DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. Leonardo Marques dos Santos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-06-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., em Lisboa, (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 al. a), 5.º, n.º 3 al. a), 6.º, n.º 2 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), e no artigo 102.º, número 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”), apresentar Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) Liquidação n.º 2018..., Demonstração de acerto de contas n.º 2018... e Compensação n.º 2018..., do exercício de 2014, na parte correspondente à correcção efectuada pela AT correspondente ao valor de € 856.605,97.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios contados desde 21 de dezembro de 2018.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-03-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 23-05-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14-06-2019.
A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 12-09-2019, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Posição das partes
2.1. A Requerente defende, em suma, que:
2.1.1. Tem por objeto social a produção e comercialização de produtos de seguros do ramo vida.
2.1.2. Entre os referidos produtos e com relevância para os presentes autos, comercializa junto dos seus clientes seguros de capitalização, também denominados “Unit-linked”.
2.1.3. Os seguros de capitalização “Unit-linked” consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente escolhido pela por si.
2.1.4. Os unit linked correspondem a contratos através dos quais a seguradora se obriga ao pagamento de uma dada prestação na data do evento relevante (termo do prazo, resgate ou morte do tomador do seguro).
2.1.5. O valor da prestação está por natureza indexado ao valor do conjunto de ativos subjacente ao produto.
2.1.6. O tomador do seguro paga o prémio do seguro, sendo que sobre o referido prémio, a seguradora faz corresponder um determinado número de unidades de conta.
2.1.7. A seguradora adquire os ativos financeiros a que estão indexadas as unidades de conta.
2.1.8. O valor de cada unidade de conta é determinado pela divisão do património do fundo pelo número de unidades de conta emitidas.
2.1.9. Todos os ativos são adquiridos diretamente pela seguradora, a qual é proprietária das carteiras de títulos a que estão associados os produtos unit linked, cabendo-lhe a ela a gestão dos referidos ativos.
2.1.10. Os ativos financeiros são contabilizados pela seguradora no seu ativo e são registados em seu nome.
2.1.11. A Seguradora recebe os rendimentos decorrentes dos ativos financeiros de que é titular.
2.1.12. O tomador do seguro não recebe juros, nem é titular de quaisquer ações ou outros valores mobiliários, mas sim de uma quota ideal sobre um rendimento futuro, o qual está indexado aos ativos detidos pela seguradora.
2.1.13. No âmbito da sua atividade e com relevância para os presentes autos, auferiu, durante o exercício de 2014, rendimentos provenientes de ações e unidades de participação - em fundos de investimentos – por si detidas e que são parte integrante dos seus investimentos financeiros, relativas à comercialização de seguros unit linked.
2.1.14. Deduziu à coleta lucros distribuídos relativos àqueles rendimentos, de acordo com o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC (“CIRC”), na redação em vigor à data dos factos tributários.
2.1.15. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 28 de setembro de 2016, a ora Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2014, por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”).
2.1.16. Em sede do procedimento de inspeção, a UGC notificou a ora Requerente do projeto de relatório de inspeção, nos termos do qual foram propostas diversas correções técnicas em sede da matéria coletável de IRC do exercício de 2014.
2.1.17. Nos termos do referido projeto, a UGC decidiu efetuar, entre outras, uma correção no valor de EUR 856.605,97 relativa ao benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos sobre rendimentos de títulos afetos a carteiras unit linked.
2.1.18. A UGC notificou a ora Requerente do relatório final de inspeção, nos termos do qual manteve e confirmou, parcialmente, as correções propostas em sede do projeto de relatório de inspeção.
2.1.19. A UGC manteve integralmente a correção relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos relativa aos seguros unit linked no valor total de EUR 856.605,97.
2.1.20. Em abril de 2017, foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de 2014.
2.1.21. Por anomalia do sistema informático, a referida liquidação não refletiu as correções aritméticas resultantes da referida ação de inspeção.
2.1.22. Face ao acima exposto, através da OI2018..., a UGC iniciou um procedimento de inspeção de natureza interna apenas para regularizar a referida anomalia do sistema informático e de modo a ser possível a emissão de uma nova liquidação de IRC que incorporasse as correções à matéria coletável do exercício de 2014.
2.1.23. A 13 de novembro de 2018, foi notificada do relatório final de inspeção que confirma a realização das correções ao exercício de 2014, nomeadamente a correção efetuada ao abrigo do artigo 51.º do CIRC.
2.1.24. Em virtude das correções efetuadas em sede de inspeção, foi notificada da liquidação n.º 2018... com valor de imposto a reembolsar de €5.548.853,79.
2.1.25. Foi, igualmente, notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2018... que apurou um valor final devido de €1.176.080,67 e cuja data limite de pagamento terminava a 26 de dezembro de 2018.
2.1.26. Efetuou o pagamento da referida liquidação no passado dia 21 de dezembro de 2018.
2.1.27. Os atos tributários referidos nos pontos imediatamente acima incorporam as correções efetuadas em sede da ação de inspeção tributária ao exercício de 2014.
2.1.28. Considerando que o prazo de pagamento voluntário da liquidação acima referida terminou no dia 26 de dezembro de 2018 não restam dúvidas sobre a tempestividade do presente pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 102.º do CPPT e da alínea a) do número 1 do artigo 10.º do RJAT.
2.1.29. O ato tributário acima identificado padece de diversos vícios passíveis de condicionar a sua subsistência na ordem jurídica, em concreto, não concorda com a correção efetuada no valor de €856.605,97 relativa à eliminação da dupla tributação económica ao abrigo do artigo 51.º do CIRC sobre rendimentos de títulos afetos a carteiras de seguros unit linked, sendo, pois, o ato tributário sindicado apenas parcialmente na parte respeitante à referida correção, nos termos e com os fundamentos abaixo melhor expostos.
2.1.30. A questão decidenda consiste em determinar se nos rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro (em concreto, seguros unit linked), pode beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos tributários.
2.1.31. Os Tribunais Arbitrais já se pronunciaram nos processos n.º 65/2014-T, 268/2015-T e 160/2017-T sobre a questão material objeto do presente processo, concluindo de forma inequívoca no sentido da aplicação na esfera da Seguradora do mecanismo previsto no artigo 51.º do CIRC aos rendimentos decorrentes da comercialização dos produtos unit linked.
2.1.32. Na ótica da UGC, conforme resulta do relatório final de inspeção, o regime do artigo 51.º do CIRC não se mostra aplicável em virtude de os rendimentos dos produtos unit linked “(...) não serem nunca efetivamente (ou sequer potencialmente) tributados na sua (Seguradora) esfera. Por inexistência destes rendimentos na base tributável, verifica-se a inexistência de rendimentos incluídos no lucro tributável – estando a tributação, não restam dúvidas, limitada a zero – não podendo, desta forma, os rendimentos em causa usufruir da eliminação da (inexistente) dupla tributação económica de lucros distribuídos prevista no art.º 51.º do CIRC” – vide página 39. Considera a Requerente que o referido entendimento carece de qualquer base legal, padecendo de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, juntando ao presente processo parecer do Professor JOSÉ LUÍS SALDANHA SANCHES em Co-Autoria com o Dr. João Taborda da Gama, sobre o regime jurídico e fiscal dos seguros Unit Linked.
2.1.33. Parece relativamente pacífico que estamos perante um produto do ramo vida associado a uma carteira de investimentos cuja titularidade lhe (à Requerente) pertence.
2.1.34. Os seguros “Unit-linked” constituem produtos de poupança estruturados, titulados por uma apólice expressa em unidades de conta de um determinado fundo de investimento, cuja rentabilidade está indexada à rentabilidade dos ativos que esta afetar a esse seguro (i.e., a carteira de títulos que compõe o património do fundo).
2.1.35. O valor de cada unidade de conta será, assim, determinado pela divisão do património do fundo pelo número de unidades de conta emitidas, constituindo seu objetivo e dever uma criteriosa gestão dos fundos de investimento e dos ativos que os compõem de modo a assegurar a máxima rentabilidade para o subscritor do seguro de vida.
2.1.36. Com relevância para a situação sub judice, importará distinguir as seguintes realidades inerentes a este tipo de seguros:
i. Unidades de conta – subscritas pelo tomador do seguro de vida e que representam uma quota-parte do valor patrimonial do fundo de investimento a que estão afetas;
ii. Unidades de participação – representam a composição dos ativos do fundo de investimento (ações, obrigações, outros ativos financeiros) subscritos pela Requerente e que geram uma determinada rentabilidade suscetível de determinar a valorização ou desvalorização do valor patrimonial dos fundos a que estão afetas as unidades de conta subscritas pelos tomadores do seguro;
iii. Rendimentos da apólice de seguro – as quais são tributadas na esfera do respetivo beneficiário e que correspondem à diferença positiva entre o capital investido e o capital resgatado no final do contrato (e que estão sujeitos a tributação em sede de IRS);
iv. Rendimentos gerados pelas unidades de participação em carteiras de títulos subscritas pelos fundos de investimento autónomos – os quais constituem proveitos da entidade gestora do fundo de investimento e que são tributados nos termos gerais previstos no CIRC e de acordo com o disposto no artigo 22º do EBF (anterior artigo 19º do EBF);
v. Fundo Autónomo: fundo autónomo da seguradora composto por vários tipos de ativos, sendo o valor patrimonial dos fundos calculado em função dos ativos que o integram.
2.1.37. O segurado não é titular do produto financeiro unit linked, mas sim de unidades de conta que refletem o valor patrimonial de um fundo autónomo.
2.1.38. Não existe uma relação de paridade total entre as unidades de conta e o conjunto de ativos a que estão indexadas, pois conforme refere o Professor SALDANHA SANCHES no seu parecer, “no caso dos Unit-Linked a aleatoriedade assume proporções diferentes uma vez que à imprevisibilidade do evento (o valor do seguro) se junta a imprevisibilidade dos valores a pagar pela seguradora (o risco do investimento) que variarão de momento para momento” para de seguida concluir “assim o valor da responsabilidade da seguradora para com o segurado varia ao longo do período contratual, consoante a variação do valor dos activos a que estão indexadas as unidades de conta”.
