DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. José Coutinho Pires e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 21 de março de 2019, a sociedade comercial A..., LDA., NIPC..., com sede na ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações introduzidas pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação parcial das liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de 201409T, da qual resultou o valor a cobrar adicionalmente de € 17.053,30; n.º..., referente ao período de 201509T, da qual resultou o valor a cobrar adicionalmente de € 18.605,13; n.º..., referente ao período de 201512T, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente; n.º..., referente ao período de 201608M, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente; e n.º..., referente ao período de 201609M, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente;
- Restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
A Requerente não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:
É uma sociedade detida pelo B... e que se dedica à organização de atividades de animação turística.
Nos anos de 2014, 2015 e 2016 recebeu apoios da C... a, S. A., uma empresa municipal que tem como objeto a promoção ou o apoio de iniciativas suscetíveis de desenvolver o turismo no concelho de ... .
Não corresponde à realidade que a Requerente foi contratada pela C..., S. A. para prestar serviços de promoção turística, em particular a organização de regatas. Com efeito, a entidade organizadora das regatas é o B..., que promove tais eventos por sua conta e risco. A organização material dos eventos é feita através da Requerente e o patrocínio da Câmara Municipal de ... é prestado através da C..., S. A. . É em nome do B... que são emitidas todas as licenças, que é publicitado como entidade organizadora e que detém a pertença exclusiva dos direitos de imagem, comprometendo-se os participantes a não realizar ou permitir nenhum ato de reprodução, comunicação pública ou distribuição de imagens das regatas, sem a prévia autorização do B... .
Portanto, as importâncias recebidas pela Requerente da C..., S. A. não constituem a normal contrapartida pela aquisição dos serviços de realização das regatas, uma vez que a entidade que as realiza é o B... . Como decorre dos Protocolos celebrados entre a Requerente e a C..., S. A., as importâncias em causa são entregues a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro não reembolsável, não decorrendo, portanto, de qualquer contrato de aquisição e serviços.
E, não havendo qualquer prestação de serviços, não se verificou o elemento objetivo do pressuposto do imposto, isto é, não ocorreu qualquer facto previsto no Código do IVA que tenha determinado o nascimento da obrigação tributária.
Consequentemente, é ilegal a liquidação de IVA fundamentada num pressuposto de imposto que não se verificou.
Todavia e sem prescindir, se se considerar que as importâncias em causa consubstanciam uma subvenção, importa avaliar se esta está ou não sujeita a IVA. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º do Código do IVA só estão sujeitas a tributação as subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas vem função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.
No caso concreto, não estamos perante nenhuma subvenção relacionada com o preço, o que aconteceria se a sua finalidade fosse a de reduzir o preço pago pelos participantes nas regatas, o que aqui não se verifica; estamos perante uma subvenção para financiar uma atividade de interesse geral cujo destinatário é a sociedade em geral, isto é, não há um terceiro identificado como destinatário ou consumidor específico que pague qualquer contraprestação. A subvenção destina-se a proporcionar aos cidadãos em geral um espetáculo desportivo e a viabilizar aos comerciantes da zona novas oportunidades de negócio decorrentes do incremento do turismo provocado pela realização destes eventos; por isso, a subvenção em apreço não está sujeita a tributação em sede de IVA.
Sem prescindir, mesmo que se entenda que as subvenções devem ser tributadas, o IVA deve ser calculado por dentro.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de março de 2019.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14 de maio de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 03 de junho de 2019.
6. No dia 02 de setembro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não juntou documentos e não requereu a produção de quaisquer outras provas, tendo procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
Face à factualidade apurada no decurso da ação inspetiva efetuada à Requerente e que está subjacente às correções em sede de IVA que deram origem às liquidações adicionais controvertidas, os serviços de inspeção tributária bem concluíram que as importâncias recebidas pela Requerente a título de apoio constituíam a contrapartida pela realização dos serviços de organização dos eventos, adquiridos pela empresa municipal, na base dos protocolos celebrados.
Foi, aliás, a própria Requerente que, no procedimento inspetivo, expressamente declarou que a entidade que a contratou para a realização dos eventos foi a C..., S. A.; ademais, nos anos de 2013 e 2014 foram emitidas faturas àquela entidade com IVA liquidado e, inclusive no ano de 2016, foram emitidas faturas embora sem IVA.
Acresce que, para além da natureza do compromisso assumido, previamente à realização dos eventos, os montantes entregues pela empresa municipal foram determinantes para a sua realização.
A Requerente também não esclarece, designadamente face aos ditos protocolos, quem a contratou ou a que título é que o B... surge perante os participantes e público em geral como o organizador dos eventos e como é que estes, alegadamente organizados pela Requerente, transitam para a esfera daquele. Ademais, como a Requerente declarou, necessita de subcontratar a organização material do evento ao B..., existindo uma certa estranheza neste modo de montar a operação; ou seja, o que justificaria esta interposição de entidades e que o B... surja simultaneamente como prestador e adquirente ou utilizador dos serviços? Importa salientar que, no ano de 2013, os valores recebidos e faturados à C..., S. A. correspondem precisamente aos dos serviços adquiridos ao B..., ambos com IVA incluído.
Competia também à Requerente esclarecer qual a racionalidade económica e qual a finalidade que presidiu à criação desta entidade detida em exclusivo pelo B..., que não meramente fiscal (vg, em sede de enquadramento em IVA das subvenções ou o âmbito do direito à dedução), o que também não sucedeu.
