Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 565/2018-T
Data da decisão: 2019-11-20  IRC  
Valor do pedido: € 388.513,97
Tema: IRC – Benefício fiscal – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento – Requisitos do Art.º 22.º, n.º 4 do CFI.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. João Taborda da Gama e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

Em 13 de novembro de 2018, A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva sob o número único ..., com sede na ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e do artigo 102.º, n.º 1 do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”).

 

A Requerente deduz pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), relativa ao exercício de 2014, na parte em que não considera o valor global de € 388.513,97, referente ao benefício fiscal de criação de emprego [€ 5.472,34] e ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) [€ 383.041,63] e, nesta sequência, requer também a invalidação parcial da autoliquidação de IRC reportada ao ano 2014, bem como o reembolso do imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios contados desde 1 de outubro de 2017 até ao integral reembolso, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente argui vício material de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei, por não ter sido aceite pela AT a reclamação da autoliquidação de IRC de 2014 visando a tomada em consideração do benefício fiscal do RFAI que, por lapso, não inscreveu na declaração modelo 22 (campo 355 do Quadro 10) reportada a esse exercício, na importância de € 383.041,63.

 

Para a Requerente, encontram-se reunidos todos os requisitos de elegibilidade do RFAI, a saber: a realização de investimento relevante que proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução. Afirma que o ponto de discordância com a AT se prende com esta última condição, em virtude de no ano 2015 ter diminuído o número total de trabalhadores a contrato sem termo, que passou de 173 (em 2014) para 165 (a 31 de dezembro de 2015), pelo que a AT entendeu que não se verificou a manutenção dos postos de trabalho até ao final do período de dedução.  

 

                Contudo, na perspetiva da Requerente esta conclusão é errónea, pois assenta numa comparação indiscriminada entre o número de trabalhadores efetivos no final de 2014 com o mesmo número final nos anos posteriores, quando tal comparação deve somente ter por referência os postos de trabalho especificamente criados pelo investimento realizado, sendo irrelevante que o número total de trabalhadores tenha diminuído. Neste âmbito, os cinco postos de trabalho criados em consequência do investimento efetuado estão salvaguardados. Alicerça esta posição no disposto no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do Código Fiscal do Investimento (“CFI”).

 

A Requerente juntou 8 documentos e requereu a inquirição de uma testemunha.

 

Em 14 de novembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT em 20 de novembro de 2018.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 4 de janeiro de 2019, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Ambas as Partes  informaram no procedimento arbitral que o ato objeto do pedido de pronúncia arbitral foi parcialmente revogado por decisão da Subdiretora-Geral da área de Gestão Tributária – IR, no exercício de competência delegada, com data de 21 de dezembro de 2018, tendo sido tal decisão notificada à Requerente, que se pronunciou nos autos pela aceitação da revogação parcial do ato tributário e pelo prosseguimento do processo para conhecimento da questão do direito ao reconhecimento do benefício do RFAI e do direito a juros indemnizatórios.

 

A este respeito a Requerida solicitou ao Tribunal Arbitral a fixação do valor da ação em conformidade com o ora peticionado pela Requerente, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, assim como ao artigo 296.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 297.º, artigo 306.º, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do artigo 29.º RJAT.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 24 de janeiro de 2019.

                Em 27 de fevereiro de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação. Diverge da Requerente na interpretação do artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, que articula com o disposto no Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014 (“RGIC”). Neste âmbito, preconiza que se exige que a entidade empregadora, ou seja, a Requerente, mantenha a criação de postos de trabalho durante 3 anos ou 5 anos (consoante sejam PME’s ou grandes empresas, respetivamente), tendo por referência os termos em que foi aferida tal criação, i.e., “face à média dos 12 meses precedentes a 31 de dezembro do ano do investimento”, caso contrário o investimento não seria indutor da criação de postos de trabalho.


Considera ainda que a Requerente não apresentou prova que permita aferir a observância do requisito de manutenção de postos de trabalho (com vínculo contratual indeterminado) associados ao investimento, tendo incumprido o ónus probatório que sobre si recaía, como determina o artigo 14.º, n.º 2 da LGT.


 

Sobre os juros indemnizatórios a Requerida alega que, caso fossem de admitir, o que equaciona ad cautelem, seguiriam o regime do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, referente à revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, pelo que apenas seriam devidos a partir de 31 de julho de 2018, data em que a reclamação graciosa foi parcialmente deferida.


