Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 221/2019-T
Data da decisão: 2019-10-30  Selo  
Valor do pedido: € 53.751,90
Tema: IS (Verba 28.1 da TGIS) – Terreno para construção – Ano 2014.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1 - Relatório

1.1 – A..., titular do número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) ..., com sede no lugar da ..., freguesia de ..., concelho da ..., doravante designado por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28 de março de 2019, tem por objeto a declaração de ilegalidade da liquidação do imposto do selo (verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo – “TGIS”) com o n.º..., efetuada pela “AT” em 14 de dezembro de 2018, com referência ao ano de 2014, no montante 53 751,90 € (cinquenta e três mil, setecentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos).  

 

1.3 – A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.4 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 05 de abril de 2019.

 

1.5 – Por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Património, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 03 de maio de 2019, a liquidação impugnada foi parcialmente revogada, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, tendo sido corrigido o valor da mesma para 52 045,00 €.

 

1.6 – Notificada a Requerente do referido despacho, veio a mesma declarar, nos termos do n.º 2 do referido artigo 13.º do RJAT, que, pese embora a anulação parcial do ato tributário impugnado, mantém interesse no prosseguimento da lide.

 

1.7 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.8 - Em 23 de maio de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.9 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 14 de junho de 2019.

 

1.10 - A AT foi notificada por despacho arbitral desta data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.11 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.12 - Em 11 de julho de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, parcialmente revogado, com a consequente absolvição do pedido.

 

1.13 - Na mesma data juntou aos autos alguns documentos relacionados com a matéria controvertida.

 

1.14 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental já junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 11 de julho de 2019, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas e simultâneas, a apresentar pelas Partes, querendo, no prazo de 10 dias.

 

1.15 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

               

1.16 – As Partes optaram por não alegar.

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que desenvolve a sua atividade principal no setor da construção civil e desenvolvimento imobiliário, sendo proprietária, em 31 de dezembro de 2014, de um prédio rústico afeto à cultura (arvense de regadio) inscrito na matriz da freguesia do ..., concelho da ..., sob o artigo ... .

Nesse ano tinha uma dívida a uma instituição bancária que pretendia saldar através da dação em cumprimento do referido prédio, tendo formulado à Câmara Municipal da ..., em 31-07-2014, por exigência da entidade credora, um pedido de informação prévia “PIP” que foi aceite, através de informação prévia favorável de loteamento, tendo a Câmara Municipal da ... referido que, para execução das obras de edificação, o procedimento adequado seria o licenciamento administrativo/comunicação prévia.

Porém a Requerente nunca procedeu ao licenciamento ou comunicação prévia e em 12-03-2015 a referida dívida foi extinta mediante a dação em cumprimento do citado prédio.

Em junho de 2018 foi notificada pelo Serviço de Finanças para apresentar a declaração modelo 1 do IMI, tendo em vista a inscrição do prédio na matriz urbana, como terreno para construção, por força do disposto na alínea b), n.º 1 do artigo 13.º do Código do IMI, em virtude da informação favorável de loteamento emitida por aquela autarquia, não obstante o “PIP” ter expirado por não ter sido pedido o licenciamento ou apresentada comunicação prévia, já que em momento algum pretendeu levar a cabo tal operação urbanística.

Em 20-12-2018 foi notificada da liquidação efetuada, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, uma vez que o valor patrimonial tributário do terreno para construção era superior a 1 000 000,00 €. Porém, para a Requerente, os restantes requisitos para sujeição a imposto do selo ao abrigo da referida verba não se mostravam cumpridos, uma vez que o terreno não se destinava a edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

De facto, com a emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento, o imóvel, ainda que teoricamente, seria classificado como “terreno para construção”. Porém, tal classificação não legitima a aplicação automática da Verba 28.1 da TGIS, considerando-se que tal facto não é suficiente para a demonstração efetiva de que o prédio tem uma edificação prevista ou autorizada para habitação. É que a informação favorável emitida pela Câmara Municipal da ... na sequência do PIP submetido, caducou sem que a Requerente tivesse desenvolvido quaisquer diligências tendentes à construção ou ao licenciamento de quaisquer edificações, uma vez que nunca teve intenção de construir qualquer imóvel naquele terreno, fosse para que finalidade fosse.

