DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20 de Agosto de 2019, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., pessoa colectiva nº..., com sede em ..., ..., em ... (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 3 de Junho de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente peticiona no pedido arbitral que seja anulada “a decisão da reclamação graciosa (…), bem como o ato de liquidação, por vício de violação de lei. Em consequência da anulação da liquidação, deverá ser determinada a sua substituição por uma que permita a dedução do crédito fiscal decorrente do SIFIDE II, no montante de
€ 13.549,08 (…)” e “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante que deveria ter sido reembolsado (…)”.
1.4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 4 de Junho de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.
1.5. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro, em 30 de Julho de 2019, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.6. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Agosto de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral em 22 de Agosto de 2019 no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.8. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.9. Em 26 de Setembro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo-se defendido por impugnação e concluído que deve “(…) o presente Pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente porquanto a tese propugnada pela Requerente viola o Princípio da Igualdade (….) e Princípio da Separação de Poderes (…) e, consequentemente, absolvida a Requerida do Pedido, com as devidas e legais consequências”.
1.10. Na mesma data, foi anexado pela Requerida o respectivo Processo Administrativo.
1.11. Por despacho arbitral datado de 1 de Outubro de 2019, tendo em consideração o facto de não ter sido deduzida qualquer excepção, “o faco facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, decidiu este Tribunal Arbitral “ao abrigo dos princípios da autonomia (…) na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, “dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT”, “determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias (…)”, e “designar o dia 4 de Novembro de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.
1.12. Adicionalmente, o Tribunal Arbitral advertiu a Requerente no sentido de que “(…) até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 7 de Outubro de 2019).
1.13. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. “A Requerente é uma sociedade que tem como missão promover o desenvolvimento económico, colocando no mercado produtos e serviços especializados, que potenciem valor acrescentado aos clientes e à sociedade em geral, nas áreas do uso e gestão da água e da produção agrícola”.
2.2. Segundo refere a Requerente, “no dia 31/05/2016 apresentou a declaração de rendimentos IRC (Modelo 22), referente ao exercício de 2015 (…)” da qual constava “(…) no quadro 10, campo 365, o valor de € 13.549,08, referente a tributações autónomas” pelo que “em consequência, a liquidação de IRC correspondente (…) apresentava o valor a reembolsar de € 1.281,09 (…)”.
2.3. Esclarece ainda a Requerente que “(…) apresentou, em julho de 2016, candidatura ao SIFIDE II - Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento (I&D) Empresarial, referente a despesas incorridas em 2015”, sendo que “a referida candidatura foi indeferida por duas vezes”.
2.4. Refere a Requerente que “(…) apresentou reclamação de tais indeferimentos” e que, consequentemente, “a 28/09/2017, foi (…) notificada da alteração da decisão final, sendo deferido o crédito fiscal no valor de € 163.221,84 (…)”.
2.5. Refere ainda a Requerente que “(…) é completamente alheia ao período decorrido entre a sua candidatura ao SIFIDE II e [a] decisão final de deferimento, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade pelo decurso de tal prazo”.
2.6. Com efeito, segundo a Requerente, “a atribuição de benefícios fiscais no âmbito do SIFIDE I e II, tem como principal objetivo a capacitação das empresas portuguesas no setor da investigação e desenvolvimento, através do incremento na capacidade tecnológica, no emprego científico e na própria afirmação no espaço europeu”, “procurando, assim, tornar o setor empresarial português mais competitivo, produtivo e promotor de crescimento económico”.
2.7. Assim, para a Requerente, “a relevância que lhe é atribuída, em comparação com outros benefícios fiscais, verifica-se, desde logo, pelo teor do artigo 92.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CIRC”, nos termos do qual “constata-se a importância atribuída a este benefício fiscal, na medida em que se encontra excluído do limite geral aplicável aos benefícios fiscais em IRC”.
2.8. Assim, segundo a Requerente, “a obtenção (…) do crédito fiscal no âmbito do SIFIDE II, concedia-lhe a possibilidade de, na sua declaração de rendimentos IRC (Modelo 22), deduzir à coleta apurada o valor correspondente deste crédito fiscal” e, como tal, “em consequência do deferimento do SIFIDE II, a 29/12/2017, a Requerente procedeu à substituição da declaração de rendimentos IRC (Modelo 22) de 31/05/2016 (…)”, com o objectivo de “(…) deduzir o crédito fiscal obtido através da candidatura ao SIFIDE II”.
2.9. A Requerente, com o referido objectivo, procedeu às alterações que assinala no ponto 32 do pedido arbitral, sendo que “no que diz respeito ao valor das tributações autónomas, constante do quadro 10, campo 365, o montante presente na primeira declaração é o mesmo que se encontra na segunda, € 13.549,08”.
2.10. Segundo a Requerente, “a declaração de substituição deu origem a uma nova demonstração de liquidação de IRC n.º 2018... (…)”, com “(…) um valor a reembolsar de € 11.107,02 (…)”.
2.11. Ora, esclarece a Requerente que foi de igual modo “(…) notificada, da demonstração de acerto de contas (…)” sendo que daquela demonstração “(…) resulta o saldo apurado de € 9.825,93, a ser reembolsado à Requerente”.
2.12. Contudo, “por não concordar com a liquidação, a Requerente apresentou a respetiva reclamação graciosa, a qual foi remetida para o Serviço de Finanças de ... a 12/11/2018 (…)” tendo esta sido indeferida pelo despacho “(…) proferido pelo Diretor de Finanças de Faro, através do Ofício n.º..., datado de 28/02/2019 (…)”.
2.13. E, dado que “a Requerente não pode concordar com o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou (…), apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral” com os fundamentos que a seguir se sintetizam.