2.1.39. O tomador do seguro não é titular dos ativos subjacentes aos investimentos efetuados pela seguradora, sendo, assim, inequívoco que os fundos autónomos são da sua titularidade (da ora Requerente), pois quem compra os ativos (títulos, ações, investimentos financeiros) é a ora Requerente.
2.1.40. Os investimentos em ações, cujo montante provem da subscrição de seguros de vida em que o risco é suportado pelo tomador de seguros, são diretamente realizados pela Requerente, a qual é a efetiva titular da carteira de títulos e respetivos rendimentos. Esta situação é assumida pela UGC em diversas passagens do relatório final de inspeção, como se passa a demonstrar:
i) “Não obstante os ativos financeiros serem adquiridos no mercado pela seguradora, com os valores recebidos do tomador, poderem pertencer juridicamente à seguradora (…)” – página 30;
ii) “parece indubitável que, não obstante as empresas seguradoras poderem deter a titularidade jurídica das partes sociais afetas aos produtos “unit linked” (…)” – página 30;
iii) “As seguradoras recebem os rendimentos desses produtos (…)” – página 39;
iv) “Efetivamente, ainda que a Seguradora possa ser a efetiva titular das ações (…)” – página 41.
2.1.41. Se o entendimento da UGC se afigurasse correto, i.e. se fosse o tomador do seguro a deter efetivamente os ativos subjacentes, isso significaria que a lei contemplaria uma discriminação de tributação muito significativa dos rendimentos de unidades de participação adquiridas diretamente aos fundos de investimento, face aos dividendos de ações e aos rendimentos de unidades de participação adquiridos através de seguradoras do Ramo Vida, uma vez que apenas estas últimas permitiriam a aplicação aos rendimentos obtidos dos benefícios fiscais previstos em sede de IRS para o investimento a longo prazo (n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRS).
2.1.42. A diferença de tributação existe e pode existir porquanto no último caso -, i.e. no caso dos seguros unit linked - as unidades de participação e as ações subjacentes que geram os rendimentos que são refletidos nas unidades de conta não pertencem ao investidor/tomador de seguro, mas sim à Seguradora.
2.1.43. O próprio plano de contas do setor segurador obriga (e sempre obrigou) ao registo dos rendimentos advenientes destes investimentos como proveitos da própria Seguradora.
2.1.44. Estamos perante dois tipos distintos de relações jurídicas: (i) uma primeira, consistente na relação seguradora/cliente e uma segunda, (ii) consubstanciada na relação seguradora/agentes financeiros. Na primeira relação, o cliente paga um prémio que lhe dá direito a uma contraprestação indeterminada, mas determinável em função da variação de um ativo (indexante), i.e. paga um prémio contra uma contraprestação futura e indeterminada traduzida na titularidade de unidades de conta, cujo valor se encontra indexado aos referidos ativos detidos pela seguradora. Na segunda relação, a seguradora compra e vende os referidos ativos a que estão indexadas as unidades de contas, refletindo-se a respetiva valorização dos ativos no valor a pagar aos segurados (i.e. o momento em que a prestação se torna determinada).
2.1.45. Os ativos subjacentes aos seguros unit linked pertencem à seguradora e não ao tomador do seguro, o que encontra expressa consagração legal no n.º 51 da Norma n.º 16/95-R, de 12 de Setembro do ISP, quando se determina em relação aos produtos do ramo vida expressos em unidades de conta que “esta pode ser determinada em função das unidades de participação de um ou vários fundos de investimento, de fundos autónomos constituídos por ativos da empresa de seguros”.
2.1.46. O tomador do seguro unit linked não recebe juros, não é titular de quaisquer ações ou valores mobiliários, não recebe dividendos, antes limita-se a ter uma quota ideal sobre um rendimento futuro o qual está indexado aos ativos detidos pela ora Requerente.
2.1.47. A circunstância de os ativos subjacentes não pertencerem ao tomador do seguro é o que determina que, (i) não obstante a distribuição periódica dos rendimentos, os mesmos apenas tenham impacto na esfera do tomador do seguro no final do contrato e que (ii) a fiscalidade que lhes é aplicada aquando do pagamento (residente/não residente/pessoa singular ou coletiva) seja a correspondente à seguradora.
2.1.48. É a única titular dos investimentos por si realizados, quer sejam eles em ações, obrigações ou outros, independentemente de o risco dos produtos por si comercializados ser assumido pelo tomador do seguro ou pela própria seguradora.
2.1.49. A existência ou não do risco não altera a natureza do rendimento obtido, pois que os seus clientes recebem (ou não) um rendimento derivado diretamente do produto subscrito e não um rendimento proveniente de ações, obrigações ou outros investimentos que a Seguradora entenda fazer.
2.1.50. Na data do resgate da apólice ou no caso de morte do respetivo titular, o beneficiário recebe o valor correspondente à valorização das unidades de conta à data do vencimento ou resgate, de acordo com o valor patrimonial do fundo a que estão afetas, não sendo, pois, garantido o retorno do capital investido ao longo do período de vida do contrato.
2.1.51. Mostram-se preenchidos todos os requisitos legais de aplicação da norma de incidência tributária, mormente os requisitos materiais e formais previstos nas diversas alíneas do artigo 51º, n.º 1 do CIRC, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
2.1.52. Os rendimentos decorrentes dos produtos unit linked, nomeadamente os correspondentes a lucros distribuídos, são, ao abrigo das disposições contabilísticas aplicáveis, registados em contas de proveitos, influenciando assim naturalmente o apuramento do resultado contabilístico do exercício a que respeitam.
2.1.53. Decorre da leitura do artigo 51.º do CIRC, à data dos factos tributários que “1 – Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direção efetiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos (...)”.
2.1.54. A questão material controvertida e que motivou a correção efetuada pela AT consiste em determinar o que se pode qualificar como rendimentos incluídos na base tributável de IRC para efeitos do artigo 51.º do CIRC, e se, em concreto, os rendimentos contabilizados pela Requerente (lucros distribuídos) decorrentes dos produtos unit linked podem considerar-se como incluídos na base tributável de IRC para efeitos de aplicação do regime previsto na referida disposição legal.
2.1.55. O conceito de base tributável reconduz-se ao conceito de base do imposto tal como delimitado no artigo 3.º do CIRC.
2.1.56. Nos termos do artigo 3.º, número 1, alínea a) do CIRC, o IRC incide sobre, “O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
2.1.57. O lucro das sociedades e a base da determinação do lucro fiscal é apurado com base na respetiva contabilidade.
2.1.58. De acordo com artigo 17.º, n.º 1 do CIRC estabelece-se que, “1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.
2.1.59. O lucro - a base do IRC - pode resumir-se como o resultado da diferença entre os proveitos e os custos de um dado exercício, podendo afirmar-se que existe uma correspondência genérica entre balanço comercial e balanço fiscal, embora a lei fiscal preveja determinadas correções ao resultado contabilístico.
2.1.60. Sendo titular (jurídica e economicamente) dos ativos financeiros aos quais estão indexadas as unidades de conta – os quais fazem parte do seu ativo -, nenhuma dúvida restará que os proveitos gerados com os ativos detidos nos fundos autónomos, devidamente registados como tal na sua contabilidade e integrantes consequentemente do resultado contabilístico do exercício, encontram-se incluídos na sua base tributável.
2.1.61. É seguro afirmar que os lucros distribuídos são considerados proveitos ou ganhos, quer do ponto de vista fiscal, quer contabilístico, facto não contestado e até assumido pela UGC em diversas passagens no relatório final de inspeção. Com efeito, do ponto de vista fiscal, o artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, estabelece que os dividendos distribuídos são considerados proveitos da sociedade.
2.1.62. Tal realidade resulta igualmente das regras contabilísticas aplicáveis, uma vez que os lucros distribuídos são movimentados a débito nas contas 11 ou 12 – consoante as disponibilidades se registem no banco ou em caixa – creditando-se a conta 784 – Rendimentos de participações de capital, a qual se regista na classe 7, precisamente relativa a proveitos ou ganhos.
2.1.63. Relativamente às empresas do sector dos seguros, a contabilização é feita através do débito da conta 51 – Depósitos à Ordem por contrapartida da conta 74 – Rendimentos de Investimentos.
2.1.64. Não existem, certamente, muitas dúvidas, face ao quadro legal acima exposto, de que os lucros distribuídos por uma entidade participada à sua sócia são incluídos na base tributável desta. Assim, é evidente que tais rendimentos fazem parte do lucro contabilístico na aceção do artigo 17.º do CIRC, contribuindo para o apuramento do resultado final transposto anualmente para a Declaração Modelo 22 do exercício, ao contrário do que pretende fazer crer a Autoridade Tributária no presente procedimento.
2.1.65. Tratando-se de rendimentos da Requerente incluídos no seu resultado final do exercício, parece inequívoco que a esta terá direito ao benefício da eliminação da dupla tributação económica estabelecido no artigo 51º do CIRC.
2.1.66. A entidade que comercializa os ativos a que estão indexados os seguros unit linked distribui dividendos à entidade titular da respetiva carteira de ativos, ou seja, à ora Requerente, a qual os regista contabilisticamente como um proveito, estando assim os referidos rendimentos naturalmente sujeitos a imposto, em concreto sujeitos a IRC. Deste modo, é inequívoco que os lucros distribuídos por uma entidade que detém ativos financeiros à entidade titular da respetiva carteira dos títulos são incluídos na base tributável desta, tal como se verifica no caso objeto dos presentes autos. Tal conclusão encontra-se, aliás, disposta de forma bastante explícita no artigo 50.º do Código do IRC, cuja epígrafe é “Empresas de Seguros”: “Concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos ativos que estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, ou afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro”.
2.1.67. O único requisito previsto no artigo 51.º do CIRC é a inclusão na base tributável, sendo que, uma vez que estamos perante um rendimento que obrigatoriamente deve ser registado no lucro contabilístico da seguradora, é evidente que o mesmo faz parte da sua base tributável, não sendo necessário qualquer esclarecimento adicional sobre a matéria!
