Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2018-T
Data da decisão: 2019-11-27  IRC  
Valor do pedido: € 443.569,63
Tema: IRC – Dedução de encargos financeiros; Exceção de incompetência em razão da matéria.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (Presidente), Dr. Hélder Faustino e Prof. Doutor Pedro Soares Martínez (Árbitros-Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 4 de outubro de 2018, a A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., ...-... ... (doravante Requerente), sociedade dominante do Grupo B... à data dos factos, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. Pretende a Requerente a pronúncia deste Tribunal sobre:

- A invocada ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2014, na parte que desconsidera a dedução de encargos financeiros no valor de € 1.928.563,63;

- A ilegalidade suscitada em relação à própria autoliquidação de IRC, na parte em que esta reflete a não dedução fiscal dos referidos encargos financeiros no citado montante, ao qual corresponde IRC indevidamente liquidado no valor de € 443.569,63;

- A anulação parcial de tais atos e, bem assim, da consequente dedução em excesso e reporte em défice para os exercícios seguintes de pagamento especial por conta (PEC) e benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta, nos montantes de € 93.431,08 e € 350.105,29, respetivamente, perfazendo de € 443.536,37, com o consequente apuramento de imposto a pagar na autoliquidação da declaração Modelo 22 de IRC de 2014 (RETGS) e pagamento em excesso, no montante de € 33,26;

- A condenação da AT no reembolso do montante de € 33,26 suportado pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

4. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 12 de outubro de 2018.

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

6. Em 27 de novembro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

7. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17 de dezembro de 2018.

8. No pedido Arbitral, no essencial, a Requerente alega que:

a)            À luz da lógica e espírito que animam o normativo do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), lógica que por sua vez se infere do próprio texto legal e, bem assim, do Relatório da Lei do Orçamento do Estado para 2013, sendo definitiva a conclusão de que à venda das partes de capital não será suscetível de aplicação o disposto na norma em apreço, é de corrigir o afastamento que foi feito da dedução dos encargos financeiros.

b)           É o que resulta da interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, tendo em conta o seu texto e finalidade normativa.

c)            E é isso que aconselha, igualmente, o princípio da justiça, ao qual está sujeita a AT na sua tarefa de interpretar e aplicar leis: “[a] Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.” [artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e também o artigo 8.º da LGT]. 

d)           Este foi o entendimento que a AT fixou em orientações genéricas, a primeira das quais constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC, designadamente do seu ponto 6: “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

e)           Como notou o acórdão arbitral proferido no processo n.º 645/2017-T, “[p]or este ponto 6, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF como constituindo um regime aplicável globalmente, estando a aplicação da regra da não dedutibilidade dos encargos dependente da aplicação da não dedutibilidade [rectius, aplicação da isenção] de mais-valias (naquele ponto da Circular n.º 7/2004, a Autoridade Tributária e Aduaneira não faz referência às menos-valias). (...) Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá́ dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações», tem de se concluir, definitivamente, que o regime do artigo 32.º, n.º 2 não poderá ser aplicado.”.

f)            Igualmente, na ficha doutrinária publicada no Portal das Finanças contendo o teor prescritivo do despacho de 24 de fevereiro de 2011 do Director-Geral dos Impostos, exarado no Processo n.º 39/2011, prescreveu-se que passando as partes de capital de uma SGPS a ser valorizadas ao justo valor, deixou de ser aplicável o regime previsto no artigo 32.°, n. ° 2 do EBF, pelo que “os encargos financeiros que não foram aceites como gastos em períodos anteriores, passam a ser dedutíveis, nos termos gerais, para efeitos de determinação do lucro tributável”.

g)            Ou seja, também a AT manda aplicar a prescrição do n.º 6 da Circular n.º 7/2004 nas situações em que é possível concluir, antes da alienação, que o normativo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF não será aplicado.

h)           Esta última orientação publicada sobre o tema constitui mais uma confirmação de que também a AT entende que quando deixe de se aplicar o normativo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, por aparecimento de nova lei que o afasta (naquele caso, cessação de vigência do normativo em causa com respeito às partes de capital mensuradas pelo justo valor), há então que recuperar a dedução dos encargos financeiros que havia sido afastada cautelarmente no passado, relativamente às partes de capital com respeito às quais cessou a aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

i)             Esta é uma situação igual à dos autos em apreço: também aqui cessou a aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF. Logo, conforme as instruções publicadas da própria AT, há o direito de corrigir a indedutibilidade que foi sendo cautelarmente aplicada, recuperando-se a dedução dos encargos financeiros das partes de capital ainda sobreviventes à data.

j)             Acresce que “[a] administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.” [artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT].

k)            E o artigo 10.º do CPA manda observar os ditames da boa-fé na relação da AT com os contribuintes.

l)             Como concluiu o acórdão arbitral proferido no processo n.º 645/2017, a propósito das orientações genéricas da AT, “adquirida num determinado exercício, por ter sido revogado o regime legal, a certeza de que não se verificarão «todos os requisitos para aplicação daquele regime», a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada a aplicar a estatuição que anunciou na parte final daquele ponto 6: «proceder-se-á́, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».”.

m)          Mais crê que é inconstitucional a interpretação pretendida pela AT nos presentes autos, da norma constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF na numeração vigente em 31 de dezembro de 2013.

n)           E crê igualmente que a norma constante do artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT, na interpretação de que tendo a AT fixado numa primeira orientação genérica o entendimento de que a indedutibilidade fiscal dos encargos fiscais prevista no artigo 32.º, n.º 2 do EBF (na numeração vigente em 31 de dezembro de 2013; anteriormente, artigo 31.º) deve ser corrigida “caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime [de isenção de mais-valias, previsto no mesmo n.º 2]”, e mais tendo a AT prescrito em ficha doutrinária subsequente que é de aplicar esta solução em situação em que o citado artigo 32.º, n.º 2 do EBF cessou a sua aplicação com respeito a certas partes de capital, a AT estaria, ainda assim, dispensada da aplicação destes entendimentos em caso de cessação de aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança que se retira do artigo 2.º da Constituição (princípio do Estado de direito) e do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição (princípios da justiça e da boa-fé).