2.14. Neste âmbito, começa a Requerente por referir que “na declaração de substituição apresentada, a Requerente apurou uma coleta de IRC de € 25.566,65, tendo deduzido
€ 25.566,65 a título de benefícios fiscais (…)” e que “do montante apresentado referente a benefícios fiscais, € 19.174,99 correspondem à dedução do valor obtido através do SIFIDE II (…)”.
2.15. Refere ainda a Requerente que suportou no “exercício de 2015 (…) tributações autónomas no montante de € 13.549,08 (…), tanto da primeira declaração, como da declaração de substituição” valor esse que, segundo defende, “(…) deveria ter sido incluído no montante da coleta para efeitos da dedução de benefícios fiscais”.
2.16. Contudo, segundo a Requerente, “(…) tal inclusão não foi possível, devido a limitações informáticas” sendo que esta impossibilidade explica-se, no entender da Requerente, porque “a fórmula de cálculo seguida pelo sistema de transmissão eletrónica de dados não considera como coleta do IRC os montantes pagos a título de tributação autónoma, inviabilizando, consequentemente, uma dedução superior de créditos fiscais, nomeadamente de SIFIDE”.
2.17. Ora, defende a Requerente que “tal entendimento não se compreende, tendo em conta que é hoje pacífico que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC” sendo que “os artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como as normas deste diploma legal relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º do CIRC, são aplicáveis às tributações autónomas”.
2.18. Adicionalmente, considera a Requerente que “o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável” e, para além disso, “o artigo 90.º do CIRC, que se refere às formas de liquidação do IRC, aplica-se, de igual modo, à liquidação do montante das tributações autónomas” pelo que “sendo a coleta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal coleta as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo”.
2.19. Adicionalmente, tendo em consideração o disposto no “Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10/2014, na redação que estabelece para o artigo 38.º do Código Fiscal de Investimento, referente ao âmbito da dedução (…)” retira-se, segundo a Requerente, “(…) da conjugação das referidas normas que a dedução de benefícios fiscais até ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, comporta a dedução ao montante das tributações autónomas” “uma vez que, as mesmas são apuradas nos termos do artigo 90.º do CIRC”.
2.20. Para reforço da sua posição, enumera a Requerente diversa jurisprudência arbitral que, segundo entende, “(…) protagoniza este mesmo entendimento (…)”.
2.21. Ora, segundo a Requerente, “apesar da legislação e jurisprudência existentes sobre o tema, favoráveis à posição da Requerente, a Autoridade Tributária (…) manteve inalterável a sua posição, não se pronunciando acerca dos argumentos apresentados pela Requerente [na reclamação graciosa] e apresentando jurisprudência arbitral com diversas declarações de voto e/ou de vencido, relativamente à sentença propugnada nas respetivas decisões”, concluindo a Requerente que “(…) a posição propugnada pela AT é frágil, controversa e facilmente refutável”.
2.22. Por outro lado, entende a Requerente que “relativamente ao caráter interpretativo da norma, considerou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 267/2017, de 1/05/2017, que implica a sua inconstitucionalidade, por retroatividade prejudicial aos contribuintes”.
2.23. Ora, “verificando-se que, no caso em apreço, está em discussão o período de tributação referente ao ano 2015, não se pode aplicar a alteração introduzida através da Lei do Orçamento do Estado para 2016” ao contrário do que, segundo a Requerente, a Requerida pretende.
2.24. Assim, para a Requerente, “é manifesto que a AT, no caso em apreço, defende um entendimento que contraria, de forma clara e frontal, o decidido pelo Tribunal Constitucional no aresto supra citado”.
2.25. Adicionalmente, reitera a Requerente que “e em consequência da decisão de deferimento da sua candidatura ao SIFIDE II, através da qual lhe foi concedido um crédito fiscal de € 163.221,84, apresentou declaração de substituição relativa ao exercício de 2015”, na qual “(…) a Requerente pretendia deduzir o crédito fiscal auferido através do SIFIDE II, à coleta da tributação autónoma do respetivo exercício fiscal” pretensão relativamente à qual “a Requerente foi impedida de concretizar (…), porquanto tal não foi possível pelo sistema informático da Autoridade Tributária”.
2.26. Em consequência, segundo defende a Requerente, “no presente caso verifica-se a ocorrência de um erro na aplicação das normais legais respetivas”, sendo que “a impugnação do respetivo ato de autoliquidação tem de ser obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa (…), no prazo de 2 anos após a apresentação da respetiva declaração”.
2.27. Ora, dado que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi objecto de despacho de indeferimento e “uma vez que a Requerente não concorda com tal decisão, visto que o valor a reembolsar constante da demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., não contempla a dedução do valor do crédito fiscal obtido no âmbito do SIFIDE II ao valor apurado das tributações autónomas”, entende a Requerente que “deve a liquidação correspondente à declaração de substituição apresentada a 29/12/2017 ser anulada e substituída por uma que inclua o valor das tributações autónomas como coleta de IRC e, como tal, permita a dedução do benefício fiscal atribuído pelo SIFIDE II no montante de € 13.549,08”.
2.28. Adicionalmente, entende a Requerente que “nos termos do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços, como é manifestamente o caso” pelo que “(…) se a pretensão da Requerente for atendida, assistir-lhe-á o direito de obter o pagamento de juros de indemnizatórios contados desde 24/01/2018, data em que foi emitida a demonstração de liquidação n.º 2018 ... (….) até à data do processamento da correta demonstração de liquidação (…)” os quais à data do pedido de pronúncia arbitral ascendem, segundo a Requerente, a EUR 734,99.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. Segundo alega a Requerida, na Resposta apresentada, com o Pedido Arbitral “pretende (…) a Requerente (…) que (…) lhe seja reconhecido o direito deduzir os valores do benefício ao abrigo do SIFIDE à colecta produzida por tributações autónomas”.
3.2. Contudo, para a Requerida, “(…) as invocadas razões de facto e de direito estão (…) longe de fundamentar/sustentar qualquer das pretensões formuladas, que devem improceder (…)”.