Por fim, a Requerida expressa ser desnecessária a realização da inquirição da testemunha indicada pela Requerente e conclui pela improcedência e absolvição de todos os pedidos, com as legais consequências. Juntou o processo administrativo (“PA”) em 8 de março de 2019. 


 

Por despacho de 19 de março de 2019, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com inquirição da testemunha indicada pela Requerente atento o eventual contributo para o apuramento dos factos. A reunião foi objeto de reagendamento para compatibilização da disponibilidade de todos os intervenientes.

 

Em 28 de maio de 2019, a Requerente solicitou a junção de documentos adicionais “importantes para a descoberta da [verdade] material”, alegando que só nesse momento o mandatário verificou que estavam na sua posse [da Requerente].

 

Em 30 de maio de 2019, a Requerida manifestou oposição à junção de documentos, por entender que já tinham decorrido os prazos legais para o efeito. Invoca os artigos 10.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do RJAT, 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT e 423.º, n.º 2 do CPC e salienta que não se trata de uma situação de superveniência, solicitando o desentranhamento dos documentos.

 

                Em 30 de maio de 2019, realizou-se no CAAD a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual o Tribunal Arbitral admitiu a junção de documentos promovida pela Requerente, por aplicação do princípio da verdade material que prevalece no contencioso tributário e do princípio da livre condução do processo, concedendo-se prazo de vista à Requerida (artigos 16.º, alínea e) e 19.º do RJAT e artigo 13.º, n.º 1 do CPPT , ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

Convém assinalar que os documentos em causa não correspondem à alegação de quaisquer factos ou fundamentos novos, pelo que não resulta violado o princípio da preclusão.

 

Foi ouvida a testemunha da Requerente, B..., e o Tribunal Arbitral dirigiu à Requerente convite para que esta procedesse à junção dos contratos de trabalho dos trabalhadores em causa.

 

Na referida reunião, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas, tendo sido prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por alargamento da fase instrutória, e fixada a data para prolação da decisão arbitral. O Tribunal Arbitral advertiu a Requerente de que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o pagamento ao CAAD.

 

Em 31 de maio de 2019, a Requerente procedeu à junção dos contratos de trabalho. A Requerida pronunciou-se, por requerimento de 12 de junho de 2019, no sentido de considerar que os documentos juntos não alteram a conclusão de que a Requerente não cumpriu o ónus da prova dos pressupostos do benefício fiscal invocado, de acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 2 e 74.º, n.º 1 da LGT.

 

Em 19 de junho de 2019, a Requerente produziu as suas alegações finais, nas quais mantém a posição antes assumida e reitera que a única questão a dirimir é a de saber se foi, ou não, verificada a condição de manutenção de postos de trabalho, pois foi esse o único aspeto em que se deteve a fundamentação da AT para indeferir a Reclamação Graciosa. Refere ainda que a AT nunca levantou qualquer questão relativamente aos demais requisitos, seja no procedimento de Reclamação Graciosa, seja na Resposta à presente ação arbitral. Sem prejuízo, a Requerente afirma que tais requisitos se encontram cumpridos.

 

Em 5 de julho de 2019, a Requerida apresentou as suas alegações. Começa por salientar que a Requerente labora em erro ao restringir a questão a dirimir à condição relativa à manutenção de postos de trabalho, pois está em causa a aferição dos pressupostos cumulativos consagrados no artigo 22.º, n.º 4 do CFI, como resulta claro do teor da decisão da Reclamação Graciosa e da Resposta ao pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), sendo que no procedimento de Reclamação Graciosa aquela não havia sequer indicado nomes e contratos de trabalho.

 

Por outro lado, a Requerida refere que a junção tardia, em fase contenciosa, de elementos relativos à manutenção dos trabalhadores indicados pela Requerente até 2018, permite a comprovação de um dos requisitos para a obtenção do benefício fiscal RFAI, mas não é o único requisito. Para a Requerida, permanecem por comprovar outros requisitos, como a elegibilidade dos investimentos, devendo a ação ser julgada improcedente por não provada.

 

Sobre os juros indemnizatórios, alega que a omissão probatória da Requerente na fase administrativa sempre conduziria, caso a ação fosse considerada procedente, ao indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, por não se verificar uma situação de erro imputável aos Serviços da AT, nos termos do artigo 43.º da LGT, conforme entendimento sufragado na Decisão Arbitral proferida no processo do CAAD n.º 796/2014-T.