2.1.68. O facto de o proveito contabilístico decorrente dos rendimentos gerados pelas suas participações sociais ser integralmente compensado pelo registo de um correspondente custo, não exclui tais rendimentos da base tributável da seguradora. Com efeito, a base do apuramento do IRC é o lucro contabilístico resultante de uma operação aritmética correspondente à diferença entre proveitos e custos de um dado exercício. Sendo que a Requerente regista como proveitos do exercício os rendimentos decorrentes das suas participações associados aos produtos unit linked (nomeadamente os correspondentes a lucros distribuídos), facto assumido e aceite por todas as partes envolvidas no presente procedimento.
2.1.69. O facto de tais proveitos estarem indissociavelmente associados a um correspondente registo de um custo contabilístico (ou de uma provisão), em estrito cumprimento das regras contabilísticas aplicáveis, não pode desvirtuar a qualificação dos mesmos como rendimentos e a sua relevância para efeitos de apuramento do lucro final contabilístico do exercício. Ou seja, não existe qualquer operação de anulação contabilística do proveito registado na contabilidade, pelo facto de a Requerente estar legalmente vinculada a registar o correspondente custo.
2.1.70. O registo do custo não desvirtua a natureza do proveito registado na sua contabilidade e integrante da base tributável do exercício.
2.1.71. Os seguros Unit-Linked implicaram desde sempre e ao abrigo do Plano de Contas para as Empresas de Seguros (aprovado pela Norma Regulamentar n.º 7/94, de 27 de Abril – “PCES 94”) a constituição de provisões técnicas, por forma a acautelar os pagamentos futuros a efetuar aos respetivos subscritores. Tais provisões – ditadas pelo Instituto de Seguros de Portugal – eram fiscalmente dedutíveis nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 39º do CIRC e estão reguladas pela Norma Regulamentar n.º 09/2008-R, de 28 de setembro.
2.1.72. A obrigatoriedade de constituição e manutenção de provisões técnicas resulta clara do diploma que regula as condições de acesso e de exercício da atividade seguradora (antigo Decreto-Lei n.º 8-A/2002, de 11 de janeiro e atual REGIME JURÍDICO DE ACESSO E EXERCÍCIO DA ATIVIDADE SEGURADORA E RESSEGURADORA aprovado pela Lei n.º 147/2015, de 09 de setembro).
2.1.73. Está legalmente obrigada a constituir uma provisão que acautele a obrigação futura de pagar ao segurado o valor correspondente à valorização/desvalorização dos ativos aos quais estão indexadas as unidades de conta. Esta imposição legal, aliás, impede, ao contrário do entendimento proposto pela AT, de qualificar a Requerente como mera intermediária financeira ou gestora dos investimentos, uma vez que esta não age por conta do segurado.
2.1.74. A seguradora não é um mero depositário dos investimentos do cliente, não se limitando a cobrar uma comissão pela guarda dos títulos, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
2.1.75. Aceitar-se a aplicação do artigo 51.º do CIRC não implica criar um benefício fiscal na esfera da Seguradora.
2.1.76. O facto de o risco do seguro correr por conta do tomador não releva para efeitos da determinação do regime fiscal dos rendimentos associados à carteira de títulos gerida pela Requerente, os quais constituem, como vimos, proveitos da seguradora, de acordo com o estabelecido e imposto pelo Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES), quer o que vigorou até ao exercício de 2007 (PCES94), quer o PCES07, atualmente em vigor e cuja entrada em vigor ocorreu a 1 de Janeiro de 2008.
2.1.77. O regime do artigo 51.º basta-se com a inclusão dos rendimentos na base tributável, não cabendo determinar qual o lucro efetivo resultante de cada uma das operações realizadas.
2.1.78. Por outro lado, se o único rendimento da Requerente fosse uma “comissão” pela gestão da carteira associada aos seguros “unit linked”, como pretende fazer crer a inspeção tributária, então o PCES teria estabelecido que fosse apenas a “comissão” o proveito a registar e não a totalidade dos rendimentos derivados das participações sociais associadas aos fundos de investimento, sob pena de empolamento artificial da matéria coletável da Requerente.
2.1.79. Sendo a Requerente titular de ativos (direitos) passíveis de gerarem a distribuição de dividendos, tais dividendos são proveitos desta e incluídos na sua base tributável, tendo direito à eliminação da dupla tributação económica por força da verificação dos requisitos previstos no artigo 51.º do CIRC.
2.1.80. Ao não se aceitar-se o seu entendimento, se estaria perante uma distorção injustificada do sistema fiscal em função da forma jurídica do investimento em ativos financeiros, o que se mostra contrário ao artigo 51.º do CIRC, o qual não efetua tal distinção. O tomador do seguro unit linked não terá direito à eliminação da dupla tributação económica, uma vez que não é titular de quaisquer participações sociais, mas sim de uma apólice de seguro passível de gerar rendimentos qualificáveis como rendimentos de capital tributados nos termos do artigo 5.º do CIRS.
2.1.81. Os rendimentos decorrentes das unidades de conta subscritas pelos tomadores dos seguros de capitalização serão tributados na esfera dos beneficiários desse rendimento, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CIRS, no momento em que o seu beneficiário proceder ao resgate das unidades de conta ou a Requerente pagar o seguro ao respetivo tomador.
2.1.82. A eliminação da dupla tributação, ao abrigo do artigo 51.º do CIRC caberá, desta forma, à entidade que recebe os rendimentos gerados a partir dos ativos que detém, neste caso os dividendos distribuídos à ora Requerente.
2.1.83. A circunstância de inexistir efetiva dupla tributação – por inexistência de tributação efetiva na esfera do beneficiário ou da entidade que gerou os lucros – nunca constituiu obstáculo à efetiva aplicação do mecanismo previsto no atual artigo 51.º do CIRC.
2.1.84. Para efeitos de aplicação do artigo 51.º do CIRC e do mecanismo da eliminação da dupla tributação económica, não faz sentido a distinção que a AT parece querer efetuar no relatório de inspeção, entre rendimentos efetivos da seguradora (as comissões de gestão e subscrição cobradas) e os demais rendimentos registados como proveito contabilístico do exercício (como por exemplo os lucros distribuídos), pois tal entendimento não tem qualquer suporte legal.
2.1.85. O legislador apenas se preocupou com a efetiva tributação dos lucros na esfera da entidade que os gerou – e nunca na esfera dos beneficiários – porquanto o método de isenção previsto no artigo 51.º do CIRC basta-se com a inclusão de tais rendimentos na base tributável, o que, como vimos atrás, sucedeu no caso em apreço ao abrigo das disposições legais aplicáveis.
2.1.86. Para o legislador basta que os dividendos sejam efetivamente tributados na esfera de quem distribui para que haja lugar à eliminação da dupla tributação económica, pois na esfera do beneficiário tais rendimentos serão sempre incluídos na sua base tributável. Tal requisito perdurou no espírito do legislador quando sujeitava a aplicação do regime previsto no n.º 10 do artigo 51º do CIRC a que os dividendos tivessem sido sujeitos a tributação algures na cadeia de participações, de modo a que o beneficiário pudesse aceder ao regime de eliminação da dupla tributação económica. E se o legislador não distinguiu, não caberá certamente à AT introduzir por via administrativa requisitos que não estão previstos na norma de incidência tributária, tal como resulta da posição exposta no relatório final de inspeção subjacente ao ato tributário ora sindicado.
2.1.87. Não assume qualquer relevância para efeitos de análise do cumprimento dos pressupostos do artigo 51.º do CIRC, a informação prestada pelo ISP e invocada pela UGC no relatório final de inspeção que confirma que o único “rendimento efetivo” das seguradoras decorrente dos produtos unit linked corresponde aos encargos de gestão e de subscrição cobrados, uma vez que como acima amplamente analisado, o critério relevante para efeitos de aplicação do regime do artigo 51.º do CIRC é a inclusão na base tributável do exercício e não a efetiva tributação dos rendimentos gerados.
2.1.88. Por outro lado, não é verdade que a provisão ou o registo do custo se destine a anular o proveito registado, uma vez que o objetivo de tal registo é contabilizar e relevar fiscalmente as responsabilidades futuras da seguradora, em cumprimento das obrigações a que está legalmente vinculada nos termos do diploma regulador da atividade seguradora.
2.1.89. Não se trata, pois, de afetar a base tributável ou mesmo de ter impacto no resultado ou lucro tributável da empresa – requisito não previsto na norma de incidência – mas sim de incluir os rendimentos na base tributável, realidade que não é afetada pela circunstância de os mesmos estarem cobertos por uma provisão técnica ou serem compensados por um lançamento correspondente em contas de custos.
2.1.90. O artigo 51º do CIRC não exige que os rendimentos afetem a base tributável – argumento da autoria da AT invocado no presente procedimento – mas antes que sejam incluídos na base tributável, questão completamente distinta e que se materializa com o registo na contabilidade da Requerente dos proveitos gerados com a titularidade dos ativos detidos pelos fundos de investimento.
2.1.91. A temática relevante nos presentes autos não consiste em aferir qual o rendimento efetivo das seguradoras com a comercialização dos seguros unit linked – no limite poderia ser negativo – mas sim determinar se o artigo 51.º do CIRC exige que os dividendos afetem a conta de resultados, ou se, pelo contrário, em consonância com o método de isenção adotado pelo legislador se basta com a inclusão dos dividendos distribuídos na base tributável do beneficiário do rendimento.
2.1.92. Toda a construção efetuada pela Autoridade Tributária em torno da aplicação do artigo 51.º do CIRC e da necessária existência de um proveito/rendimento efetivo na esfera da Requerente, não tem qualquer suporte legal.
2.1.93. As provisões técnicas constituem passivos que as empresas de seguros constituem para fazer face às responsabilidades - atuais e futuras - decorrentes de contratos que celebram com os tomadores de seguros e que refletem o grau de prudência praticado pelas seguradoras sob a supervisão do Instituto de Seguros de Portugal (ISP).