Assim, não pode senão concluir-se que os valores recebidos a título de apoio são a contraprestação dos serviços prestados, pelo que a Requerente deveria ter liquidado IVA nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 4.º, n.º 1, todos do Código do IVA, devendo assim as correções impugnadas manterem-se.
Por mera cautela, mesmo no caso de se configurar uma relação trilateral, as importâncias recebidas pela Requerente não deixariam de constituir subvenções conexas com o preço das operações., pois permitem ao B... adquirir ou beneficiar da organização das regatas prestada pela Requerente a preços ou custos subvencionados; nessa medida, a Requerente deveria ter liquidado IVA pelos montantes recebidos.
8. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas e simultâneas, tendo fixado o dia 18 de novembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
9. As partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas no pedido de pronúncia arbitral.
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II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação adicional de IVA, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação parcial de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não foram invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
11. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, detida a 100% pelo B... e tem por objeto a organização de atividades de animação turística, designadamente a organização e promoção de eventos desportivos nacionais e internacionais, estando enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, sendo que, no ano de 2016, esteve enquadrada no regime normal de periodicidade mensal. [cf. PA]
b) Nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, a Requerente teve a seu cargo a organização de campeonatos de vela nacionais e internacionais em ...– nomeadamente o “...” e os “...” –, provas desportivas que consistem em vários dias de regatas, envolvem cerca de 150 atletas e atraem cerca de 1.000 visitantes por campeonato. [cf. PA]
c) Tendo em vista a realização daquelas provas desportivas, a Requerente angariou os apoios e os financiamentos necessários para que toda a organização fosse possível, sendo que a C..., S. A. foi o principal investidor. [cf. PA]
d) A entidade responsável pela realização e promoção do “...”, sendo publicitado como tal, em nome de quem são emitidas todas as licenças e que detém a pertença exclusiva dos direitos de imagem é o B... (doravante, B...), comprometendo-se os participantes a não realizar ou permitir nenhum ato de reprodução, comunicação pública ou distribuição de imagens das regatas, sem a sua prévia autorização. [cf. PA]
e) A C..., E.M., S. A. [doravante, C...], NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ..., ..., é uma EPMIR (empresa pública municipal, intermunicipal e regional) que tem por objeto social, além do mais e na parte que aqui importa considerar, promover o empreendedorismo local e regional, no âmbito do desenvolvimento económico-social, turístico, turístico-cultural e da prática desportiva no concelho de ..., de forma a contribuir para o desenvolvimento económico sustentável do concelho; garantir o fornecimento de serviços e a gestão de atividades, no investimento na criação e no desenvolvimento de infraestruturas, promovendo a gestão de equipamentos coletivos e prestação de serviços na área do turismo, da saúde, da cultura e do desporto; o desenvolvimento de iniciativas de animação turística no concelho de ... e a prestação de serviços de apoio ao Município de ... e a outras entidades públicas ou privadas no âmbito da promoção e organização de atividades e eventos turísticos, culturais e desportivos. [cf. PA]
f) Em 28 de agosto de 2013, foi celebrado um Protocolo entre a C... e a Requerente – que aqui se dá por inteiramente reproduzido – tendo em consideração que esta tem “reputação a nível de organização de eventos internacionais, sendo da sua inteira responsabilidade a organização do evento “...”” e que “assume deter todas as licenças e autorizações necessárias para a realização do evento”, no qual foi estabelecido, além do mais, o seguinte [cf. PA]:
«Cláusula 1.ª
Objecto
1. Constitui objecto do presente Protocolo, a definição e formalização das condições do apoio a conceder pela C... à Segunda Outorgante [a Requerente] para realização do evento “...” que se realizará em ..., no âmbito das comemorações dos 75 anos do B..., entre os dias 29 de Agosto e 1 de Setembro (…).
(…)
Cláusula 2.ª
Regime de comparticipação e Condição
1. Nos termos do presente Protocolo, a C... compromete-se a entregar à Segunda Outorgante [a Requerente] o montante de €126.000,00 (cento e vinte e seis mil euros), a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, somente na prossecução da realização dos eventos, reconhecendo a C... que a execução deste Protocolo terá elevada relevância a nível da promoção e desenvolvimento turístico do concelho de ... .
(…)
Cláusula 4.ª
Direitos de Imagem
A C... terá o direito a utilizar, para todos os fins lícitos e durante o período de vigência contratual, a imagem oficial do logo do Evento nas comunicações e acções promocionais e de divulgação específicas que desenvolvam, bem como para a eventual utilização de quaisquer suportes de comunicação concedendo, desde já, a Segunda Outorgante [a Requerente] autorização para tal utilização, não podendo a C... utilizá-la para fins diversos daqueles para que foi concedida.
(…)»
g) Em 21 de julho de 2014, foi celebrado um Protocolo entre a C... e a Requerente – que aqui se dá por inteiramente reproduzido – tendo em consideração que esta “é uma empresa com reputação a nível de organização de eventos internacionais, a nível desportivo, sendo da sua inteira responsabilidade a organização do evento “...” que se realiza no período de 27 a 31 de Agosto de 2014 em ...” e que “assume deter todas as licenças e autorizações necessárias para a realização do evento”, no qual foi consignado, além do mais, o seguinte [cf. PA]:
«Cláusula 1.ª
Objecto
1. Constitui objecto do presente Protocolo, a definição e formalização das condições do apoio a conceder pela C... à Segunda Outorgante [a Requerente] para realização do evento “...” que se realizará em ... entre 27 e 31 de Agosto de 2014.