 

Segundo a Requerida, o mesmo argumento de junção tardia da prova por parte da Requerente deve ser relevado para efeitos de repartição de custas, considerando que foi esta que deu causa à ação, por não ter apresentado oportunamente os elementos que permitissem aos Serviços aferir do cumprimento dos requisitos do RFAI.

 

Por despacho de 2 de setembro de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a complexidade das questões suscitadas e a interposição do período de férias judiciais.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           No exercício de 2014, a A..., S.A., aqui Requerente, estava enquadrada como sujeito passivo de IRC e exercia a atividade de fabricação de eletrodomésticos correspondente ao CAE 27510 – cf. Documento 1 e Anexo A do relatório único reportado a 2014, juntos pela Requerente com o ppa e no caso do Anexo A antes da reunião arbitral.

 

B.            Com referência à data dos factos, a Requerente dispunha de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e as disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, não tinha o seu lucro tributável determinado por métodos indiretos e não era devedora ao Estado e à segurança social de contribuições, impostos ou quotizações – cf. apreciação conjunta dos Documentos 1 a 4 juntos com o ppa, também provado por acordo.

 

C.            A Requerente não era, de igual modo, considerada uma empresa em dificuldades, nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014 – cf. apreciação conjunta dos Documentos 1 a 4 juntos com o ppa e provado por acordo.

 

D.           Em 31 de dezembro de 2014 o número de colaboradores efetivos da Requerente, i.e., com contrato sem termo, cifrava-se em 173, valor superior à média do número de efetivos que registou nos doze meses precedentes, conforme quadro seguinte:

COLABORADORES COM CONTRATO SEM TERMO

dez-13  jan-14   fev-14   mar-14 abr-14   mai-14  jun-14   jul-14     ago-14  set-14   out-14  nov-14  dez-14

166         166         165         164         164         163         163         163         165         166         167         175         173

 – cf. Anexo A dos relatórios únicos referentes a 2013 e 2014.

 

E.            No ano 2014, ocorreu a conversão de contratos de trabalho com termo em contratos de trabalho sem termo relativamente a cinco colaboradores/funcionários da Requerente a seguir identificados, os quais em 2018 ainda mantinham o vínculo laboral com a Requerente:

NOME  PROFISSÃO CONSTANTE DO ANEXO A    CATEGORIA – RECIBO DE VENCIMENTO

C...         71321 – Pintor à pistola de superfícies  Pintor

D...         21410 – Engenheiro industrial e de produção     Chefe de Secção

E...         31390 – Outros técnicos de controlo de processos industriais     Montador/a

F...         43212 – Empregado de armazém            Operador Logística Industrial

G...        43212 – Empregado de armazém            Operador Logística Industrial

– cf. Anexo A dos Relatórios únicos reportados aos anos de 2014 a 2018, contratos de trabalho e Documento 7 [recibos de vencimento] juntos pela Requerente. 

 

F.            No dia 26 de maio de 2015, a Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2014, na qual autoliquidou o IRC, resultando imposto a pagar no valor de € 584.326,32 – cf. Documento 1 junto com o ppa.

 

G.           Na declaração Modelo 22 acabada de referir, a Requerente não considerou qualquer valor no Campo 355 do Quadro 10 (Benefícios Fiscais) – cf. Documentos 1, 3 e 4 juntos com o ppa.

 

H.           Após a submissão da Modelo 22 do exercício de 2014, a Requerente concluiu que, no seu preenchimento, não considerou determinados ajustamentos ao lucro tributável, nem benefícios fiscais que, em seu entender, eram devidos, designadamente os referentes ao RFAI, no valor de € 383.041,62, que, conjuntamente com os demais ajustamentos, perfaziam o valor de € 406.880,41 de IRC pago em excesso – cf. Documento 2 junto com o ppa.

 

I.             Assim, a Requerente apresentou, em 26 de maio de 2017, Reclamação Graciosa da autoliquidação de IRC reportada ao exercício de 2014, na qual sustenta que:

(a)          Não foi considerado corretamente o valor do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho para jovens e desempregados de longa duração, previsto no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”); e

(b)          Tinha direito a incluir, não o tendo feito, o valor do benefício fiscal apurado a título de RFAI, no montante de € 383.041,63, por investimentos elegíveis efetuados no período em causa (2014),

pedindo o reembolso do valor total de € 406.880,41 de IRC, que considerou ter pago em excesso relativamente às duas situações acima mencionadas (alíneas (a) e (b) supra) – cf. Documentos 1 a 3 juntos com o ppa.