3.3. Assim, começa a Requerida por referir que “(…) para dirimir a questão controvertida no presente processo, importa começar por analisar a natureza jurídica das tributações autónomas e a sua articulação com as regras gerais do imposto em que se integram”.
As tributações autónomas em IRC e sua natureza jurídica
3.4. Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC”, porquanto “(…) a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, (…), em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes”.
3.5. Defende a Requerida que “(…) não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos (…) isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias” (sublinhado nosso).
3.6. Reitera a Requerida que contrariamente à conclusão redutora (…) de que “(…) se lhes aplica igualmente a norma dirigida à colecta do IRC constante das alíneas b) e c) (actuais c) e d)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis, impõe-se que seja feito um exercício interpretativo em ordem a determinar se o regime das deduções da colecta do IRC (…), também se projecta nas (múltiplas) colectas destas tributações”.
3.7. Ou seja, segundo a Requerida, “(…) importa determinar se as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC estão compreendidas nas áreas de conflito que resultam da aplicação do regime geral do IRC à disciplina das tributações autónomas”.
3.8. Nesta matéria, para a Requerida, “(…) resulta como evidente que a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, (…), em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes (…)”, sendo conveniente “(…) clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (…)”.
3.9. Com efeito, segundo defende a Requerida, “(…) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (…) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”.
3.10. Assim, segundo entende a Requerida, “(…) resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto” (sublinhado nosso).
Delimitação do imposto ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC
3.11. Nesta matéria, refere a Requerida que “na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de 29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente (…) as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projectava nas tributações autónoma”.
3.12. Segundo entende a Requerida, tal traduziu-se “(…) no aditamento efectuado à redacção do art.º 12.º do CIRC no sentido de clarificar, com carácter interpretativo, que as sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, excepto quanto às tributações autónomas” e, a par deste entendimento, “(…) foi ainda estabelecido (…) que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma”.
3.13. Contudo, segundo entende a Requerida, ficou “(…) ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos (…) identificar a parte relevante de colecta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto”.
3.14. Assim, não partilha a Requerida do entendimento da Requerente quando esta entende que “(…) quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC (…) que a expressão montante apurado nos termos do número anterior deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art.º 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art.º 88.º (…)” porquanto “(…) o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC (…) fossem incluídas as tributações autónomas”.
3.15. Com efeito, segundo entende a Requerida, “(…) para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinado segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código”, sendo de “(…) salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final (…)”.
3.16. Assim, segundo a Requerida, “(…) só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo” e, “assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC [montante apurado nos termos do número anterior], e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC [imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º], deve ser feita de forma coerente”, “ou seja, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco”, “o que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código”.
3.17. “Por sua vez, no que aos benefícios fiscais respeita, o crédito de imposto ou dedução à colecta configura uma das modalidades técnicas (…) que têm sido adoptadas (…)”, sendo que “(…) para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC”, “(…) sob pena de uma incongruência resultante da subversão da necessária interligação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro”.
3.18. Adicionalmente, reitera ainda a Requerida que “(…) a posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC (…) ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (…) são deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo”.
Do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 267/2017, de 31 de Maio de 2017
3.19. Neste âmbito, entende a Requerida que o acórdão do Tribunal Constitucional citado pela Requerente “(…) não tem força obrigatória geral, nem a AT concorda com o teor da decisão”, acrescentando que “(…) o art.º artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, inserido pela LOE2016, que foi declarado inconstitucional naquele acórdão, não é necessário à resolução deste dissídio (…)” sendo “(…) aliás, dispensável”.
3.20. Nesse sentido, cita a Requerida “(…) jurisprudência firmada no CAAD pela (…) Conselheira Fernanda Maçãs”, nos termos da qual “(…) o artigo em causa é inócuo na medida em que, à data dos factos, a letra e, bem assim, a interpretação das normas do CIRC referentes às Tributações Autónomas e aos PEC’s per si já impunham a única conclusão verossímil e legal, i.e., a de que não é admissível a dedutibilidade à colecta produzida pelas tributações autónomas do PEC”.
3.21. “Aliás, contrariamente ao que pretende a Requerente, nunca a AT defendeu que as Tributações Autónomas são IRC, mas sim que as mesmas estão imbricadas no IRC”, citando para o efeito o disposto nas decisões arbitrais nº 79/2014-T e 95/2014-T.
3.22. Assim, entende a Requerida que “(…) o pretendido pela Requerente não passará de um mero raciocínio extrapolativo e infundado” e refere que “(…) os argumentos ora esgrimidos já foram apresentados em sede arbitral, em concreto nos Processos nº 603/2014-T, Processo nº 697/2014-T e Processo nº 113/2015-T, todos decididos a favor da Requerida”.
As deduções referentes a benefícios fiscais (o SIFIDE)
3.23. Neste âmbito, refere a Requerida que “no que tange à dedução relativa a benefícios fiscais (…), quando se trata de benefícios ao investimento (…) o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução” verificando-se assim “(…) uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da colecta do IRC calculada sobre a matéria colectável baseada no lucro (…)”.
3.24. E, “(….) a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria colectável e da colecta - o lucro”.
3.25. Segundo alega a Requerida, “este benefício consubstancia-se, no essencial, na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, o montante de crédito fiscal apurado” sendo que, “(…) as despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao [sexto] exercício imediato”.
3.26. Ora, neste âmbito, segundo defende a Requerida, “a questão prévia essencial, e que aqui se impõe, está em saber como calcular o montante a que alude o artigo 90°, do CIRC a que deve então ser deduzido o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (…)” sendo que pretende a Requerente, “(…) que os créditos fiscais que lhe foram reconhecidos em sede de SIFIDE sejam deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesses exercícios fiscais”.