o)           Não procede a argumentação da AT de que porque sobreveio em 2014 o regime da participation exemption não haveria que corrigir a indedutibilidade dos encargos financeiros aqui em causa.

p)           Não estamos perante uma mesma norma sob roupagem (número de artigo e inserção sistemática) diferente, mas perante diferentes normas, substantivamente (e formalmente) falando: a do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que impõe (às SGPS) indedutibilidade de encargos financeiros com partes de capital e em contrapartida dá (às SGPS) isenção de mais-valias nas partes de capital; e a do artigo 51.º-C do Código do IRC que nenhum ónus de indedutibilidade de encargos financeiros com partes de capital impõe, e simplesmente exclui (para todos os sujeitos passivos de IRC) de tributação as mais-valias, verificadas determinadas condições.

q)           E dizer-se que haveria tal continuidade invocando-se para tanto os limites quantitativos à dedução de encargos financeiros em geral, previstos no artigo 67.º do Código do IRC, é outras das falácias usada pela AT: este limite geral quantitativo à dedução de encargos financeiros já existia antes da reforma do IRC de 2014, já existia quando ainda estava em vigor o artigo 32.º, n.º 2 do EBF, e nenhum regime de participation exemption existia ainda: a norma em referência do artigo 67.º do Código do IRC foi introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

r)            Coabitavam, pois, os dois regimes, pela razão simples de que operavam em planos distintos: no artigo 32.º, n.º 2 do EBF estipulava-se uma indedutibilidade total e específica para os encargos financeiros relativos à aquisição de partes de capital por SGPS cuja venda seja regida por essa norma; no artigo 67.º do Código do IRC estipulava-se (e ainda se estipula) um limite quantitativo global (máximo dedutível) para os encargos financeiros em geral e para os contribuintes em geral (incluindo/sem exclusão das SGPS).

s)            Não procede, igualmente, o argumento da AT relativamente à inexistência de norma transitória.

t)            Não carece de haver norma transitória pela razão simples que a correção da indedutibilidade dos encargos financeiros repousa no próprio no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, como têm entendido os Tribunais (incluindo o Constitucional) e as orientações genéricas da AT.

u)           Está em causa apenas a aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF a encargos financeiros suportados até 31 de dezembro de 2013.

v)            Está apenas em causa o fecho de contas da aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, com respeito a ocorrências pertencentes ao seu âmbito de competência temporal e material, como é evidente (encargos financeiros com partes de capital, suportados por SGPS até 31 de dezembro de 2013). Norma esta que, evidentemente também, já não regerá eventual alienação futura, pós 31 de dezembro de 2013, ou eventuais encargos financeiros futuros, suportados após aquela data, porque estes eventos sim, com esta pertença temporal, já estão fora do seu âmbito de competência temporal.

w)          Por esta mesma razão, nenhum choque há com o regime da participation exemption entrado em vigor em 1 de janeiro de 2014: estamos a falar de encargos financeiros suportados até 31 de dezembro de 2013.

x)            E muito embora o que se segue seja irrelevante (porque distintos são os âmbitos de competência temporal), o regime de participation exemption em termos do seu conteúdo normativo intemporalmente considerado, também não se opõe ao aqui peticionado, pela razão simples e radical de que nenhum afastamento de dedução prescreve com respeito a encargos financeiros.

y)            Nenhum problema há também com o princípio da especialização dos exercícios, ao contrário do que a AT tenta defender na sua contestação nestes autos.

z)            Se há um facto superveniente (v.g., verificação de impossibilidade de aplicar regime do artigo 32.º do EBF), é por referência ao exercício em que se dá esse facto superveniente (2014, no caso) que se hão-de reconhecer os efeitos desencadeados pelo mesmo, por força justamente do princípio da especialização dos exercícios, que se manteve o que é, e sempre foi, na transição de 2013 para 2014. Isto é que é respeitar o princípio da especialização dos exercícios.

aa)         Igualmente nenhum problema há de aplicação de lei no tempo: está em causa a aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF (a que se somam as orientações genéricas da AT) a encargos financeiros suportados até 31 de dezembro de 2013.

bb)         Em conclusão, entende a Requerente que para que o seu pedido proceda basta aplicar a lei, i.e., o artigo 32.º, n.º 2 do EBF na interpretação que dele foi feita anos a fio desde quase o seu início de vigência, a começar pela própria AT. Ou, subsidiariamente, basta aplicar o artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT.

9. No dia 1 de fevereiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, tendo suscitado a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, exceção que obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, com os seguintes fundamentos:

a)            Resulta do pedido final da Requerente: “Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do grupo fiscal B... relativa ao exercício de 2014, no que respeita ao montante em excesso da sua base tributável de € 1.928.563,63, com a sua consequente anulação nesta parte, e bem assim declarada a ilegalidade e anulada a colecta de imposto reflexa no montante de € 443.569,63, a dedução em excesso e o défice de reporte para os exercícios seguintes de PECs e benefícios fiscais na modalidade de dedução à colecta, nos montantes de € 93.431,08 e € 350.105,29, respectivamente, num total de € 443.536,37, e o apuramento de imposto a pagar e pagamento em excesso, no montante de € 33,26, atenta a manifesta ilegalidade da liquidação nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente com respeito ao exercício de 2014 deste montante de € 33,26, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 1 de setembro de 2015 até integral reembolso.”.

b)           Ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido, não pode ser conhecida no presente processo, porquanto tal pedido extravasa a competência do Tribunal Arbitral.

c)            É, pois, manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona a devolução do eventual imposto (pago pelo Grupo) correspondente à correção à matéria coletável que pretende ver relevada a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios) e na parte em que peticiona o reporte em défice para os exercícios seguintes, de pagamentos especiais por conta (PEC) e de benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta.

d)           Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

e)           Caso não se entenda resultar do disposto no artigo 2.º do RJAT, interpretando-o de forma diversa da aqui propugnada, sempre se dirá que tal interpretação será contrária à unidade da ordem jurídica e estará a violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, sub princípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efetiva, previstos, desde logo, nos artigos 13.º e 20.º da CRP. E, bem assim, tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade, o qual enforma toda a atividade administrativa, e o seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário.

f)            Com efeito, mormente sob pena de enriquecimento sem causa, a condenação da AT à consideração dos encargos indevidamente deduzidos, bem como ao reembolso das quantias indevidamente pagas e ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios não pode exceder os montantes ainda por deduzir e o imposto efetivamente pago pela Requerente.