 

J.             No âmbito da Reclamação Graciosa, a Requerente juntou cópia de um contrato

de Concessão de Incentivos Financeiros no Âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação celebrado com o AICEP, cujo período de investimento decorreu entre 3 de maio de 2012 e 30 de abril de 2014; uma listagem com a descrição dos ativos adquiridos em 2014, com o detalhe do lançamento contabilístico, número e data do documento, indicação do valor contabilizado e do valor que considerou elegível para efeitos do RFAI, juntamente com a cópia de algumas faturas – cf. Documento 2 junto com o ppa (documentos 3, 4 e 5 da Reclamação Graciosa, respeitantes respetivamente ao contrato com a AICEP, à lista de bens elegíveis para o RFAI e às cópias de algumas faturas).

 

K.            A AT notificou a Requerente do projeto de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, por ofício de 29 de maio de 2018, contendo os seguintes fundamentos e proposta de decisão de indeferimento em relação ao benefício do RFAI:

“Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)

O Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31 de outubro aprova um novo Código Fiscal do Investimento (CFI).

Relativamente ao regime do RFAI em vigor em 2014, as condições cumulativas de direito ao incentivo fiscal, passam a estar contempladas no n.º 4 do artigo 22 do novo CFI.

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do CFI podem os sujeitos passivos de IRC beneficiar dos incentivos fiscais desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade organizada;

b) O seu lucro não seja determinado por métodos indiretos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE da Comissão de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;

d) Não sejam devedores às Finanças e à Segurança Social;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldades nos termos da comunicação da Comissão (publicada no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 249, de 31 de julho de 2014);

f) Efetuem investimentos relevantes que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

Importa aqui salientar o período temporal mínimo referido na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, por remissão para o período constante da alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo.

Ora, a alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI remete para três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos (grandes empresas).

Determina o n.º 1 do artigo 2.º do Anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, a categoria de micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que emprega menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

No caso em análise, a A..., excede há vários anos, claramente, os limites definidos no n.º 1 do artigo 2.º do Anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, nomeadamente no ano de 2014 verifica-se; uma média de 390 trabalhadores, sendo em 31 de dezembro 371, apresenta um volume de negócios de €76.767.230,99 e um total de balanço de €46.468.434,14, fls. 62 a 64 dos autos.

Deste modo, se o sujeito passivo não se qualifica como PME, o prazo a aplicar será de cinco anos. 

Assim, pela conjugação das alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22 do CFI, aos sujeitos passivos, que queiram beneficiar do benefício fiscal no âmbito do RFAI, é imposta a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, cinco anos a contar da data dos investimentos, conforme obriga a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.

Da verificação efetuada pelos SIT, quanto à criação de postos de trabalho e a sua manutenção, constatou-se o seguinte:

Data      N.º Trabalhadores           Data      N.º Trabalhadores           Data      N.º Trabalhadores

2013-12-31         166         2014-12-31         173         2015-12-31          165

 Sendo assim, constata-se que a A... não manteve a totalidade dos postos de trabalho criados em 2013 e 2014 uma vez que a comparação entre o numero de trabalhadores com contratos sem termo a 31 de dezembro de 2013 (166) e a 31 de dezembro de 2014 (173) com o numero à data de 31 de dezembro de 2015 (165) evidencia uma quebra face a 2013 (165 face a 166) e a 2014 (165 face a 173).

Face ao exposto, não se verifica o cumprimento integral das condições cumulativas de acesso ao benefício fiscal associado ao RFAI, nomeadamente por inobservância da manutenção dos postos de trabalho impostas pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, sendo de indeferir na totalidade a pretensão do sujeito passivo quanto à dedução à coleta no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.

[…]”– cf. Documento 3 junto com o ppa e PA.

 

L.            A Requerente exerceu o direito de audição em discordância com a proposta de indeferimento parcial das suas pretensões – cf. Documentos 3 e 4 juntos com o ppa e PA.

 

M.         A AT manteve o sentido da decisão e a Reclamação foi parcialmente (in)deferida por despacho de 31 de julho de 2018 do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., Divisão de Justiça Tributária, por subdelegação, notificado à Requerente em 15 de agosto de 2018. Em concreto, foi indeferido o benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho quanto à colaboradora H..., no valor de € 5.472,34, e a totalidade do pedido relativo ao RFAI, no montante de € 383.041,63 – cf. Documento 5 junto com o ppa e PA.