3.27. Contudo, para a Requerida, “compulsadas as normas que regiam o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (…), nas circunstâncias de tempo que relevam para os presente autos (…)”, “a coleta a que se refere o artigo 90° quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (…) é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação (…)” e “sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria colectável (…)”, “relativamente às tributações autónomas, (…) estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90° do CIRC” sendo de concluir que o “(…) regime do SIFIDE se reporta à colecta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas”, sendo que estas “não concorrem nem poderiam concorrer porque ainda que o n.º 1 do art.º 4.º do respectivo diploma, remeta para o montante de imposto apurado nos termos do art.º 90.º do CIRC está a referir-se aos montantes apurados nos termos do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, e nestes temos, em consonância com o que vem defendido os casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do mesmo Código, i.e. IRC”.
3.28. Por outro lado, segundo defende a Requerida, “(…) a lógica do benefício fiscal do SIFIDE (…) justifica e legitima a derrogação ao princípio da igualdade tributária” porquanto “(…) não há dúvida que o legislador optou por prescindir de receita fiscal (…)” sendo que “(…) a receita fiscal cessante era de IRC e não de tributações autónomas”.
3.29. “Ou seja, o legislador do regime do SIFIDE, ao fazer (…) referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, está a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado”.
3.30. Assim, “ao contrário do consignado pela Requerente (…), não subsiste qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de os regimes do SIFIDE e do RFAI estabelecerem que os mesmos são concretizados em deduções à colecta dos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, i.e. do IRC”, “isto porque as quer tributações autónomas quer o IRC são liquidados nos termos do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC”.
Da violação do princípio da igualdade e da separação dos poderes
3.31. Segundo a Requerida, “em face de tudo o exposto e atenta em especial a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir a dedução de benefícios fiscais à colecta de tributação autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária”, não sendo para a Requerida despiciendo relembrar que “(…) os benefícios fiscais são normas absolutamente excepcionais no sistema fiscal, na medida em que encerram uma derrogação ao princípio da igualdade tributária, resultante do artigo 13.º CRP” pelo que “só podem sobreviver portanto a um juízo de inconstitucionalidade se a derrogação que trazem ao princípio da igualdade se mostrar necessária, adequada e proporcionada à tutela dos fins extrafiscais em jogo”.
3.32. Assim, para a Requerida, “para que se admita a dedução à colecta do IRC de créditos gerados por benefícios fiscais SIFIDE é necessário que se lhes reconheça intensidade suficiente para derrogar a igualdade que deve valer na tributação das empresas”.
3.33. “Ora, se se admitir (…) que benefícios fiscais como os do SIFIDE podem ser deduzidos não apenas à colecta do IRC mas também às taxas de tributação autónoma este controlo de proporcionalidade toma contornos muito diferentes” porquanto implica para a Requerida uma interpretação da lei que degrada o princípio da igualdade tributária, dado que “(…) não apenas escamoteia o facto gerador e procedimento de liquidação muito próprios das taxas de tributação autónoma, mas sobretudo, uma tal interpretação das normas do CIRC atribui às regras do SIFIDE e aos benefícios fiscais em geral uma dignidade constitucional que não possuem no confronto com o princípio da igualdade tributária”.
3.34. Assim, segundo a Requerida, “permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de benefícios fiscais (…) à colecta das tributações autónomas (…) – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador”.
3.35. Por último, refere a Requerida que “para dirimir de vez as interpretações divergentes que têm vindo a ser feitas pela jurisprudência a Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), em concreto o seu art.º 233.º, o qual alterou o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC (…)” veio consagrar um efeito interpretativa daquela sendo que tal, segundo a Requerida, “(…) era desnecessário, porquanto à luz dos princípios citados e da interpretação e conjugação das normas mencionadas só subjaz uma interpretação possível, i.e., sobre a colecta produzida pelas tributações autónomas não era e não é possível efectuar qualquer dedução, sob pena de (…) subverter a génese, teleologia e hermenêutica de todo o ordenamento jurídico violando (…), quer o princípio da separação dos poderes, quer o princípio da igualdade”.
3.36. Assim, para a Requerida, “(…) falecem (….) as pretensões da Requerente”.
Do alegado direito a juros indemnizatórios
3.37. Neste âmbito, entende a Requerida que “a liquidação em causa não provém, de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei”, sendo que “a AT limitou-se (…) a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto (…), pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados”.
4. SANEADOR
4.1. O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido de anulação da liquidação de IRC relativa ao ano 2015, bem como para a apreciação da (i)legalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta da referida liquidação de IRC, encontrando-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.
4.3. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.
4.4. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do CPPT e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].
5.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
5.3. A Requerente é uma sociedade que tem como missão promover o desenvolvimento económico, colocando no mercado produtos e serviços especializados, que potenciem valor acrescentado aos clientes e à sociedade em geral, nas áreas do uso e gestão da água e da produção agrícola.
5.4. Para efeitos de IRC, a Requerente é uma entidade residente que exerce, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola, estando enquadrada no regime geral de tributação dos rendimentos.
5.5. No âmbito deste enquadramento, a Requerente apresentou no dia 31/05/2016 a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (nº...), referente ao exercício de 2015.
5.6. Nos termos da referida declaração de rendimentos, consta do quadro 10, entre outra, a seguinte informação (valores em Euros):
CAMPO DESIGNAÇÃO MONTANTE
351 Colecta 25.566,65
355 Benefícios Fiscais 6.391,66
365 Tributações Autónomas 13.549,08
368 IRC a reembolsar 1.281,08
5.7. A declaração de rendimentos entregue deu origem a uma demonstração de liquidação de IRC (nº 2016..., datada de 24/06/2016), da qual a Requerente foi notificada e nos termos da qual se apurou um valor a reembolsar de EUR 1.281,09, em conformidade com o evidenciado na respectiva declaração modelo 22 de IRC.