2.1.94. O facto de estas provisões corresponderem ao valor dos rendimentos gerados pela carteira de títulos detida pela Requerente (dividendos recebidos) advém da circunstância de a valorização desses títulos se refletir na valorização das unidades de conta atenta a estruturação do produto oferecido.
2.1.95. As provisões técnicas, inscritas na contabilidade da Requerente, referem-se ao valor das unidades de conta que consubstanciam responsabilidades da seguradora por força do seguro de capitalização celebrado com o respetivo tomador.
2.1.96. Com a entrada em vigor do PCES07, o registo de provisões técnicas nas contas de Classe 3 passou apenas a aplicar-se aos contratos qualificados como de seguro, ao abrigo da IFRS 4, sendo que os contratos nos quais o risco do investimento corre por conta do tomador do seguro passaram a ser qualificados como contratos de investimento (tal como o caso dos unit linked).
2.1.97. A mesma imputação dos rendimentos aos tomadores dos seguros – obrigatória nos termos do diploma regulador da atividade seguradora - é agora feita não numa conta de Classe 3 (Provisões), mas sim numa conta de Classe 4 e, em concreto, na rubrica 45 “passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguro e de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento”, embora esta alteração de registo contabilístico não implique qualquer alteração quanto à natureza dos valores ou montantes que a Requerente deve registar na sua contabilidade.
2.1.98. Ao abrigo das regras contabilísticas consagradas no PCES07, está obrigada a registar em conta de custos e em concreto nas subcontas 65 e 67 todas as perdas em investimentos e as perdas e gastos em passivos financeiros, no valor correspondente aos exatos valores registados nas contas de proveitos (contas 74 – Rendimentos de Investimentos; 75 – Ganhos em investimentos; e 77 – Rendimentos e ganhos em passivos financeiros).
2.1.99. Afigura-se incorreto afirmar que, com a entrada em vigor do PCES07, os rendimentos de participações sociais das operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro deixaram de estar aplicados ou contabilizados em reservas técnicas ou mesmo que “tais compromissos deixam de ser registados”, ao contrário do que pretende fazer crer a Autoridade Tributária para fundamentar as presentes correções.
2.1.100. O facto de os valores deixarem de ser contabilizados em contas especificamente denominadas por “provisões”, em nada afeta o enquadramento no n.º 2 do artigo 51.º do CIRC, até porque a referida disposição não se refere a “provisões técnicas”, mas a “reservas técnicas”.
2.1.101. A ratio do disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código do IRC é de definir o termo reservas técnicas, no sentido de todas as situações em que, prudencialmente, é determinado que a seguradora reserva ganhos – o que se verifica exatamente no caso concreto.
2.1.102. Não obstante a reclassificação contabilística operada com o PCES07, todos estes valores, em cumprimento das disposições legais acima referidas, eram obrigatoriamente contabilizados à data dos factos e continuam a ser atualmente numa conta de classe 4 (Outros ativos e passivos), com base nos mesmos critérios e com base na mesma forma de cálculo utilizada para o registo em contas de Classe 3, no âmbito do PCES94.
2.1.103. Ainda que se entendesse que os rendimentos auferidos pela Seguradora não seriam aplicados em reservas técnicas, o que se invoca sem conceder face ao acima exposto, sempre haveria de equiparar-se os contratos unit-linked a contratos de investimentos comercializados por sociedades de investimento, os quais beneficiam indubitavelmente do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica.
2.1.104. Não existe qualquer tratamento jurídico diferenciado relativamente a dividendos de ações afetas a provisões técnicas de seguros de vida em que o risco é suportado pelo tomador do seguro em comparação com outras modalidades de seguros, nomeadamente os seguros com participação nos resultados, em que o reforço da provisão para participação pode corresponder até quase 100% do rendimento gerado pela respetiva carteira, conduzindo a uma situação semelhante à dos produtos objeto dos presentes autos, sem que, contudo, tais situações tenham sido questionadas pela Autoridade Tributária, a qual sempre aceitou a aplicação do mecanismo da eliminação da dupla tributação económica quanto a estes produtos.
2.1.105. O n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, com a redação atribuída pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, estabelece agora que, “O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades (…)”.
2.1.106. Contudo, estabeleceu o legislador, no artigo 135.º da Lei do OE para 2016 que, “A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”
2.1.107. Uma leitura apressada das normas da Lei do OE para 2016, poderia levar-nos a concluir que a nova redação do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC teria plena aplicação ao caso sub judice dada a natureza interpretativa da norma conferida expressamente pelo legislador, tal como afirma a UGC.
2.1.108. Sucede que a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC às situações anteriores à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2016, configuraria uma violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
2.1.109. No caso em apreço e como se passa a demonstrar, não estamos perante uma mera lei interpretativa, mas sim uma verdadeira lei inovadora, as quais estão sujeitas a regimes distintos, sendo o seu regime de aplicação no tempo necessariamente distinto também.
2.1.110. Para qualificarmos uma lei nova como verdadeiramente interpretativa, é necessário que:
i) a solução do direito anterior seja controvertida; e que
ii) a solução adotada pela nova lei se situe dentro dos quadros da referida controvérsia.
2.1.111. É assim evidente que a alteração promovida à norma em questão, ao limitar o seu âmbito aos rendimentos de participações sociais, que estando afetas às provisões técnicas, não sejam direta ou indiretamente imputáveis aos tomadores de seguros, não tem qualquer paralelo com a redação anterior da mesma, nomeadamente a que estava em vigor à data dos factos sindicados. Com efeito, o requisito da não imputabilidade dos rendimentos aos tomadores dos seguros, não estava de modo algum plasmado no texto legal, nem fora objeto de idêntica interpretação doutrinária ou jurisprudencial, bem pelo contrário, pois apenas a AT sustenta a posição ora sufragada com caráter alegadamente interpretativo pelo legislador fiscal.
2.1.112. A falta de suporte no texto legal, a forma como o regime sempre foi interpretado e as sucessivas redações legais do artigo 51º - as quais nunca abordaram esta temática – inviabilizam assim a atribuição de natureza interpretativa ao texto legal, sob pena de violação dos princípios constitucionais aplicáveis.
2.1.113. A atribuição do caráter alegadamente interpretativo não passa de um expediente do legislador para contornar as limitações constitucionais sobre a aplicação retroativa das normas tributárias, o que não deixará de ser sindicado por este tribunal arbitral.
2.1.114. A nova redação do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC é manifestamente uma norma de carácter inovador, pois restringe o âmbito de aplicação da norma quanto ao tipo de rendimentos abrangidos pelo regime da eliminação da dupla tributação económica.
2.1.115. Em virtude da anulação da correção acima referida, o ato tributário objeto dos presentes autos deverá ser corrigido dos seguintes termos:
Rubrica Valor
Matéria coletável 198.938.155,76
Coleta 45.755.775,82
Derrama estadual 13.090.633,32
Coleta Total 58.846.409,14
Total das deduções 727.247,52
Retenções na fonte 2.614.238,08
Pagamentos por conta 48.638.835,00
Pagamentos adicionais por conta 15.816.845,11
IRC a pagar 0
IRC a recuperar 8.950.756,57
IRC exercícios anteriores 0
Derrama municipal 2.984.072,34
Tributações Autónomas 97.416,21
Juros compensatórios 88.772,60
Valor a receber pela Requerente 5.780.495,42
2.1.116. Em virtude da correção da liquidação de IRC do exercício de 2014, nos termos expostos no ponto acima, deve a demonstração de compensação ser reformulada nos seguintes termos:
1. Valor recebido (liquidação n.º 2017...) 6.724.934,46
2. Valor a receber (cfr. liquidação ponto acima) 5.780.495,42
3. Valor devido pela Requerente (diferença entre 1 e 2) 944.439,04
4. Valor pago pela Requerente a 21 de dezembro de 2018 1.176.080,67
5. Valor a reembolsar à Requerente 231.641,63
2.2. A AT defende, em suma, que:
2.2.1. A Requerente não é a destinatária, direta ou indireta, dos rendimentos gerados pelas carteiras Unit Linked, os quais são, sim, recebidos pelo tomador de seguro.
2.2.2. Resulta do boletim informativo "PPR investimento BES (ICAE)”, na secção respeitante a garantias, onde se diz que «[a]o Segurado, é garantido o pagamento do Saldo da Apólice na data do vencimento» e este «[c]orresponde ao produto do numero de unidades de Conta pela cotação da Unidade de Conta do Fundo afecto ao Contrato nessa data».
2.2.3. Conforme explicitado no relatório de inspeção tributária e resulta confirmado pela ASF, as comissões recebidas constituem o único rendimento que afeta o resultado contabilístico da seguradora, pois que os rendimentos gerados pelas carteiras Unit Linked, apesar de registados como proveitos da Requerente, não se destinam a si, que detém e gere aquelas carteiras, mas sim aos tomadores de seguro que são os destinatários desses lucros (isto, na eventualidade de os haver), sendo na sua esfera que ocorre a tributação.
2.2.4. O capital investido é na totalidade do tomador de seguro, o qual, não obstante ter a sua atividade limitada à subscrição de unidades de participações que compõe o fundo ou fundos, ao seu resgaste ou redução, é o único investidor, recaindo sobre si os ganhos e as perdas, não estando a Requerente obrigada sequer a garantir um montante mínimo a restituir.
2.2.5. Com vista a reforçar e esclarecer a questão em litígio, solicitou ao então Instituto de Seguros de Portugal (“ISP”) que emitisse entendimento sobre a matéria ora em análise. O então ISP - hoje designado Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”), informou, que: (i) apenas constitui rendimento efetivo da empresa de seguros os encargos de gestão e de subscrição cobrados; (ii) não tendo o rendimento global gerado pelos investimentos afetos aos “unit linked’ impacto em termos dos resultados da empresa
2.2.6. apenas constitui rendimento efetivo da empresa de seguros os encargos de gestão e de subscrição cobrados;
2.2.7. As comissões constituem o único rendimento que afeta o resultado contabilístico da seguradora; e os rendimentos gerados pelas carteiras “Unit Linked", apesar de registados como seus proveitos, não se destinam às seguradoras que as detêm e gerem, mas sim aos tomadores de seguro que serão os destinatários desses lucros, na eventualidade de os haver, e será na sua esfera que serão tributados e não da seguradora.