 

N.           Como fundamento do indeferimento do benefício do RFAI, a decisão da Reclamação Graciosa refere o seguinte:

 

 “Relativamente ao RFAI, entende a AT que não foi verificada uma das condições cumulativas para a empresa beneficiar do benefício fiscal, nomeadamente a manutenção dos postos de trabalho.

De acordo com a verificação efetuada pelos SIT, e como já referido no projeto de decisão, o número de trabalhadores a contrato sem termo em 2014-12-31 era de 173, tendo-se verificado uma diminuição no ano de 2015, dado que em 2015-12-31, a empresa tinha 165 trabalhadores.

Sendo assim, e como a reclamante não manteve a totalidade dos postos de trabalho, será de indeferir a pretensão do contribuinte quanto à possibilidade de deduzir à coleta o benefício fiscal no âmbito do RFAI.” – cf. Documento 5 junto com o ppa e PA.

 

O.           Inconformada com a decisão de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa deduzida contra o ato autoliquidação de IRC reportado a 2014, a Requerente apresentou no CAAD, em 13 de novembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

P.            Por despacho de 21 de dezembro de 2018 da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, por delegação, foi parcialmente anulada (“revogada”) a decisão da Reclamação Graciosa, na parte que indeferia o benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho quanto à colaboradora H..., no valor de € 5.472,34, o qual foi notificado à Requerente, mantendo-se o indeferimento no segmento do RFAI – cf. PA.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

                Não se provaram os factos alegados nos artigos 42.º e 44.º do ppa, designadamente que “a Requerente efetuou investimento relevante que proporcion[ou] a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução”.

 

                Aliás, não só não foi demonstrado que os investimentos em causa – consubstanciados na aquisição de ativos, como ferramentas e equipamentos –, realizados para o lançamento de novos produtos, proporcionaram a criação de postos de trabalho com os mesmos relacionados, como a testemunha inquirida, indicada pela Requerente, afirmou que não é possível fazer uma conexão exata entre os trabalhadores e os equipamentos nos quais se concretizou o investimento.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente, e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais.

 

A testemunha inquirida revelou conhecimento direto dos factos relatados que, contudo, numa parte, já estavam comprovados por prova documental e, noutra parte, a referente à descrição genérica que fez da atividade e dos investimentos na área industrial relativos à renovação de linhas de produtos, não logrou transmitir informação específica que permitisse concluir sobre a efetiva criação de postos de trabalho derivada dos concretos investimentos realizados em 2014, acabando por concluir que não seria sequer possível estabelecer essa ligação exata. 

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

1.            QUESTÃO DECIDENDA

 

                Discute-se nos presentes autos arbitrais uma única questão, que se prende com o preenchimento, por parte da Requerente, dos pressupostos do benefício fiscal do RFAI previstos no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, relativamente aos investimentos efetuados no ano 2014.

 

2.            ANULAÇÃO PARCIAL DO ATO IMPUGNADO E FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA

 

                Em 21 de dezembro de 2018, por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, a AT procedeu à anulação administrativa  parcial da decisão da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, no segmento referente à criação líquida de postos de trabalho, quanto à colaboradora H..., no valor de € 5.472,34, que foi impugnado na presente ação arbitral. Esta anulação parcial teve lugar no decurso do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.

 

                A Requerente, notificada para o efeito, comunicou ao Tribunal Arbitral a aceitação da “revogação” parcial do ato, em 15 de janeiro de 2019. Deste modo, o objeto dos autos ficou restringido à apreciação de uma única questão: a relativa à dedução do benefício fiscal do RFAI e do pedido acessório de juros indemnizatórios que, de seguida, se analisa.

 

                Neste âmbito, a Requerida vem solicitar a este Tribunal que o valor da ação seja fixado tendo em conta o peticionado pela Requerente, ou seja, determinado pelo montante de € 383.041,63, relativo ao benefício do RFAI. Invoca, para tanto, o disposto nos artigos 97.º-A do CPPT, 296.º e 297.º, n.ºs 1 e 2 e 306.º, estes últimos todos do CPC.

 

                De acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, o valor da causa deve ser determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT. E este preceito estatui que, sendo impugnado um ato de liquidação, aquele valor corresponda à importância cuja anulação se pretende. Com a referida anulação parcial, essa importância passou a ser precisamente a do benefício do RFAI, que subsiste como única questão a ser apreciada.

