DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Varela Lopes Dias e Dr. Leonardo Marques dos Santos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-09-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A. (doravante, a "Requerente" ou "A...") com sede na Rua ..., n.º..., ... em Lisboa, pessoa coletiva com o n.º..., veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação parcial das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante "IVA") e respetivos juros compensatórios, relativas a cada período mensal, dos anos de 2002 e 2003.
A Requerente pede a anulação das liquidações quanto ao valor de € 641.722,93 (€ 447.014,29 de imposto e € 194.708,64 de juros compensatórios).
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios contados desde 16-12-2016.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-07-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-09-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-09-2019.
A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 28-10-2019, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) Em 06-06-20015, a AT iniciou uma ação de inspeção tributária, relativa aos anos de 2002 e 2003, tendo-a finalizado a 26 de Janeiro de 2006 (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) Nessa inspeção foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
I.– 2. Descrição Sucinta das Conclusões da Ação de Inspeção
I. – 2.1. EXERCÍCIO DE 2002
(...)
I – 2.1.2. Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)
I - 2.1.2.1. Falta de liquidação de IVA em Perdas Totais (artº 1º, 7º, 8º e alínea
h) do nº 2 do artº 16º do CIVA)
- Euros € 155.611,07 (Ponto III.1.1.2. do relatório)
Montante de IVA liquidado sobre as perdas totais de bens objeto de locação financeira, motivada por sinistro, de harmonia com os artigos 1º, 7º, 8º e alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA.
I. – 2.2. EXERCÍCIO DE 2003
(...)
I - 2.2.2 Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)
I - 2.2.2.1. Falta de liquidação de IVA em Perdas Totais (artº 1º, 7º, 8º e alínea h) do nº 2 do artº 16º do CIVA)
- Euros € 243.379,98 (Ponto III.2.2.1. do relatório)
Montante de IVA liquidado sobre as perdas totais de bens objeto de locação financeira, motivada por sinistro, de harmonia com os artigos 1º, 7º, 8º e alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA.
I - 2.2.2.2. Pro - Rata (artº 23º do CIVA)
- Euros € 309.276,22 (Pontos III.2.2.2. e IX do relatório)
Montante de IVA decorrente da correção resultante do cálculo do pro rata definitivo de 70% para 34% e a sua aplicação ao IVA dedutível relativo aos bens e serviços comuns adquiridos ao longo do ano pelas diferentes empresas envolvidas na fusão.
(...)
III. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
III-1. EXERCÍCIO DE 2002
(...)
III - 1.2. Imposto S/ Valor Acrescentado (IVA)
III - 1.2.1. Falta de Liquidação de IVA em Perdas Totais
No âmbito do exercício normal da atividade, constatámos que a perda total dos bens objeto de locação financeira está prevista contratualmente, segundo o qual, em caso de ocorrência, conduz a resolução do contrato sendo o locatário obrigado a pagar o somatório das rendas vincendas e do valor residual atualizados. Esta norma consubstancia assim o vencimento antecipado das rendas, naturalmente sujeitas a IVA de harmonia com o artigo 1º nº 1 alínea a) e alínea h) do n.2 do artigo 16º, ambos do CIVA. Constatámos, no entanto, que nos contratos de locação financeira mobiliária, em consequência de perda total dos bens objeto de locação financeira, a empresa não procedeu à liquidação do IVA sobre o vencimento antecipado (atualizado) do capital em dívida, designadamente rendas vincendas e valor residual e ainda juros, desde a última renda vencida até ao momento da perda total.
De acordo com os contratos de locação, quando a perda do bem objeto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, atualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora.
Deste modo, o que está em causa não é o valor a restituir pela locadora ao locatário, relativa à indemnização recebida da seguradora, uma vez que não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA, mas sim o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativa ao valor das rendas vincendas e valor residual atualizados ao momento da perda total do bem, uma vez que configura uma prestação de serviços face ao nº 1 do artº 4º do CIVA.
Em resumo, para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na 6.ª Directiva, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.
Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente urna transmissão de bens ou prestação de serviços, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.
Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
Com os fundamentos expostos anteriormente, o valor total do IVA em falta, de harmonia com os artigos 7º e 8º e alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade é de € 155.611,07, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr. anexo n.º 5), para os contratos aí referidos.
III – 2. EXERCÍCIO DE 2003
(...)
III - 2.2. Imposto S/Valor Acrescentado (IVA)
III – 2.2.1. Falta de Liquidação de IVA em Perdas Totais
No âmbito do exercício normal da atividade, constatámos que a perda total dos bens objeto de locação financeira está prevista contratualmente, segundo o qual, em caso de ocorrência, conduz a resolução do contrato sendo o locatário obrigado a pagar o somatório das rendas vincendas e do valor residual atualizados. Esta norma consubstancia assim, o vencimento antecipado das rendas, naturalmente sujeitas a IVA de harmonia com o artigo 1º nº 1 alínea a) e alínea h) do nº 2 do artigo 16º, ambos do CIVA. Constatámos, no entanto, que nos contratos de locação financeira mobiliária, em consequência de perda total dos bens objeto de locação financeira, a empresa não procedeu à liquidação do IVA sobre o vencimento antecipado (atualizado) do capital em dívida, designadamente rendas vincendas e valor residual e ainda juros, desde a última renda vencida até ao momento da perda total.
De acordo com os contratos de locação, quando a perda do bem objeto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, atualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora.
Deste modo o que está em causa não é o valor a restituir pela locadora ao locatário, relativa à indemnização recebida da seguradora, uma vez que não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA, mas sim o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativa ao valor das rendas vincendas e do valor residual atualizados ao momento da perda total do bem, uma vez que configura uma prestação de serviços face ao nº 1 do artº 4º do CIVA.
Em resumo, para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na 6.ª Directiva, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.
Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.
Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
Com os fundamentos expostos anteriormente, o valor total do IVA em falta, de harmonia com os artigos 7º e 8º e alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade é de € 243.379,98, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr. anexo n.º 10), para os contratos aí referidos.
III - 2.2.2. Pro Rata
1 - Procedimento adotado pela empresa
Tal como foi referido anteriormente, no dia 01 de Outubro de 2003, foi realizada a escritura de fusão por incorporação numa única entidade (I..., SA) de quatro empresas, todas instituições de crédito, que até aí tinham atuado isoladamente.
Estas quatro empresas desenvolviam atividades distintas, nomeadamente locação financeira, serviços especializados de gestão automóvel e financiamento de aquisições a crédito. Contudo, os negócios de serviços especializados de gestão automóvel não tinham expressão na data da fusão.
