DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 21 de Dezembro de 2018, A..., Lda., NIPC..., com sede Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA com referência aos períodos de 201512, 201601, 201602, 201603, 201604, 201605, 201606, 201607, 201608, 201609, 201610, 201611, 201612, 201702, 201704, 201706, 201708, 201801,201804 e 201805, e respectivos juros compensatórios e juros de mora, no montante global, que indicou, de € 192 684,30.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
a. Falta de fundamentação;
b. Nulidade ou anulabilidade do relatório de inspecção tributária, por ilegalidade na escolha da Requerente para ser inspecionada;
c. Vício procedimental da inspecção;
d. Violação do princípio da verdade material, da proporcionalidade, da cooperação, do princípio da boa fé e por abuso de direito na actuação da AT no procedimento.
3. No dia 26-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 14-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2019.
7. No dia 10-04-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e por excepção.
8. No dia 09-07-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo esse que foi prorrogado por duas vezes, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- As liquidações de IVA objecto da presente acção arbitral têm origem, em correcções de natureza técnica bem como em correcções decorrentes da aplicação de métodos indirectos de avaliação, operadas pela acção inspectiva realizada com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI2017..., OI2017... e OI2017..., abrangendo os exercícios de 2014, 2015 e 2016.
2- O projecto de relatório da acção inspectiva foi notificado à Requerente pelo ofício..., datado de 7/5/2018 e recebido em 10/5/2018, tendo sido exercido o direito de audição prévia pela Requerente e elaborado o relatório final pela AT, que manteve integralmente o que constava do projecto de relatório, notificado à impugnante pelo ofício ..., datado de 22 de Junho de 2018, recebido pela Requerente em 26/6/2018.
3- O Relatório final da inspecção tributária tem como data de conclusão 18/06/2018, o parecer do chefe de equipa é datado de 19/06/2018 e o despacho por delegação do Director de Finanças de ... tem a data de 20/06/2018.
4- No exercício do direito à audição prévia, a Requerente protestou juntar vários documentos.
5- De acordo com o Relatório de Inspecção emitido, as correcções a operar foram as seguintes:
6- No termo do procedimento de inspecção, a Requerente foi notificada, para além do mais, do seguinte:
7- Foram emitidas pela AT e recebidas pela Requerente liquidações com saldo zero no final, para os períodos de Janeiro de 2014 até Novembro de 2015.
8- As referidas liquidações operaram correcções a favor do Estado de repercussões de valores pela diminuição no excesso a reportar na conta de IVA da Requerente.
9- As liquidações referidas não foram objecto de pedidos de reclamação graciosa, nem de recurso hierárquico ou impugnação judicial.
10- As correcções decorrentes da aplicação de métodos indirectos de avaliação foram objecto de pedido de revisão, o qual foi rejeitado liminarmente por ter sido apresentado extemporaneamente, decisão que a Requerente não impugnou.
11- As liquidações emitidas pela AT, para os períodos de 201512 a 201612 continham, para além do mais, a seguinte menção:
12- As liquidações emitidas pela AT para os períodos de 201702 e posteriores, continham, para além do mais, a seguinte menção:
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. Da matéria de excepção.
A Requerida suscita as seguintes questões como matéria de excepção:
i) Incompetência material do tribunal;
ii) Inimpugnabilidade dos actos tributários;
iii) Falta de interesse em agir; e
iv) Intempestividade da acção arbitral.
A Requerente insurgiu-se contra o articulado da Requerida apresentado a 03-09-2019, pugnando pela sua inadmissibilidade.
Todavia, tendo em conta que se trata de matéria de conhecimento ofícioso, e que foi devidamente submetida ao contraditório, nada obsta ao seu conhecimento.
Posto, isto, vejamos cada uma das questões colocadas pela Requerida a título de excepção.
*
i. Da competência material do tribunal arbitral
Como aponta a Requerida, todas as correcções controvertidas, com excepção da correcção no montante de € 874,00 referente ao período fevereiro/2016 (correcção meramente aritmética à matéria tributável), respeitam a correcções por aplicação de métodos indirectos.
Notando que por força da Portaria de Vinculação da AT ao CAAD (Portaria no 112-A/2011, de 22/03), os Tribunais Arbitrais não têm competência para se pronunciar sobre “pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”, conclui a AT pela ocorrência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
Não assiste, todavia, razão à Requerida.