10. Relativamente à exceção suscitada pela AT, a Requerente exerceu o contraditório, nos seguintes termos:

a)            No caso em apreço, a Requerente indicou em concreto o montante da autoliquidação que reputa de ilegal e a AT não contestou o cálculo em si, pelo que, caso o Tribunal Arbitral venha a dar razão à Requerente, inexiste qualquer necessidade de remeter para processo de execução de julgados a determinação exata do montante a anular.

b)           Acresce que tendo sido a arbitragem tributária pensada e criada como uma alternativa e substituto da impugnação judicial, ainda mais nenhuma razão há́ para desvios relativamente ao que pensam, sensata e ponderadamente, os nossos tribunais superiores, acerca dos poderes que lhes estão cometidos quando apreciam a legalidade de um ato tributário.

c)            Por outro lado, o poder de condenar no reembolso é uma exigência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, que se impõe na arbitragem tributária da mesma maneira que se impõe na impugnação judicial. Quem tem poderes/competência para anular imposto, tem necessariamente competência/poderes (ou a tutela não seria efetiva) para condenar no reembolso, mais ainda (ou por maioria de razão) do que tem competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios.

11. A defesa da AT, por impugnação, expressa na Resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

a)            Entende a AT que do teor da Circular n.º 7/2004 não resulta, desde logo, o pretendido pela Requerente, pois, a Circular reconduz esse momento à alienação das participações.

b)           Ora, o denominador comum às disposições transitórias constantes do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, é o de não prever qualquer regularização de gastos ou de rendimentos, de prejuízos ou de operações respeitantes a períodos de tributação com início anterior a 1 de janeiro de 2014.

c)            Por conseguinte, se o legislador não definiu qualquer regime transitório na Lei n.º 83-

C/2013, de 31 de dezembro, que revogou o artigo 32.º do EBF, nem na Lei n.º 2/2014, não pode tal regime ser concebido e aplicado, seja pela AT ou pelos contribuintes, sob pena de violação do princípio da legalidade.

d)           Mais se diga: a Circular n.º 7/2004 foi firmada no contexto e para efeitos da aplicação do regime especial das SGPS, tal como definido no artigo 32.º do EBF. Consequentemente esgotou-se com a revogação do mesmo regime.

e)           Ou seja, os requisitos a que aludia a Circular n.º 7/2004, cuja não verificação no momento da alienação, poderia reverter a não dedutibilidade dos encargos financeiros e a tributação (total ou parcial) das mais-valias, reconduziam-se, única e exclusivamente, aos previstos no próprio regime.

f)            Com a revogação do regime especial das SGPS pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, não se pode pretender que a Circular n.º 7/2014, que sobre este dispunha, se mantenha em vigor.

g)            Aliás, embora não esteja especificamente previsto no artigo 68.º-A da LGT, tal decorre das regras da aplicação da lei no tempo.

h)           Pelo que, também por este motivo, forçoso é concluir que não pode deduzir-se que a consequência automática da revogação do artigo 32.º do EBF seja a recaptura dos encargos financeiros não deduzidos e a respetiva dedução ao lucro tributável do exercício de 2014.

i)             Não dispõe de qualquer apoio legal o cenário sugerido pela Requerente quanto ao vertido na última parte do ponto 6 da Circular n.º 7/2004, respeitante à reversão dos acréscimos efetuados em exercícios anteriores quando se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificaram todos os requisitos para aplicação daquele regime, procedendo-se, nesse exercício, à sua reversão, pois, tal consequência decorria do próprio artigo 32.º do EBF, ou melhor, da inexistência da realidade tributária disciplinada pela norma.

j)             Tal era possível apenas e só porque aquele regime (artigo 32.º do EBF) vigorava no ordenamento jurídico, visando a instrução administrativa apenas disciplinar a sua aplicação.

k)            Mesmo que assim não fosse, face à lei, os procedimentos definidos pela AT (nomeadamente através de Circulares) não podem derrogar o princípio da legalidade tributária, estando os tribunais apenas sujeitos à lei, pelo que não os vincula qualquer orientação administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma.

l)             Em 2014, o referido regime especial de tributação das SGPS encontra-se revogado, existindo, por sua vez, um regime geral de participation exemption e um regime geral de limitação à dedutibilidade dos encargos de financiamento, sem qualquer discriminação entre SGPS e os demais sujeitos passivos de IRC.

m)          No entanto, entende a Requerente que a revogação fiscal do regime previsto no artigo 32.º do EBF vedou-lhe a possibilidade de beneficiar da exclusão de tributação das mais-

-valias prevista naquele regime, concluindo que esta alteração legislativa e a impossibilidade de dedução de tais encargos no ano de 2014 não se coaduna com o princípio constitucional da igualdade, da capacidade contributiva, proteção da confiança, tributação do rendimento real e da proporcionalidade.

n)           A Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, introduziu no nosso ordenamento jurídico o denominado regime de participation exemption, o qual, no tocante às mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa, expandiu o “método da isenção” anteriormente aplicável às SGPS e previsto no artigo 32.º do EBF a todos os sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade comercial industrial ou agrícola, desde que cumpridos todos os pressupostos de aplicação estabelecidos no artigo 51.º-C do Código do IRC.

o)           O início do regime de participation exemption determinou assim a revogação do regime fiscal das SGPS (cfr. artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), em virtude de o mesmo ter passado a abranger todas as sociedades independentemente da natureza jurídica que apresentem.

p)           No tocante aos encargos financeiros que se encontravam limitados quanto à sua dedutibilidade na previsão legal do artigo 32.º do EBF, na reforma do IRC, por uma questão de simplicidade o legislador optou por reforçar a restrição à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC, evitando, assim, a criação de mais regras especiais limitativas da respetiva dedutibilidade.

q)           Ou seja, para a globalidade dos sujeitos passivos de IRC, a partir de 1 de janeiro de 2014, os encargos financeiros podem ser gastos fiscais desde que cumpridos os requisitos exigidos nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC.