(…)
Cláusula 2.ª
Regime de comparticipação e Condição
1. Nos termos do presente Protocolo, a C... compromete-se a entregar à Segunda Outorgante [a Requerente] o montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, somente na prossecução da realização dos eventos, reconhecendo a C... que a execução deste Protocolo terá elevada relevância a nível da promoção e desenvolvimento turístico do Concelho de ... .
2. A comparticipação financeira provém (…) e, para a sua definição, considerou o montante de custo estimado exigível do evento de € 141.000,00 (cento e quarenta e um mil euros) (previsão de custo efectuada pelo promotor …) e a aplicação de uma taxa de 53,19%. Caso o custo real do evento venha a ser inferior ao estimado, a verba referida no ponto 1 desta cláusula é corrigida pela aplicação desta taxa sobre o valor real.
(…)
Cláusula 4.ª
Direitos de Imagem
A C... terá o direito a utilizar, para todos os fins lícitos e durante o período de vigência contratual, a imagem oficial do logo do Evento nas comunicações e acções promocionais e de divulgação específicas que desenvolvam, bem como para a eventual utilização de quaisquer suportes de comunicação concedendo, desde já, a Segunda Outorgante [a Requerente] autorização para tal utilização, não podendo a C... utilizá-la para fins diversos daqueles para que foi concedida.
(…)»
h) Em 24 de agosto de 2015, foi celebrado um Protocolo entre a C... e a Requerente – que aqui se dá por inteiramente reproduzido – tendo em consideração que esta “é uma empresa com reputação a nível de organização de eventos internacionais, a nível desportivo, sendo da sua inteira responsabilidade a organização do evento “...” que se realiza no período de 26 a 30 de Agosto de 2015 em ...” e que “assume deter todas as licenças e autorizações necessárias para a realização do evento”, no qual foi estabelecido, além do mais, o seguinte [cf. PA]:
«Cláusula 1.ª
Objecto
1. Constitui objecto do presente Protocolo, a definição e formalização das condições do apoio a conceder pela C... à Segunda Outorgante [a Requerente] para realização do evento “...” que se realizará em ... entre 26 e 30 de Agosto de 2015.
(…)
Cláusula 2.ª
Regime de comparticipação e Condição
1. Nos termos do presente Protocolo, a C... compromete-se a entregar à Segunda Outorgante [a Requerente] o montante de €133.000,00 (cento e trinta e três mil euros), a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, somente na prossecução da realização dos eventos, reconhecendo a C... que a execução deste Protocolo terá elevada relevância a nível da promoção e desenvolvimento turístico do Concelho de ... .
(…)
Cláusula 4.ª
Direitos de Imagem
A C... terá o direito a utilizar, para todos os fins lícitos e durante o período de vigência contratual, a imagem oficial do logo do Evento nas comunicações e acções promocionais e de divulgação específicas que desenvolvam, bem como para a eventual utilização de quaisquer suportes de comunicação concedendo, desde já, a Segunda Outorgante [a Requerente] autorização para tal utilização, não podendo a C... utilizá-la para fins diversos daqueles para que foi concedida.
(…)»
i) Em 19 de agosto de 2016, foi celebrado um Protocolo entre a C... e a Requerente – que aqui se dá por inteiramente reproduzido – tendo em consideração que esta “é uma empresa com reputação a nível de organização de eventos internacionais, a nível desportivo, sendo da sua inteira responsabilidade a organização do evento “...” que se realiza entre os dias 26 e 28 de Agosto de 2016 em ...” e que “assume deter todas as licenças e autorizações necessárias para a realização do evento”, no qual foi convencionado, além do mais, o seguinte [cf. PA]:
«Cláusula 1.ª
Objecto
1. Constitui objecto do presente Protocolo, a definição e formalização das condições do apoio a conceder pela C... à Segunda Outorgante [a Requerente] para realização do evento “...” que se realizará em ... entre 26 e 28 de Agosto de 2016.
(…)
Cláusula 2.ª
Regime de comparticipação e Condição
1. Nos termos do presente Protocolo, a C... compromete-se a entregar à Segunda Outorgante [a Requerente] o montante de €80.000,00 (oitenta mil euros), a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, somente na prossecução da realização dos eventos, reconhecendo a C... que a execução deste Protocolo terá elevada relevância a nível da promoção e desenvolvimento turístico do Concelho de ... .
(…)
Cláusula 4.ª
Direitos de Imagem
A C... terá o direito a utilizar, para todos os fins lícitos e durante o período de vigência contratual, a imagem oficial do logo do Evento nas comunicações e acções promocionais e de divulgação específicas que desenvolvam, bem como para a eventual utilização de quaisquer suportes de comunicação concedendo, desde já, a Segunda Outorgante [a Requerente] autorização para tal utilização, não podendo a C... A utilizá-la para fins diversos daqueles para que foi concedida.
(…)»
j) Ao abrigo dos aludidos Protocolos, a Requerente recebeu os seguintes montantes monetários da C... [cf. PA]:
k) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, a Requerente emitiu as seguintes faturas atinentes aos referidos montantes monetários recebidos da C... [cf. PA]:
k) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2018... (2017), OI2018... (2014), OI2018... (2015) e OI201... (2016), emitidas pela Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi sujeita a procedimentos inspetivos internos e de âmbito parcial, em sede de IVA, sendo que na origem da abertura da OI2018... (2017) está o pedido de reembolso n.º..., no valor de € 86.127,72, solicitado pela Requerente na declaração periódica de IVA respeitante ao período 201712T e as irregularidades ali detetadas deram origem às restantes ordens de serviço. [cf. PA]
l) No âmbito desses procedimentos inspetivos, foi elaborado o respetivo projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, foram propostas as seguintes correções em sede de IVA [cf. PA]:
«III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III-1- FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA
De harmonia com os esclarecimentos prestados "A A..., com sede na ..., ...-... ..., pessoa colectiva n.º..., é uma empresa destinada à organização e promoção de eventos desportivos nacionais e internacionais."