As operações por si praticadas, no âmbito destas atividades, têm enquadramentos tributários distintos e algumas delas condicionam o direito à dedução do IVA suportado.
Assim, no que respeita às operações efetuadas no âmbito da atividade desenvolvida, quer a empresa incorporante, após a fusão, quer as empresas individualmente, antes da fusão, adotaram o método da afetação real unicamente para o exercício do direito à dedução do imposto incorrido na aquisição de bens que são objeto de contratos sujeitos a IVA (recuperando integralmente o imposto suportado) e não deduzindo qualquer imposto quando os bens estejam associados a operações ou contratos isentos de IVA que não confiram direito à dedução.
Relativamente às outras despesas em que incorreram, na aquisição de diversos bens e serviços comuns, nomeadamente para a prossecução da atividade de locação em geral bem como para a atividade de financiamento de aquisições a crédito, sujeita a imposto do selo, sendo impraticável exercer o direito à dedução do IVA com o recurso ao método da afetação real, as empresas utilizaram o método da percentagem de dedução ou pro rata.
Esta percentagem de dedução ou pro rata foi nula nas sociedades de financiamento de aquisições a crédito e total ou próxima dos 100% na sociedade de locação financeira.
2 - Direito à dedução
O número 1 do artigo 19º do CIVA define o âmbito do imposto que pode ser objeto de dedução e que, regra geral, corresponde a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo, quer em bens e serviços adquiridos no mercado interno quer no mercado externo.
Por sua vez, o número 1 do artigo 20º do CIVA, limita a dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo aos bens e serviços adquiridos, desde que tenham como finalidade a realização das operações referidas nas alíneas a) e b) do referido número 1.
Refere o número 1 do artigo 23º do CIVA que "Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte dos quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução".
Esta regra geral, conhecida por método de percentagem de dedução (pro rata), poderá ser afastada por aplicação, nos termos dos números 2 e 3 do mesmo artigo 23º, do chamado método de afetação real que consistirá na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens destinados a atividades que dêem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.
A razão de escolha do método pro rata como regra geral na limitação do direito à dedução, prende-se com o facto de ser muitas vezes impraticável efetuar uma separação real dos "inputs" comuns.
Assim, sendo impraticável exercer o direito à dedução do IVA incorrido nos custos comuns com o recurso ao método da afetação real a empresa utilizou o método do pro rata ou percentagem de dedução.
O número 4 do artigo 23º do IVA refere que "a percentagem de dedução referida no número 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19º e número 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento".
No conceito de operações cabem todas as que são efetuadas pelo sujeito passivo, independentemente de resultarem duma ação normal ou ocasional, encontrando-se excluídas apenas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizados na atividade da empresa e as operações imobiliárias e financeiras que tenham carácter acessório, nos termos do número 5 do artigo 23º.
Uma vez conseguida a perfeita separação de cada um dos tipos de operações praticadas pela empresa, as que conferem e as que não conferem direito à dedução, a utilização do método de afetação real não levanta problemas.
De qualquer modo tem de admitir-se que existem sempre despesas comuns e que há impossibilidade prática de determinar a que atividade dizem respeito. Nestes casos o imposto suportado deverá ser deduzido segundo o método da percentagem de dedução ou pro rata.
Com efeito, será apenas aquele valor que se encontra em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações tributadas e não tributadas.
A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
Pelo que antecede, no cálculo da percentagem de dedução (pro rata), apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing.
3 - Regularização do pro rata
A prática da empresa, particularmente após a fusão, foi de facto diferente e no cálculo da referida proporção considerou no numerador e no denominador da fração a amortização financeira, componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira, bem como os juros referentes a títulos de investimento.
De salientar, que relativamente aos títulos de investimento, o nº 5 do artigo 23º do
CIVA dispõe:
"No cálculo referido número anterior (nº 4) (pro rata) não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa, nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório, em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo".
Os proveitos provenientes de aplicações em títulos de investimento têm efetivamente um carácter acessório em relação à atividade principal da empresa (leasing), na medida em que apenas implica uma utilização muito limitada de bens e serviços pelos quais o IVA é devido, embora a amplitude dos rendimentos gerados por esta aplicação financeira possa constituir um indício de que não deva ser considerada atividade acessória.
O facto de serem gerados por essas operações rendimentos elevados, em comparação com os rendimentos produzidos pela atividade principal, não pode, por si só, excluir a qualificação destas operações de "acessórias", pelo que não podem influenciar a fração utilizada para o cálculo do pro rata, caso contrário teria como consequência falsear o cálculo desta, e consequentemente pôr em causa a neutralidade do IVA.
Ora a prática utilizada pela empresa de incluir no cálculo do pro rata as componentes "amortização financeira" e "juros de títulos de investimento", conduziu a uma percentagem de dedução muito superior aquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns.
Com efeito, a empresa apurou um pro rata definitivo de 70%, quando o resultado da fração, depois de expurgada a componente amortização financeira, e os juros de títulos de investimento é de 34%.
Apesar dos negócios das empresas que integraram a I..., SA se terem mantido separados até à data da escritura de fusão (01 de Outubro de 2003), em termos contabilísticos, esta teve efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003. Deste modo a empresa incorporante deveria ter procedido conforme o previsto no nº 6 do artº 23º do CIVA desde Janeiro de 2003.
Efetivamente, no projeto de fusão foi fixada a data (1 de Janeiro de 2003) a partir da qual as operações das sociedades a fundir são consideradas, do ponto de vista contabilístico, como efetuadas por conta da sociedade incorporante, tendo esta assumido o resultado das operações realizadas por cada uma das sociedades incorporadas, pelo que é esta data que tem relevância fiscal, quer a nível de IRC quer de IVA.
Tendo em consideração o exposto anteriormente, particularmente a data de 1 Janeiro de 2003 e a sua relevância para efeitos fiscais, e considerando que a I..., SA, na qualidade de empresa incorporante, passou a praticar operações sujeitas com direito à dedução e operações isentas sem direito dedução do IVA, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços comuns passou a ser dedutível apenas na percentagem (pro rata) correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução que no caso concreto foi de 34%, calculada de harmonia com o nº 4 do artº 23º do CIVA.
Assim a empresa incorporante deveria fazer reflectir na última declaração periódica de 2003 a regularização das deduções efetuadas nas diversas atividades desenvolvidas.
Deste modo, propomos a correção do pro rata definitivo de 70% para 34% e a sua aplicação ao IVA dedutível relativo aos bens e serviços comuns adquiridos ao longo do ano pelas diferentes empresas envolvidas na fusão.