 

                Porém, suscita-se a dúvida sobre o momento a considerar para este efeito, em virtude da regra geral expressa pelo artigo 299.º do CPC, segundo a qual, “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta”, dispondo o artigo 259.º, n.º 1 do CPC que a ação se considera proposta e a instância se inicia com o recebimento “na secretaria” da respetiva petição inicial (normas convocáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT e artigo 2.º, alínea e) do CPPT). De salientar ainda que o artigo 13.º, n.º 5 do RJAT estabelece que, “salvo quando a lei dispuser de outro modo, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial”.

 

                Do cotejo das normas enunciadas resulta prima facie que a apresentação do pedido arbitral fixa o momento em que a ação é proposta, à semelhança do que sucede com a apresentação da petição no processo de impugnação judicial (cf. artigos 103.º e 108.º do CPPT), conduzindo-nos à conclusão de serem virtualmente irrelevantes as vicissitudes posteriores.

 

                Todavia, na jurisdição arbitral a instância só se inicia com a constituição do Tribunal Arbitral e não com a entrega do pedido arbitral, como dispõe o artigo 15.º do RJAT, sendo a fase precedente de índole procedimental e não processual. Acresce que se o procedimento cessar antes de ser constituído o Tribunal Arbitral, nomeadamente pela anulação do ato tributário objeto do litígio, o Requerente é reembolsado da taxa de arbitragem paga, o que significa que a fixação do valor da causa e a determinação das correspondentes custas a suportar são influenciadas se a anulação (total e, pelo mesmo parâmetro, também parcial) dos atos em crise produzir efeitos antes da constituição do Tribunal, i.e., antes do início da instância.

 

                Na situação sub iudice, tendo a anulação parcial do ato impugnado ocorrido e sido notificada à Requerente em momento prévio ao da constituição do Tribunal Arbitral, que se verificou em 24 de janeiro de 2019, o valor da causa deve ser expurgado da importância anulada (de € 5.472,34), como preconizado pela Requerida, fixando-se no montante € 383.041,63, independentemente de, no caso concreto, esta variação de valor não se traduzir num montante de custas distinto, em face dos escalões da Tabela de Custas nos processos arbitrais, ou num regime de recursos diferenciado.

 

3.            O ATO DE (AUTO)LIQUIDAÇÃO COMO QUID DO PROCESSO ARBITRAL

 

                Como foi acima referido, a Requerente insurge-se contra o indeferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada contra a (auto)liquidação de IRC do exercício de 2014, por não lhe ter sido aceite a pretendida dedução à coleta de IRC do benefício fiscal do RFAI, relativamente ao qual considera reunir todos os pressupostos previstos, nomeadamente no artigo 22.º, n.º 4 do CFI.

 

                Com base nos fundamentos do despacho de (in)deferimento parcial, a Requerente reduz o ponto de discordância com a AT à circunstância de esta não ter considerado preenchida a condição relativa à manutenção dos postos de trabalho criados em razão do investimento relevante, até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, em virtude de no ano 2015 ter diminuído o número total de trabalhadores a contrato sem termo, que passou de 173 (2014) para 165 (2015). E retira a conclusão de que tendo sido esse o único aspeto em que se deteve a fundamentação da AT não lhe é lícito vir agora “lançar o manto da dúvida quanto à [falta] de verificação dos restantes requisitos”.

 

                Importa, antes de mais, realçar que não se acolhe a tese preconizada pela Requerente, por dois motivos.

 

                O primeiro prende-se com a interpretação restritiva que faz em relação à fundamentação do projeto e do despacho de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa. Com efeito, sem prejuízo de a decisão administrativa se basear na inobservância do requisito da manutenção dos postos de trabalho imposto pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, quer o projeto de decisão, quer o despacho de (in)deferimento parcial não se autolimitam a esse fundamento, afirmando que “não se verifica o cumprimento integral das condições cumulativas de acesso ao benefício fiscal associado ao RFAI, nomeadamente por inobservância da manutenção dos postos de trabalho impostas pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI” [projeto] e que “não se verifica o cumprimento integral das condições cumulativas de acesso ao benefício fiscal associado ao RFAI, nomeadamente por inobservância da manutenção dos postos de trabalho impostas pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI” [despacho de indeferimento].