Além do mais, segundo a doutrina, os imóveis “já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção, e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior.”

Refere ainda que a afetação concedida pela informação prévia favorável, na sequência do PIP submetido pela Requerente, era de natureza mista, contendo uma afetação parcial do imóvel sub judice a comércio e serviços, afetação essa que corresponde a uma situação não prevista na lei, tendo por referência, quer o elemento literal, quer a razão de ser da norma de incidência do imposto, pelo que, como consta da decisão proferida no processo arbitral n.º 578/2015-T do CAAD, estamos “perante um prédio em que parte é potencialmente afeta a serviços e outra afeta à habitação”.

E nem se diga que, no caso em que os prédios dispõem de habitação mista, a liquidação de Imposto do Selo poderia então incidir apenas sobre a parte do imóvel afeta à habitação – na medida em que, para além do mais, tal critério não goza de previsão legal expressa. É que da matriz predial não consta “um valor patrimonial tributário da parte destinada a habitação, um outro valor patrimonial tributário da parte destinada a comércio e ainda um valor patrimonial tributário da parte destinada a serviços”. Nem tal se mostra viável face ao disposto na alínea b), n.º 2 do artigo 7.º do CIMI, segundo a qual o valor do prédio é o que resulta da soma de todas as suas partes passíveis de avaliação autónoma, ficando afastada a possibilidade de consideração de valores parcelares do prédio.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente o reembolso do montante pago, no montante de 53 751,90 €, acrescido dos juros indemnizatórios que, nos termos do artigo 43.º da LGT, se mostrarem devidos, bem como na condenação da AT nas custas do processo. 

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que a liquidação impugnada não enferma de qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deverá manter-se, em virtude de terem sido observadas todas as regras legais, nomeadamente as ínsitas na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 O prédio em causa encontrava-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., tendo passado a prédio urbano, classificado como “terreno para construção”, e inscrito na matriz sob o artigo... .

Tal alteração deveu-se ao facto de, em 06-11-2014, ter sido emitida pela Câmara Municipal da ..., informação favorável de loteamento (processo n.º .../14) relativamente ao referido prédio, nos termos do disposto nos artigos 14.º e seguintes do RJUE.

Assim a Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças da ... para apresentar a declaração modelo 1 do IMI, nos termos da al. a) do n.º 3 do artigo 13.º do CIMI, sob pena de atualização oficiosa da matriz.

O que veio a acontecer, face à inércia da Requerente, sendo o prédio avaliado em 17-10-2018 (ficha n.º...), e inscrito na matriz urbana com o valor patrimonial tributário de 5.375.190,00 €.

Em 2018-12-14, com base no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, foi emitida a liquidação de IS – Verba 28 da TGIS, no valor de 53.751,90 €, respeitante ao ano de 2014, tendo a Requerente procedido ao pagamento do imposto em 18-12-2014.

Em 30-04-2019 foi elaborada a Informação n.º ... (Proc. 2019...) da Direção de Serviços Imposto Municipal s/transmissões Onerosas, Imposto Selo, Imposto Único Circulação e Contribuições Especiais, sob a qual recaiu o despacho concordante da Subdiretora-Geral da área do Património, revogando parcialmente tal liquidação e reduzindo o valor tributário patrimonial para 5.204.500,00 €.

A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a 1.000.000,00 €.

Que é patente a afetação habitacional do prédio, facto que a Requerente não pode desconhecer, tanto mais que da respetiva caderneta predial consta tal afetação.

O Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 181/2016-T, pronunciou-se no sentido defendido pela AT: “Face à matéria de facto provada, importa fazer o seu enquadramento legal, com vista a decidir se estamos ou não em presença de um terreno para construção e consequentemente sobre a legalidade ou ilegalidade das liquidações em questão.

(…) Assim nos termos do nº 3 do artigo 6º do CIMI, consideram-se terrenos para construção:” os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra estruturas ou equipamentos públicos.

Na situação concreta e segundo a requerente, foi por ela submetido à apreciação da Câmara Municipal de … um pedido de emissão de licença administrativa com vista à construção de um prédio urbano habitacional multifamiliar a ser implantado no terreno em questão, tendo, oportunamente, apresentado a declaração modelo 1 de IMI com vista à sua inscrição matricial como terreno para construção.