r)            Por outro lado, com a revogação do artigo 32.º do EBF, não foi introduzida qualquer norma transitória que previsse a possibilidade de dedução dos encargos financeiros anteriormente acrescidos pelas SGPS.

s)            Contudo, contrariamente ao pugnado pela Requerente, não é impossível desde 2014 que com a alienação das participações detidas pelas SGPS as respetivas mais-valias beneficiem da exclusão de tributação.

t)            Com efeito, o novo regime de participation exemption continua a preservar a possibilidade da efetiva e futura realização de mais-valias, em moldes idênticos, aos antes previstos para as SGPS no artigo 32.º do EBF.

u)           Efetivamente, para as SGPS, o artigo 51.º-C do Código do IRC apresenta-se como uma modificação legislativa num contexto normativo mais amplo, revelando-se, para estas sociedades, um processo evolutivo contínuo relativamente ao que antes se processava, quer ao nível da transmissão de partes sociais, quer ao nível do tratamento dos encargos financeiros suportados com as referidas partes sociais.

v)            Ou seja, não é verdade que tenham cessado de forma permanente a possibilidade de usufruir da exclusão de tributação dos resultados apurados por estas sociedades com a alienação de partes de capital.

w)          Isto porque, em substância, para as SGPS, no período de tributação de 2014 e seguintes, mantêm-se os princípios e os fundamentos do então artigo 32.º do EBF, mas agora noutro normativo legal, o artigo 51.º-C do Código do IRC, o qual se apresenta como uma lei nova para os outros sujeitos passivos de IRC, mas não propriamente para as SGPS que já usufruíam das vantagens fiscais agora definidas no citado artigo 51.º-C.

x)            Em conclusão, a revogação do regime especial de tributação das SGPS e a sua abrangência pelo regime da participation exemption, que confere maiores vantagens fiscais, visou a prossecução do interesse público de atração de investidores e de reforço do tecido empresarial, pelo que não está em causa segurança jurídica articulada com o princípio da tutela da confiança ou sequer o princípio da igualdade.

12. Em 4 de fevereiro de 2019, a AT procedeu à junção do processo administrativo (PA).

13. Por despacho de 5 de fevereiro de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixada a data limite para a prolação da decisão arbitral, a qual foi prorrogada por despachos de 14 de junho de 2019 e 18 de julho de 2019.

14. As Partes apresentaram alegacões escritas, nas quais mantiveram as suas posições.

 

II – SANEADOR

 

§1. Incompetência (Parcial) do Tribunal Arbitral

 

15. A AT suscita a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral relativamente à parte em que a Requerente apura e peticiona a devolução do eventual imposto (pago pelo Grupo B...) correspondente à correção à matéria coletável que pretende ver relevada a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios) e na parte em que peticiona o reporte em défice para os exercícios seguintes, de pagamentos especiais por conta (PEC) e de benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta, por considerar que esse pedido não se enquadra na competência do Tribunal Arbitral tal como se encontra definida no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT.

16. Na petição inicial, a Requerente deixa claro que a sua pretensão tem por objeto o ato de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2014, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato. Contudo, na formulação do pedido, a Requerente pretende não apenas a anulação parcial do ato de autoliquidação e do despacho de indeferimento da reclamação, mas também “(...) o reporte em défice para os exercícios seguintes de pagamento especial por conta (PEC) e benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta, nos montante de € 93.431,08 e € 350.105,29, respetivamente, com o consequente apuramento de imposto a pagar na autoliquidação da declaração Modelo 22 de IRC de 2014 (RETGS) e pagamento em excesso, no montante de € 33,26 (...)”, e o respetivo reembolso acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT.

17. Com efeito, a competência dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos das referidas alíneas a) e b) do RJAT, constituindo um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido de substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (cfr. artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

18. Essa é a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de atos administrativos (cfr. artigos 173.º e 179.º do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 146.º, n.º 1 do CPPT), que se torna extensivo, nos exatos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da AT ou a requerimento do particular (cfr. artigo 172.º do CPA).

19. No caso em apreço, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto pago em excesso, pedido este meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade do ato tributário impugnado, não assumindo, pois, a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de ato devido ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do Tribunal Arbitral.

20. Nada obsta, também, a que o Tribunal Arbitral profira condenação, se for o caso, no pagamento de juros indemnizatórios.

21. Já não será assim, porém, no que diz respeito à parte em que a Requerente apura e peticiona a devolução do eventual imposto (pago pelo Grupo B...) correspondente à correção à matéria coletável que pretende ver relevada a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios) e à parte em que peticiona o reporte em défice para os exercícios seguintes, de pagamentos especiais por conta (PEC) e de benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta.

22. Com efeito, inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no artigo 2.º do RJAT, ainda que constituam consequência, a nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.

23. Termos em que se considera parcialmente procedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, invocada pela AT, declarando-se, em consequência, o Tribunal Arbitral absolutamente incompetente para conhecer da parte (transcrita acima) do pedido formulado pela Requerente, com a consequente absolvição parcial da instância em relação à AT, à face do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea a) do CPTA e dos artigos 278.º e 577.º do Código de Processo Civil (CPC), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 

§2. Demais Pressupostos Processuais

 

24. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é parcialmente competente em razão da matéria para conhecer da ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do ato de autoliquidação de IRC sobre o qual aquele recaiu. Inserem-se, de igual modo, na competência deste Tribunal Arbitral os pedidos dependentes de condenação da AT à restituição do imposto pago em excesso e ao pagamento de juros indemnizatórios (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

25. Contudo, como acabou de se concluir supra, o Tribunal é, e declara-se, incompetente para conhecer do “reporte em défice para os exercícios seguintes de pagamento especial por conta (PEC) e benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta, nos montantes de € 93.431,08 e € 350.105,29, respetivamente, com o consequente apuramento de imposto a pagar na autoliquidação da declaração Modelo 22 de IRC de 2014 (RETGS) e pagamento em excesso, no montante de € 33,26”, independentemente de tal ser devido em sede de execução do presente julgado, devendo a Requerida ser absolvida da instância nessa parte.

26. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

27. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

28. O processo não enferma de nulidades.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

 

29. Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B..., o qual se encontra abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC – cfr. documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).

b)           Nos períodos de tributação compreendidos entre 2009 e 2013, a Requerente e a sociedade integrante do Grupo Fiscal C..., S.G.P.S., S.A. acresceram os encargos financeiros (ou seja, afastaram a dedução fiscal) que por força da Circular n.º 7/2004, foram imputados à aquisição de partes de capital, nos montantes de € 1.531.737,10 e € 540.879,95, respetivamente – cfr. documentos 8 a 18 juntos com o ppa.

c)            Do montante de € 1.531.737,10 relativo à Requerente, € 144.053,42 respeitam a uma sociedade que já não era detida em 31 de dezembro de 2013 (a D... SGPS, S.A.), pelo que o total de encargos financeiros relevantes não deduzidos na esfera da Requerente se cifra em € 1.387.683,68 (€ 1.531.737,10 – € 144.053,42), importância que, adicionada dos encargos da C..., perfaz o valor total de € 1.928.563,63 (€ 1.387.683,68 + € 540.879,95) – cfr. documento 17 junto com o ppa.

d)           O Grupo B..., em 2014, era composto pela Requerente e pelas seguintes sociedades – cfr. documento 1 junto com o ppa:

             C..., S.G.P.S., S.A. (NIPC:...);

             E..., S.A. (NIPC:...);

             F..., Lda. (NIPC:...);

             G..., Lda. (NIPC:...);

             H..., S.A. (NIPC:...);

             I..., S.A. (NIPC:...);

             J..., S.A. (NIPC:...);

             K..., Lda. (NIPC:...);

             L..., S.A. (NIPC:...);

             M..., Lda. (NIPC:...);

             N...–, Lda. (NIPC:...);

             O..., Lda. (NIPC:...);

             P..., Lda. (NIPC:...);

             Q..., S.A. (NIPC:...);

             R..., Lda. (NIPC:...).

e)           No dia 29 de maio de 2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 do Grupo B..., respeitante ao exercício de 2014, a qual foi substituída por uma declaração entregue em 27 de maio de 2016, o que originou a emissão da liquidação n.º 2016... – cfr. documentos 2 e 3 juntos com o ppa.

f)            Nesta declaração Modelo 22 (exercício de 2014), a Requerente não deduziu ao lucro tributável do Grupo a importância de € 1.928.563,63 em encargos financeiros relativos a partes de capital suportados por si e pela sociedade C... SGPS, integrante do grupo, ainda detida a 31 de dezembro de 2013, que nos exercícios anteriores tinham ficado por deduzir ao lucro tributável ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, em conjugação com a Circular n.º 7/2014 da DSIRC – cfr. documentos 2, 3, 7 e 8 a 18 juntos com o ppa.

g)            Nessa declaração Modelo 22 (exercício de 2014), a Requerente apurou a coleta bruta de IRC de € 443.569,63 – cfr. documentos 2 e 3 juntos com o ppa. 

h)           No dia 29 de maio de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação do exercício de 2014, sustentando que lhe assiste o direito à dedução à matéria coletável do montante de € 1.928.563,63, no exercício de 2014, respeitante aos encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais e acrescidos, nos termos do artigo 32.º do EBF, nos períodos de tributação de 2009 a 2013 – cfr. documentos 4 e 5 juntos com o ppa.

i)             A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor adjunto de Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de delegação de competências, datado de 28 de junho de 2018, decisão que motivou a apresentação pela Requerente do presente pedido de pronúncia arbitral – cfr. documento 5 junto com o ppa.

 

§2. Factos não provados

 

30. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam factos não provados, sendo a matéria em litígio estritamente de direito.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

31. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

32. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III-2. DE DIREITO

 

§1. Dedutibilidade dos encargos financeiros por efeito da revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF

 

33. A Requerente pretende que por efeito da revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, possam ser deduzidos, para efeitos do apuramento do lucro tributável de 2014, os encargos financeiros suportados em períodos de tributação anteriores, relativos à aquisição de participações que, em 31 de dezembro de 2013, permaneciam na sua titularidade.

34. E assenta esse entendimento na circunstância de a referida disposição do EBF ter instituído uma exclusão de tributação das mais-valias obtidas por sociedades gestoras de participações sociais, relativamente a partes de capital de que fossem titulares, que tinha como contrapartida direta a não dedutibilidade dos encargos financeiros que se encontrassem associados, pelo que a eliminação desse benefício fiscal deverá determinar a dedutibilidade dos encargos financeiros relativos a participações que não foram transmitidas na vigência do artigo 32.º do EBF e, consequentemente, não deram origem a qualquer mais ou menos-valia que pudessem ser excluídas de tributação.

35. E esse critério, entende a Requerente, encontra apoio no n.º 6 da Circular n.º 7/2004, que aponta para a possibilidade de ser revertido o princípio da não dedutibilidade dos encargos financeiros quando se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para a aplicação do benefícios fiscal.

36. A AT defende, em contraposição, que a não dedutibilidade de encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital pelas sociedades gestoras de participações sociais é uma medida legislativa autónoma em relação à que estabelece que as mais e menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável e, por outro lado, a revogação do artigo 32.º do EBF apenas coloca um problema de sucessão de leis no tempo que deverá ser resolvido do seguinte modo: aos encargos financeiros acrescidos ocorridos no âmbito da aplicação temporal do regime fiscal da SGPS é-lhes aplicável o regime previsto no artigo 32.º do EBF; os encargos financeiros vencidos a partir de 1 de janeiro de 2014 passam a ser dedutíveis nas condições do artigo 23.º do Código do IRC, estando apenas limitados pelo disposto no artigo 67.º do Código do IRC; e, relativamente às mais ou menos-valias de sociedades gestoras de participações sociais, é-lhes aplicável o regime de participation exemption previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC.

37. Antes de mais, interessa assinalar que a questão em apreço não tem sido objeto de entendimento uniforme na jurisprudência arbitral.