2.2.8. No plano jurídico, o capital não deixa de ser do tomador do seguro, que não obstante ter a sua atividade limitada à subscrição de unidades de participações que compõe o fundo ou fundos, ao seu resgaste ou redução, é o único investidor e sobre ele recaem os ganhos e as perdas.
2.2.9. Quanto à titularidade dos ganhos ou das perdas apuradas no cumprimento do contrato na pessoa do tomador de seguro não restam dúvidas que, sobre a entidade seguradora não impende nenhuma obrigação, contratual ou legal, de garantir sequer um montante mínimo a restituir após o vencimento do contrato para além da diferença entre o valor das unidades de participação no momento da subscrição e da data de vencimento.
2.2.10. Os deveres ou obrigações impostos à Requerente, por lei e pelas instruções das entidades reguladoras, são, de facto, os de uma gestão prudencial do fundo ou fundos, tendentes à limitação das perdas e à rentabilização do investimento, o que envolve a negociação e contratação, em nome do fundo de investimento, dos ativos financeiros e/ou com os intermediários para realizar operações em nome do fundo.
2.2.11. É apenas por razões de praticabilidade e técnica contabilística que o capital investido pelo tomador de seguro é também registado como rendimento pela entidade seguradora.
2.2.12. Sendo que esses rendimentos não são nunca, efetivamente ou sequer potencialmente, tributados na sua esfera, pela simples razão que juridicamente não são seus mas sim dos tomadores do seguro.
2.2.13. Como oportunamente referido no relatório de inspeção tributária e de seguida se explicita, o facto desses rendimentos se encontrarem na base tributável apurada pela Requerente deriva apenas da prática contabilística assim o exigir, mais uma vez, por a entidade seguradora assumir a total gestão do fundo, mas sem que com isto se possa dizer que estes estejam a influenciar, positiva ou negativamente, a mesma base tributável.
2.2.14. A função das provisões técnicas é a de, e em qualquer momento, garantir a solvência da entidade seguradora de forma a poder cumprir, na medida do razoavelmente previsível, os compromissos decorrentes dos contratos de seguro.
2.2.15. Estes rendimentos serão assim tributados na esfera do tomador do seguro em sede de IRS e o impacto destes nos resultados da entidade seguradora, porque compensados na mesma medida por registo em provisões técnicas, acaba por ser nulo.
2.2.16. O propósito do artigo 51.º do Código do IRC é evitar que a mesma entidade seja tributada duas vezes pelo mesmo rendimento, na origem e em território nacional. Ora, tal pressupõe que os rendimentos sujeitos a imposto são juridicamente do sujeito passivo, in casu, da entidade seguradora, quando de facto tais rendimentos são dos seus clientes.
2.2.17. Não pode a Requerente fazer uso do instituto previsto no artigo 51.º do Código do IRC, que a proceder, criaria um verdadeiro benefício fiscal indevido na esfera da entidade seguradora conseguido através de um artifício contabilístico, que repita-se, é imposto pelo normativo contabilístico, mas que não desvirtua a realidade dos factos expostos.
2.2.18. A dedução dos rendimentos gerados através das carteiras de seguros “Unit Linked” nos termos previstos no artigo 51.º do Código do IRC é indevida, pelo facto de que estes rendimentos não se encontram a afetar a base tributável da Requerente.
2.2.19. O corpo do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC projeta-se no n.º 2, que apenas deixa de atender à percentagem de participação e ao prazo da sua detenção, mas mantém o pressuposto da inclusão na base tributável e, este pressuposto, como já ficou demonstrado, não se encontra, in casu, preenchido. Importando notar, em segundo lugar, que esse n.º 2 do artigo 51.º do Código do IRC não é também suscetível de ser aplicado na situação sub judice, pois, contrariamente ao alegado pela Requerente, não estão aqui em causa rendimentos de participações em que tivessem sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros.
2.2.20. Se dúvidas houvesse quanto à interpretação da norma legal em causa, no atual artigo 51.º, n.º 6 do Código do IRC (correspondente ao anterior artigo 51.º, n.º 2 do Código do IRC), na redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 [Lei do Orçamento de Estado (OE) ara 2017], com natureza interpretativa, determina-se que: «O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades: a) Sociedades de desenvolvimento regional; b) Sociedades de investimento; c) Sociedades financeiras de corretagem.».
2.2.21. Sendo inegável que na situação sub judice os rendimentos obtidos são direta ou mesmo indiretamente imputáveis aos tomadores de seguros, não tem pois também razão a Requerente quando pretende que seja aplicada tal disposição legal.
2.2.22. Mesmo que os rendimentos sub judice estivessem incluídos na base tributável da seguradora (nos termos então exigidos pelo artigo 51.º do Código do IRC) - e sem conceder -, contrariamente ao arguido pela Requerente, designadamente no artigo 90.º pedido arbitral, não se encontrava verificado in casu o cumprimento dos demais pressupostos previstos para essa dedução, pelo que sempre a mesma careceria de sustentação legal. Pelo que, nesta medida, improcedem, na totalidade, os argumentos aventados pela Requerente como fundamento para a ambicionada anulação parcial da liquidação sob sindicância
2.2.23. A Requerente designa os produtos que comercializa como "seguros de capitalização", adiantando que se trata de contratos através dos quais a seguradora se obriga ao pagamento de uma dada prestação na data do evento relevante (termo do prazo, resgate ou morte do tomador do seguro), estando a dita prestação indexada ao valor de um conjunto de ativos financeiros - e.g., UPs, acções- subjacentes ao produto. O tomador do seguro ou investidor entrega à seguradora um prémio ou contribuição a que esta entidade faz corresponder um determinado número de unidades de conta. As prestações recebidas dos investidores são aplicadas na aquisição de ativos financeiros e contabilizados pela seguradora no seu ativo, embora afetos a um "Fundo".
2.2.24. Para a devida avaliação das implicações fiscais deste produto na esfera da empresa seguradora, ora Impugnante, importa identificar as suas principais características. Assim, sobre a distinção entre riscos de seguro e outros riscos, a Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS) 4 - Contratos de Seguro, no seu apêndice B, parágrafo B8, prescreve o seguinte: «A definição de um contrato de seguro refere-se a um risco de seguro, que esta IFRS define como risco, diferente do risco financeiro, transferido do detentor de um contrato para o emitente. Um contrato que expõe o emitente a risco financeiro sem risco de seguro significativo não é um contrato de seguro.». O atual PCES contempla a aplicação dos princípios nucleares de todas as NIC, adotando expressamente (e apenas), no que concerne à IFRS n.º 4, os princípios de classificação do tipo de contratos celebrados pelas empresas de seguros (cf. artigos 1.º e 2.º do Regulamento n.º 110/2007 (DR, 2§ Série, n.º 110, de 8/6/2007) - Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do ISP). E, mais adiante, como exemplos de itens que não são contratos de seguro, no parágrafo B19, são apresentados: «contratos de investimento que têm a forma legal de um contrato de seguro, mas não expõem a seguradora a um risco de seguro significativo, por exemplo, contratos de seguro de vida em que a seguradora não suporta qualquer risco de mortalidade significativo (tais contratos são instrumentos financeiros do tipo não seguro ou contratos de serviços […].»
2.2.25. Face aos termos da legislação supra referida, é agora inquestionável (pelo menos desde início de 2008) que os designados unit linked ou operações do ramo vida (ligados a fundos) em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro não são, na realidade, contratos de seguro, não têm essa natureza, não são legalmente enquadráveis ou qualificáveis nessa categoria.
2.2.26. Quando a Requerente, no pedido arbitral, refere que os designados unit linked se tratam de investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro, só poderá, então, entender-se que se está perante "instrumentos financeiros" ou "contratos de investimento", termo utilizado pelo Guia de Implementação (Implementation Guidance) da IFRS 4, para descrever instrumentos financeiros que não são classificados como contratos de seguro. De resto, a própria Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) realça a natureza financeira destes produtos, ao qualificar os seguros de vida ligados a fundos de investimento (unit-linked) como instrumentos de captação de aforro estruturado (ICAE) e definindo-os como «seguros de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende, no todo ou em parte, de um valor de referência constituído por uma ou mais unidades de participação».
2.2.27. A designação do produto "unit-linked" significa, tão só, que existe uma ligação (exceto quando existem valores garantidos) entre os ativos que integram o fundo em que são aplicados os "prémios" e os montantes das responsabilidades das seguradoras perante os clientes.
2.2.28. É a seguradora e não o investidor que realiza os investimentos em ações (ou UP's) com os montantes provenientes da subscrição dos produtos unit-linked, sendo o risco suportado pelo tomador dos seguros, risco, este, obviamente financeiro9, como definido no apêndice A da IRFS 4 do seguinte modo: «O risco de uma possível alteração futura numa ou mais taxas de juro, preços de instrumentos financeiros, preços de mercadorias, taxas de câmbio, índices de preços ou taxas, notações de crédito ou índices de crédito ou outra variável especificada, desde que, no caso de uma variável não financeira, a variável não seja específica de uma parte de um contrato».
2.2.29. A regra de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos tem por finalidade um ajustamento fiscal - a par de outros ajustamentos previstos no Código do IRC que incidem sobre as componentes positivas do lucro tributável, como os aplicáveis às mais-valias -, justificado pela necessidade de «evitar a tributação sucessiva que ocorreria quando os lucros já tributados em sede de IRC, distribuídos aos sócios, pessoas colectivas, se integram nos seus rendimentos, voltando a constituir base de incidência do imposto».
2.2.30. O legislador teve a preocupação de explicitar, no corpo do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, que «são deduzidos os rendimentos incluídos na base tributável, correspondentes a lucros ditribuídos».