Em face das correções propostas a regularização prevista no número 6 do artigo 23º é a favor do Estado no montante de € 686.359,09.
O cálculo do pro rata e o apuramento da regularização estão efetuados em mapas anexos ao presente projeto de relatório (cfr. Anexo n.º 11).
Os valores acima propostos foram alterados, conforme ponto IX do presente relatório, cifrando-se agora o IVA corrigido no montante de € 309.276,22, decorrente do facto da empresa ter apresentado no exercício do direito de audição, documentos cujo IVA suportado e deduzido diz respeito a encargos incorridos no âmbito da atividade sujeita a afetação real.
(...)
IX – Direito de Audição – Fundamentação
De harmonia com os artigos 60º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) e Lei Geral Tributária (LGT), em 2006/01/31 procedemos ao envio do projeto de conclusões do relatório à empresa e a respetiva notificação para o exercício do competente direito de audição face às correções propostas.
Em 2006/02/08 o sujeito passivo exerceu o direito de audição prévio, por escrito, onde veio expressar a sua discordância relativamente às correções propostas, no ponto III-2.2.2. do projeto de relatório, alegando que a Administração Fiscal, não concordou com o procedimento adotado pela A..., no que diz respeito:
1. À data a partir da qual deve ser calculado o pro rata de dedução dos custos comuns que não são suscetíveis de afetação real;
2. À forma de repartição dos custos que não são suscetíveis de ser objeto de afetação real.
Porém, acrescenta que "o exercício do presente direito de audição tem unicamente por objeto carrear para o processo documentos novos suscetíveis de fazerem prova inequívoca da existência de factos tributáveis relevantes para o apuramento das correções propostas, os quais não foram tidos em conta no apuramento dessas correções propostas, em virtude de não terem sido apresentados à Administração Fiscal até à presente data".
Efetivamente, apesar de no decorrer da ação de inspeção ter sido solicitado à empresa os elementos necessários ao apuramento do IVA incorporado nos custos comuns, (campo 24 das declarações periódicas do IVA) «outros bens e serviços», do exercício de 2003 estes não foram disponibilizados, pelo que foi proposta a correção ao IVA no montante de € 686.359,09 decorrente da correção do pro rata definitivo de 70% para 34% e a sua aplicação ao IVA dedutível relativo aos bens e serviços comuns adquiridos ao longo do ano pelas diferentes empresas envolvidas na fusão.
Contudo, nesta data a empresa apresenta novos factos, devidamente comprovados por documentos, que após análise permitiu aferir que no total dos valores inscritos no campo 24 das referidas declarações periódicas de IVA, existem efetivamente alguns custos em que é possível a aplicação do método da afetação real, pelo que o IVA referente aos mesmos será desconsiderado para efeitos de apuramento da correção em causa.
Ainda relativamente aos custos comuns em que, após a fusão, não sendo possível fazer a afetação real, a empresa calculou, com efeitos a partir da data da fusão, (01/10/2003), um pro rata com base nas regras gerais previstas no Código do IVA.
Contudo, no ponto 41º e seguintes do direito de audição vem referir que "...para um determinado conjunto de custos comuns, é possível utilizar um critério bastante mais objetivo que o critério da proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações, baseado no volume de negócios."
Acrescenta ainda que "Mais concretamente, para os custos com energia elétrica, água, higiene e limpeza, comunicações, é mais objetivo, mais racional e, consequentemente, mais justo, um critério de repartição com base na percentagem dos colaboradores – em regime de trabalho dependente – da A... e da B..., em relação ao total dos colaboradores efetivos das duas empresas."
Deste modo, pretende a empresa em sede de direito de audição que lhe seja apreciada a possibilidade de utilização de um critério específico de repartição de custos comuns (pro rata específico) com base na percentagem dos colaboradores da A... e da B..., em relação ao total dos colaboradores efetivos das duas empresas (98 colaboradores da A... e 28 colaboradores da B...), uma vez que para aqueles custos será, no seu entender, aquele o critério mais adequado a utilizar.
Para justificar a sua pretensão, vem invocar artigo 6º do RCPIT - Princípio da verdade material; que refere "o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade imaterial, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo."
Contudo apesar de afirmar que aquele é o critério mais razoável para repartição dos custos comuns referidos nunca o utilizou, ou seja, a A... sempre optou pela afetação real até à data da escritura de fusão, deduzindo integralmente o imposto suportado na aquisição de bens, sendo que relativamente à B... não deduziu qualquer imposto suportado na aquisição de bens, calculando e aplicando à data da fusão um pro rata baseado na proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações existentes (Sujeitas a IVA e Isentas de IVA), baseado no volume de negócios.
A empresa pode, uma vez preenchidos os requisitos do n.º 1 do artigo 23º do CIVA, efetuar a dedução do imposto segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, bem como aplicar um ou mais métodos de percentagem de dedução (ter um pro rata geral e também pro rata(s) especifico(s)) de acordo com critérios bem definidos e passíveis de verificação por parte da Administração fiscal.
Porém, embora o método de percentagem de dedução pretendido em termos teóricos possa eventualmente parecer razoável, na prática teria de ser convenientemente validado para se poder aferir se efetivamente este seria o critério mais justo e racional por forma a garantir que a sua utilização não provoca distorções a nível da mecânica do IVA.
Efetivamente este critério, uma vez envolvendo as variáveis colaboradores e suas funções, não é de fácil aferição por variadas razões, nomeadamente o facto dos mesmos se encontrarem a prestar serviço em espaços comuns ao Grupo Económico e eventualmente, embora vinculados a uma determinada entidade, muitas vezes possam efetuar tarefas para outra(s) entidade(s) diferente daquela a que estão vinculados (como trabalhadores independentes). Se esta situação se torna difícil de verificar em anos em que não se alteram significativamente políticas empresarias, veja-se a dificuldade no ano em que se operou uma Fusão (2003) entre empresas do mesmo Grupo.
Para além do referido anteriormente as regularizações que se destinam a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica de imposto deverão ser efetuadas ao abrigo dos artigos 23º e seguintes do CIVA, consoante os casos.
Aliás, pela conjugação entre o artigo 23º do CIVA e o artigo 131º do CPPT a empresa dispõe de um período que pode ir até 2 anos para efetuar regularizações relativamente erros na autoliquidação, e no caso presente este prazo já foi ultrapassado.
A audição prévia prevista na lei visa a que a entidade inspecionada possa pronunciar-se sobre o projeto de correções resultante do procedimento de inspeção realizado e não poderá servir como meio de requerer critérios diferentes daqueles que foram objeto de análise por parte da inspeção, na medida em que o período para análise do respetivo direito de audição não é a forma de procedimento adequada para estas situações.