5.8. A Requerente apresentou, em Julho/2016, candidatura ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento (I&D) Empresarial (SIFIFE II), referente a despesas incorridas com I&D em 2015.
5.9. A referida candidatura, após ter sido indeferida por duas vezes pelas autoridades competentes para a sua apreciação, acabou por ser aprovada em 10 de Agosto de 2017, tendo a Requerente sido notificada, em 28/09/2017, do deferimento do crédito fiscal peticionado no valor de EUR 163.221,84.
5.10. Com este deferimento, dado que a Requerente pretendia deduzir o crédito fiscal obtido através da candidatura ao SIFIDE II, a Requerente apresentou nova declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2015, em 29/12/2017, da qual constavam, no quadro 10, nomeadamente, os seguintes elementos (montantes expressos em Euros):
CAMPO DESIGNAÇÃO MONTANTE
351 Colecta 25.566,65
355 Benefícios Fiscais 25.566,65
365 Tributações Autónomas 13.549,08
368 IRC a reembolsar 11.107,02
5.11. O valor das tributações autónomas, constante do quadro 10, campo 365, foi o mesmo em ambas as declarações de rendimentos relativas ao IRC do exercício de 2015, ou seja,
EUR 13.549,08.
5.12. A declaração de substituição deu origem a uma nova demonstração de liquidação de IRC (nº 2018..., datada de 24/01/2018), da qual a Requerente foi notificada e nos termos da qual se apurou um valor a reembolsar de EUR 11.107,02.
5.13. A Requerente foi, ainda, notificada, da demonstração de acerto de contas nº 2018 ... e da compensação nº 2018..., de 26/01/2018), nos termos da qual resulta um saldo a ser reembolsado à Requerente de EUR 9.825,93 (tendo em consideração a dedução do montante de IRC anteriormente reembolsado de
EUR 1.281,09, de acordo com a demonstração de liquidação de IRC nº 2016..., de 24/06/2016).
5.14. A Requerente apresentou reclamação graciosa, em 12/11/2018, relativa ao IRC do ano de 2015, no Serviço de Finanças de ..., tendo-lhe sido atribuído o nº ...2018... .
5.15. O mandatário da Requerente foi notificado, em 5 de Fevereiro de 2019, do Ofício nº ... de 16/01/2019, relativo ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada e, bem assim, para exercer o direito de audição prévia.
5.16. A Requerente exerceu no dia 19/02/2019, o direito de audição prévia relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
5.17. O mandatário da Requerente foi notificado, em 1 de Março de 2019, do Ofício nº ... de 28/02/2019, relativo à decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com base no despacho de indeferimento da mesma, proferido pelo Diretor de Finanças de Faro.
Motivação quanto à matéria de facto
5.18. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos.
Dos factos não provados
5.19. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão a decidir.
6.2. Nos autos, o pedido formulado pela Requerente é no sentido de:
6.2.1. Ser anulada “a decisão da reclamação graciosa (…), bem como o ato de liquidação [de IRC do exercício de 2015], por vício de violação de lei”,
6.2.2. “em consequência da anulação da liquidação, deverá ser determinada a sua substituição por uma que permita a dedução do crédito fiscal decorrente do SIFIDE II, no montante de € 13.549,08” e,
6.2.3. “(…) em consequência da anulação da liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante que deveria ter sido reembolsado (…)”.
6.3. Assim, a questão a decidir diz respeito a saber se a Requerente tem ou não direito a proceder à dedução do crédito fiscal apurado no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE II”) aos valores apurados e devidos a título de tributação autónoma.
6.4. Para defesa da sua posição, a Requerente entende, em síntese, que “a fórmula de cálculo seguida pelo sistema de transmissão eletrónica de dados não considera como coleta do IRC os montantes pagos a título de tributação autónoma, inviabilizando, consequentemente, uma dedução superior de créditos fiscais, nomeadamente de SIFIDE” mas “tal entendimento não se compreende, tendo em conta que é hoje pacífico que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC” sendo que “os artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como as normas deste diploma legal relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º do CIRC, são aplicáveis às tributações autónomas”.
6.5. Com efeito, defende a Requerente que “o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável” e, para além disso, “o artigo 90.º do CIRC, que se refere às formas de liquidação do IRC, aplica-se, de igual modo, à liquidação do montante das tributações autónomas” pelo que “sendo a coleta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal coleta as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo”.
6.6. Em sentido oposto, defende a Requerida, em síntese, que “(…) o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto”.
6.7. Assim, segundo a Requerida, “(…) para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC” concluindo a Requerida que, para efeitos de dedução do crédito fiscal associado ao SIFIDE, o montante respeitante ao benefício é deduzido “(…) aos montantes apurados nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência (…) e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis (…)” sendo que, “(…) na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas poderão ser deduzidas até ao 6º exercício imediato”.
6.8. Nestes termos, segundo entende a Requerida, dado que “a coleta a que se refere o artigo 90° quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (…) é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação (…)”, “sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria colectável (…)”.
6.9. Assim, cumpre apreciar a posição das partes e decidir de modo a responder à questão a decidir, enunciada no ponto 6.3., supra.
6.10. Preliminarmente, analisemos a evolução da figura das tributações autónomas no ordenamento jurídico nacional, seguindo de muito perto a análise efectuada na Decisão Arbitral nº 504/2016, de 21 de Março de 2017, prolatada pelo colectivo presidido pela Conselheira Fernanda Maças e do qual fez também parte a signatária desta decisão.
Da evolução da figura das tributações autónomas
6.11. Desde logo, “nesta matéria, refira-se que, na redação inicial do Código do IRC (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro), não se fazia nenhuma referência expressa ou implícita a tributações autónomas sendo que, só com a Lei nº 101/89, de 29 de Dezembro (diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 1990), foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que constava do n.º 3 do seu artigo 15.º [nos termos da qual se preceituava que ficava o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código]”.