2.2.31. Deu assim indicação de que a tributação sucessiva daqueles rendimentos só se torna necessário evitar quando os mesmos estão refletidos na base do imposto e, por isso, devem ser expurgados, mediante a sua dedução ao resultado contabilístico. Caso contrário, seria uma medida cuja finalidade residiria não na eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos mas, antes, na atribuição de uma pura vantagem fiscal.
2.2.32. A Requerente labora num erro de análise quando afirma que: «os rendimentos decorrentes dos produtos unit linked, nomeadamente os correspondentes a lucros distribuídos, são, ao abrigo das disposições contabilísticas aplicáveis, registados em contas de proveitos, influenciando assim naturalmente o apuramento do resultado contabilístico do exercício a que respeitam». Isto, porque, como se viu supra, e resulta explicitado no relatório de inspeção tributária, o efeito dos proveitos no resultado contabilístico será inexistente se for neutralizado através do registo do mesmo exato montante numa conta de gastos e perdas. É que com esta dupla inscrição do montante correspondente aos rendimentos numa conta de rendimentos e numa conta de gastos, o efeito provocado no resultado contabilístico da seguradora é nulo.
2.2.33. É, afinal, através deste processo que se evita que os lucros da seguradora distribuíveis aos seus próprios sócios compreendam os rendimentos gerados pelos ativos afetos às carteiras unit-linked.
2.2.34. A base do imposto é constituída pelo lucro [cf. alínea a), n.º 1 e n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRC].
2.2.35. Sendo o lucro obtido segundo o processo de cálculo enunciado no n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC, i.e., através da soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos das regras fiscais.
2.2.36. Sendo, justamente, uma das correções fiscais a efetuar para a determinação do lucro tributável, a dedução prevista no n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, sempre que o sujeito passivo tenha registado rendimentos provenientes de lucros distribuídos e estejam verificados todos os requisitos e condições nele estabelecidos.
2.2.37. Todavia, o processo de determinação do lucro tributável exige a análise de per si das suas diferentes componentes positivas e negativas, submetendo-as ao crivo da lei fiscal e aos consequentes ajustamentos. E a isso não constitui exceção o regime do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, tanto mais que é o único caso em que expressamente o legislador faz depender a sua aplicação ab initio do pressuposto de que os rendimentos estejam incluídos na base tributável.
2.2.38. No tocante a saber se o resultado contabilístico apurado pela seguradora está ou não influenciado pelos rendimentos provenientes de lucros distribuídos relativos às partes sociais afetas às carteiras dos produtos unit-linked, basta ter em devida consideração os movimentos contabilísticos implicados pela detenção desses produtos, para se concluir e reconhecer, que o seu efeito no resultado líquido da seguradora é nulo.
2.2.39. A questão nuclear que a Requerente pretende fazer vingar é a de que, para efeitos do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, a expressão "rendimentos incluídos na base tributável" deveria ser entendida tendo apenas em conta o registo contabilístico dos rendimentos, não conferindo qualquer relevo ao facto de, em simultâneo com esse registo, o mesmo montante ser inscrito numa conta de gastos. Ora, se assiste razão à Requerente quando refere que «o registo do custo não desvirtua a natureza do proveito registado na contabilidade», a verdade é que tal não afasta o efeito decorrente do registo desse custo, pois que tal registo, inegavelmente, torna nulo o efeito do proveito no resultado contabilístico da seguradora. Prevenindo, além do mais (como já se realçou), que essa parte do lucro pudesse ser considerada distribuível aos seus sócios.
2.2.40. A aceitar-se a linha de raciocínio defendida no pedido arbitral, caberia perguntar, então, por que razão e com que propósito útil, teria o legislador inserido, no corpo do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, a exigência de que os rendimentos estejam incluídos na base tributável, quando, por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do mesmo Código, a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo? Foi certamente para sublinhar que, não se tratando de um benefício fiscal, a dedução dos rendimentos, provenientes de lucros distribuídos, ao resultado contabilístico só teria justificação se nele estivessem incluídos. Isso porque, o legislador deu-se conta que, caso contrário, não haveria qualquer possibilidade real ou teórica de ocorrer dupla tributação dos lucros distribuídos, na esfera do sujeito passivo.
2.2.41. Não tem pois razão a Requerente na parte final do artigo 108.º do pedido arbitral, quando afirma que os rendimentos estão «[…] devidamente registados como tal na sua contabilidade e integrantes consequentemente do resultado contabilístico do exercício, encontram-se incluídos na sua base tributável». Até porque, curiosamente, tal entra em contradição com a explicação fornecida no artigo 191.º do pedido arbitral, em que refere que é obrigada a registar em conta de custos o valor correspondente aos «exactos valores registados nas contas de proveitos». Ou seja, repita-se, os rendimentos contabilizados pela Requerente (lucros distribuídos) decorrentes dos produtos unit-linked não integram nem o resultado contabilístico, nem a base tributável da seguradora.
2.2.42. A finalidade de ter sido estabelecido que concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos ativos afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador do seguro (produtos unit-linked) reconduz-se, no essencial, ao reconhecimento da adoção, para efeitos fiscais, do critério do justo valor em alinhamento com a contabilidade, no que concerne ao critério de mensuração dos instrumentos financeiros afetos a carteiras de unit-linked.
2.2.43. Efetivamente pode fazer-se o paralelismo entre o disposto no n.º 1 do artigo 50.º, na parte aplicável aos produtos unit-linked e o que dispunha, sobre a mesma matéria, o n.º 1 do artigo 79.º-A, com a epígrafe “Carteiras de Investimento das Empresas de Seguros”, cuja redacção exigia a «adopção do critério do valor actual, tal como é estabelecido pela regulamentação contabilística do sector na valorização […] dos investimentos relativos a seguros de Vida em que o risco de investimento é suportado pelo tomador dos seguro».
2.2.44. O que não é dito no n.º 1 do artigo 50.º, mas que dele decorre, é que os rendimentos e gastos nele referidos concorrem para a formação do lucro tributável (apenas) para que seja feito o balanceamento com os gastos e perdas registados como contrapartida do aumento (ou diminuição) das responsabilidades da seguradora.
2.2.45. Não restam dúvidas que a conclusão extraída pela Requerente, no artigo 124.º do pedido arbitral, no sentido de que a expressão "inclusão na base tributável" se aplica a «um rendimento que obrigatoriamente deve ser registado no lucro contabilístico da seguradora», padece, por um lado, de rigor técnico-contabilístico, porque o registo de um rendimento deve ser efetuado na correspondente conta ou subconta da classe 7 - Rendimentos e ganhos e não no "lucro contabilístico", enfermando, por outro lado, de um erro de natureza substantiva, porquanto, como se viu, se o registo de um rendimento estiver "indissociavelmente associado".
2.2.46. A argumentação esgrimida pela Requerente é errónea porquanto: (i) assenta numa análise redutora e simplista da realidade contabilística "lucro" que, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC serve de ponto de partida à determinação do lucro tributável, ao considerar que o mero facto de os rendimentos provenientes de lucros distribuídos figurarem numa conta da classe 7 deve inevitavelmente levar a concluir que influenciaram aquela grandeza, abstraindo de que os mesmos exatos montantes daqueles rendimentos são registados em contas de gastos e perdas, em resultado da mecânica contabilística aplicável aos produtos financeiros e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimentos; e (ii) não extrai qualquer consequência de o legislador ter feito depender a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos da verificação de um pressuposto básico segundo o qual os rendimentos suscetíveis de dedução deveriam estar "incluídos na base tributável".
2.2.47. A expressão rendimentos "incluídos na base tributável", constante do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC, não pode ser entendida com o significado de «rendimentos registados na contabilidade», sob pena de redundância e de inutilidade, pois que, por imperativo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do mesmo Código, a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.
2.2.48. A referida dedução não pode operar se os referidos rendimentos não integrarem o resultado contabilístico ou o "lucro", na aceção utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRC, i.e, não é possível retirar ao lucro o que lá não está.
2.2.49. O concluído supra não é posto em causa pelo argumento da Requerente de que a gestão dos investimentos afetos à carteira de produtos unit-linked está fora do alcance dos investidores/tomadores do seguro e que a titularidade jurídica é da seguradora e, bem ainda que os rendimentos associados à carteira são registados como proveitos da seguradora. Desde logo porque, como se viu, o que está em causa é que ao mesmo tempo que são registados como rendimentos também são registados como gastos da seguradora e, portanto, na esfera desta entidade, elimina-se qualquer hipótese de ocorrência de dupla tributação económica daqueles rendimentos, o que a verificar-se traduzir-se-ia numa vantagem fiscal injustificada e sem base legal.
2.2.50. Assim sendo, neste contexto, não faz qualquer sentido a alegação (cf. artigo 149.º do pedido arbitral) de que «se o único rendimento da Requerente fosse uma "comissão pela gestão da carteira associada aos seguros unit- linked […] então o PCES teria estabelecido que fosse apenas a "comissão" o proveito a registar […]»,
2.2.51. Não é por determinação da lei fiscal - que se limita a impor, na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade -, que foram instituídas as regras de contabilização relativamente aos produtos unit-linked. tributação do rendimento em questão, na esfera da seguradora, em sede de IRC, e, depois, na esfera da contraparte desta, em IRS […]».
2.2.52. A Requerente reconhece que os proveitos estão «indissociavelmente associados a um correspondente registo de um custo contabilístico», em estrito cumprimento das regras contabilísticas, pelo que em caso algum, seria possível verificar-se «efetiva dupla tributação» na esfera da seguradora.
2.2.53. O significado legal de "inclusão" é, naturalmente, que aqueles rendimentos fazem parte do "lucro", enquanto base do imposto, afastando-se, pois, qualquer hipótese de que o seu efeito no lucro seja nulo.
2.2.54. O corpo do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRC projeta-se no n.º 2, que apenas deixa de atender à percentagem de participação e ao prazo da sua detenção, mas mantém o pressuposto da inclusão na base tributável e este pressuposto, como já ficou demonstrado, não se encontra, in casu, preenchido. Importa notar que, esse n.º 2 do artigo 51.º do Código do IRC não é também suscetível de ser aplicado na situação sub judice, pois, contrariamente ao alegado pela Requerente, não estão aqui em causa rendimentos de participações em que tivessem sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros.