(…) Deste modo, não restam dúvidas que estamos perante um terreno para construção, não só porque, foi autorizado um projeto de construção de um edifício habitacional multifamiliar, como também foi a requerente que, inicialmente, assim o declarou à AT, sendo certo que a potencialidade de edificação está definida e não caducou, o que caducou foi o procedimento administrativo por facto imputável à requerente.

Também a previsão da norma do artigo 28 e 28.1 da TGIS se verifica, na verdade, a requerente detém a propriedade de um imóvel com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, sendo um terreno para construção com edificação autorizada ou prevista, para a habitação.

Nesta perspetiva entendemos que os atos de liquidação de IS, aqui postos em crise, não enfermam de qualquer ilegalidade, na medida em que estamos perante um terreno para construção com VPT igual ou superior a 1 000 000,00, por isso sujeito à tributação em IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS”.

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

 

2. Saneamento

2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

               

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade de direito português, sedeada na freguesia de ..., concelho da ..., tendo a sua atividade principal no setor da construção civil e desenvolvimento imobiliário (cfr. artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), não contestado pela AT, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

b)           Do seu património imobiliário fazia parte um prédio rústico situado no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., com a área de 33 532,40 m2, composto de terreno de cultura com ramada e pastagem, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de 20 530,00 € e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da ..., sob o número .../..., encontrando-se classificado no Plano Diretor Municipal como “área de habitação coletiva – HC2” (cfr. documento n.º 4, junto aos autos pela requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

c)            Em 12 de março de 2015, no Cartório Notarial de Lisboa da Notária B..., na Rua Dr. ..., n.º..., foi celebrada “Escritura Pública de Dação em Pagamento” através da qual o prédio referido na alínea b) que antecede, foi dado em cumprimento à sociedade “C..., S.A.”, com o NIPC..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa, nos termos do artigo 837.º do Código Civil, para extinção total da responsabilidade que a Requerente tinha perante aquela sociedade credora, no montante de 3 946 000,00 € (cfr. documento n.º 6, junto aos autos pela requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

d)           A aquisição antes referida foi registada na Conservatória do Registo Predial de ..., através da ap. ... de 2015/03/27 (cfr. documento n.º 4, junto aos autos pela requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

e)           Com vista à viabilidade da realização de uma operação de loteamento com obras de urbanização, no terreno situado na Rua Dr. ..., freguesia de ..., a que respeita o prédio rústico antes referido, a Requerente apresentou na Câmara Municipal da ..., em 31 de julho de 2014, um pedido de informação prévia (PIP), nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, cujo processo ficou registado com o n.º .../14. Da respetiva informação consta que o loteamento com obras de urbanização se destinam a habitação e comércio e no 8 (conclusão) é referido o seguinte: “Da análise da proposta e face ao acima exposto, verifica-se que a mesma se encontra em conformidade com as disposições do PDM, RMUE, RGEI e demais legislação aplicável pelo que se considera viável a presente proposta. Mais se informa que o procedimento necessário à formalização do pedido, com vista à execução das obras de edificação, será o de licenciamento administrativo / comunicação prévia. Aquando do licenciamento da 2.ª fase deverão mostrar-se cumpridas as condições expressas no título do alvará de loteamento .../98. À consideração superior”. Por deliberação, por maioria, da referida Câmara, de 6 de novembro de 2014, o referido PIP foi viabilizado quanto à realização de uma operação de loteamento com obras de urbanização no referido terreno (cfr. documento n.º 5, junto aos autos pela Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

f)            Através do ofício n.º 2018... do Serviço de Finanças da ..., de 28 de junho de 2018, a Requerente foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração modelo 1 do IMI, face à deliberação favorável da Câmara Municipal da ..., de 06 de novembro de 2014, proferida no pedido de informação prévia antes referido (cfr. documento n.º 7 junto aos autos pela Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

g)            Em 17 de outubro de 2018 o referido prédio foi oficiosamente avaliado como terreno para construção e assim inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., com o coeficiente de localização “habitação” e valor patrimonial tributário de 5 375 190,00 €, sendo o prédio eliminado da matriz rústica da freguesia do ..., concelho da ..., onde se encontrava inscrito sob o artigo ... (cfr. documento n.º 7 junto aos autos pela Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