No caso, a pretensão da Requerente não tem por objecto, ao contrário do que a Requerida assume, “actos de determinação da matéria colectável” ou “actos de determinação da matéria tributável”, mas os actos de liquidação, sendo o Tribunal competente para conhecer da legalidade dos mesmos, nos termos do art.º 2.º/1/a) do RJAT, conquanto não decorra da (i)legalidade do acto de avaliação por métodos indirectos, dado não ter sido tempestivamente apresentado pedido de revisão.
Improcede, assim, a excepção em apreço.
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ii. Da impugnabilidade dos actos tributários
Alega também a Requerida que a impugnação de uma liquidação com origem em correcções efectuadas com fundamento em métodos indirectos depende de prévia reclamação prevista nos art.º 91.º e seguintes da LGT, conforme n.º 5 do art.º 86.º do mesmo diploma legal, donde resulta que a não apresentação desta reclamação no respectivo prazo legal determina a inimpugnabilidade do acto de liquidação.
Também nesta matéria não assiste razão à Requerida.
Como se refere, por exemplo, no Acórdão de 09-03-2017 do TCA-Sul, proferido no processo 08869/15, “Embora os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base naqueles erros, a condição de impugnabilidade não funciona se na impugnação forem invocados outros vícios, designadamente o vício de falta de fundamentação.”.
Daí que, na medida em que não esteja em causa, como se apontou atrás, a legalidade do acto de avaliação por métodos indirectos, os actos tributários objecto da presente acção arbitral são impugnáveis.
Naturalmente que, na medida em que as alegações da Requerente contendam com a legalidade do acto de avaliação por métodos indirectos, deverão as mesmas improceder, por força da legalidade daquele acto, que se consolidou.
Todavia, e salvo melhor opinião, tal juízo contende com o julgamento do mérito da pretensão da Requerente, e não com os poderes de cognição do tribunal, relativamente ao objecto da presente acção arbitral.
Improcede, por isso, também esta excepção.
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iii. Do interesse em agir
Relativamente a esta matéria, entende a Requerida que a Requerente não tem interesse em agir relativamente às liquidações de IVA dos períodos de 2017 e 2018 por não existir quanto a elas, e na parte em que elas são meros actos consequentes das liquidações efectuadas quanto a períodos de imposto anteriores, a necessidade da tutela jurídica ora pretendida.
Para a Requerida, a protecção jurídica pretendida pela Requerente é plenamente assegurada pelo dever que incumbe à administração tributária de executar as decisões judiciais favoráveis ao sujeito passivo, “reconstituindo a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, conforme dispõe o art.º 100.º da LGT, pelo que não existe, quanto a estas liquidações e na presente instância arbitral, um interesse susceptível de tutela jurídica uma vez que esse interesse é imediatamente assegurado com o pedido de anulação das liquidações de IVA referentes a 2014, 2015 e 2016, o qual, a ser julgado procedente, determina por aplicação imediata da lei, e em sede de cumprimento do julgado, a consequente anulação das liquidações posteriores na parte em que estas são actos consequentes daquelas.
Também aqui se julga não assistir qualquer razão à Requerida.
Com efeito, à semelhança do que acontece, por exemplo, com os pedidos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevida, a circunstância de o mesmo efeito poder ser obtido em sede de execução de julgado, não retira o interesse em obter desde logo, no processo impugnatório, uma decisão que defina a situação jurídica do impugnante.
Assim, e pelo exposto, deve improceder, também, a excepção em apreço.
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iv. Da tempestividade da acção arbitral
Argui a Requerida, por fim, a excepção da intempestividade da acção arbitral relativamente às notas de liquidação adicional de imposto onde não é apurado imposto a pagar ou a receber mas antes, a “correcção efectuada ao valor de excesso a reportar existente na conta corrente do IVA”, as quais respeitam aos seguintes períodos:
- 2014 – todos os períodos de imposto, de 1401M a 1412M;
- 2015 – os períodos de imposto de 1501M a 1511M;
- 2016 – os períodos de imposto de 1602M, 1605M a 1608M, 1610M a 1612M.
Quanto a estas liquidações, afirma a Requerida, a impugnação arbitral resulta intempestiva por estar ultrapassado quanto às mesmas o prazo de impugnação, seja de 30 dias ou de 90 dias, consignado no art.º 10.º do RJAT, a contar de 16/08/2019.
Conclui assim a Requerida que à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD, o qual foi validado e aceite a 21/12/2018, já se encontrava precludido o direito de acção relativamente às liquidações mencionadas, devendo quanto às mesmas ser julgada procedente a excepção da intempestividade, por caducidade do direito de acção, com a absolvição da Requerida do pedido.