2.2.55. Se dúvidas houvesse quanto à interpretação da norma legal em causa, no atual artigo 51.º, n.º 6 do Código do IRC (correspondente ao anterior artigo 51.º, n.º 2 do Código do IRC), na redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 [Lei do Orçamento de Estado (OE) ara 2017], com natureza interpretativa, determina-se que: «O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades: (a) Sociedades de desenvolvimento regional; (b) Sociedades de investimento; (c) Sociedades financeiras de corretagem.»
2.2.56. Sendo inegável que na situação sub judice os rendimentos obtidos são direta ou mesmo indiretamente imputáveis aos tomadores de seguros, não tem pois também razão a Requerente quando pretende que seja aplicada tal disposição legal, O que consequentemente determina, por mais esta razão, a improcedência do pedido arbitral.
2.2.57. Quando a lei fiscal, in casu o Código do IRC, acolhe os termos, conceitos e princípios da contabilidade, de acordo com o comando do n.º 2 do artigo 11.º da LGT, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, que in casu será naturalmente o que decorre do atual PCES.
2.2.58. Os unit-linked não são, na realidade, seguros; não há risco transferido para a seguradora que justifique a existência de um contrato de seguro; não há risco a provisionar; não existem aqui quaisquer provisões técnicas a constituir.
2.2.59. As expressões - reserva e provisão - devem aqui ser usadas em sinonímia.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
3.1.1. A Requerente tem por objeto social a produção e comercialização de produtos de seguros do ramo vida.
3.1.2. Entre os referidos produtos comercializa junto dos seus clientes seguros de capitalização, também denominados “Unit-linked”.
3.1.3. Os seguros de capitalização “Unit-linked” consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente.
3.1.4. Os unit linked correspondem a contratos através dos quais a seguradora se obriga ao pagamento de uma dada prestação na data do evento relevante (termo do prazo, resgate ou morte do tomador do seguro).
3.1.5. O valor da prestação está por natureza indexado ao valor do conjunto de ativos subjacente ao produto.
3.1.6. O tomador do seguro paga o prémio do seguro, sendo que sobre o referido prémio, a seguradora faz corresponder um determinado número de unidades de conta.
3.1.7. A seguradora adquire os ativos financeiros a que estão indexadas as unidades de conta.
3.1.8. O valor de cada unidade de conta é determinado pela divisão do património do fundo pelo número de unidades de conta emitidas.
3.1.9. Todos os ativos são adquiridos diretamente pela seguradora, a qual é proprietária das carteiras de títulos a que estão associados os produtos unit linked, cabendo-lhe a ela a gestão dos referidos ativos.
3.1.10. Os ativos financeiros são contabilizados pela seguradora no seu ativo e são registados em seu nome.
3.1.11. A seguradora recebe os rendimentos decorrentes dos ativos financeiros de que é titular.
3.1.12. O tomador do seguro não recebe juros, nem é titular de quaisquer ações ou outros valores mobiliários, mas sim de uma quota ideal sobre um rendimento futuro, o qual está indexado aos ativos detidos pela seguradora.
3.1.13. No âmbito da atividade a Requerente auferiu, durante o exercício de 2014, rendimentos provenientes de ações e unidades de participação - em fundos de investimentos – por si detidas e que são parte integrante dos seus investimentos financeiros, relativas à comercialização de seguros unit linked.
3.1.14. Deduziu à coleta lucros distribuídos relativos àqueles rendimentos, de acordo com o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC (“CIRC”), na redação em vigor à data dos factos tributários.
3.1.15. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 28 de setembro de 2016, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2014, por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”).
3.1.16. Em sede do procedimento de inspeção, a UGC notificou a Requerente do projeto de relatório de inspeção, nos termos do qual foram propostas diversas correções técnicas em sede da matéria coletável de IRC do exercício de 2014.
3.1.17. Nos termos do referido projeto, a UGC decidiu efetuar, entre outras, uma correção no valor de EUR 856.605,97 relativa ao benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos sobre rendimentos de títulos afetos a carteiras unit linked.
3.1.18. A UGC notificou a Requerente do relatório final de inspeção, nos termos do qual manteve e confirmou, parcialmente, as correções propostas em sede do projeto de relatório de inspeção.
3.1.19. A UGC manteve integralmente a correção relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos relativa aos seguros unit linked no valor total de EUR 856.605,97.
3.1.20. Em abril de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de 2014.
3.1.21. Por anomalia do sistema informático, a referida liquidação não refletiu as correções aritméticas resultantes da referida ação de inspeção.
3.1.22. Face ao acima exposto, através da OI2018..., a UGC iniciou um procedimento de inspeção de natureza interna apenas para regularizar a referida anomalia do sistema informático e de modo a ser possível a emissão de uma nova liquidação de IRC que incorporasse as correções à matéria coletável do exercício de 2014.
3.1.23. A 13 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção que confirma a realização das correções ao exercício de 2014, nomeadamente a correção efetuada ao abrigo do artigo 51.º do CIRC.
3.1.24. Em virtude das correções efetuadas em sede de inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2018... com valor de imposto a reembolsar de €5.548.853,79.
3.1.25. A Requerente foi igualmente notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2018... que apurou um valor final devido de €1.176.080,67 e cuja data limite de pagamento terminava a 26 de dezembro de 2018.
3.1.26. A Requerente efetuou o pagamento da referida liquidação no dia 21 de dezembro de 2018.
3.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal atendeu à prova documental junta aos autos pelas partes, concretamente aos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ao teor do processo administrativo junto pela AT, bem assim como aos factos reconhecidos pelas partes, já que a divergência respeita à interpretação e aplicação do Direito e não à base factual.
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, de 26 de junho de 2014, proferido no processo n.º 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
4. Matéria de direito
4.1.O objeto do litígio é a discussão da legalidade (violação ou não do artigo 51º, do CIRC) da liquidação adicional de IRC 2014 decorrente da não consideração da natureza dedutível à matéria coletável, para efeitos de IRC, da importância de € €856.605,97 de lucros afetos a seguros denominados “unit linked”.
4.1. A questão em análise já foi objeto de decisão noutros processos. Seguiremos, em particular, a argumentação vertida no Acórdão n.º 268/2015-T.
4.2. A argumentação de cada uma das partes está espelhada nos articulados e a da AT está-o ainda no processo administrativo instrutor e no respetivo relatório juntos aos autos.
4.3. Assinale-se que os Tribunais (incluindo, naturalmente, os arbitrais) não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes conforme tem sido desde há muito repetidamente afirmado pela Jurisprudência (Vd inter alia, Ac. do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 jun 95, rec. 5239, in DR – Apêndice de 31 de março de 97, pgs. 36-40 e Ac. STA – 2ª Séc. de 23 abr 97, DR/AP de 9 out 97, p. 1094), mas apenas as questões suscitadas salvo no caso de limitações legais desse dever
4.4. Os contratos de seguro ligados a fundos de investimento são vulgarmente conhecidos como “unit-linked”. São contratos de seguro, do ramo vida, cujo saldo da apólice se expressa através de unidades de conta, representativas de fundos autónomos constituídos por ativos do segurador ou por unidades de participação de um ou vários fundos de investimento e cuja rendibilidade está dependente da evolução do valor desses ativos.
4.5. Os seguros ligados a fundos de investimento são qualificados como instrumentos de captação de aforro estruturado.
4.6. Os ativos subjacentes que integram um ou os vários fundos autónomos que compõem o “unit-linked” – devidamente destacados na esfera patrimonial da seguradora – são variados e permitem a exposição a diferentes tipos de risco.
4.7. Entre os possíveis ativos subjacentes dos fundos de investimento, podem constar: (i) instrumentos financeiros, como por exemplo, ações e obrigações; (ii) instrumentos financeiros derivados ou fundos de investimento, como por exemplo os denominados hedge funds; (iii) matérias-primas, incluindo, entre outros, metais preciosos, cereais ou petróleo; (iv) taxas de câmbio ou taxas de juro.
4.8. Os contratos de seguro ligados a fundos de investimento podem assumir diferentes modalidades, podendo destacar-se as seguintes: (i) duração determinada ou indeterminada; (ii) comercialização contínua ou com um período definido de subscrição; (iii) entrega única ou com entregas periódicas, programadas, ou extraordinárias; (iv) com ou sem garantia de capital e/ou rendimento; (v) com ou sem reembolsos programados no período.
4.9. Nos “unit linked” coexiste, frequentemente, uma componente de risco suportada pela seguradora, nomeadamente, a existência de uma parcela de capital garantido em caso de morte do tomador do seguro, e a existência de uma componente financeira cujo risco de investimento é suportado, pelo menos parcialmente, pelo tomador do seguro.
4.10. Os unit-linked têm o risco de mercado dos ativos que compõem o fundo ou fundos autónomos ou o fundo ou fundos de investimento, incluindo o risco de preço, o risco de taxa de juro e o risco cambial.
4.11. O valor desses ativos pode reduzir-se alterando o valor da unidade de conta e originando a perda do capital investido.
4.12. Em determinados produtos há impossibilidade de proceder ao resgate, durante um período considerável de tempo ou são aplicadas penalizações por reembolso antecipado, quer por via de comissionamento, quer por via da perda de garantia do capital investido.
4.13. O risco de contraparte ou risco de crédito está associado à capacidade financeira das contrapartes ou dos emitentes dos ativos detidos pelo fundo ou fundos autónomos ou o fundo ou fundos de investimento.
4.14. Existe o risco de conflitos de interesses por força de coincidência ou ligações entre as várias entidades envolvidas na criação do produto, por exemplo, seguradora e emitente dos ativos que integram o fundo autónomo, e o respetivo comercializador.
4.15. Existe ainda risco jurídico associado a eventuais alterações no regime legal de tributação ou de transmissão e exercício de direitos.