h)           Em 14 de dezembro de 2018 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do imposto do selo, a que se refere a verba 28.1 da TGIS, com o n.º..., com referência ao ano de 2014 e ao referido prédio inscrito matricialmente sob o artigo ..., no montante de 53 751,90 €, e emitida a nota de cobrança n.º 2018... com data limite de pagamento de janeiro de 2018 (cfr. documento n.º 1 junto aos autos pela Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

i)             Em 29 de janeiro de 2019 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado no referido montante de 53 751,90 € (cfr. documento n.º 2 junto aos autos pela Requerente, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

j)             Em 28 de março de 2019 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

k)            Por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Património, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 03 de maio de 2019, a liquidação impugnada foi parcialmente revogada, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, tendo sido corrigido o valor da mesma para 52 045,00 € (cfr. documento junto aos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

l)             A Requerente e respetivo mandatário foram notificados do despacho revogatório (parcial) da liquidação impugnada e respetivos fundamentos, através dos ofícios n.ºs ... e ..., da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 6 de Maio de 2019, cfr. n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, tendo manifestado interesse no prosseguimento da lide (cfr. documento junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

               

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

As questões que constituim o thema decidenduum reconduzem-se a saber da legalidade da classificação como “terreno para construção” para efeitos matriciais de prédios com pedido de informação prévia favorável à realização de operações de loteamento ou de construção, formulado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º do RJUE, bem como da legalidade da liquidação do imposto do selo, previsto na verba n.º 28.1 da TGIS, na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, nesses casos bem como quando tal informação favorável se refira à edificação mista (habitação e comércio).

 

Questões decidendas:

1.ª – Os prédios para os quais tenha sido emitida, pela entidade competente, informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, integram a espécie de “terrenos para construção” para efeitos de CIMI?

2.ª - Os terrenos para construção, assim classificados, por resultarem, apenas, de pedido de informação prévia favorável de operação de loteamento com obras de urbanização, estão sujeitos a tributação nos termos da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro?

3.ª - Os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja habitação coletiva e comércio/serviços estão sujeitos a tributação nos termos da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro?

4.ª - Do pedido de condenação no pagamento juros indemnizatórios. 

 

1.ª questão

Nos termos dos artigos 4.º e 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto quanto a prédios mistos, dividindo-se em habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; e outros.

De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, consideram-se terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

Segundo a doutrina , que acompanhamos, “Atualmente a Lei só considera terrenos para construção, aqueles em que o respetivo proprietário tenha já adquirido os direitos de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, conferidos pelas autoridades públicas competentes. São também assim considerados aqueles terrenos que não beneficiando desses direitos a construir ou lotear já reconhecidos, tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito e simultaneamente tenham viabilidade construtiva.

De forma esquemática, o n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI distingue três tipos de terrenos para construção:

i)             Aqueles sobre os quais já se constituiu o direito de construção, podendo a forma da constituição desse direito ser a emissão de licença para construção emitida pela autoridade competente – os municípios, a admissão de comunicação prévia ou a emissão de informação prévia favorável, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;

ii)            Aqueles sobre os quais já se constituiu o direito de loteamento, podendo a forma da constituição desse direito ser a emissão de autorização de loteamento para construção emitida pela autoridade competente - os municípios, a admissão de comunicação prévia ou a emissão de informação favorável, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;

iii)           Aqueles que, não beneficiando ainda daqueles direitos, tenham sido adquiridos e do título aquisitivo conste expressamente que se destinam a construção ou loteamento e que, em simultâneo, possuam viabilidade construtiva, documentada por declaração do município, da qual conste que o terreno possui viabilidade construtiva (parte final do n.º 3 do artigo 37.º do CIMI).