 

                Idêntico entendimento resulta da análise do articulado de Resposta, em que a Requerida expressa com clareza a latitude com que interpreta o thema decidendum: “A questão que se mantém em apreciação na presente ação arbitral prende-se com a aferição dos pressupostos cumulativos respeitantes ao benefício fiscal RFAI, consagrados no n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI)” (artigo 9.º da Resposta).

                Em segundo lugar, mesmo a entender-se de forma diversa (que não se entende), tal não significa que, na hipótese de invalidade do(s) fundamento(s) da decisão da Reclamação Graciosa, o Tribunal determinasse a aplicação do benefício fiscal e concedesse provimento ao pedido da Requerente sem aferir dos pressupostos legais do direito invocado, cujo ónus de comprovação, na situação vertente, impende sobre a Requerente, de harmonia com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em linha com o princípio geral do ónus probandi (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil). Na verdade, a aplicação de um benefício fiscal sem a verificação do preenchimento dos seus factos constitutivos violaria o princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2 da Constituição), solução que se repudia.

 

                Acresce salientar que a conceção da Requerente sobre os vícios da decisão da Reclamação Graciosa não se conforma com o âmbito material da jurisdição arbitral, que não visa a apreciação dos vícios próprios dos atos de segundo (ou terceiro) grau, mas do ato tributário que lhe subjaz.

 

                Interessa relembrar que o processo arbitral tributário se assumiu como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, pelo que o âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

 

                Em rigor, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações e recursos. Assim, ao apreciar o indeferimento de uma reclamação graciosa que manteve, no todo ou em parte, uma (auto)liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação, em relação à qual aquele indeferimento se apresenta como ato de segundo grau (neste sentido, vejam-se, a título de exemplo, as Decisões Arbitrais dos processos do CAAD n.º 336/2018-T, de 26 de junho de 2019, e n.º 57/2017, de 25 de agosto de 2017).

 

                O facto de a Reclamação Graciosa ter por objeto a liquidação impugnada é que lhe confere o carácter de ato de segundo grau, face ao ato primário da liquidação. E por isso a reação ao ato de segundo grau implica que é o ato primário que se pretende impugnar ainda.

 

                 “Como explica CARLA CASTELO TRINDADE , «não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, estes actos de indeferimento só poderão ser «trazidos» para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral.». Ou seja, «O objecto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objecto da sua acção arbitral este (o acto de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do acto de primeiro grau.»” (Decisão Arbitral no processo do CAAD n.º 57/2017-T, de 25 de agosto de 2017).

 

                O artigo 10.º do RJAT não confere aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo (ou terceiro) grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses actos de segundo (ou terceiro) grau, mas a materialidade do litígio reporta-se a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar.

 

                Desta forma, o que se impõe a este Tribunal Arbitral apreciar e decidir é a legalidade (parcial) da autoliquidação de IRC impugnada, para o que tem de aquilatar se estão reunidos os factos constitutivos (cumulativos) do benefício fiscal do RFAI por forma a concluir, em caso afirmativo, pela invalidade do ato de liquidação de IRC que não contemplou a sua dedução à coleta, ou, no caso de faltar algum requisito, pela manutenção de tal ato de liquidação na ordem jurídica.

                A restrição dos poderes de cognição do julgador a apenas um dos requisitos do RFAI [aquele que a AT considerou não cumprido], como parece preconizar a Requerente, teria como efeito a improcedência do pedido, por não ser possível aferir das demais condições legais, e não, como também parece sugerir a Requerente, uma “automática” aplicação do benefício, tese que não se segue em nenhuma das suas manifestações.

 

4.            OS REQUISITOS DO RFAI – ANÁLISE CONCRETA

 

                O RFAI constitui um auxílio de Estado com finalidade regional  materializado num benefício fiscal ao investimento em activos fixos tangíveis e activos fixos intangíveis, adquiridos por sujeitos passivos de IRC que exerçam atividade em determinados setores, nos quais se inclui o da Requerente (indústria transformadora), e que preencham cumulativamente um conjunto de condições enunciadas no artigo 22.º do CFI, diploma aprovado pelo Decreto-lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, que dispõe nos seguintes termos:

 

“Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

                1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

                2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

                a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

                i)             Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;

                ii)            Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;

                iii)           Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

                iv)           Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

                v)            Equipamentos sociais;

                vi)           Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;

                b)           Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

                3 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, as aplicações relevantes a que se refere a alínea b) do número anterior não podem exceder 50 % das aplicações relevantes.

                4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a)            Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

b)           O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

c)            Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;

d)           Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e)           Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;

f)            Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

                5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

                6 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.