Face ao exposto anteriormente a questão de aceitar um pro rata especifico para determinados custos comuns, não colhe a argumentação apresentada pela empresa, mantendo-se as circunstâncias, factos e fundamentos referenciados no Projeto de Conclusões do Relatório.
Relativamente à outra questão, tendo em consideração os novos documentos, devidamente comprovados, que após análise permitiu aferir que no total dos valores inscritos no campo 24 das referidas declarações periódicas de IVA, existem efetivamente alguns custos em que é possível a aplicação do método da afetação real, o IVA referente aos mesmos será desconsiderado para efeitos de apuramento da correção em causa, passando o valor a corrigir para € 309.276,22, conforme mapa de apuramento em anexo (cfr. Anexo nº .12).
Deste modo foi elaborado o presente relatório final de harmonia com o artigo 62º do RCPIT.
C) Na sequência da inspeção a AT emitiu as liquidações de IVA e juros compensatórios que constam do documento n.º 35 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido:
a) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0201, no valor de € 5.538,36;
b) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0202, no valor de € 9.890,70;
c) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0203, no valor de € 7.587,22;
d) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0204, no valor de € 13.355,04;
e) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0205, no valor de € 7.763,17;
f) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0206, no valor de € 11.960,93;
g) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0207, no valor de € 16.807,09;
h) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0208, no valor de € 6.627,01;
i) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0209, no valor de € 35.250,20;
j) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0210, no valor de € 18.547,53;
k) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0211, no valor de € 11.384,52;
l) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0212, no valor de € 10.899,32;
m) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0301, no valor de € 6.075,10;
n) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0301, no valor de € 18.602,94;
o) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0303, no valor de € 27.614,52;
p) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0304, no valor de € 26.226,84;
q) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0305, no valor de € 20.383,41;
r) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0306, no valor de € 23.210,79;
s) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0307, no valor de € 7.475,85;
t) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0308, no valor de € 20.545,38;
u) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0309, no valor de € 20.034,97;
v) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0310, no valor de € 27.810,23;
w) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0311, no valor de € 24.693,60;
x) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0312, no valor de € 329.982,57;
y) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0201, no valor de € 1.062,30;
z) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0202, no valor de € 1.840,21;
aa) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0203, no valor de € 1.367,99;
bb) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0204, no valor de € 2.325,97;
cc) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0205, no valor de € 1.308,89;
dd) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0206, no valor de € 1.940,95;
ee) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0207, no valor de € 2.633,88;
ff) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0208, no valor de € 1.000,41;
gg) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0209, no valor de € 5.105,00;
hh) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0210, no valor de € 2.582,93;
ii) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0211, no valor de € 1.517,73;
jj) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0212, no valor de € 1.386,15;
kk) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0301, no valor de € 741,16;
ll) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0302, no valor de € 2.158,96;
mm) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0303, no valor de € 3.062,56;
nn) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0304, no valor de € 2.822,44;
oo) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0305, no valor de € 2.128,81;
pp) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0306, no valor de € 2.342,70;
qq) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0307, no valor de € 729,97;
rr) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0308, no valor de € 1.938,58;
ss) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0309, no valor de € 1.822,36;
tt) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0310, no valor de € 2.348,16;
uu) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0311, no valor de € 2.075,62;
vv) Liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativa ao período 0312, no valor de € 26.687,91;
D) Em 29-08-2006, a Requerente impugnou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa as liquidações referidas, tendo o processo o n.º .../06...BELSB (cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) A Administração Tributária apresentou contestação na impugnação referida (cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Em 17-06-2009, foi realizada a diligência de inquirição de testemunhas no processo referido, tendo as partes sido notificadas para a produção de alegações escritas (cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 01-06-2008, a ora Requerente apresentou alegações escritas no processo referido (cfr. documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Em 17-08-2009, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de parcial procedência da impugnação (cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Em 16-12-2016, a Requerente efetuou o pagamento integral das liquidações de imposto impugnadas, ao abrigo do regime especial de regularização de dívidas, previsto no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 03 de Novembro (cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) Em 24-04-2019, o processo continuava a aguardar sentença no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, tendo a Requerente requerido a extinção da instância para submissão da sua apreciação de tribunal arbitral, pretensão que foi julgada válida por decisão judicial de 30-04-2019 (cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) A Requerente prosseguiu, desde 1982, a atividade de locação financeira, no âmbito do respetivo objeto social, tendo este sido ampliado, em Outubro de 2003, de forma a abranger também a realização de outro tipo de operações (cfr. documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) Em Outubro de 2003, foi realizada a fusão por incorporação de três empresas na sociedade ora Requerente, a saber: a B..., S.A. ("B..."), a C..., S.A. ("C..."), e a D..., Lda. ("D...") (cfr. documento n.º 10);
M) Em Novembro de 2004, a ora Requerente incorporou por fusão as sociedades E..., Lda., F..., Lda. e G..., S.A. (cfr. documento n.º 10);
N) A sociedade C..., S.A., tinha como atividade (no momento em que foi incorporada na ora Requerente): «a prestação de serviços relacionados com contratos de gestão de frotas, contratos de manutenção, reparação, assistência de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores e atividades afins, compra e venda de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores, novos e usados, bem como as respetivas peças e acessórios e atividades afins» (cfr. documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
O) A D... tinha como atividade (no momento em que foi incorporada na ora Requerente): «o comércio e aluguer de bens e serviços; a prestação de serviços de investimento, administrativos, técnicos e consultadora e apoio empresarial em geral, bem como de serviços afins e conexos» (cfr. documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
P) Relativamente às outras 3 sociedades, incorporadas por fusão, em Novembro de 2004, duas delas (a E..., Lda., e F..., Lda.) tinham por objeto social ‹‹o comércio e viaturas de aluguer» (cfr. documentos n.ºs 13 e 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