6.12. Assim, “como é consabido, a origem no ordenamento jurídico fiscal português das tributações autónomas remonta a 1990, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, nos termos do qual (no seu artigo 4º), se estabelecia uma tributação autónoma:
a) À taxa de 10% relativa a despesas confidenciais ou não documentadas e;
b) À taxa de 6.4%, relativamente a despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”.
6.13. “Com efeito, foi com a aprovação do Decreto-Lei n.º 192/90 (e concretizando aquela autorização legislativa), que foi incluída à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas, nos termos da qual as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC”.
6.14. Não obstante, “esta norma (e, de uma forma geral, o regime das tributações autónomas), veio a ser objecto de diversas alterações (v. g. a Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, a Lei n.º 87- B/97, de 31 de Dezembro, a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril e a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), nomeadamente, através de sucessivas modificações, quer das taxas, quer da sistematização e redação às mesmas conferida, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos (…)”.
6.15. “Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o decreto que consagrou as tributações autónomas foi revogado, aditando-se ao Código do IRC o artigo 69º-A [correspondente à data dos factos subjacentes (2011 e 2012) ao artigo 88º] no qual, para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, às despesas de representação e às despesas com viaturas, se estendeu a mesma a outras situações da natureza diversa”.
6.16. E, prosseguindo a referida decisão arbitral, é referido que “em consequência desta análise da evolução da figura das tributações autónomas, entendemos ser possível retirar, desde logo, duas ilações:
(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;
(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos”.
6.17. Assim, “em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
6.18. “Assim, pode ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, os seguintes pressupostos:
(i) As tributações autónomas de IRC, ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do Código do IRC, traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;
(ii) As tributações autónomas de IRC, incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC, devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável;
(iii) Interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionados, podendo entender-se como uma excepção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro real e efectivo apurado (artigo 3º do Código do IRC);
(iv) Nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo, ou seja, esgota-se no acto de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesas considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário);
(v) O facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro, porquanto essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa;
(vi) A tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC”.
6.19. “Por outro lado, e no que diz respeito às características das tributações autónomas, reconhecem-se aqui aquelas que, há já alguns anos, a doutrina vem apontando a este tipo de tributações, ou seja:
a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC, sendo isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) Com o regime fiscal associado, pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação”.
Da causa e da função das tributações autónomas em sede de IRC
6.20. Neste âmbito, e seguindo o entendimento vertido na acima já referida decisão arbitral prolatada no âmbito do processo 504/2016-T, “é pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar, formalmente, um gasto de uma pessoa colectiva mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto”.
6.21. Ora, “ciente desta dificuldade de, muitas vezes, se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente enxertado (…), no regime de tributação do lucro real e efectivo estabelecido no Código do IRC (…), um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis, que contaminam os termos do dever de imposto que, assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal”.
6.22. “Nestes termos, pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e é, neste quadro, que se efectua o seu apuramento”.
6.23. E, “(…) embora exista uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação [do rendimento] em Portugal e as tributações autónomas (facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional), prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas”.
6.24. “De facto, as tributações autónomas são um instrumento que (…), afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC, sem que com isso sejam violados os preceitos constitucionais já que a norma aplicável (art.º 104.º, n.º 2 da CRP) declara imperativa a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real (quando seja apurado por métodos indiretos), quer das situações de tributação de gastos objeto de tributação autónoma (por expressa opção de lei), do estabelecimento de soluções técnicas (…) e das regras específicas visando a sua devolução”.
6.25. “Neste âmbito, vale a pena ainda recordar que, nem os sistemas fiscais, nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado”.
6.26. “Com efeito, todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objectivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efectividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência”.
6.27. “Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de proteção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto (como é o caso da necessidade de evitar abusos) desde que, eles mesmos, não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica”.
6.28. “No caso em análise, embora a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas colectivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efectivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes, seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal (…), seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos (como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando)”.
6.29. “Em parte, este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer, com o objectivo de evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma”.
6.30. “Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer/suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, com o objectivo de manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema”.
6.31. “Por outro lado, importa ter presente (porque isso releva para efeitos da decisão a tomar) que as tributações autónomas configuram normas anti-abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes (face ao dever de imposto) pelos quais, tradicionalmente, conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efectivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva”.
6.32. “Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à colecta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efectivo ao princípio da tributação do rendimento real e efectivo”.
6.33. “Contudo, no que diz respeito à colecta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti-abusivo que as impregna, ou seja, o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime”.
6.34. “Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspecto despiciendo, verificável”.
6.35. “Com efeito, elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia e, por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas colectivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afectadores da expectativa jurídica da receita, em cada ano económico”.
6.36. “E, através destas cláusulas gerais anti-abuso, forçam a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efectiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela”.
6.37. “Assim, as tributações autónomas, incluindo as previstas na alínea b), do n.º 13, do art.º 88.º do Código do IRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto, até porque, como mecanismo anti abuso, as tributações autónomas não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal”.
6.38. “Nestes termos, a adopção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afectadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador mas, é antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada”.
6.39. “Com efeito, as tributações autónomas introduzem mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema”.
6.40. “Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes porquanto cada um deve suportar imposto segundo pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas”.
6.41. “Importa ainda notar que, nos nossos dias, se adoptou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efectivo para as pessoas colectivas, não constituindo este uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal de entre várias outras possíveis” porquanto, “na verdade, ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários/beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto”.
6.42. “Como referiu, oportunamente, SALDANHA SANCHES (citado na Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 28), as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a actuações abusivas (...) que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis”.
6.43. “Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza anti sistémica (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita”.
6.44. Com efeito, as tributações autónomas “(…) terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)”.
6.45. “Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a actividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA”.
6.46. Assim, “(…) o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas colectivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis”.