 

(..) Antes da aprovação da Reforma da Tributação do Património discutia-se o âmbito da delimitação do conceito de terrenos para construção. Algumas correntes defendiam, nomeadamente, que esse conceito deveria coincidir com as previsões dos Planos Diretores Municipais (PDM). Segundo essas teorias, todos os terrenos previstos nos PDM como tendo viabilidade construtiva deveriam ser, só por essa razão, terrenos para construção para efeitos do Código do IMI. Argumentava-se que essa era a forma de harmonizar a legislação urbanística com a fiscal e também que essa seria uma forma de os Municípios poderem combater as práticas de alguns proprietários de terrenos não construírem os terrenos existentes nos centros urbanos, a aguardar a sua valorização, produzindo com isso situações de degradação paisagística urbana.

Como já assinalamos, não foi essa a opção seguida pelo legislador, o que faz todo o sentido. Na verdade, existem muitas situações de terrenos rústicos que os PDM prevêem com apetência construtiva, cujos proprietários não têm qualquer intenção de neles vir a constuir, e nalguns casos até exploram para fins agrícolas. Nesses casos seria manifestamente excessivo e desproporcionado sujeitar a imposto esses terrenos por um valor inflacionado artificialmente por uma perspetiva de construção que não está nos seus propósitos.

O Código do IMI consagra o princípio segundo o qual a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do respetivo titular, seja através do requerimento da licença de construção ou de autorização de loteamento, seja o da declaração, no título aquisitivo de terrenos, do seu destino para construção, quando exista viabilidade construtiva.

Esta opção legislativa decorre da teoria do caráter público do direito a construir, segundo a qual esse direito é originariamente da coletividade. Esta conceção do caráter publicístico do direito a construir contrapõe-se à conceção liberal e privatística desse direito.

(…) O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. É o poder público, e só ele, que tem essa legitimidade constitutiva de fazer nascer esse direito na esfera jurídica do proprietário, e só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção.

O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nela se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. (…) Devemos ter em conta que no terreno ainda nada está construído, mas a mera constituição de um direito de nele se vir a constituir faz aumentar imediatamente o seu valor. Para além disso, a medida desse valor depende também, sempre, do valor do prédio que nele virá a ser construído”.  

 

No mesmo sentido se pronuncia Silvério Mateus , segundo o qual “para que um terreno seja classificado como terreno para construção não basta que esteja incluído em área suscetível de ser urbanizada no Plano Diretor Municipal. (…) a potencial utilização desses solos para construção não deve ser critério para a sua qualificação, a qual deve ocorrer quando for emitida a licença de construção ou o alvará de loteamento”.    

 

Também a jurisprudência se vem pronunciando no mesmo sentido, conforme, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 10-11-2016 (Processo n.º 00618/08.3BEPNF) , no sumário do qual é referido:

“I – Os lotes de terreno para construção constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará – cfr. artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

II Com a emissão do alvará de loteamento, o Município coloca na disponibilidade do titular de tal alvará a possibilidade de aproveitamento do que vai implicado na respectiva operação urbanística.

III A emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização para a realização de operação de loteamento e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente – cfr. artigo 74.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação”.

 

E do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 22-05-2013 (Processo n.º 01146/12) , assim sumariado:

“I - O direito de construir só nasce ex novo no património do proprietário quando um acto administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear.

II - Por isso, um prédio rústico transforma-se em “terreno para construção” apenas com o acto administrativo que concede a licença para lotear ou construir e não com o requerimento inicial do procedimento de licenciamento”.

 

Assim, considerando que a Requerente apresentou na Câmara Municipal da ... um pedido de informação prévia (PIP), em 31 de julho de 2014, sobre a viabilidade de realizar uma operação de loteamento com obras de urbanização, e que o mesmo foi deferido por deliberação da mesma autarquia, de 06 de novembro de 2014, tendo validade pelo período de um ano, conforme n.º 2 do artigo 17.º do RJUE, não restam quaisquer dúvidas sobre a legalidade da inscrição do prédio na matriz urbana, como terreno para construção (artigo...), e a consequente eliminação do mesmo da matriz rústica na qual se encontrava inscrito sob o artigo... . Aliás tal inscrição matricial resulta do disposto na alínea b), n.º 1 do artigo 13.º do CIMI.

Assim, quanto a esta questão, o pedido é improcedente.            

 

2.ª questão

Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro), torna-se inequívoco que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da TGIS (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

Com efeito é a seguinte a redação da referida verba: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Importa salientar que, embora o prédio aqui em causa esteja matricialmente inscrito como “terreno para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.