Q) A G..., S.A., sociedade também incorporada, por fusão, em Novembro de 2004, dedicava-se exclusivamente à gestão dos imóveis próprios do grupo económico onde se insere a ora Requerente (cfr. documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
R) Após a incorporação da B..., S.A., em Outubro de 2003, a sociedade incorporante, ora requerente, anteriormente designada H..., S.A., constitui-se como sujeito passivo de IVA misto, em virtude da incorporação, por fusão, de uma sociedade que tinha por atividade a concessão de crédito a clientes, destinado a aquisição de veículos;
S) Enquanto sujeito passivo misto, a Requerente adotou, desde 2003, os seguintes procedimentos na recuperação do IVA suportado:
i) Relativamente ao imposto suportado com a aquisição de "inputs" afetos exclusivamente a operações de locação financeira, de locação simples e outras operações tributáveis, a Requerente recupera o imposto na sua totalidade;
ii) No que se refere ao imposto suportado com a aquisição de "inputs" afetos exclusivamente às operações de crédito (operações isentas sem direito à dedução), a Requerente não deduz qualquer valor;
T) Para além dos "inputs" exclusivamente afetos a cada um dos sectores de atividade, existem ainda diversos custos de estrutura, que são custos comuns ao sector de locação financeira, de locação simples e de outras operações tributáveis (sujeito a IVA) e ao sector do crédito (sujeito, mas isento de IVA), como sejam, designadamente, as despesas de eletricidade, água, segurança, limpeza ou comunicações;
U) Relativamente a estes custos comuns, a Requerente entendeu que não se afigura exequível estabelecer uma relação direta e inequívoca com os "outputs" da atividade de locação financeira, sujeita a IVA, ou da atividade de crédito, sujeita a IVA, mas isenta daquele imposto;
V) Na impossibilidade prática de determinar a que sector de atividade dizem respeito os custos comuns, e por forma a proceder à dedução do IVA que lhes está associado a Requerente recorreu ao método da percentagem de dedução, previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, em vigor à data da ocorrência dos factos tributários, calculando o respetivo pro rata geral de dedução (baseado no volume de negócios) em conformidade com o n.º 4 do artigo 23.º daquele Código, considerando no numerador da fração o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução e no denominador o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pela Requerente, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto;
W) Para efeitos da determinação da percentagem de dedução de imposto associado aos custos comuns à locação financeira e ao crédito, a Requerente considerou, no que diz respeito às operações de locação financeira, o valor das rendas cobradas aos clientes no decurso dos respetivos contratos, ou seja, o valor correspondente à base tributável das operações de locação, prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA;
X) Os contratos de locação financeira celebrados pela Requerente, prevêem a obrigação de os locatários efetuarem seguros de que a Requerente é beneficiária, que abranja a eventual perda ou deterioração parcial, casual ou não, do bem locado, a menos que o mesmo seja efetuado pelo locador, caso em que o prémio é também suportado pelo locatário [cfr. cláusula 7.ª alínea e) das «Condições Gerais de Leasing» que constam do documento n.º 17, cujo teor se dá como reproduzido];
Y) Os contratos de locação financeira celebrados pela Requerente, prevêem que «[s]endo a perda total, o contrato considerar-se-á vencido na totalidade, na data em que a seguradora decretar a respetiva perda, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual (...) deduzindo-se a este valor o montante da indemnização que o locador tenha recebido ou venha a receber da seguradora» [cfr. cláusula 8.ª alínea a). das «Condições Gerais de Leasing» que constam do documento n.º 17];
Z) Os riscos de perda ou deterioração dos veículos automóveis objeto dos contratos de locação financeira outorgados pela Requerente foram todos objeto de contratos de seguro, nas condições referidas no Documento n.º 20, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
AA) No decurso dos contratos de locação financeira ocorreram acidentes que originaram a perda total dos veículos locados, designadamente os indicados no documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
BB) As seguradoras pagaram diretamente à Requerente (beneficiária do seguro) as indemnizações no âmbito dos contratos referidos;
CC) Os clientes da Requerente pagaram-lhe as quantias correspondentes à diferença entre o somatório das rendas vincendas mais o valor residual deduzido do valor da indemnização que foi paga à Requerente diretamente pela seguradora (líquida da franquia a que eventualmente haja lugar);
DD) Nas situações em que a cobertura do seguro assegura uma viatura de substituição em novo não foi paga à Requerente a quantia calculada nos termos da alínea anterior e o valor da indemnização paga pela seguradora serviu para adquirir um veículo novo (contratos com cláusula de substituição da viatura em novo acionada que constam do documento n.º 24 e condições do seguro e ativação dessa garantia que constam dos documentos contidos no documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
EE) Nas situações em que o contrato de seguro estabelece uma franquia, o cliente pagou à Requerente o valor da franquia;
FF) Em 27-02-1996, a Requerente apresentou um pedido de Informação Vinculativa nos termos que constam do documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
«A A..., S.A. é locadora de um veículo automóvel ligeiro que sofreu um acidente com perda total:
Na data do sinistro o capital em dívida no contrato de locação financeira era de Esc. 1.093.540$00;
A companhia de seguros pagou à A..., S.A. uma indemnização no valor de Esc. 850.000$00;
A A..., S.A. debita ao lesante (locatário) o valor remanescente (Esc.: 243.540$00) para ficar integralmente ressarcida do prejuízo sofrido.
Pretende-se saber se devemos ou não liquidar IVA no documento em que debitamos a conta do lesante pelo referido montante».
GG) Posteriormente, a Requerente foi notificada através do ofício n.º..., datado de 21-11-1996, do entendimento da AT a sobre esta concreta situação de facto, a saber:
– "o débito da A... à companhia de seguros não é abrangido pelas normas de incidência do IVA e, como tal, não deve ser tributado uma vez que se trata da transferência de responsabilidade civil do segurado;"
– "o débito da A... ao locatário é tributado em IVA, uma vez que configura uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto." (cfr. documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
HH) Na sequência desta Informação Vinculativa, a Requerente passou a adotar os seguintes procedimentos:
i) Relativamente à indemnização que recebe da companhia de seguros, considera-a não sujeita a IVA, tal como a considerou a AT, na resposta ao pedido de informação vinculativa que lhe foi apresentado, por tratar-se de uma operação que se encontra fora do âmbito de incidência do imposto - uma indemnização que visa exclusivamente ressarcir os danos resultantes da destruição do veículo (cfr. alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA),
ii) No que respeita ao valor que é cobrado ao cliente decorrente da resolução antecipada do contrato de locação (resultado da dedução da indemnização à soma das rendas vencidas e não pagas, vincendas e valor residual), a Requerente sujeita-o a IVA, por entender tratar-se de uma operação que visa o ressarcimento de lucros cessantes, que se enquadra no conceito residual de prestação de serviços, previsto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA (cfr. documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
II) Em 17-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
3. Matéria de direito
3.1. Questão da inclusão dos valores das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, no apuramento do pro rata definitivo de dedução
3.1.1. Enquadramento da questão e posições das Partes
No dia 01-10-2003, foi realizada a escritura de fusão por incorporação numa única entidade (I..., S.A.) de quatro empresas, todas instituições de crédito, que até aí tinham atuado isoladamente.