A Requerente reconhece o alegado pela Requerida, quanto à contagem do prazo de impugnação dos actos tributários em questão, mas alega que as liquidações em causa deverão ser consideradas nulas, e como tal impugnáveis a todo o tempo.
Efectivamente, a Requerente alega, no seu Requerimento inicial, a nulidade por violação do princípio da verdade material, da proporcionalidade, da cooperação, do princípio da boa fé e abuso de direito na actuação da AT no procedimento.
Assim, tendo em conta os vícios imputados pela Requerente aos actos tributários, não se poderá julgar a respectiva impugnação extemporânea, devendo improceder também a excepção ora em apreço.
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b. Do fundo da causa
i. Da falta de fundamentação
Começa a Requerente por arguir a falta de fundamentação das liquidações que impugna, dizendo-as deficientes, obscuras e incompreensíveis, alegando, em suma, que as mesmas ora respeitam a correcções do reporte de imposto, ora a liquidações do mesmo, abrangem períodos que vão de Janeiro de 2014 a Maio de 2018, incluindo assim um lapso de tempo, subsequente ao âmbito temporal do procedimento de inspecção, mais alegando existir um desencontro entre os valores indicados no relatório de inspecção e os valores liquidados.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;
3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quando, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.
O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Descendo ao caso concreto, julga-se não assistir qualquer razão nesta matéria.
Com efeito, conforme decorre da matéria de facto dada como provada, as liquidações emitidas pela AT respeitantes aos períodos até 201612, inclusive, referem expressamente que resultam de correcções do valor de imposto a reportar, e remetem expressamente para o relatório de inspecção que discrimina e explica como e porquê a AT procedeu às mesmas.
As liquidações referentes aos períodos posteriores a 201612, referem, também expressamente, o art.º 87.º do CIVA, e informam que resultam do processamento de declaração correctiva enviada para um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica.
Deste modo são facultados à Requerente todos os elementos necessários a compreender porque é que lhe foram determinadas as correcções de imposto que pretende contestar, não se apresentando as mesmas, minimamente, como uma manifestação de arbítrio da administração tributária.
Não obsta à conclusão retirada, a circunstância de algumas liquidações se limitarem a correcções do reporte de imposto, enquanto outras resultam em imposto a pagar, já que é claro, quer do procedimento inspectivo quer das próprias liquidações, que foi corrigido um determinado montante de imposto, que a Requerente tinha, na sua conta corrente, IVA para recuperar, e que o imposto liquidado seria primeiramente deduzido àquela e, apenas na insuficiência da mesma, liquidado.
Não obsta também ao concluído, a circunstância de as liquidações impugnadas abrangerem períodos que vão de Janeiro de 2014 a Maio de 2018, já que as mesmas distinguem-se na fundamentação, referindo-se as que são directamente fundadas no procedimento de inspecção, daquelas que se fundam no art.º 87.º do CIVA e no processamento de declaração correctiva enviada para um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica.
Também a alegada existência de um desencontro entre os valores indicados no relatório de inspecção e os valores liquidados não é susceptível de se reconduzir a um vício de fundamentação, pelo contrário, sendo – a existir, o que nesta sede não cumpre apreciar - um claro indício da existência e suficiência da mesma, já que o que pode permitir chegar a tal conclusão é, justamente, a circunstância de ter sido explicado o porquê dos valores das correcções determinadas.
Assim, e face ao exposto, deve improceder o arguido vício de falta de fundamentação.
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ii. Da nulidade ou anulabilidade do relatório de inspecção tributária, por ilegalidade na escolha da Requerente para ser inspecionada
A Requerente alega também a nulidade ou anulabilidade do relatório de inspecção tributária, por ilegalidade na escolha da Requerente para ser inspecionada, dada a violação do art.º 27.º, n.º 1, alínea d), do RCPIT.
O artigo mencionado, dispõe que:
“1 - A identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar no procedimento de inspecção tem por base:
a) A aplicação dos critérios objetivos definidos no PNAITA para a atividade de inspeção tributária;
b) A aplicação dos critérios que, embora não contidos no PNAITA, resultem de orientações a nível comunitário ou internacional, sejam definidos pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de acordo com necessidades conjunturais de prevenção e eficácia da inspeção tributária ou correspondam à aplicação justificada de métodos aleatórios;
c) A participação ou denúncia, quando sejam apresentadas nos termos legais;
d) A verificação de desvios significativos no comportamento fiscal dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários perante os parâmetros de normalidade que caracterizam a actividade ou situação patrimonial ou de quaisquer actos ou omissões que constituam indício de infracção tributária.”