Como refere José Maria Fernandes Pires  “O Código do Imposto do Selo não define o que entende por “afetação habitacional”, mas estabelece a aplicação subsidiária do Código do IMI no n.º 2 do artigo 67º. Assim, a determinação dessa afetação segue as regras dos artigos 6.º e do artigo 41.º do CIMI, dos quais resulta que são habitacionais os edifícios ou construções urbanas licenciados pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (n.º 2 do artigo 6.º do CIMI), bem como aqueles que tenham essa utilização efetiva (artigo 41.º do CIMI). A alteração introduzida na verba 28.1 da Tabela Geral do CIS veio confirmar esse entendimento e alargar o âmbito de incidência do imposto aos terrenos para construção, relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação de prédio para a habitação. Ficam, deste modo, excluídos da sujeição à verba 28.1, toda as construções urbanas que não sejam construções, bem como os terrenos para construção relativamente aos quais não esteja autorizada nem prevista edificação para fins habitacionais”. 

Assim, a questão essencial que, neste contexto, se coloca, é saber se, não havendo uma previsão ou expectativa de «edificação para habitação» por respeito aos terrenos em construção em análise, se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo, nos termos efetuados pela AT relativamente a considerar autorizada ou prevista a edificação para habitação.

Como referem António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás , “no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.”

Também no acórdão proferido no processo arbitral 142/2016-T , que concluiu, igualmente, pela procedência do pedido ali formulado, se pode ler o seguinte:

“Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva". (sublinhado, nosso)

Em 31 de julho de 2014 a Requerente formulou à Câmara Municipal da ... um pedido de informação prévia (PIP), nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), com vista à viabilidade da realização de uma operação de loteamento com obras de urbanização no prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia de ..., concelho da ..., com a área de 33 532,40 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da ..., sob o número .../..., encontrando-se classificado no Plano Diretor Municipal como “área de habitação coletiva – HC2”. Por deliberação da referida autarquia, de 06 de novembro de 2014, o referido PIP foi viabilizado quanto à realização de uma operação de loteamento com obras de urbanização no referido terreno destinadas a habitação e comércio.

Por ter sido formulado nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do RJUE, como antes referido, a informação prévia contemplou especificamente alguns aspetos, como a volumetria, alinhamento, cércea, área total do terreno, número e área total dos lotes, área total de implantação, áreas de cedência aos domínios público e privado do município, número de fogos e área de construção destinada a habitação, unidades e área de construção destinada a comércio e outra informação referida nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 14.º e constante do Processo n.º .../14. 

Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJUE, “A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita e, quando proferida nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, tem por efeito a sujeição da operação urbanística em causa, a efectuar nos exactos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas consultas externas”.

Deste modo a edificação do terreno para construção em causa mostra-se prevista para habitação, tendo perfeito enquadramento na verba 28.1 da TGIS.

Subscrevemos integralmente as seguintes decisões proferidas nos processos do CAAD , quanto ao que, face à nova redação do CIS, se deve entender por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”: Processos n.ºs 296/2018-T; 290/2016-T; 156/2016-T; 142/2016-T; 578/2015-T; 524/2015-T; e 467/2015-T.

Assim a liquidação impugnada não padece de qualquer ilegalidade, sendo o pedido improcedente quanto a esta questão. 

 

3.ª questão

Da informação constante do Processo n.º .../14, respeitante ao pedido de informação prévia referido na alínea e) do probatório, o terreno para construção não tem edificabilidade exclusiva para habitação, tendo-lhe sido atribuídas diferentes afetações, designadamente, habitação e comércio. Assim, dos 40 238,00 m2 de área de construção acima da cota da soleira, 38 956,00 m2 destinam-se a habitação e 1 282,00 m2 a comércio.

Porém, como referido no Processo arbitral n.º 578/2015-T do CAAD, que acompanhamos, a afetação mista do imóvel corresponde a uma “situação não prevista na lei, tendo por referência, quer o elemento literal, quer a razão de ser da norma de incidência do imposto”, pelo que estamos “perante um prédio em que parte é potencialmente afeta a serviços e outra afeta à habitação”.