Esta empresa exerce a sua atividade na mesma morada da sede, ou seja na ..., ...-... ..., em espaço cedido pela Camara Municipal de ... .
De 2013 a 2016 a empresa foi contratada para a realização e promoção de campeonatos de vela nacionais e internacionais. Estas provas consistem em vários dias de regatas, envolvem cerca de 150 atletas e atraem cerca de 1.000 visitantes por campeonato. Por serem campeonatos internacionais, o número de estrangeiros internacionais, o número de estrangeiros no conselho aumenta consideravelmente.
Assim, e de acordo com o interesse que a realização destas provas tem demonstrado para a promoção turística da Zona da ..., foi solicitado um apoio financeiro à empresa C... .
Esse apoio foi concedido nos anos em questão e destinou-se em exclusivo para a promoção e organização das provas.
Devido aos poucos meios humanos que a empresa detém, os serviços foram subcontratados ao B..., entidade também reconhecida pela capacidade de organizar campeonatos deste nível. Estes serviços estão directamente relacionados com a promoção e realização das provas e consistem essencialmente na logística operacional da regata propriamente dita, pois exige técnicos do mais alto nível. E na logística operacional de toda a atividade em terra, nomeadamente dos serviços técnicos complementares à regata, e toda a parte social.
Ver anexo 2 - Folhas 1/7 a 7/7
Em face das declarações prestadas e tendo o sujeito passivo informado que:
• "A A..., é uma empresa destinada à organização e promoção de eventos desportivos nacionais e internacionais." e
• “De 2013 a 2016 a empresa foi contratada para a realização e promoção de campeonatos de vela nacionais e internacionais"
Foi o sujeito passivo notificado para:
• Identificar a(s) empresa/entidade(s) que a contrataram; e
• Fazer prova das afirmações que produzir.
Em resposta enviou uma declaração com o seguinte teor:
"A A..., sociedade por quotas, com sede na ..., ...-... ..., pessoa colectiva n. 0..., é uma empresa destinada à organização e promoção de eventos desportivos nacionais e internacionais.-—---—----------------------------------------------------------------------------
De 2013 a 2016 foi esta entidade que promoveu a organização das provas em questão, nomeadamente ... e os ... . Para tal angariou os apoios e o financiamento necessários para que toda a organização fosse possível. Conforme protocolos enviados, a C... foi o principal investidor, pois são provas que trazem grandes benefícios para o concelho de ... .----------------------------------------------------------------------------”
Ver anexo 3 – Folhas 1/6 a 6/6
Em face do exposto, constata-se que apesar da A..., informar que a C... foi o principal investidor, não identifica o(s) contratante(s).
Não tendo negado a existência de contratantes e não sendo a A... Lda, uma entidade sem fins lucrativos, foi o sujeito passivo, de novo, notificado para identificar a(s) entidade(s) que a CONTRATA(M).
Ver anexo 4 — Folhas 1/9 a 9/9
Em resposta informou que:
"A entidade que contratou a A... Lda para a realização dos seguintes eventos foi:
... 2013 — C...
... 2014 —C...
... 2015 — C...
... 2016 —C...
... 2016 – C..."
Ver anexo 4 - Folhas 8/9
Pelo que antecede, conclui-se que tendo a A... Lda sido contratada pela C..., para proceder à realização dos eventos, as importâncias pagas a título de apoio (constantes dos protocolos) mais não são do que a normal contraprestação pela aquisição dos serviços.
Apesar de nos protocolos celebrados se referir que a C... é a empresa municipal responsável pela promoção turística da zona da ... à qual compete a promoção ou o apoio à realização de iniciativas susceptíveis de desenvolver o turismo, nos casos em análise a C... não se limitou a apoiar.
Note-se que as prestações de serviços realizadas não foram faturadas a outra entidade.
Conforme refere Rui Laires "A entidade que concede a subvenção não deve ser considerada, ela própria, a destinatária dos bens ou dos serviços a que a subvenção respeita (caso em que não se trata de uma verdadeira subvenção, mas da normal contraprestação pela aquisição dos bens ou dos serviços)".
Em conformidade com as declarações prestadas a A... Lda foi contratada pela C... para realizar os serviços. A C... é a destinatária dos serviços, de promoção turística da ..., promoção que é feita através da realização das regatas.
Antes de avançar, atente-se que, em 2013 e 2014, a A... Lda liquidou IVA nas faturas emitidas à C..., apesar de, relativamente às faturas emitidas em 2014, ter procedido, posteriormente, à sua anulação.
Questionado quanto às razões pela qual deixou de liquidar IVA informou, telefonicamente, que deixou de liquidar IVA nas faturas emitidas à C..., E.M.,S. A. porque obteve, por parte desta entidade, a informação de que não devia ser liquidado imposto.
Solicitado o envio de informação/parecer (a obter junto da C... ou da Camara Municipal de ...) comprovativa das afirmações produzidas, não o apresentou. Prestou apenas o esclarecimento que a seguir se transcreve.
"O parecer da C... foi solicitado, mas ainda não foi obtido. No entanto o enquadramento desta operação é uma comparticipação financeira (apoio de natureza não reembolsável, excepto em caso de não realização do evento) e não uma prestação dos serviços, sendo por isso uma operação não sujeita a IVA."