Estas quatro empresas desenvolviam atividades distintas, nomeadamente locação financeira, serviços especializados de gestão automóvel e financiamento de aquisições a crédito.
Quer a Requerente, após a fusão, quer as empresas individualmente, antes da fusão, adotaram o método da afetação real unicamente para o exercício do direito à dedução do imposto incorrido na aquisição de bens que são objeto de contratos sujeitos a IVA (recuperando integralmente o imposto suportado) e não deduzindo qualquer imposto quando os bens estejam associados a operações ou contratos isentos de IVA que não confiram direito à dedução.
Relativamente às outras despesas em que incorreram, na aquisição de diversos bens e serviços comuns, nomeadamente para a prossecução da atividade de locação em geral bem como para a atividade de financiamento de aquisições a crédito, sujeita a imposto do selo, sendo impraticável exercer o direito à dedução do IVA com o recurso ao método da afetação real, as empresas utilizaram o método da percentagem de dedução ou pro rata.
Esta percentagem de dedução ou pro rata foi nula nas sociedades de financiamento de aquisições a crédito e total ou próxima dos 100% na sociedade de locação financeira.
A Requerente no cálculo do pro rata de dedução considerou no numerador e no denominador da fração o valor da amortização financeira, componente da renda no âmbito dos contratos de locação financeira, bem como os juros referentes a títulos de investimento.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que quanto à atividade de locação financeira apenas poderá ser considerado no cálculo do pro rata o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing, mas não a parte das rendas que corresponde a amortização.
No ano de 2003 estava em vigor a Sexta Diretiva do Conselho, de 17-05-1977 (doravante “6.ª Diretiva”) que estabelecia o seguinte, nos seus artigos 17.º e 19.º, no que aqui interessa:
«Artigo 17.º
Origem e âmbito do direito à dedução
1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.
2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;
b) O imposto o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados;
c) O imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n.º 7, alínea a), do artigo 5.º e do n.º 3 do artigo 6.º.
3. Os Estados-membros concedem igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado, previsto no n.º 2, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:
a) Das operações relativas às actividades económicas, previstas no n.º 2 do artigo 4.º, efectuadas no estrangeiro, que teriam conferido direito à dedução se essas operações tivessem sido realizadas no território do país;
b) Das operações isentas nos termos do n.º 1, alínea i), do artigo 14.º, do artigo 15.º, e do n.º 1, B), C) e D), e do n.º 2 do artigo 16.º;
c) Das operações isentas nos termos do disposto em B), a) e d), 1 a 5, do artigo 13.º, quando o destinatário se encontre estabelecido fora da Comunidade ou quando tais operações estejam directamente conexas com bens que se destinam a ser exportados para um país fora da Comunidade.
(...)
5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo.
Todavia, os Estados-membros podem:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.»
«Artigo 19.º
Cálculo do pro rata de dedução
1. O pro rata de dedução, previsto no n.º 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.º, resultará de uma fracção que inclui:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.º 2 e 3 do artigo 17.º;
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a ), do artigo 11.º.
O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo de pro rata de dedução, não se toma em consideração o montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na respectiva empresa. Não é igualmente tomado em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras ou às operações referidas em B, d ), do artigo 13.º quando se trate de operações acessórias. Sempre que os Estados-membros façam uso da faculdade prevista no n.º 5 do artigo 20.º, de não exigirem o ajustamento em relação aos bens de investimento, podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.
3. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob fiscalização administrativa pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados-membros podem manter a sua regulamentação actual.
A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica o ajustamento das deduções operadas com base no pro rata aplicado a título provisório.»
O artigo 23.º do Código do IVA, na redação resultante do Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de Outubro, vigente em 2003, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
«Artigo 23.º
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.
6 - A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efectuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.
7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30º e 31º.
8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção será arredondado para a centésima imediatamente superior.
9 - Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos nºs 2 e 3.»
3.1.2. Apreciação da questão
A Requerente desenvolveu atividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA), bem como atividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 28 do artigo 9.º do Código do IVA, na redação vigente em 2003).
Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua atividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na atividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA e artigo 17.º, n.º 2, da 6.ª Diretiva].
No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na atividade tributada (como é a locação financeira), como na atividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).
Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados não só para operações com direito à dedução, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é permitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva e n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA).
Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fração que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 19.º, n.º 1, da 6.ª Diretiva e 23.º, n.º 4, do Código do IVA).
O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigos 19.º, n.º 1, da 6.ª Diretiva e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do Código do IVA).
A parte final do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva permitia aos Estados-Membros:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não se tome em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.
Ao abrigo desta norma, no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA, na redação vigente em 2003, estabeleceu-se que «poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação».
A utilização deste método de afetação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Tributária Fiscal o determinar, o que poderá fazer «quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas» ou «quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação» (n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA na redação vigente em 2003).
Assim, a dedução segundo a afetação real relativamente a meios de utilização mista apenas pode ocorrer por opção do sujeito passivo, ou por imposição da Administração Tributária quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas.
No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de aplicação do método da afetação real, com base em critérios objetivos, quanto aos meios de utilização mista.
Porém, enquanto a Requerente aplicou o pro rata geral baseado no volume de negócios para calcular a proporção entre operações com e sem direito à dedução, a Administração Tributária entendeu no Relatório de Inspeção Tributária que a parte correspondente à amortização financeira das rendas decorrentes dos contratos de locação financeira deve ser excluída do cálculo por a sua inclusão dar origem a distorções no apuramento do IVA dedutível.
Concretamente, a Administração Tributária entendeu que «a prática utilizada pela empresa de incluir no cálculo do pro rata as componentes "amortização financeira" e "juros de títulos de investimento", conduziu a uma percentagem de dedução muito superior aquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns». «Com efeito, a empresa apurou um pro rata definitivo de 70%, quando o resultado da fração, depois de expurgada a componente amortização financeira, e os juros de títulos de investimento é de 34%».
A Requerente defende que, à face do regime legal referido, as alternativas de que a Administração Tributária dispunha eram:
– ou não aceitar a aplicação do pro rata geral - baseado no volume de negócios - como critério de dedução dos custos comuns afetos à atividade ora em apreço, por entender que esse critério conduz a distorções significativas e, consequentemente, obrigar a Requerente a efetuar afetação real desses custos comuns ou, definir um critério mais justo e racional que tenha subjacente o real e efetivo destino desses custos comuns em função das diferentes atividades exercidas e obrigar a Requerente a utilizar esse critério, o que terá fundamento na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, se se provar que existem distorções significativas na tributação decorrentes da aplicação das regras do pro rata geral;
– ou aceitar a aplicação do pro rata geral - baseado no volume de negócios, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IVA.
