para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (   )

Assim, importa apreciar aa legalidade de ambos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para emitir as liquidações impugnadas.

Por outro lado, para decidir se se deve efectuar reenvio prejudicial para o TJUE,  importa apreciar se a aplicação do Direito da União é imprescindível para a decisão da causa e se se trata ou não de solução clara ou já apreciadas na jurisprudência do TJUE, situações em que é dispensável o reenvio, nos termos do referido acórdão do Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

 

 

3.3. Questão da natureza acessória ou não da actividade de venda de extensões de garantia

 

A jurisprudência do TJUE tem vindo a ser uniforme no sentido de «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador» (acórdãos proferidos nos processos C 308/96 e C 94/97, n.º 24; C-349/96, n.º 30; C-453/05, n.º 18; C 425/06, n.º 52; C-572/07, n.º 18; C-276/09, n.º 25; C-392/11, n.º 17; C-42/14, n.º 31; C-432/15, n.º 71).

Tem entendido também o TJUE que «uma actividade económica não pode ser qualificada de «acessória», na acepção do artigo 19.º, n.º 2, da Sexta Directiva, se constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável da empresa (acórdão de 11 de Julho de 1996, Régie dauphinoise, C306/94, Colect., p. I3695, n.º 22) ou se implicar uma utilização significativa de bens ou de serviços pelos quais é devido IVA (acórdão de 29 de Abril de 2004, EDM, C77/01, Colect., p. I4295, n.º 76)» (acórdão de 29-10-2009, processo n.º C-174/08).

No caso em apreço, a actividade principal da Requerente reporta-se ao fornecimento dos electrodomésticos e as actividades complementares (como os serviços relativos a aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio, e também de venda de extensões de garantia) não constituem para a clientela um fim em si mesmo, mas são meios de o cliente beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, de fornecimento dos electrodomésticos com a garantia original.

De resto, como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 28.º da sua Resposta, «o conceito de “acessório” incluído naquele articulado prende-se, à luz da jurisprudência do TJUE, não propriamente com a quantificação do resultado dessas operações (‘output’), mas sim, em especial nas operações financeiras, nos recursos afetos» e que «o TJUE chega a admitir que o montante das operações acessórias poderá superar o respeitante à atividade normal quando refere que “(…) o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela atividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a sua qualificação de “operações acessórias” na aceção da referida disposição” (Caso ‘EDM’, n.º 77)». 

Como se diz no referido acórdão EDM, «embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de tais operações produzirem rendimentos superiores aos obtidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode por si só excluir a sua qualificação de «operações acessórias» (n.º 78).

Resulta desta jurisprudência que não tem fundamento, à face do direito da União Europeia, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de  que o «carácter de habitualidade destas operações (...) exclui por completo a possibilidade de virem a ser consideradas acessórias à atividade do sujeito passivo» e que de que essas operações não podem ser consideradas acessórias por serem «realizadas habitualmente, constituindo mesmo uma forte componente dos resultados obtidos, sem a qual poderia pôr em causa a sustentabilidade da empresa».

Neste caso, a afectação de recursos de utilização mista à actividade de venda de extensões de garantia, numa percentagem de cerca de 0,62% do valor total dos bens ou de serviços utilizados pela Requerente pelos quais é devido o imposto sobre o valor acrescentado, é manifestamente diminuta, pelo que se justifica que aquela actividade de venda de extensões de garantia seja considerada de natureza acessória, em relação à actividade principal de venda de electrodomésticos.

Para além disso,  como se vê pela fundamentação das liquidações, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao conhecimento que retirou no sentido da natureza não acessória da actividade de venda de extensões de garantia, assenta em erro sobre os pressupostos de facto, pois entendeu que sem a actividade de venda de extensões de garantia poderia estar «em causa a sustentabilidade da empresa», o que não corresponde à realidade, como resulta da matéria de facto fixada.

Conclui-se, assim, que as liquidações enfermam de erros sobre os pressupostos de facto e de direito no que concerne ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de as operações em causa não terem natureza acessória em relação à actividade da Requerente.

Porém, pelo que se disse, esta constatação não basta para concluir no sentido da anulação das liquidações, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou também como fundamento para as praticar a não qualificação das vendas de extensões de garantia como «operações financeiras», para efeitos do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.´, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE.

 

3.4. Questão da natureza financeira ou não financeira da venda de extensões de garantia

 

Como se referiu, o n.º 5 do artigo 23.º do CIVA estabelece que seja excluído do cálculo da percentagem de dedução prevista no seu n.º 4, as «operações (...) financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo».

Nestes termos, assente que a venda de extensões de garantia tem carácter acessório em relação à actividade exercida pela Requerente de venda de electrodomésticos, importa apurar se se está perante «operações financeiras», pois naquele n.º 5 se limita a este tipo de operações (para além das imobiliárias, que aqui não estão em causa) a exclusão do cálculo do pro rata de dedução.

Embora esteja directamente em causa uma questão de interpretação de uma norma do Direito Nacional, ela reconduz-se a uma questão de interpretação de Direito da União Europeia, pois aquele n.º 5 do artigo 23.º corresponde à  transposição da alínea b) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e a interpretação que desta decorrer é imperativa, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

Não é conhecida jurisprudência anterior do TJUE sobre esta questão da natureza financeira ou não das operações de extensão de garantia.

Por outro lado, a questão não se afigura de solução clara.

Na verdade, afiguram-se relevantes argumentos da Requerente sobre a inclusão das operações de intermediação em seguros no conceito de «operações financeiras» ou, pelo menos, a sua equiparação às «operações financeiras», como decorrência dos princípios da neutralidade e não distorção da concorrência. A ser assim, a exclusão do volume de negócios relativo às operações de seguro, no cálculo do pro rata de dedução estará assegurada pela alínea b) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

Mas, o facto, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de a alínea c) do n.º 2 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE se reportar às « às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º» e não também à sua alínea a), em que se prevê a isenção das «operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efectuadas por corretores e intermediários de seguros», é susceptível de ser interpretado como manifestação de uma intenção legislativa de não abranger na exclusão do cálculo do pro rata de dedução o volume de negócios relativo às operações de seguro.

Nestes termos, justifica-se o reenvio prejudicial para o TJUE.

Na formulação das questões a colocar em sede de reenvio prejudicial, ter-se-á em conta o decidido sobre a natureza acessória da actividade de venda de extensões de garantia.

Por outro lado, quanto à questão sugerida pela Requerente de saber se deve «ser considerada a dispensa de aplicação ao abrigo do art°173 n°2 alínea e) da 6ª Directiva do IVA, quando refere que deve ser autorizado aos sujeitos passivos que não seja tido em seja tido em consideração o IVA que não pode ser deduzido e que se revele insignificante» , entende-se que não é pertinente, pelo facto de nesta norma se prever uma faculdade dos Estados-Membros, que não foi exercida pelo Estado Português.  

Ponderando as sugestões das Partes e o que atrás se referiu sobre o que importa apreciar, mas tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formula-se a seguinte questão em

 

Reenvio prejudicial

 

As operações de intermediação de venda de extensões de garantia de electrodomésticos, efectuadas por um sujeito passivo de IVA que tenha como actividade principal a venda de eletrodomésticos ao consumidor, constituem operações financeiras, ou são a elas equiparáveis por força dos princípios da neutralidade e da não distorção da concorrência, para efeito de exclusão do seu montante do cálculo do pro rata de dedução, ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1, alínea b) e/ou alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

Lisboa, 10-09-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(António Carlos dos Santos)

(Nuno Maldonado Sousa)