Apesar dos protocolos referirem conforme ponto 1 da Cláusula 2.ª (que a título exemplificativo a seguir se transcreve) que a entrega é feita a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, a entrega/apoio designa-se de "falsa subvenção".
Cláusula 2.ª
Regime de comparticipação e Condição
1. Nos termos do presente protocolo, a C... compromete-se a entregar à segunda outorgante, o montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a título de comparticipação financeira, na modalidade de apoio financeiro de natureza não reembolsável, somente na prossecução da realização dos eventos, reconhecendo a C... que a execução deste protocolo terá elevada relevância a nível da promoção e desenvolvimento do concelho de ... .
De facto, é necessário não confundir as subvenções atribuídas por uma entidade a um sujeito passivo, em virtude de este lhe transmitir um bem ou prestar um serviço, com as designadas verdadeiras subvenções. No caso de ser estabelecido que a subvenção é o pagamento de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, adquirida pela entidade que concede a subvenção, caímos no âmbito das prestações de serviço. Palma considera que, «[q]uanto às subvenções, distinguem-se por serem concedidas a uma pessoa distinta do titular do serviço beneficiário.». Assim, nas subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, é necessária a existência de uma relação triangular, ou seja, é necessário existir a entidade que concede a subvenção, o sujeito passivo que recebe a subvenção e um terceiro que é quem de facto beneficia da subvenção. Nas designadas "falsas subvenções" não se verifica esta relação triangular, existindo exclusivamente um vínculo entre a entidade que concede a subvenção e a entidade que recebe a subvenção por contrapartida da operação.
Sublinhe-se que a A... tem por objecto a organização de atividades de animação turística e os destinatários concretos das prestações de serviços serão as entidades privadas, públicas ou particulares que a contratarem para a realização desses serviços.
Nos casos em análise não existe uma relação triangular, a C..., conforme assumido pelo sujeito passivo, contrata os serviços, pelo que, salvo melhor opinião, as importâncias recebidas a "título" de apoio mais não são do que a contraprestação pela aquisição dos serviços.
Assim, os valores previstos nos protocolos (identificados no quadro infra) correspondem ao montante das prestações de serviços:
Definido que os valores recebidos a título de apoio são a contraprestação dos serviços prestados vejamos o enquadramento em sede de IVA das prestações de serviços.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA 1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado “As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;"
Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 4.º do CIVA "São consideradas como prestações de as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens."
Estipula o n.º 1 da alínea a) do art. 2.º do CIVA que "São sujeitos passivos do imposto: As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tai operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);"
Pelo que competia ao sujeito passivo ter liquidado IVA nas prestações de serviço realizadas.
Clarificada a obrigação da liquidação importa agora determinar o(s) momento(s) em que o imposto se torna a exigível.
Assim,
De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 7.º do CIVA o imposto é devido e torna-se exigível nas prestações de serviços, no momento da sua realização;
Em conformidade com a alínea b) do n.º 1 do art. 29.º do CIVA "Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º devem, sem prejuízo do previsto em disposições especiais: (Redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)
b) Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tai como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços. ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços; (Redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)
A alínea a) do n.º 1 do art. 36.º do CIVA estipula que a fatura referida na alínea b) do n.º 1 do art. 29.º do CIVA deve ser emitida o mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º
De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 8.º sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º , o imposto torna-se exigível: (Redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31de dezembro)
Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;
Não tendo sido cumprido o prazo para a emissão das faturas o imposto em falta torna-se exigível no momento em que termina o prazo para a emissão da fatura.
Pelo que antecede o imposto em falta totaliza € 89.240,00 conforme discriminação efetuada no quadro infra.
Ver anexo 5 – Folhas 1/8 a 8/8»
m) Por ofício, datado de 10.08.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por correio registado, a Requerente foi notificada do projeto de RIT e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez, por escrito, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]
n) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo RIT, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram apreciados os argumentos aduzidos pela Requerente, em sede de direito de audição, tendo sido mantidas as correções ao IVA da Requerente, radicadas na falta de liquidação de imposto, supra referidas no facto provado l) e com a mesma fundamentação ali igualmente referenciada. [cf. PA]
o) A Requerente foi notificada do RIT por ofício, datado de 12.12.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por correio registado. [cf. PA]
p) Posteriormente, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de 201409T, da qual resultou o valor a cobrar adicionalmente de € 17.053,30; n.º..., referente ao período de 201509T, da qual resultou o valor a cobrar adicionalmente de € 18.605,13; n.º..., referente ao período de 201512T, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente; n.º..., referente ao período de 201608M, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente; e n.º..., referente ao período de 201609M, da qual não resultou valor a cobrar adicionalmente. [cf. PA]
q) A Requerente efetuou o pagamento tempestivo e integral dos aludidos valores cobrados adicionalmente nas liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de 201409T e n.º..., referente ao período de 201509T. [cf. PA]
r) Em 21 de março de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
12. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que a C... é a entidade responsável pela realização das provas desportivas referenciadas no facto provado b) e que, nessa qualidade, contratou a Requerente para organizar e promover aqueles mesmos eventos desportivos.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo documental constante do processo administrativo junto aos autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
No tocante à factualidade não provada, importa ainda referir que a mesma foi assim considerada atenta a ausência de quaisquer elementos probatórios que indubitavelmente a comprovassem. Acresce dizer que quer os Protocolos referenciados nos factos provados f), g), h) e i) – designadamente nos segmentos ali citados –, quer os anúncios públicos/publicitários e os programas dos diversos eventos desportivos em apreço – nos quais é mencionado o B... como organizador e o Município de ... (conjuntamente com o Turismo de Portugal) como patrocinador principal (cf. PA) –, quer ainda os relatórios finais a eles atinentes – nos quais é igualmente mencionado o B... como organizador (cf. PA) – e as notícias veiculadas pela comunicação social a propósito dos mesmos eventos desportivos – designadamente na imprensa escrita, onde é mencionado o B... como organizador e a Câmara Municipal de ... como patrocinadora (cf. PA) – apontam, sem dúvida alguma, no sentido de o B... ser a entidade responsável pela realização e promoção das aludidas provas desportivas de vela e de o Município de ...– através da C...– ser o patrocinador principal.