Afigura-se ser claro que a Requerente tem razão, quanto à falta de suporte legal, à face da legislação vigente em 2003.
Na verdade, à face do preceituado nos n.ºs 1 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA, a aplicação de uma percentagem para determinar a dedução quanto a meios de utilização mista apenas está prevista com base no pro rata geral, baseado no volume de negócios, com inclusão no numerador do montante anual das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução (imposto excluído), e no denominador da fração do montante anual de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto (imposto excluído).
Este regime tinha suporte explícito no artigo 19.º, n.º 1, da 6.ª Diretiva, ao prever a inclusão:
– no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º;
– no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução.
Assim, a existirem distorções significativas na tributação, como entendeu a Administração Tributária, a alternativa legal era impor à Requerente «a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados», ao abrigo da alínea b) do n.º 3 com remissão para o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
Na verdade, embora na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva, se estabeleça que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», o que poderia dar cobertura ao método utilizado pela Administração Tributária, o certo é que essa faculdade não tinha sido exercida pelo legislador nacional até ao final do ano de 2003.
Esta possibilidade foi admitida no acórdão proferido em 10-07-2014, no processo C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, em que o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da 6.ª Diretiva «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
No entanto, aquele aresto do TJUE pressupõe que o recurso a um método que não o do pro rata geral ou da afetação real dependa de uma opção prévia do legislador doméstico traduzida na criação e densificação legal desse método, o que não aconteceu até ao final de 2003, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a aplicação pela Requerente de um método de cálculo de percentagem de dedução diverso do previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA e do artigo 19.º da 6.ª Diretiva.
Na verdade, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da 6.ª Diretiva não é uma disposição de aplicação direta, pois é dirigida aos «Estados-Membros», permitindo-lhes «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».
Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [n.º 2 do artigo 103.º, alínea i) do n.º 1 do artigo 165.ºvda Constituição da República Portuguesa, doravante “CRP”] e 8.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da 6.ª Diretiva tem de ser efetuada por via legislativa.
Por outro lado, é manifesto que a aplicação de uma percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de afetação real de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objetividade, por exemplo, quais as despesas de eletricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.
Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto diretamente, no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e do n.º 1 do artigo 19.º da 6.ª Diretiva.
Por isso, embora o terceiro parágrafo da alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no Código do IVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.
E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (n.º 2 dos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «[o]s órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».
À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa». ( )
Por outro lado, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se demonstrou que a aplicação do método utilizado pela Administração Tributária evita distorções significativas da tributação.
Pelo contrário, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. (…), citado no acórdão do processo n.º 309/2017-T, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».
A isto acresce que, como decidiu o TJUE, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo C-183/13 (Banco Mais), a possibilidade de um Estado-Membro obrigar a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, apenas é admissível «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Como resulta desta parte final, na perspetiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) ao entender que decorre daquela decisão do TJUE «que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» ( ).
A isto acresce que jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente o entendimento adotado no processo C-183/13, veio esclarecer que «os Estados‑Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C‑153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).
Assim, o método utilizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva.
As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( ).
Por outro lado, ainda, dispõe a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, que «[N]os casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».”. Ou seja, o IVA deve ser liquidado sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, constituindo este montante global o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira. Assim, a solução proposta pela Administração Tributária, de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais.
Pelo exposto, conclui-se que o método de cálculo da percentagem de dedução utilizado pela Administração Tributária no caso em apreço enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA e artigos 17.º e n.º 1 do artigo 19.º, da 6.ª Diretiva, o que justifica a anulação da correção efetuada, bem como das liquidações impugnadas, nas partes em que nela assentam, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos da alínea c) do artigo 2.º da LGT.
3.1.3. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vícios de violação de lei, que asseguram estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas quanto a esta questão do método de cálculo da percentagem de dedução, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
3.2. Questão da falta de liquidação de IVA em perdas totais
Os contratos de locação financeira celebrados pela Requerente, prevêem a obrigação de os locatários efetuarem seguros de que a Requerente é beneficiária, que abranja a eventual perda ou deterioração parcial, casual ou não, do bem locado a menos que o mesmo seja efetuado pelo locador, caso em que o prémio é também suportado pelo locatário.
A Requerente celebrou contratos de seguro dos veículos automóveis objeto dos contratos de locação financeira.
Nos termos desses contratos, as seguradoras pagaram diretamente à Requerente (beneficiária do seguro) as indemnizações no âmbito dos contratos referidos.
Os clientes da Requerente pagaram-lhe as quantias correspondentes à diferença entre o somatório das rendas vincendas mais o valor residual deduzido do valor da indemnização que foi paga à Requerente diretamente pela seguradora (líquida da franquia a que eventualmente haja lugar).
Nas situações em que a cobertura do seguro assegura uma viatura de substituição em novo não foi paga à Requerente a quantia calculada da forma referida e o valor da indemnização paga pela seguradora serviu para adquirir um veículo novo.
A Administração Tributária entendeu no Relatório de Inspeção Tributária que «de acordo com os contratos de locação, quando a perda do bem objeto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, atualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora».
Como refere a Requerente, a situação em apreço foi objeto de Informação Vinculativa, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou como não tributável o pagamento da indemnização da seguradora diretamente à Requerente, «uma vez que se trata da transferência de responsabilidade civil do segurado», sendo tributável em IVA apenas o valor que debita ao locatário, que é o remanescente para ficar integralmente ressarcida do prejuízo sofrido.
A situação descrita no pedido de Informação Vinculativa que a Administração Tributária entendeu não ser tributável, é precisamente a que se verifica no caso em apreço.
Assim por força do disposto no artigo 73.º do Código de Processo Tributário de 1991 (CPT), vigente à data em que a Informação Vinculativa foi emitida, «os serviços da administração fiscal não poderão proceder de forma diversa em relação ao sentido da informação prestada nos termos do n.º 2 do artigo anterior, salvo em cumprimento de decisão judicial».
Idêntico regime costa do n.º 14 do artigo 68.º da LGT.
Assim, a correção efetuada com fundamento na falta de liquidação de IVA em perdas totais, enferma de vício de violação de lei, por ofensa destas normas do CPT e da LGT, que justifica a anulação das liquidações impugnadas nas partes em que tem como pressuposto esta correção.
Para além disso, como refere a Requerente, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspeção Tributária, foi objeto de apreciação negativa no acórdão do STA de 31-10-2012, proferido no processo n.º 01158/11 , nestes termos:
«Neste caso, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respetivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora.
Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respetivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA.