A regulamentação do procedimento de inspecção tributária, tem, em primeira linha, uma finalidade principalmente organizatória (ordenatória) e, na perspectiva dos sujeitos passivos, visará essencialmente definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se reflectirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.
Relativamente a este último aspecto, ressalva-se, todavia, que, atento princípio geral da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no artigo 60.º da LGT, sempre estarão os interesses juridicamente relevantes daqueles, nessa matéria, no essencial devidamente salvaguardados, independentemente da concreta regulamentação do procedimento de inspecção tributária. Acresce, ainda a este propósito, que, como princípio, o procedimento de inspecção tributária não tem, primacialmente, uma natureza decisória (daí que, por exemplo, o respectivo acto final – o relatório – não seja directamente impugnável, na medida em que não é, em si mesmo, lesivo), mas meramente preparatória ou acessória , pelo que a necessidade de salvaguarda da participação dos contribuintes na formação das decisões, no seu âmbito, será secundária.
Deste modo, a principal finalidade, sempre na perspectiva dos sujeitos passivos, da regulamentação do procedimento de inspeção tributária, e da respectiva observação pela Administração Tributária, residirá na fixação dos condicionalismos legalmente necessários para que se reflitam eficazmente na esfera jurídica dos contribuintes, os efeitos jurídicos próprios do procedimento em questão, maxime a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos pela Administração, nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT, bem como a sujeição dos visados às garantias e prerrogativas da inspeção tributária (artigos 28.º e 29.º do RCPITA), e à aplicação de medidas cautelares (artigos 30.º e 31.º do RCPITA).
Com efeito, a instauração de um procedimento inspectivo externo, gera diversos deveres de colaboração e sujeição para o contribuinte, como sejam, por exemplo, o de facultar os elementos referidos nas als. c) e d), e o de acolher a inspecção nas suas instalações nos termos descritos nas als. a) e b), todas do n.º 2 do artigo 28.º do RCPITA.
Para além disso, um procedimento inspectivo externo, como se viu já, tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Daí que, conforme referido, a normação que disciplina o procedimento de inspecção tributária tenha subjacente, em primeira linha, regular os termos em que é legítimo à Administração Tributária impor ao contribuinte os deveres, sujeições e demais efeitos desfavoráveis inerentes àquele procedimento inspectivo.
No caso, a norma que a Requerente aponta, integra-se no regime da escolha dos contribuintes que serão sujeitos ao procedimento de inspecção.
A violação de tais normas – a ter ocorrido, o que, como se verá não relevará para o caso – deverá ter como consequência, na sequência do apontado, o direito do sujeito passivo se opor ao procedimento de inspecção, recusando legitimamente o cumprimento de quanto lhe seja exigido, bem como a irrelevância da ocorrência do procedimento inspectivo para efeitos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Este tem sido o entendimento da jurisprudência conhecida, relativamente a irregularidades verificadas no procedimento de inspecção, considerando que as invalidades do procedimento de inspecção externa não se projectam, imediata e automaticamente, na validade do acto de liquidação .
Deste modo, e pelo exposto, conclui-se que, independentemente da verificação ou não das deficiências no procedimento de escolha assacadas pela Requerente ao despacho que determinou o procedimento inspectivo a que foi submetida, não se verificará, com tal fundamento, qualquer ilegalidade nas subsequentes liquidações, devendo por isso improceder, também nesta parte, o pedido arbitral.
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iii. Do vício procedimental da inspecção
Neste âmbito, a Requerente alega que a AT emitiu o relatório final do procedimento de inspecção sem nunca lhe ter dado a oportunidade de juntar documentos, o que constitui, na sua óptica, um vicio procedimental, preterição de formalidade legal, gerador da anulação de todos os actos tributários.
Nesta matéria, note-se, desde logo, que a Requerente não funda a sua alegação em qualquer norma legal que preveja a situação alegada e a sancione com a consequência jurídica que peticiona.
Na mesma linha, não se descortina fundamento jurídico que acolha esta pretensão da Requerente.
Designadamente, a mesma não alegou, nem consequentemente provou, que a documentação que pretendia juntar assumisse essencialidade para a descoberta e apuramento da verdade material.