Por isso, consideramos que a afirmação produzida pela Requerente no decurso das aludidas ações inspetivas, no sentido de que tinha sido contratada pela C... para a realização das mencionadas provas desportivas não corresponde à realidade, como aliás foi, posterior e cabalmente, esclarecido pela própria Requerente, aquando do exercício do respetivo direito de audição.
A finalizar, quanto à questão repetidamente colocada pelos serviços de inspeção tributária à Requerente, no sentido de identificar a entidade que a contratou para a organização dos referenciados eventos desportivos, afigura-se-nos que a Requerente foi envolvida na organização daqueles eventos, sem que se possa falar (pelo menos, em termos convencionais) em contratação para o efeito, em virtude de o B... ser a entidade responsável pela realização e promoção daquelas provas desportivas e a Requerente ser detida a 100% pelo B... e ter por atividade a organização de atividades de animação turística, designadamente a organização e promoção de eventos desportivos nacionais e internacionais.
III.2. DE DIREITO
§1. O THEMA DECIDENDUM
14. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar se os montantes monetários que a C... entregou à Requerente, mencionados no facto provado j) e a que aludem as faturas referidas no facto provado k), consubstanciam ou não a contraprestação de serviços prestados pela Requerente à C... .
Se a resposta for afirmativa, deveria a Requerente ter liquidado IVA e, por isso, as correções impugnadas e, portanto, os atos tributários controvertidos deverão ser mantidos.
Se, pelo contrário, a resposta for negativa, as mencionadas correções deverão ser declaradas ilegais e, consequentemente, os atos de liquidação adicional de IVA controvertidos deverão ser declarados ilegais e anulados na parte em que assentam naquelas correções efetuadas pela AT.
O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso dos montantes de imposto pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
15. Neste conspecto, importa ainda tecer algumas considerações adicionais em torno da fundamentação das correções de IVA, em causa neste processo, que subjazem parcialmente às liquidações adicionais de IVA controvertidas e que constitui, por isso, um esteio desses mesmos atos tributários.
Analisando a fundamentação que consta do RIT constatamos que as aludidas correções de IVA assentam, essencialmente, no entendimento de que tendo a Requerente «sido contratada pela C..., para proceder à realização dos eventos, as importâncias pagas a título de apoio (constantes dos protocolos) mais não são do que a normal contraprestação pela aquisição dos serviços»; sequentemente, foi efetuado «o enquadramento em sede de IVA das prestações de serviços», tendo-se concluindo que «competia ao sujeito passivo ter liquidado IVA nas prestações de serviço realizadas» (cf. factos provados l) e n)).
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cf. artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência (cf. artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
Assim, sendo o objeto de apreciação do Tribunal Arbitral o ato praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada em face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos . Por isso que, além do mais, é irrelevante a fundamentação a posteriori.
Destarte, face à fundamentação subjacente às aludidas correções e, nessa parte, aos atos tributários controvertidos, apenas está em causa neste processo decidir se tem apoio legal a posição da AT no sentido de os referidos montantes monetários que a C... entregou à Requerente consubstanciarem a contraprestação de serviços prestados por esta à C... .
Com efeito, por consubstanciar fundamentação a posteriori, na apreciação da legalidade dos atos tributários controvertidos nenhum relevo pode ser atribuído ao alegado pela AT nos artigos 34.º a 38.º da sua resposta, no sentido de os aludidos montantes monetários recebidos pela Requerente da C... poderem configurar subvenções conexas com o preço das operações e, nessa medida, deveria a Requerente ter liquidado o respetivo IVA, “não merecendo assim, também por este motivo, a correção efetuada qualquer crítica”.
§2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA (ENQUADRAMENTO EM IVA)
16. O artigo 1.º, n.º 1, do Código do IVA determina que estão sujeitas a IVA, além do mais, as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo atuando como tal (alínea a)).
O conceito de prestação de serviços surge densificado no artigo 4.º – são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens (n.º 1) – do Código do IVA.
Os conceitos de transmissões de bens, aquisições intracomunitárias de bens e importações de bens surgem recortados, respetivamente, no artigo 3.º do Código do IVA, no artigo 3.º do RITI e no artigo 5.º do Código do IVA.
O conceito de prestação de serviços, como resulta do artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA, consubstancia um conceito residual, nele cabendo todas as operações de carácter oneroso, ou seja, decorrentes da atividade económica, que não sejam definidas como transmissões de bens, como aquisições intracomunitárias de bens ou como importações de bens. O conceito abrange, pois, a transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (como a de não praticar determinar ato) e mesmo a prestação de serviços coativos determinada por requisição de autoridade administrativa.