Com efeito um dos requisitos previstos na verba 28.1 da TGIS para sujeição dos terrenos para construção, com edificação, autorizada ou prevista, é que os mesmos se destinem a habitação, nos termos do disposto no código do IMI, não sendo estabelecido qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afetação para habitação.

Neste sentido refere o acórdão do STA de 06-06-2018 (Processo n.º 080/18)  quando refere: “Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos acompanhar o Magistrado do Ministério Público na desvalorização da qualidade mista da afectação deste prédio dado ser maior a parte destinada a habitação que a destinada a comércio/serviços.

Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo.

Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

A sentença recorrida que adoptou diversa interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, aplicável a estes autos, enferma, pois, de erro de direito a determinar a sua revogação”.

Assim, tendo ficado demonstrado que a afetação do prédio impugnado apenas é parcialmente habitacional em 96,81% da totalidade da área de construção acima da cota da soleira (38 956,00 m2 : 40 238,00 m2), e que a norma de incidência não prevê tal situação, deverá ser, atento o erro de direito verificado, anulada a liquidação objeto da presente ação arbitral.

Neste sentido podem ver-se, entre outros, o acórdão do STA de 06-06-2018 (Processo n.º 080/18) ; bem como as decisões proferidas nos processos arbitrais  n.ºs 634/2018-T; 121-2018-T; 77/2018-T; 541/2016-T; 478/2016-T; 578/2015-T; e 522/2015-T, que acompanhamos.   

 

É certo que a AT revogou parcialmente a liquidação impugnada, conforme despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Património, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 03 de maio de 2019 (alínea k) do probatório), expurgando da referida área de construção (40 238,00 m2) a parte afeta ao comércio (1 282 m2), resultando daí o VPT de 5 204 500,00 € e o correspondente imposto do selo no montante de 52 045,00 € (5 204 500,00 € x 1%).

Porém, considerando que o imposto do selo, de acordo com a verba 28 da TGIS, incide sobre o VPT utilizado para efeito de IMI, ou seja, sobre o VPT constante da matriz em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, conforme o n.º 1 do artigo 113.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo este, em 31-12-2014, de 5 375 190,00 €, e que às matérias não reguladas no CIS respeitantes àquela verba da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto naquele código, conforme n.º 2 do artigo 67.º do CIS, a realização de nova avaliação ao terreno para construção, que não sucedeu, caberia sempre ao perito local, nos termos dos artigos 63.º e 64.º, alínea a) do CIMI. Por outro lado, o VPT seria sempre determinado de acordo com o artigo 45.º do mesmo código, sendo posteriormente o sujeito passivo notificado do resultado da avaliação, nos termos do artigo 76.º, podendo inclusivamente requerer segunda avaliação por discordar do VPT determinado na 1.º avaliação. E só após a definitividade do VPT seria o mesmo inscrito na competente matriz predial, por força do disposto no n.º 1 do artigo 12.º e alínea e), n.º 1 do artigo 91.º do CIMI.

Pelo exposto resulta que a correção à liquidação do imposto impugnado não foi efetuada com base num VPT contante da matriz, donde constasse a parte destinada a habitação e a destinada a comércio, por tal se mostrar inviável face ao disposto na alínea b), n.º 2 do artigo 7.º do CIMI, que refere: “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada (pelo perito local, refira-se de novo) por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”. (sublinhado, nosso)  

Deste modo deve proceder o pedido de pronúncia arbitral.

 

4.ª questão:

A Requerente pede ainda que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA , sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T) .

Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência que justifica a anulação da liquidação impugnada, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (29-01-2019) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

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5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação do imposto do selo (verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo – TGIS) com o n.º..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-12-2018, com referência ao ano de 2014, no montante 52 045,00 €, já corrigida na sequência da revogação parcial operada por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Património, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 03 de maio de 2019, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT; e

b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a quantia indevidamente paga pela Requerente, no montante de 53 751,90 €, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em 52 045,00 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), por ser o valor da liquidação, cuja anulação, à data da constituição do Tribunal Arbitral (14-06-2019), se pretende, face à revogação parcial, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, operada por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Património, da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 03 de maio de 2019.

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142,00 €, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Notifique as Partes.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.