38. No acórdão arbitral proferido no processo n.º 285/2017-T, partindo do princípio que o regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF constitui um benefício fiscal condicionado, que tinha como contrapartida a regra da não dedutibilidade dos encargos financeiros, considerou-se que a revogação da disposição desacompanhada de qualquer regra de direito transitório, implicando a manutenção do regime especial de não dedutibilidade dos encargos financeiros e a concomitante perda do benefício fiscal, deixa as sociedades gestoras de participações sociais em posição de injustificado desfavorecimento face à generalidade das sociedades, violando o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva.

39. No acórdão arbitral proferido no processo n.º 645/2017-T, em situação similar, julgou-se procedente o pedido arbitral com base na inobservância pela AT do estabelecido no ponto 6 da Circular n.º 7/2004. Refere-se a esse propósito o seguinte:

“(...) À face deste entendimento publicitado no ponto 6 da referida Circular, vinculativo para a Autoridade Tributária e Aduaneira, a desconsideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital estava condicionada à verificação dos requisitos para aplicação deste regime de não concurso das mais-valias realizadas para formação do lucro tributável: se se visse a constatar, «no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

No pressuposto, adotado na referida Circular, a desvantagem fiscal que constitui a desconsideração dos encargos financeiros está condicionada à obtenção do ulterior benefício fiscal que constitui a não tributação de mais-valias. Esta vantagem fiscal será uma contrapartida da desvantagem que constitui a não consideração dos encargos financeiros, pelo que tem de se concluir que, na perspetiva da referida Circular, a impossibilidade de vir a ser aplicado um regime privilegiado a nível da alienação será justificação para que seja eliminada a desvantagem referida.

Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações», tem de se concluir, definitivamente, que o regime do artigo 32.º, n.º 2, não poderá ser aplicado.

E, adquirida num determinado exercício, por ter sido revogado o regime legal, a certeza de que não se verificarão «todos os requisitos para aplicação daquele regime», a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada a aplicar a estatuição que anunciou na parte final daquele ponto 6: «proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».”

40. Esse mesmo princípio foi adotado no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 754/2016-T, ainda que, neste caso, com fundamento no facto de o sujeito passivo ter deixado de constituir uma sociedade gestora de participações sociais em 2013 e não ter podido beneficiar, por essa razão, do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, circunstância que seria o motivo determinante, à luz do ponto 6 da Circular n.º 7/2004, para considerar como gastos do exercício os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais nos períodos de tributação anteriores.

41. Já em sentido oposto, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 610-2017-T, seguido pelo acórdão arbitral tirado no Processo n.º 377/2018-T, considera que a situação do caso não se enquadra na previsão do n.º 6 da Circular n.º 7/2004, porquanto a revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF não pode entender-se como equiparável à falta de preenchimento dos requisitos para a aplicação do regime definido nesse normativo, quando este estava ainda em vigor. Além de que a Circular n.º 7/2004, ainda que possua eficácia vinculativa para a AT, pelo seu caráter de ato regulamentar interno, não vincula os tribunais, que terão de aferir da legalidade da atuação administrativa em função das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto. Acresce que a revogação do disposto no artigo 32.º do EBF teve como contrapartida a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, de onde resulta que as SGPS passam a beneficiar da não sujeição a tributação de mais e menos-valias de participações sociais e a deduzir os encargos financeiros nos termos gerais dos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC.  E, nesse sentido, a sucessão dos regimes legais não afronta o princípio da igualdade ou da proteção da confiança.

42. Com efeito, entende este Tribunal Arbitral que não pode deixar de conceder-se prevalência ao entendimento preconizado nestes últimos acórdãos arbitrais.

43. O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) e depois renumerado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de julho, como artigo 32.º, dispunha o seguinte:

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

44. O preceito foi depois objeto de diversas alterações sem reflexo no conteúdo normativo desse n.º 2, que veio a ser revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).

45. Tem, ainda, relevo considerar o n.º 6 da Circular n.º 7/2004 que dispunha nos seguintes termos:

“Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com as aquisições de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

46. Como tem sido entendido, o regime de isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de 1 (um) ano, previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, encontra-se associado ao regime de desconsideração da dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos de natureza financeira diretamente relacionados com a aquisição das participações sociais.

47. Isso é explicitado no relatório do Orçamento do Estado para 2003, em que se faz expressa referência a esse aspeto do regime fiscal, “(...) a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos da determinação do lucro tributável dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS”.

48. Como se esclarece no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 610-2017-T, com apoio na doutrina e na jurisprudência arbitral, a medida legislativa encontra-se justificada nos seguintes termos:

“Por outras palavras, o objetivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um beneficio – a exclusão total de tributação das mais-valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados ativos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.

No fundo o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios: as SGPS já viam as suas mais-valias de partes sociais isentas de imposto; pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.”

49. Por sua vez, a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, deve ser entendida à luz das considerações formuladas no relatório da Comissão de Reforma do IRC (concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), em que se afirma a propósito especificamente do regime de participation exemption o seguinte: 

“Numa preocupação de escopo diametralmente oposto, a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes:

(...)

c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que se já extinto o regime jurídico-societário destas entidades hoje previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

(...)

A criação de um regime de participation exemption, justificada neste relatório no respetivo Capítulo f., traduzir-se-á na transposição para o Código do IRC de um modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades.

Acresce que é entendimento da Comissão que a eliminação deste regime não se traduziria na captação de um montante equivalente de receita fiscal, na medida em que, na sua ausência, um numero elevado das operações que dele beneficiam não seriam concretizadas, ou o seriam por vias que, usando configurações alternativas, produziram resultados idênticos.

(...)”

50. O regime de participation exemption foi, entretanto, concretizado pelo artigo 51.º-C do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que institui para todas as sociedades (independentemente de se tratar de sociedades gestoras de participações sociais) um regime de isenção de IRC relativamente às mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais (dentro do condicionalismo aí previsto). Por outro lado, manteve-se o regime geral de dedutibilidade dos encargos financeiros nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, com as limitações constantes do artigo 67.º do Código do IRC.

51. Ora, a revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, ainda que não acompanhada de qualquer disposição de direito transitório material, determinou que as sociedades gestoras de participações sociais passassem a beneficiar de um regime de não sujeição a tributação de mais e menos-valias de participações sociais (cfr. artigo 51.º-C do Código do IRC) e de dedução de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais (cfr. artigos 23.º e 67.º do Código do IRC).