O conceito de prestação de serviços ínsito na citada norma do Código do IVA está em consonância com a Diretiva IVA, como nos dá conta Sérgio Vasques (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 204 e 205):
“A Directiva IVA leva esta pretensão de generalidade mais longe ainda quando trata de definir as prestações de serviços. Em conformidade com o seu artigo 24.º, deve entender-se por prestação de serviços “qualquer operação que não constitua uma entrega de bens”, uma definição puramente negativa com a qual se estende a base de incidência do IVA a toda a operação com conteúdo económico, quaisquer que sejam os seus contornos. (…)
O artigo 25.º da Directiva IVA ilustra o alcance desta noção dizendo-nos que a prestação de serviços, entre outras coisas, pode consistir na cessão de um bem incorpóreo, na obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação, ou na execução de um serviço em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei. A enumeração é apenas exemplificativa, porém, tratando-se de reconfortar o aplicador perante casos que testam os limites do que podemos considerar actividade económica.
Assim concebida, a categoria das prestações de serviços deixa bem visível o confronto entre o sistema do IVA e a dogmática tradicional do direito tributário. O princípio da tipicidade da lei fiscal e as razões de segurança jurídica que lhe estão por trás cedem aqui às exigências de neutralidade do imposto, que não podem verdadeiramente satisfazer-se senão por meio do recurso a fórmula negativa, que opere por exclusão de partes – resta fixar os limites da categoria através da análise casuística levada a cabo pelo TJUE.”
17. Volvendo ao caso concreto, como vimos, não resultou provado que a C... é a entidade responsável pela realização das provas desportivas referenciadas no facto provado b) e que, nessa qualidade, contratou a Requerente para organizar e promover aqueles mesmos eventos desportivos.
Assim, face à ausência de qualquer outra factualidade que aponte nesse sentido e tendo presente o teor dos Protocolos referenciados nos factos provados f), g), h) e i), míster é concluir que a Requerente não efetuou qualquer prestação de serviços à C..., nomeadamente tendo por objeto a organização e promoção dos aludidos eventos desportivos.
Consequentemente, os montantes monetários que a C... entregou à Requerente – ao abrigo dos Protocolos que constam dos factos provados f), g), h) e i) –, mencionados no facto provado j) e a que aludem as faturas referidas no facto provado k), não consubstanciam a contraprestação de serviços prestados pela Requerente à C... .
Nesta conformidade, não se verifica o facto gerador de imposto – ou seja, o facto cuja verificação preenche as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto, originando assim a relação jurídica de IVA e, por conseguinte, os múltiplos deveres e direitos em que a mesma se desdobra; in casu, tal facto consubstanciaria uma prestação de serviços – que é apontado pela AT como fundamento para as aludidas correções de IVA que efetuou – radicadas na falta de liquidação de IVA no montante total de € 89.240,00 – e, portanto, para a emissão dos atos de liquidação adicional de IVA controvertidos, nos exatos termos em que o fez.
18. Com efeito, os aludidos montantes monetários que a Requerente recebeu da C... têm o carácter de subvenções, cujo conceito e as diversas classificações em que o mesmo se decompõe, para efeitos de IVA, não estão definidos quer no Código do IVA, quer na Diretiva IVA.
A este propósito, Rui Laires (O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Cadernos IDEFF, n.º 14, Almedina, Coimbra, 2012, p. 452) frisa que “o conceito de “subvenção” para efeitos do IVA se constitui como uma noção autónoma de direito da UE, no intuito de evitar divergências entre Estados membros na aplicação do regime do IVA. Não s etratando de um caso em que as normas em apreço remetam para as definições de “subvenção” adoptadas pelos Estados membros, estes não devem apreciar o seu conteúdo com base em conceitos congéneres que eventualmente vigorem nas suas próprias legislações internas.”
Ainda segundo o mesmo autor (ob. cit., p. 453), “[a] ligação do conceito de subvenção à ocorrência de uma atribuição patrimonial a um sujeito passivo do IVA, que seja proveniente, ou com recurso a verbas, de um organismo internacional ou de um organismo público nacional, seja este de âmbito estadual, regional ou local, parece encontrar-se subjacente às várias perspectivas e ao sentido das decisões do TJUE directamente relacionadas com a matéria. O preenchimento do conceito exige, ainda, que a concessão dessa prestação patrimonial dependa do cumprimento de certos requisitos pela entidade que é subvencionada, normalmente associados à satisfação de um dado objectivo, à assunção de uma determinada conduta ou à realização de uma certa tarefa ou projecto, indo ao encontro de uma necessidade colectiva ou visando a prossecução de um interesse de natureza pública. (…) Como afirmou o advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer, nas suas conclusões datadas de 23 de Novembro de 2004 (C-412/03, Hotel Scandic, Colect. P. I-743, n.º 41) – processo que deu lugar a acórdão do TJUE de 20 de Janeiro de 2005 –, o sistema comum do IVA utiliza o conceito de subvenção no seu sentido técnico-jurídico de medida de fomento, para que os poderes públicos possam impulsionar alguns sectores, atribuindo aos particulares vantagens de carácter económico.”
Por outro lado, existem regimes diferenciados aplicáveis às subvenções em função da sua natureza, pois podem, ou não, considerar-se inseridas no valor tributável e fazer, ou não, parte integrante do apuramento do pro rata de dedução ou de uma metodologia de afetação real.
Sobre esta matéria, resulta do estatuído no artigo 16.º, n.º 5, alínea c), do Código do IVA que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.
Esta norma do Código do IVA é consonante com o artigo 73.º da Diretiva IVA que estatui o seguinte: Nas entregas de bens e nas prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.