4.16. O cerne do problema, tal como configurado pela AT, reside na circunstância de os rendimentos derivados da titularidade de participações sociais e em fundos de investimento, no quadro daquele tipo de contratos (unit linked), terem, por força das normas prudenciais que vinculam a atividade seguradora, uma correspondência no estabelecimento obrigatório de provisões de igual montante, relativas às responsabilidades assumidas com a contraparte naqueles contratos, o que, na prática, se traduziria na circunstância de, em si próprios, aqueles referidos rendimentos não aumentarem a matéria coletável da entidade seguradora.
4.17. Dispõe o artigo 51º, do CIRC (redação vigente em 2014):
“1- Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 5 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante os 24 meses anteriores à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;
c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;
d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
2 - O requisito previsto na alínea d) do número anterior é dispensado quando se verifique o cumprimento cumulativo das condições previstas no n.º 6 do artigo 66.º.
3 - O disposto no presente artigo é igualmente aplicável à matéria coletável imputada, ao abrigo do artigo 6.º, ao sujeito passivo com sede ou direção efetiva em território português que cumpra o requisito previsto na alínea c) do n.º 1, na parte correspondente a lucros e reservas distribuídos a uma sociedade sua participada que esteja sujeita ao regime da transparência fiscal, desde que a participação desta última na entidade que distribui os lucros ou reservas cumpra os requisitos estabelecidos nos números anteriores.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é ainda aplicável ao valor atribuído na associação em participação ao associado que seja sujeito passivo de IRC, com sede ou direção efetiva em território português, independentemente do valor da sua contribuição, relativamente aos rendimentos que tenham sido efetivamente tributados, distribuídos por associantes residentes no mesmo território.
5 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é ainda aplicável ao reembolso efetuado aos sócios em consequência da amortização de participações sociais sem redução de capital.
6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:
a) Sociedades de desenvolvimento regional;
b) Sociedades de investimento;
c) Sociedades financeiras de corretagem.
7 - Não obstante o disposto nos n.ºs 1 e 2, o regime aí consagrado é aplicável, nos termos descritos no número anterior, às agências gerais de seguradoras estrangeiras, bem como aos estabelecimentos estáveis de sociedades residentes noutro Estado membro da União Europeia e do Espaço Económico Europeu que sejam equiparáveis às referidas no número anterior.
8 -...
9 - Nos casos em que os requisitos previstos nos números anteriores não se encontrem preenchidos, os lucros e reservas distribuídos ao sujeito passivo podem ainda beneficiar de crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto nos artigos 91.º e 91.º-A.
10 - Não obstante o disposto no n.º 2, os n.ºs 1 e 6 apenas são aplicáveis aos lucros e reservas distribuídos, que:
a) Não correspondam a gastos dedutíveis pela entidade que os distribui para efeitos do imposto mencionado na alínea d) do n.º 1; e
b) Sejam distribuídos por entidades sujeitas e não isentas a imposto sobre o rendimento ou, quando aplicável, provenham de rendimentos sujeitos e não isentos a imposto sobre o rendimento nas entidades subafiliadas, salvo quando a entidade que distribui os lucros ou reservas seja residente num Estado membro da União Europeia ou de um Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.
11 - ...
12 - ...
E dispõe o artigo 90.º, do CIRC:
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 -...
4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.
9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
12 - A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”.
4.18. A correção efetuada pela AT e que tem a discordância da Seguradora Requerente, resulta de ter sido incluída na dedução efetuada à matéria tributável de IRC rendimentos dos citados títulos a afetos a carteiras “unit linked” os quais, não tendo afetado a base tributável, não cumpririam os condicionalismos expressamente previstos para beneficiar da dedução relativa à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, prevista no citado artigo 51º, do CIRC.
4.19. A matéria em questão foi objecto de detalhado e pertinente estudo da autoria de Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, publicado na revista Fiscalidade, no ano de 2008, já citado no Acórdão Arbitral proferido no processo CAAD nº 65/2015-T.
4.20. Após analisarem o enquadramento económico e jurídico do tipo de contratos em questão (“seguros unit linked”) em termos coincidentes, grosso modo, com aqueles sumariamente já apontados, concluem aqueles autores, apontando uma característica a tais contratos, essencial para a compreensão da matéria em causa, que é a circunstância de que a seguradora “não entrega as unidades de conta, que não têm existência nem valor fora desta relação. Entrega aquilo a que está obrigada e aquilo a que segurado tem direito – o valor das unidades de conta, que constitui o objecto desta relação jurídica, ou seja, a quantia em que consiste o seu dever de prestar.”
4.21. Ou seja: a obrigação primária/principal da seguradora no quadro dos contratos “unit-linked”, é uma obrigação única, pecuniária, de entrega de um montante liquidado em função do valor que, no momento do evento que extingue o contrato, tenha a unidade de conta.
4.22. Deste modo, apenas nesse momento, no fim do contrato, é que há um rendimento do beneficiário, pago pela seguradora. Até aí, sublinhe-se, o património da contraparte da seguradora mantém-se inalterado, intocado. As variações no valor da unidade de conta, que foram tendo correspondência no provisionamento obrigatório levado a cabo pela seguradora, não têm qualquer influência no património da contraparte desta. Não dão causa, em suma, a nenhum rendimento do titular do produto “unit linked”.
4.23. Nas palavras dos mesmos autores, “(…) as seguradoras não são intermediárias financeiras, nem atuam por conta dos segurados (não são agentes, corretores, mandatários ou comissionistas). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nacionais (…)”.
4.24. Para se perceber que isto é assim, de resto, basta atentar, desde logo, que em caso de insolvência da seguradora, sem que os respetivos contratos se hajam vencido, as contrapartes nos contratos unit linked não terão qualquer direito próprio quer sobre os ativos adquiridos pela seguradora em função do “seu” contrato, quer sobre os rendimentos que por aqueles haja sido gerado e distribuído à seguradora. Em tal caso (insolvência da seguradora), as contrapartes nos contratos unit linked terão de se apresentar como credores da seguradora, sendo pagos de acordo com as regras de concurso aplicáveis, pela totalidade do património daquela, na medida que lhes caiba, e não em função do contrato que celebraram ou da sua suposta “participação” dos ativos contabilisticamente afetos àquele.
4.25. Prosseguindo a sua análise, os autores citados apontam mais algumas características próprias do regime contratual em causa, dignas de especial nota na perspectiva que nos ocupa. Assim, “(…)do ponto de vista prático, não é de excluir, também, que, se tal não for proibido pelos contratos, as seguradoras não cheguem sequer a deter os activos indexantes ou que não os vendam no momento em que o contrato com os clientes cessa (…) ”, acrescentando-se que “ (…)o dever da seguradora no evento é sempre o da entrega de determinados valores, mesmo que não adquira quaisquer activos, adquira menos ou diferentes, ou os não venda (…)”, evidenciando-se deste modo “(…)que os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica, diferentes em quase todos os seus elementos.”.
4.26. Fica assim claro, pensa-se, que, quer em termos jurídicos quer em termos económicos, não existe, no quadro dos chamados “seguros unit linked” qualquer relação entre os sujeitos geradores dos rendimentos devidos pelas aplicações financeiras realizadas pela seguradora, e o cliente desta titular daquele produto.
4.27. Neste quadro, não têm dúvidas os autores que os segurados “(…) não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a Seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas”, pelo que “os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto. a IRC”, mais referindo aqueles que “quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC – incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 51.º do respectivo Código - lhe são aplicáveis.”.
4.28. Como recordam ainda os autores citados “(…) para o Código do IRC, no momento de definir a base de tributação, não há dúvidas de que um lucro distribuído ao sujeito passivo está incluído na sua base tributável, tal como o rendimento decorrente da venda de mercadorias, prestação de um serviço ou renda de um imóvel.” Deste modo, só terá cabal aplicação nestas situações o artigo 46.º do CIRC (atual 51º).
4.29. “Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na pessoa colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber”, que “anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança”.
4.30. Como refere o trabalho aqui seguido “a lei estrutura um sistema que tem a sua trave-mestra na neutralidade fiscal da companhia de seguros que cria e gere os unit linked, prevendo que esta, como qualquer pessoa colectiva, se vá desonerando de uma série de encargos fiscais cobrados antecipadamente (retenções na fonte e tributação de lucros distribuídos), pela razão de que a jusante todos esses rendimentos serão tributados na esfera do segurado pessoa singular.”.
4.31. Efetivamente, “as provisões, ao cativarem lucros que de outra forma seriam distribuídos, vão traduzir-se na libertação de fundos que vão ser investidos em determinados activos, com maior ou menor risco com maior ou menor rentabilidade. A questão do maior ou menor risco do seguro é uma questão distinta da forma mais ou menos segura como pode ser feito o investimento que vai permitir pagar futuramente as prestações desse seguro, as quais são sempre devidas independentemente da política concreta de investimentos da seguradora”, já que “se a companhia de seguros faz uma provisão de 100, pode ao mesmo tempo investir esses 100 num depósito a prazo, em obrigações, em acções ou noutros activos quaisquer.”
4.32. Por fim, diga-se também que o artigo 50.º do CIRC, na redacção que resultou do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, veio de alguma forma esclarecer que, na perspectiva do legislador, os rendimentos resultantes dos ativos “afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro” concorrem para o lucro tributável da seguradora.
4.33. Destarte, por tudo o que vem de se expor, entende-se que carece de suporte legal e de facto a liquidação adicional de IRC objeto destes autos e daí ter fundamento a anulação pedida.
5. Juros indemnizatórios
Cumula a Requerente, com o pedido anulatório da liquidação, o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, em excesso, pela Requerente, relativamente ao ato tributário anulado. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do ato de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT), que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que nas suas competências se compreendem os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Ao que acresce, ainda, que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação impugnado, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo à Requerente o montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, os quais são devidos desde a data do pagamento efetuado até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IRC n.º 2018... bem como, de forma consequente, a Demonstração de acerto de contas n.º 2018... e Compensação n.º 2018..., referentes ao exercício de 2014;
c) Condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento;
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 231.641,23.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 18 de novembro de 2019
Os Árbitros
(José Poças Falcão)
(Nuno Cunha Rodrigues)
(Leonardo Marques dos Santos)