52. Com efeito, no domínio do regime definido no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, às SGPS apenas era permitido, no momento da alienação das participações sociais, deduzir os encargos com a aquisição dessas participações sociais quando não pudesse ser obtida a vantagem traduzida na isenção de mais-valias. Enquanto que a Requerente pretende deduzir os encargos incorridos com a aquisição de partes sociais, com base na ideia de que a revogação do regime jurídico corresponde ao não preenchimento dos requisitos que implicavam a isenção da tributação de mais-valias que decorressem da alienação.

53. É patente que a aplicação do disposto na Circular n.º 7/2004, com a consequente possibilidade de dedução de encargos financeiros, tem como pressuposto a ocorrência de alienação de participações sociais e, bem assim, a revogação do regime legal não é equiparável ao não preenchimento dos requisitos de que dependia a isenção da tributação de mais-valias nos termos da referida Circular. O que sucede é que o regime constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF foi substituído por outro, pelo que a dedução dos encargos financeiros apenas pode ocorrer no quadro da nova disciplina legal e não por efeito da fictícia aplicação de uma Circular que visava esclarecer dúvidas interpretativas que pudessem ser suscitadas no âmbito do regime precedente.

54. Por outro lado, a eventual inobservância da orientação genérica contante da Circular nunca poderia determinar, de per si, a ilegalidade do ato tributário.

55. As Circulares, tendo em vista ditar regras de procedimento ou uniformizar a interpretação das normas legais ou regulamentares, caraterizam-se como regulamentos internos, emitidos no exercício de um poder de direção hierárquica, que se dirigem para o interior da própria organização administrativa, sem repercussão direta nas relações entre esta e os particulares. Só nos casos em que os regulamentos extravasem o seu caráter funcional e prescrevam disposições suscetíveis de interferir na relação de serviço existente entre a Administração e os funcionários ou de afetar os interesses de terceiros, é que adquirem eficácia externa e poderão ser objeto de impugnação contenciosa.

56. É, ainda, irrelevante que a AT se encontre vinculada às orientações genéricas constantes das Circulares (cfr. artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT). Essa vinculação constitui a necessária decorrência de se tratar de regulamentos que se destinam a uniformizar o entendimento dos serviços. Tratando-se de normas sem eficácia externa a sua inobservância pelos serviços apenas poderá produzir efeitos disciplinares e não tem qualquer consequência no plano da definição do direito.

57. É ao Tribunal que cabe dizer o direito à luz das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto, pelo que a ilegalidade do ato impugnado não pode resultar do incumprimento de uma orientação genérica, mas unicamente da violação da lei. Assim se compreendendo, de resto, que o próprio artigo 68.º-A da LGT, que confere vinculatividade às orientações genéricas, acabe por impor à AT o dever de rever essas orientações atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores (cfr. artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT).

Prosseguindo,

58. A solução legislativa também não contraria o princípio da capacidade contributiva, como corolário do princípio da igualdade, nem o princípio da proteção da confiança.

59. Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva tem sobretudo “a ideia de generalidade e universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispões de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” [cfr. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 151-152].

60. Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, comos e pode constatar, designadamente, no acórdão n.º 142/2004, “[o] princípio da capacidade contributiva, exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.”.

61. Ora, o reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará “a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo”.

62. O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de politica legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

63. Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de igual modo os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

64. Por seu lado, segundo a jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: i) a afetação de expetativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda ii) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecente (deve recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).

65. Ambos os critérios enunciados são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constituicional da “confiança” é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expetativas” de continuidade; depois devem tais expetativas ser legitimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

66. Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Contudo, a confiança aqui não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos formulados acima, a Constituição não lhe atribui proteção (cfr., entre outros, o acórdão n.º 287/90).

67. No caso em apreço, o legislador substituiu o regime contante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que implicava uma vantagem (isenção de mais-valias da alienação de participações sociais) e uma desvantagem (indedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais), por um outro critério que permite que as sociedades possam beneficiar não apenas da isenção de mais-valias como também da dedução dos encargos financeiros segundo o regime geral, o que se traduz num beneficio adicional relativamente ao regime anterior.

68. Conforme explicado no relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF para as sociedades gestoras de participações sociais foi determinada pela implementação do novo regime de participation exemption, que mantém, no essencial, as vantagens que o EBF concedia a este tipo de entidades, e foi ainda justificada pelo facto de o anterior regime fiscal previsto para as SGPS não ter atingido o objetivo originariamente previsto de facilitar o investimento fiscalmente competitivo no plano internacional.

69. A revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF assume-se, consequentemente, como uma medida de política legislativa justificada por razões de interesse público e teve em vista extinguir o regime especial aplicável às SPGS e substituí-lo por um regime mais favorável que se torna aplicável à generalidade das entidades empresariais.

70. Nesta medida, a Requerente, por efeito do novo regime fiscal, apenas pode deduzir os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais a partir de 1 de janeiro de 2014, ao passo que os encargos incorridos no âmbito do regime fiscal anteriormente previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF não eram dedutíveis e a isenção de tributação de mais-valias apenas poderia ocorrer quando se verificasse a alienação das participações sociais.

71. Não se vislumbra, em qualquer caso, em que termos é que a sucessão de leis no tempo afeta a generalidade e a uniformidade do imposto, de modo a poder considerar-se verificada a violação do princípio da capacidade contributiva. Além de que, manifestamente, não pode entender-se violado o princípio da igualdade tributária, na modalidade de proibição do arbítrio, quando o novo regime se encontra justificado por razoes de política legislativa com um fundamento material bastante.

72. Falha também, com um suficiente grau de evidência, a verificação de qualquer dos requisitos que poderia justificar a tutela jurídico-constitucional da “confiança”. Não se vê em que medida é que a criação de um regime fiscal especial para as sociedades gestoras de participações sociais havia de gerar nos beneficiários a expetativa fundada de continuidade do regime, de tal modo que os interessados tivessem deixado de proceder à alienação de participações sociais antes da entrada em vigor da nova lei, por terem acreditado que o beneficio fiscal de isenção de tributação relativo às mais-valias resultante da alienação nunca seria abolido ou sempre seria salvaguardado por uma lei posterior. Em todo o caso, a alteração legislativa encontra-se justificada em boas razões de interesse público, o que desde logo e por si só afasta a violação do princípio da proteção da confiança.