                7 - Nas regiões elegíveis para auxílios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constantes da tabela do artigo 43.º, no caso de empresas que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, apenas podem beneficiar do RFAI os investimentos que respeitem a uma nova atividade económica, ou seja, a um investimento em ativos fixos tangíveis e intangíveis relacionados com a criação de um novo estabelecimento, ou com a diversificação da atividade de um estabelecimento, na condição de a nova atividade não ser a mesma ou uma atividade semelhante à anteriormente exercida no estabelecimento.”

 

                Neste âmbito, a Requerida considera, desde logo, incumprida, a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, por não se ter mantido o aumento líquido do número total de trabalhadores a contrato sem termo no ano subsequente ao investimento (2015). Por seu turno, a Requerente, embora não conteste a redução global do número de trabalhadores, defende que este critério comparativo não tem suporte legal, pois a comparação deve ser feita por referência aos postos de trabalho especificamente criados pelo investimento realizado, sendo irrelevante que o número total de trabalhadores tenha diminuído. No tocante aos cinco postos de trabalho que afirma terem sido criados em consequência do investimento efetuado, os trabalhadores encontram-se ao seu serviço, concluindo que os mesmos estão salvaguardados.

 

                Constituindo o RFAI uma medida excecional de fomento à empregabilidade e de incremento do rendimento per capita das regiões desfavorecidas, no quadro de direito europeu acima assinalado, a aferição da criação e manutenção dos postos de trabalho reclamados pela alínea f) em análise deve ser efetiva, ao nível da entidade que aufere o benefício, pelo que se afigura que a comparação há-de ser feita nos moldes preconizados pela Requerida, i.e., globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de postos de trabalho, pressuposto que, segundo entendemos, deve ser incremental. Aliás, a condição que a lei impõe de criação incremental de postos de trabalho no ano do investimento (2014) é medida em função do número global de trabalhadores da entidade, a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, não havendo razão para adotar critério distinto em relação à manutenção dos postos de trabalho nos anos subsequentes.

 

                De qualquer forma, ainda que prevalecesse a interpretação da Requerente, esta não logrou demonstrar que os postos de trabalho dos cinco trabalhadores que identificou em fase contenciosa (sem que, assinale-se, o tivesse feito no procedimento de reclamação graciosa), foram criados na sequência, ou em razão, do investimento elegível para o RFAI.

 

                Com efeito, resulta da citada alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, invocada na fundamentação da decisão da Reclamação Graciosa, que é condição necessária que os sujeitos passivos efetuem “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”.

 

                A Requerente limitou-se a juntar (à Reclamação Graciosa) um contrato e uma lista de elementos do ativo adquiridos nesse ano [2014], sem ter estabelecido qualquer elo de ligação entre o investimento e os trabalhadores cujos postos de trabalho alega terem sido criados. Ficou, pois, por demonstrar um pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, o que se refere ao nexo de causalidade entre a realização de investimentos com relevância e elegíveis para o benefício do RFAI em 2014 e a criação dos postos de trabalho dos cinco colaboradores identificados, cujos contratos a termo se converteram em contratos sem termo nesse mesmo ano, bem como a sua manutenção até ao final do período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento.

 

                À face do exposto, improcede o pedido da Requerente, mantendo-se a autoliquidação de IRC parcialmente impugnada, por não enfermar do vício material de erro nos pressupostos que lhe foi imputado.

 

5.            JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

                O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da verificação de erro imputável aos Serviços, do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

 

                Tendo-se concluído pela validade do ato de (auto)liquidação de IRC parcialmente impugnado, não se encontram reunidos os pressupostos subjacentes à constituição da obrigação de juros indemnizatórios, a saber: o pagamento de uma prestação superior à devida e o erro imputável aos Serviços. Improcede desta forma o pedido dependente de juros indemnizatórios.

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

V.           DECISÃO

 

                De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido arbitral e, em consequência, manter na ordem jurídica a autoliquidação de IRC parcialmente impugnada, referente ao exercício de 2014, com as legais consequências, nomeadamente de improcedência do pedido dependente de juros indemnizatórios.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 383.041,63 correspondente ao valor da (auto)liquidação de IRC parcialmente impugnado, expurgado da importância anulada pela AT antes da constituição do Tribunal Arbitral, com os fundamentos supra indicados na secção IV.2.

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 6.426,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

João Taborda da Gama

A. Sérgio de Matos