6.47. Com efeito, “(…) é a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar”.
6.48. Assim, “fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas, no âmbito do processo de liquidação do IRC, de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a colecta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta”.
6.49. “Com efeito, é nela possível descortinar a colecta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (…) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP)”, “tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada”, “(…) a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do Código do IRC e nos termos e modos ali referenciados”.
6.50. “A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do Código, que configura uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta”.
6.51 “Neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e/ou não desejados, parece claro que não faz sentido que se lhe efectuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado”.
Da natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina nacional
6.52. “Conforme posição adoptada nas Decisões Arbitrais nº 722/2016-T, de 28 de Junho de 2016 e nº 443/2016 de 23 de Fevereiro de 2017 (…) (e para as quais desde já aqui remetemos), concorda este Tribunal Arbitral com a jurisprudência que defende que com as tributações autónomas se tributa a despesa e não o rendimento, posição (…) assumida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes (voto de vencido aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional), nos termos do qual afirma, referindo-se às tributações autónomas, que embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permite arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma (…) e isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta” (sublinhado nosso).
6.53. “E (…) deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC” (sublinhado nosso).
6.54. “No mesmo sentido, foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC”.
6.55. E no que diz respeito à liquidação do imposto, “(…) o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro”.
6.56. Com efeito, “essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.
6.57. “No que diz respeito à doutrina, constatamos que, no essencial, o conceito e a natureza das tributações autónomas não se fasta substancialmente do entendimento da jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional” (acima sumariamente enunciada).
6.58. “Na verdade, como refere RUI MORAIS, está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”, sendo “(…) difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”.
6.59. “No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas, mas da substituição de uma tributação de rendimentos implícitos de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”.
6.60. “Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa pelo que, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento”, sendo “(…) aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas (…)”.
6.61. Assim, atento o que vai exposto, estamos agora em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à questão da (i)legalidade da dedução do SIFIDE aos valores devidos a título de tributações autónomas no exercício de 2015.
6.62. Neste âmbito, recordemos que “a dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.° 2 do artigo 90.°), quando se trata de benefícios ao investimento - como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução”.
6.63. E é esta a lógica do benefício fiscal do SIFIDE que justifica e legitima a derrogação ao princípio da igualdade tributária.
6.64. Com efeito, as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente.
Do regime do SIFIDE II
6.65. O SIFIDE foi criado pela Lei nº 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência inicialmente prevista para os anos de 2006 a 2010, tendo sido reformulado pelo artigo 133º da Lei nº 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 (SIFIDE II) e, posteriormente, alterado pelos artigos 163º e 164º da Lei nº 64-B/2011 de 30 de Dezembro.
6.66. Em consequência destas alterações, o SIFIDE II foi transferido para os artigos 33º a 40º do Código Fiscal do Investimento (republicado pelo Decreto-Lei nº 82/2013, de 17 de Junho) e os artigos 33º, 35º, 36º e 38º daquele Código Fiscal foram alterados pela Lei nº 83-C/2013 (artigos 211º e 212º), alargando-se o período de vigência até 2020.
6.67. Em termos gerais, o SIFIDE II veio permitir às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido.
6.68. Ora, em 2015, à data a que se refere a autoliquidação de IRC em crise, vigorava o SIFIDE II, cujo regime estabelecia, no seu artigo 4º (âmbito da dedução), o seguinte:
“1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.
5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.
6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais” (sublinhado nosso).
6.69. Em concreto, o benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se, assim, na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas:
- Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício;
- Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.
6.70. Mas, o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes definindo o âmbito da dedução, ao aludir no nº 1 do artigo 4º, “(…) ao montante apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência (…)”.
6.71. Já o nº 3 do mesmo artigo 4º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC que releva para concretizar a dedução ao estabelecer que “a dedução é feita, nos termos do artigo 90º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado (…)”, complementando-se no nº 4 que “as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício seguinte”.
6.72. Ou seja (e em síntese), os valores que traduzam o benefício fiscal, em sede de SIFIDE, são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis sendo que, na falta ou insuficiência de coleta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.
6.73. O legislador do regime do SIFIDE, ao fazer essa referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90° do Código do IRC, está a reportar-se à coleta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque estas não entram no apuramento, nem do lucro tributável, nem da matéria coletável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado.
6.74. Assim, não subsiste qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto do regime do SIFIDE estabelecer que o mesmo é concretizado em deduções à coleta dos montantes apurados nos termos do artigo 90º do Código do IRC.
6.75. Na verdade, o disposto no ponto anterior ocorre porque, quer as tributações autónomas, quer o IRC, são liquidados nos termos do n° 1 do artigo 90° do Código do IRC mas, das duas realidades, a única que é passível de deduções à coleta [i.e., de concretização do benefício, quer por razões literais (porque o n.º 2 do artigo 90.º se aplica unicamente ao IRC) quer por razões materiais (o benefício só se efectiva se houver lucro de modo a premiar a rendibilidade do investimento)], é a coleta do IRC que, como vimos, é diferente e distinta da tributação autónoma.
6.76. E, o resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma, independente e separada não concorre para a coleta do IRC sendo que, para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, terá de acrescer ao IRC liquidado.
6.77. Assim, em face do acima exposto, e atenta em especial a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir-se a dedução de benefícios fiscais à colecta das tributações autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária porquanto, a admitir-se esta possibilidade levaria a que um sujeito passivo pudesse efectuar a dedução a título de SIFIDE (ou outros benefícios) ao montante de tributações autónomas (por exemplo, incidentes sobre despesas não documentadas) subvertendo por completo a função dessas tributações que, como acima vimos, radicam na prevenção de comportamentos fiscalmente indesejados.