Na verdade, aplicando ao caso o que ficou dito sobre o critério identificador do conceito de indemnização remuneratória, vemos que nas relações entre locador e locatário havia uma relação sinalagmática e onerosa enquanto a locadora propiciava ao locador, no âmbito do contrato de locação, o uso do veículo.
Já no que respeita à segunda situação as coisas são diferentes.
Com o acidente dá-se a intervenção de um evento externo que interrompe essa relação e constitui a causa da indemnização a pagar pela seguradora à locadora. Aplicando a doutrina do Parecer da Comissão Europeia, o pagamento a efetuar pela seguradora é motivado por um evento exógeno que não está de modo algum relacionado com a operação tributável que constitui a locação do veículo.
Por outro lado, a indemnização não cobre o ganho que a recorrida teria se o contrato chegasse ao fim, uma vez que, como resulta do probatório (ponto N), a recorrida não exigia o pagamento de quaisquer juros vincendos devidos até ao final do contrato e que seriam liquidados se o contrato fosse cumprido.
Pelo contrário, o valor pago pela seguradora visa apenas indemnizar a recorrida do capital afeto às operações, compensando-se da saída do seu ativo dos bens que se perderam. Dito por outras palavras, o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing ou de aluguer de longa duração, mas os veículos, que constituem o objeto da atividade da recorrida, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários.
Não assiste razão à recorrente quando alega que “a indemnização paga pela seguradora deveria ser entregue ao locatário que, por sua vez, acertaria as contas com a locadora. Ora, assim sendo, apenas na ótica da esfera jurídica do locatário os montantes entregues pela seguradora podem ser qualificados com a natureza de indemnização”.
Ao contrário do alegado pela recorrente, afigura-se que a natureza da indemnização não depende dos sujeitos intervenientes, mas sim da causa e do objeto que a mesma visa reparar. Isto é, o facto de o risco referente à perda total dos veículos ter sido transferido para um terceiro não altera a natureza da indemnização, seja esta paga pela seguradora ou diretamente pelo particular, o que releva é que a mesma é devida pelos clientes da entidade que loca/aluga automóveis e tem como propósito reparar o prejuízo sofrido por aquela em caso de sinistro com perda total dos veículos.
Na verdade, a perda do veículo não pode deixar de ser considerado um prejuízo sofrido pela locadora, derivado do acidente, e que terá impacto na sua atividade como um todo, visando a indemnização reparar esse dano.
Assim sendo, por força da sua natureza é evidente que os montantes recebidos a título de indemnizações de risco coberto por contrato de seguro, na parte em que se destinem a reparar o dano consubstanciado na perda do veículo (ou do capital utilizado para a sua aquisição) não podem estar sujeitos a IVA».
Pelo exposto, quer por violar a Informação Vinculativa, quer por erro na interpretação da lei a correção relativa à falta de liquidação de IVA em perdas totais, enferma de vícios que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2.1. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão da falta de liquidação de IVA em perdas totais, com fundamento em vícios de violação de lei, que asseguram a estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto no artigo 130.º e n.º 2 do artigo 608.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
4. Juros indemnizatórios
A Requerente pede juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
No entanto, não foi formulado pedido de juros indemnizatórios, na petição apresentada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.
O n.º 2 do artigo 11.º deste diploma estabelece que «as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido».
Trata-se de um regime especial de que resulta que não podem ser formulados mais pedidos do que os que foram apresentados no processo judicial, não havendo possibilidade de novos pedidos, mesmo que sejam desenvolvimentos de pedidos ou justificados por factos supervenientes.
Não há coincidência, obviamente, quando são formulados novos pedidos mesmo que decorram do pedido inicial.
Por outro lado, saber se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios é uma questão diferente e autónoma em relação à questão da apreciação da legalidade da liquidação, pois para a decidir é necessário aplicar normas que nem sequer foram invocadas perante o Tribunal Tributário.
Assim, não se toma conhecimento deste pedido, sem prejuízo de o direito a juros indemnizatórios poder vir a ser reconhecido em execução do presente acórdão.
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Não tomar conhecimento do pedido de juros indemnizatórios;
B) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
C) Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
a) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0201, no valor de € 5.538,36;
b) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0202, no valor de € 9.890,70;
c) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0203, no valor de € 7.587,22;
d) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0204, no valor de € 13.355,04;
e) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0205, no valor de € 7.763,17;
f) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0206, no valor de € 11.960,93;
g) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0207, no valor de € 16.807,09;
h) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0208, no valor de € 6.627,01;
i) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0209, no valor de € 35.250,20;
j) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0210, no valor de € 18.547,53;
k) Liquidação de IVA n.º ..., relativa ao período 0211, no valor de € 11.384,52;
l) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0212, no valor de € 10.899,32;
m) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0301, no valor de € 6.075,10;
n) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0301, no valor de € 18.602,94;
o) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0303, no valor de € 27.614,52;
p) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0304, no valor de € 26.226,84;
q) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0305, no valor de € 20.383,41;
r) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0306, no valor de € 23.210,79;
s) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0307, no valor de € 7.475,85;
t) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0308, no valor de € 20.545,38;
u) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0309, no valor de € 20.034,97;
v) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0310, no valor de € 27.810,23;
w) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0311, no valor de € 24.693,60;
x) Liquidação de IVA n.º..., relativa ao período 0312, no valor de € 329.982,57;
y) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0201, no valor de € 1.062,30;
z) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0202, no valor de € 1.840,21;
aa) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0203, no valor de € 1.367,99;
bb) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0204, no valor de € 2.325,97;
cc) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0205, no valor de € 1.308,89;
dd) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0206, no valor de € 1.940,95;
ee) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0207, no valor de € 2.633,88;
ff) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0208, no valor de € 1.000,41;
gg) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0209, no valor de € 5.105,00;
hh) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0210, no valor de € 2.582,93;
ii) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0211, no valor de € 1.517,73;
jj) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0212, no valor de € 1.386,15;
kk) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0301, no valor de € 741,16;
ll) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0302, no valor de € 2.158,96;
mm) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0303, no valor de € 3.062,56;
nn) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0304, no valor de € 2.822,44;
oo) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0305, no valor de € 2.128,81;
pp) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0306, no valor de € 2.342,70;
qq) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0307, no valor de € 729,97;
rr) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0308, no valor de € 1.938,58;
ss) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0309, no valor de € 1.822,36;
tt) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0310, no valor de € 2.348,16;
uu) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0311, no valor de € 2.075,62;
vv) Liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa ao período 0312, no valor de € 26.687,91.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 641.722,93.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 04-11-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Paulo Jorge Varela Lopes Dias)
(Leonardo Marques dos Santos)