73. Termos em que se julga improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, relativo ao exercício de 2014.

74. De igual modo, improcedem os pedidos dependentes de reembolso do imposto e de juros indemnizatórios, cujo fundamento reside na ilegalidade e invalidade dos atos impugnados, condição que não se verificou.

 

§2. Questões prejudicadas

 

75. Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

V – DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar parcialmente procedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, com a consequente absolvição da Requerida da instância, na parte em que a Requerente peticiona a devolução do eventual imposto (pago pelo Grupo B...) correspondente à correção à matéria coletável que pretende ver relevada a seu favor (acrescida de juros indemnizatórios) e à parte em que peticiona o reporte em défice para os exercícios seguintes, de pagamentos especiais por conta e de benefícios fiscais na modalidade de dedução à coleta;

b)           No remanescente, julgar improcedente o pedido arbitral.

 

 

VI – VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 443.569,63 (quatrocentos e quarenta e três mil, quinhentos e sessenta e nove euros e sessenta e três cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em consonância com os artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1 do CPC (cfr. artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

 

VII – CUSTAS

 

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00 (sete mil e trinta e oito euros), a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de novembro de 2019

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

Alexandra Coelho Martins

(vencida, conforme declaração de voto junta)

 

Hélder Faustino

 

Pedro Soares Martínez

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencida em relação à questão de mérito porque, em primeiro lugar, considero que a indedutibilidade dos encargos financeiros associados a partes de capital prevista no artigo 32.º, n.º 2 do EBF (entretanto revogado) era condicionada ao regime de exclusão de tributação das mais-valias obtidas por SGPS.

 

Desta forma, deixando de vigorar a norma de exclusão da tributação (o citado artigo 32.º, n.º 2 do EBF), desapareceu a contrapartida da referida indedutibilidade, pelo que a mesma deve poder ser revertida, até porque, não o sendo, as SGPS ficariam em posição de injustificado desfavorecimento em relação às demais sociedades, sem que existam elementos hermenêuticos que permitam inferir que o legislador tenha pretendido tal diferenciação, num momento em que, pelo contrário, optou por fazer desaparecer um regime especial que era apenas aplicável às SGPS, passando a aplicar-lhes o regime geral, em moldes idênticos aos dos demais sujeitos passivos de IRC.

 

Por outro lado, em linha com as Decisões Arbitrais proferidas nos processos do CAAD n.º 645/2017-T, de 10 de março de 2018, e n.º 285/2017-T, de 24 de maio de 2018 , esta interpretação é consentânea com a apreensão que a AT fez do regime consagrado no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, na Circular n.º 7/2004, de 30 de março. Com efeito, a AT fez eco da assinalada correspetividade [entre não dedução dos encargos financeiros e exclusão de tributação das mais-valias] no n.º 6 da citada Circular, pelo que a aplicação da regra da não dedutibilidade dos encargos financeiros não pode deixar de se considerar dependente da exclusão das mais-valias do cômputo do lucro tributável.

 

Como fundamenta de forma ilustrativa a Decisão do processo n.º 645/2017-T:

 

“Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, embora, à face do referido regime previsto no EBF, as mais-valias só fossem desconsideradas para efeitos de formação do lucro tributável no exercício em que fossem realizadas, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deveriam ser desconsiderados como gastos (custos, na terminologia a redação do CIRC de 2009) no exercício em que os mesmos fossem suportados, acrescendo ao lucro tributável de cada um desses exercícios, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, que só era possível apurar no momento da realização.

Mas, como a aplicação deste regime especial dependia da verificação de condições a apurar posteriormente, a Administração Tributária adotava naquele n.º 6º da Circular n.º 7/2004 o entendimento de que «caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

Este entendimento foi julgado constitucionalmente admissível pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, que decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais-valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital».

A Requerente adotou a interpretação prevista neste ponto 6 da Circular n.º 7/2004, tendo desconsiderado nos exercícios de 2006 a 2009 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.”

 

                Dispunha a Circular que se, no momento da alienação das participações, se concluísse pela não verificação de todos os requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias, proceder-se-ia, “nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.

 

                Ora, com a revogação do mencionado regime antes do momento da alienação das participações, impõe-se concluir que o regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF deixa, em definitivo, de poder ser aplicado. É, pois, possível ter a certeza de que, com a revogação desta norma, não se verificarão “todos os requisitos para aplicação daquele regime [de exclusão das mais-valias de tributação]”, quando da alienação das partes sociais, com a consequente (auto)vinculação da AT à estatuição do n.º 6 da Circular n.º 7/2004, i.e., “à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.

 

                Em segundo lugar, discordo que seja irrelevante para a decisão que a AT se encontre adstrita às orientações genéricas constantes das Circulares (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT). É verdade que os órgãos jurisdicionais não estão vinculados, ao contrário da AT, aos entendimentos administrativos vertidos em normas regulamentares constantes de Circulares, que, para aqueles, não constituem critério de decisão, nem fonte de direito. No entanto, tal não significa, nem poderia significar, sob pena de esvaziamento de qualquer sentido útil do artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT e de desvio incomportável ao princípio da proteção da confiança, que, uma vez adotada determinada posição, por via de Circular emanada dos órgãos competentes da AT e publicitada, o contribuinte não possa dela prevalecer-se, incluindo perante o Tribunal.

 

                Sem questionar que é apenas a AT que fica vinculada às orientações genéricas constantes de Circulares e que, por conseguinte, estas não contêm normas com eficácia externa, afigura-se que o sujeito passivo “pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade”. Tal solução é retirada da prevalência do princípio da boa fé e da segurança jurídica e não pelo seu valor normativo, como salienta o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/2009, de 18 de novembro de 2009.

 

                Neste âmbito, considero a vinculação da AT ao teor da Circular n.º 7/2004 sindicável pelo contribuinte e conducente à conclusão de que é devida a reversão da não dedução dos encargos financeiros associados às partes de capital, contrária à que fez vencimento.

 

Lisboa, 27 de novembro de 2019

 

Alexandra Coelho Martins