Limita-se, nesta matéria, a Requerente a afirmar que não se sabe quais os documentos que pretendia juntar. Ora, precisamente a Requerente é que estava em condições de demonstrar quais eram esses documentos, e precisamente à Requerente é que assiste o ónus da prova de demonstrar os factos integrantes dos vícios que invoca, conforme decorre do art.º 74.º/1 da LGT.
Assim, e pelo exposto, deve improceder, também nesta parte, o pedido arbitral.
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iv. Da nulidade por violação do princípio da verdade material, da proporcionalidade, da cooperação, do princípio da boa fé e abuso de direito na actuação da AT no procedimento
Antes de mais, relativamente a esta matéria, note-se que, não obstante invocar a nulidade (sem especificar de que actos) por violação dos supra-citados princípios, não indica a Requerente qual a norma em que assenta essa sua pretensão jurídica, sendo que, conforme prescreve o art.º 161.º/1 do CPA, aplicável por força do art.º 2.º/c) da LGT e 2.º/d) do CPPT, “São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade” .
No mais, invocando os princípios da verdade material, da necessidade e proporcionalidade, da cooperação, do princípio da boa fé e abuso de direito, verifica-se que o que a Requerente pretende, efectivamente, é colocar em crise os pressupostos de facto do recurso a métodos indirectos pela AT.
Efectivamente, a Requerente subdivide esta sua alegação, em pontos relativos às temáticas dos inventários de mercadorias, acertos de stock, acertos de stock relativos a roubos, vendas de mercadorias facturadas abaixo do preço de custo, e vendas de mercadorias com descontos muito elevados, tudo matérias que a AT analisou (e apenas relevam) enquanto fundamentos de facto dos pressupostos da aplicação de métodos indirectos.
A Requerente reconduz as suas alegações à violação dos supra-referidos princípios, alegados de forma conjunta, mas sem definir, na sua óptica qual o conteúdo de cada um, e a forma e medida da violação que entende ter ocorrido.
Em todo o caso, e mesmo que tivesse ocorrido a violação dos princípios invocados pela Requerente, a mesma teria ocorrido, nos termos em foi por aquela alegado, na recolha e aferição dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos. Ou seja: nunca estaria em causa vícios próprios dos actos de liquidação objecto da presente acção arbitral, mas vícios próprios dos pressupostos de facto da aplicação dos métodos indirectos, que, como a própria Requerente assume, não podem ser discutidos na presente acção arbitral.
De resto, não é por a AT se ter eventualmente equivocado na avaliação que fez dos factos, e que, consequentemente, os factos em que assentou a sua decisão de recorrer à aplicação de métodos indirectos não correspondam à realidade – que, no fundo, é aquilo a que se reconduzem as alegações da Requerente – que ocorre uma violação princípios da verdade material, da necessidade e proporcionalidade, da cooperação, do princípio da boa fé e abuso de direito. Antes, trata-se, por definição, da eventual ocorrência de erro nos pressupostos de facto da actuação da AT, que, no caso, foi no sentido da aplicação dos métodos indirectos.
Por fim, a Requerente menciona, em passant, a inexistência de facto tributário, que manifestamente não se verifica. Com efeito, o facto tributário, nos presentes autos, é a prática de operações sujeitas a IVA, que a Requerente não alega, nem muito menos demonstra (pelo contrário), não ter praticado.
A Requerente fundamenta a admissibilidade da sua pretensão em jurisprudência cita, verificando-se, todavia, que nenhuma dela versa sobre matéria análoga à que ora se discute.
Assim, e face a todo o exposto, deverá improceder o pedido arbitral formulado.
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c. Do valor da causa.
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 192.684,30.
A Requerida contestou esse valor, indicando o valor de € 165 521,69.
Nos termos da Tabela I, a que se refere o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária do CAAD, a taxa de arbitragem é a mesma para os processos com valor entre € 150.000,01 e € 200.000,00 intervalo em que se situam ambos os valores propostos.
Não contendendo o dissídio em questão com a matéria de custas, nem com qualquer outra, designadamente com a matéria da formação do tribunal arbitral e da respectiva constituição, considera-se que não há qualquer interesse processual na resolução de tal questão, pelo que se manterá o valor da causa indicado pela Requerente.
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Absolver a Requerida do pedido;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €192.684,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(José Ramos Alexandre)
O Árbitro Vogal
(A. Sérgio de Matos)