DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Elisabete Flora Louro Martins e Dr. José Coutinho Pires (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-07-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A, anteriormente designada por B..., SA., com o número de identificação fiscal ... e com sede no Lugar do ..., ...-... Maia (doravante, “REQUERENTE"), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT n.º..., determinando-se a anulação parcial do mesmo, com o reembolso da quantia de € 763.750,00, correspondente IMT indevidamente pago, acrescida de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-04-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-07-2019.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente.
Por despacho de 23-09-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e indicada data para a decisão.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tinha por objeto social a compra e venda de imóveis e, bem assim, a revenda de imóveis adquiridos para esse fim (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) Em 28-11-2014, e no âmbito da sua actividade, a Requerente celebrou um contrato de compra e venda com o FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO – C..., actualmente designado por FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO – D... (doravante designado como «Fundo»), através do qual adquiriu, para revenda, e pelo global de € 23.500.000,00 (vinte e três milhões e quinhentos mil euros), a fracção autónoma destinada a fins comerciais (hipermercado) identificada pela letra “A” do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de Loures, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º... da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial n.º U-...-A (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) A referida entidade alienante é sempre foi um fundo de investimento aberto, com sede social em Portugal, constituída e a operar de acordo com a legislação portuguesa, encontrando-se registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) Tendo o identificado imóvel sido adquirido para revenda, a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT (Documento n.º 2);
E) Mais tarde, não tendo o imóvel em causa sido revendido no prazo de 3 anos, a Administração tributária procedeu, em 19-12-2017, a emissão do acto de liquidação de IMT n.º..., no montante de € 1.527.500,00, aplicando a taxa de 6,5% ao valor do imóvel (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) A Requerente pagou integralmente esse valor no dia 20-12-2017 (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 26-10-2018, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do referido acto de liquidação de IMT, tendo nele defendido, essencialmente, que o mesmo padece do vício de ilegalidade por violação do artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, ‹‹EBF››), na redação em vigor à data da aquisição do referido imóvel;
H) Até 26-04-2019, data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que de origem ao presente processo, o pedido de revisão oficiosa não foi apreciado.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
A questão que é objecto do presente processo é a de saber se a aquisição do imóvel referido nos autos beneficia de redução da taxa de IMT, ao abrigo do artigo 49.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) por o imóvel estar integrado num fundo de investimento imobiliário.
O artigo 49.º, n.º 1 do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente em 2014 ( ), ano em que ocorreu a aquisição do imóvel, estabelece o seguinte:
Artigo 49.º
Fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões
e fundos de poupança-reforma
1 - São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
A referida Lei n.º 83-C/2013 inclui uma disposição transitória nos seguintes termos:
Artigo 209.º
Disposição transitória no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais
O regime tributário resultante da nova redação dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende na sua Resposta que a aquisição efectuada pela Requerente não beneficia da redução de taxa prevista naquele n.º 1 do artigo 49.º do EBF, porque «da norma do art. 209º Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, “resulta claramente que o legislador considera que o requisito da constituição dos fundos de investimento tem o sentido que lhe demos neste parecer, ou seja, que esse requisito é uma condição essencial da aplicação do benefício, e que, neste caso, o novo regime se aplica aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova redacção, pelo que, em consequência, o benefício da redução da taxa aplicava-se aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro, durante a sua vigência”.
Não tendo sido proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa, é de entender que o obstáculo à pretensão da Requerente é apenas o que invocado no artigo 4.º da Resposta, designadamente o de «que o prédio integrava o Fundo antes da alteração ao art. 49º (anterior 46º) do EBF introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro» e o referido artigo 209.º restringir a aplicação do benefício fiscal «aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova redacção, pelo que, em consequência, o benefício da redução da taxa aplicava-se aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro, durante a sua vigência».
Afigura-se que esta interpretação não tem no artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o mínimo de suporte textual.
Na verdade, ao referir-se nesta norma a aplicação da nova redacção «aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário», está claramente a reportar-se a todos os prédios que, nessa data, se encontravam integrados nos fundos, inclusivamente aos que tinham sido integrados em data anterior à entrada em vigor desta Lei e que, nesse momento, ainda se mantinham neles integrados.
E, por força do disposto na parte final do mesmo artigo 209.º, o benefício fiscal aplica-se também aos prédios que, após a entrada em vigor da da Lei n.º 83-C/2013, viessem a integrar os fundos.
Assim, tendo a venda do imóvel pelo Fundo sido efectuada na vigência do benefício fiscal (antes da sua revogação pelo artigo 215.º, n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), era-lhe aplicável a taxa reduzida prevista no artigo 49.º, n.º 1, do EBF.
Por outro lado, tratando-se de um benefício fiscal objectivo, aplicável aos prédios integrados em fundos, a redução de taxa de IMT é aplicável a quem fizesse a aquisição desses prédios.
Pelo exposto, conclui-se que foi ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
4. Reembolso parcial da quantia pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
A Requerente pagou, em 20-12-2017, o imposto liquidado.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.
No caso em apreço, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação.
Assim, a Requerente tem direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante correspondente à redução de taxa de 50%, que é de € 763.750,00.
No que concerne a juros indemnizatórios, nos casos de pedido de revisão oficiosa, apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, como decorre da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Neste sentido tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.
No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-10-2018, há menos de um ano, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
b) Anular parcialmente a liquidação de IMT n.º..., quanto ao valor de € 763.750,00;
c) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 763.750,00 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-la à Requerente;
d) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 763.750,00.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.016,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 01-10-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Elisabete Flora Louro Martins)
(José Coutinho Pires)