6.78. Ora, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos (como acima concluído), não vê este Tribunal por que motivo lógico esse desincentivo poderia, em momento posterior, desvanecer-se em prol de um benefício fiscal porquanto não se vê como é que comportamentos que estão na origem das tributações autónomas possam ser desconsiderados e aproveitados em função de benefícios fiscais ao investimento (o que sucederia ao possibilitar-se a dedução à colecta das tributações autónomas de incentivos fiscais, como no caso em análise).
6.79. Na verdade, o resultado de tal entendimento seria, no mínimo, paradoxal.
6.80. Com efeito, sendo os benefícios fiscais normas absolutamente excepcionais no ordenamento fiscal nacional, na medida em que encerram uma derrogação ao princípio da igualdade tributária (resultante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa - CRP), só podem sobreviver a um juízo de inconstitucionalidade se a derrogação que trazem ao princípio da igualdade se mostrar necessária, adequada e proporcionada à tutela dos fins extrafiscais em jogo (o que não acontece no caso, conforme entende a Requerida).
6.81. Ora, se se admitisse que os benefícios fiscais (como é o caso do SIFIDE) pudessem ser deduzidos não apenas à colecta do IRC mas também à colecta das tributações autónomas (como defende a Requerente) seria admitir que os contribuintes de IRC pudessem neutralizar as taxas de tributação autónoma de que são devedores mobilizando benefícios fiscais como o SIFIDE, redundando em reconhecer, reitere-se, que a promoção do investimento em ciência por parte das empresas deveria prevalecer sobre o princípio da igualdade tributária mesmo quando estão em causa pagamentos e operações que indiciam as mais graves práticas de planeamento abusivo e evasão fiscal.
6.82. Na verdade, uma tal interpretação das normas do Código do IRC, como alega a Requerida, não apenas escamoteia o facto gerador e procedimento de liquidação muito próprios das taxas de tributação autónoma, mas, sobretudo, atribui às regras do SIFIDE e aos benefícios fiscais em geral uma dignidade constitucional que não possuem no confronto com o princípio da igualdade tributária.
6.83. Em síntese, interpretadas as normas do Código do IRC e do SIFIDE deste modo, seria manifesto que a lesão que trazem ao artigo 13º da CRP não se mostraria necessária, adequada nem proporcionada ao objetivo de promoção da ciência que está subjacente ao SIFIDE.
6.84. Assim, para este efeito, o Tribunal realiza não uma interpretação restritiva do artigo 4º do regime do SIFIDE II mas tão só uma interpretação teleológica e sistemática do legalmente previsto, quer no SIFIDE, quer no Código do IRC, de modo a “salvar” o regime do teste de conformidade constitucional, designadamente, no que em concreto respeita à violação do acima já referido princípio da igualdade tributária.
6.85. Ora, o entendimento arbitral que vem aqui sendo seguido (vertido nos pontos anteriores) encontra-se em sintonia com o novo nº 21, do artigo 88º do Código do IRC (aditado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são “efetuadas quaisquer deduções” sendo que aqui o legislador se limitou a acolher, clarificando-o, uma solução que os tribunais, com recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar.
6.86. Mas, ainda assim, mesmo sem se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo legislador ao nº 21, do artigo 88º do Código do IRC, é claro para este Tribunal Arbitral que o legislador fiscal apenas quis elucidar com aquela interpretação o que de resto já resultava da lei.
6.87. Nestes termos, atento o acima exposto, conclui-se pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem que haja necessidade de se lançar mão do caráter interpretativo dado, pelo artigo 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao nº 21, do artigo 88º do Código do IRC (nos termos do qual nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”), não se levantando pois qualquer questão de inconstitucionalidade que daí pudesse decorrer.
6.88. Assim, face ao acima exposto, este Tribunal Arbitral não acompanha a tese defendida pela Requerente porquanto entende que no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções, sendo a liquidação das tributações autónomas efectuada nos termos do artigo 88º e 89º do Código do IRC recorrendo-se unicamente ao nº 1 do artigo 90º do Código para efeitos de procedimento da liquidação.
6.89. Nestes termos, apreciados os factos e as posições assumidas pelas Partes, entende este Tribunal Arbitral ser negativa a resposta a dar à questão a decidir (vide ponto 6.3., supra), pelo que a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder, uma vez que a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2015, cuja anulação é peticionada, cumpre com o princípio da legalidade e da igualdade, pois assenta na correcta interpretação das normas acima citadas e analisadas.
6.90. Em consequência, improcede também a alegada ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada com respeito à autoliquidação de IRC do exercício de 2015, sendo assim de manter o despacho de indeferimento da mesma.
6.91. E, improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC do exercício de 2015, aqui impugnada, improcedem os restantes pedidos efectuados pela Requerente:
6.91.1. De substituição da referida autoliquidação de IRC por outra na qual fosse considerado a dedução do crédito fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas apurada (EUR 13.549,08);
6.91.2. De reembolso do IRC considerando o crédito fiscal do SIFIDE como dedutível à colecta das tributações autónomas apuradas no exercício de 2015 e,
6.91.3. De incidência de juros indemnizatórios sobre o referido montante de reembolso peticionado.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.92. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.93. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.94. Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:
7.1.1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade e de anulação da autoliquidação de IRC identificada no pedido, improcedendo, em consequência, (i) o pedido de substituição da referida autoliquidação de IRC por outra na qual fosse considerado a dedução do crédito fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas, bem como improcedendo (ii) o pedido de reembolso do IRC considerando o crédito fiscal do SIFIDE como dedutível à colecta das tributações autónomas apuradas no exercício de 2015;
7.1.2. Em consequência, manter o despacho de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente interposta relativamente à autoliquidação de IRC do exercício de 2015, porquanto não padece de qualquer ilegalidade;
7.1.3. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios incidentes sobre o montante de IRC peticionado para devolução;
7.1.4. Em consequência, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 14.284,07.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 04 de Novembro de 2019
O Árbitro,
Sílvia Oliveira