Assim, quer no Código do IVA, quer na Diretiva IVA, o valor tributável apenas incluirá as subvenções que sejam conexas com o preço das operações (ativas) do sujeito passivo beneficiário da subvenção, que o Código do IVA densifica introduzindo duas condições às subvenções: que sejam estabelecidas em razão do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e que sejam fixadas em momento anterior ao da realização das operações.
Está subjacente a este regime o princípio da neutralidade, que emerge do Considerando 7 e do artigo 1.º da Diretiva IVA, no sentido de ser assegurado o tratamento fiscal equivalente a operações económicas idênticas, uma subvencionada e outra não subvencionada, e de atingir o objetivo de influenciar o mínimo possível as decisões dos agentes económicos.
A este propósito, Rui Laires (ob. cit., pp. 459 e 460) dá-nos conta de que “o TJUE, em vários acórdãos, tem salientado que apenas as subvenções, ou a parte delas, identificadas como sendo a contrapartida, ou um elemento da contrapartida, de operações tributáveis podem ser objecto de tributação em IVA.
Além disso, para que tal ocorra, o TJUE vem focando a necessidade de se verificarem as seguintes condições:
- A autoridade que concede a subvenção não ser o destinatário das operações tributáveis realizadas pelo sujeito passivo subvencionado, pelo que se mostra necessário o envolvimento de três partes, ou seja, a que concede a subvenção, o sujeito passivo que a aufere e o destinatário dos bens ou serviços disponibilizados por esse sujeito passivo;
- A subvenção ser paga à entidade subvencionada para que esta, especificamente, transmita determinados bens ou preste determinados serviços, sendo-lhe somente reconhecido o direito a auferir a subvenção na medida em que tais operações sejam por ela efectuadas;
- A subvenção permitir à entidade subvencionada praticar preços inferiores ao que exigiria na falta da subvenção, de que os adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços sejam directamente os beneficiários, por via do pagamento por estes de um preço proporcionalmente diminuído do respectivo montante;
- A contrapartida representada pela subvenção, se não já determinada, ser pelo menos determinável, não se revelando necessário, porém, que o montante subvencionado corresponda rigorosamente à diminuição do preço, bastando que o seja de forma significativa.
Decorre da jurisprudência do TJUE que apenas a verificação cumulativa das condições acima enunciadas determina a inclusão de uma subvenção no âmbito do disposto na parte final do artigo 73.º da Diretiva do IVA e, consequentemente, da alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA. Não é suficiente, por exemplo, comos e salienta no acórdão de 22 de Novembro de 2001 (C-184/00, OPW, Colect. P. I-9115, n.º 12), “o simples facto de uma subvenção poder ter influência sobre os preços dos bens entregues ou dos serviços prestados pelo organismo subvencionado”.”
Dito isto, atento o acima exposto quanto ao fundamento que estribou a atuação da AT no caso concreto, em apreciação neste processo, afigura-se despiciendo ir mais além da qualificação como subvenções dos aludidos montantes monetários que a Requerente recebeu da C..., designadamente entrando na análise da questão de saber se as mesmas devem, ou não, ser objeto de tributação em IVA.
19. Atento o exposto, as aludidas correções de IVA que a AT efetuou – radicadas na falta de liquidação de IVA no montante total de € 89.240,00 – padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, do Código do IVA, pelo que não podem subsistir; na medida em que essas correções subjazem, em parte, às liquidações adicionais de IVA controvertidas, estas estão parcialmente fulminadas por igual vício invalidante, o que determina a sua anulação parcial.
§3. O REEMBOLSO DOS MONTANTES DE IMPOSTO PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
20. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, sendo que foi comprovado o pagamento dos valores resultantes dos atos tributários objeto desta ação.
21. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
§3.1. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES DE IMPOSTO PAGOS
22. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos de liquidação adicional de IVA controvertido, há lugar a reembolso dos montantes de imposto pagos indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o mencionado ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.
Destarte, procede o pedido de reembolso dos montantes de imposto pagos indevidamente, a serem determinados pela AT, em cumprimento desta decisão, na reedição dos atos de liquidação adicional de IVA controvertidos, expurgados do vício invalidante que foi declarado.
§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
23. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, resulta do acima exposto que a Requerente suportou uma prestação tributária legalmente indevida, tendo, pois, direito ao respetivo reembolso.
Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação parcial das liquidações adicionais de IVA controvertidas é imputável à AT por, como foi dito, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, do Código do IVA.
Destarte, concluímos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação pela AT, em cumprimento da presente decisão, do imposto pago em excesso na reedição dos atos de liquidação adicional de IVA controvertidos, expurgados do vício invalidante que foi declarado.
*
24. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente a questão suscitada pela Requerente, nos artigos 36 a 43 do PPA, atinente ao cálculo do imposto.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegais e anular, parcialmente, as liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de 201409T; n.º..., referente ao período de 201509T; n.º..., referente ao período de 201512T; n.º..., referente ao período de 201608M; e n.º..., referente ao período de 201609M, com as legais consequências;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:
• a reembolsar à Requerente os montantes de imposto que, em execução desta decisão, se apure terem sido liquidados e pagos em excesso, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;
• no pagamento das custas do presente processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 89.240,00 (oitenta e nove mil duzentos e quarenta euros).
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CUSTAS
Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Notifique.
Lisboa, 18 de novembro de 2019.
Os Árbitros,
(José Poças Falcão)
(José Coutinho Pires)
(Ricardo Rodrigues Pereira – Relator)