DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Dr. António Alberto Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-07-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SGPS, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa colectiva ..., com sede no ..., ...-... ... ...(doravante, simplesmente “A...” ou “Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pede a anulação da liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios do ano de 2015, com o número 2018... .
A Requerente pede ainda condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-04-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
Em 14-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-07-2019.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 21-09-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) Foi realizada uma inspecção à Requerente ao exercício de 2015, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018..., de 09-03-2018;
B) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
(...)
1.4.2 - Correções ao Imposto do Selo
1.4.2.1 -Operações Financeiras (Verba 17.1.4 da TGIS) -€ 437.002,64
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de dezembro, as concessões de crédito sob análise destinadas a suprir carências de tesouraria, sob a forma de conta corrente, concedidas pela A... SGPS, SA (A...) a favor da B... SGPS, SA (B...) são consideradas operações vedadas às SGPS, uma vez que a entidade concedente do crédito (A...) não detém qualquer participação na entidade utilizadora do mesmo (B...), razão pela qual estas operações não podem beneficiar da isenção de Imposto do Selo, prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante CIS) - nem tão pouco das previstas nas alíneas h) e i) - tendo em consideração o previsto no n.º 1 do art. 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante EBF), seguindo desta forma as regras gerais de sujeição ao Imposto do Selo.
Dado que o sujeito passivo não procedeu à correspondente liquidação e entrega do Imposto do Selo devido, em resultado da conjugação do disposto no art. 1.º, n.º 1, art. 2.º, n.º 1, alínea b), art. 23.º, n.º 1 e art. 41º do CIS, procedemos ao apuramento do Imposto do Selo em falta no valor de € 437.002,64, resultante da aplicação da taxa de 0,04%, prevista na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante TGIS) -ver ponto III.2.1.
(...)
III.2 - Imposto do Selo
III.2.1 - Operações Financeiras - Verba 17.1.4 da TGIS - € 437.002,64
A) Descrição das Operações
Da análise efetuada à conta "26612001 - Accionistas / sócios - Financiamentos concedidos a empresa-grupo -Suprimentos e outros mútuos – B..., SA”, do período de 2015 constatámos que, em 30-01-2015, a A..., SGPS, SA (A...) concedeu crédito à B..., SGPS, SA (B...) no valor de €94 100.099,00.
Durante o período de 2015, a B..., SGPS, SA efetuou diversas utilizações adicionais de fundos, no valor global de € 53.335 960,96, (movimentos a débito da conta 26612001) e dois reembolsos de fundos no valor global de € 34.039.581,00 (movimentos a credito da conta 26612001), pelo que o saldo desta conta em 31-12-2015 atingiu o montante de € 113.399.478,96 (€ 94.100.099,00 + € 53.338.960,96 - € 34.039.581,00). No quadro infra resumimos a informação contida no extrato da conta 26612001:
Por mail datado de 12-09-2018, foi efetuado um Pedido de Elementos no qual, no ponto 6, solicitámos à A... SGPS, SA os seguintes elementos:
"6 - Cópia do contrato ao abrigo do qual foi concedido o empréstimo à B..., SGPS, SA, contabilizado na conta 26612001. Caso não exista contrato enviar as Atas do Conselho de Administração onde estas operações foram ratificadas."
Em resposta a este pedido o contribuinte, por mail enviado em 03-10-2018, informou-nos do seguinte:
"7. Relativamente aos empréstimos concedidos pela A... à B... e à C... e bem como o financiamento obtido por esta entidade junto da B... —informamos que relativamente a estes, não existe nenhum contrato e/ou Ata do Conselho de Administração."
Da informação prestada pelo contribuinte resulta que relativamente ao crédito concedido pela A... à B..., SGPS, SA não existe qualquer contrato nem nenhuma ata nas quais estas operações estejam ratificadas.
Desta forma, por mail enviado em 04-10-2018, solicitámos à A... que nos indicasse "...juntando prova documental, as condições dos referidos empréstimos, bem como o enquadramento destas operações em sede de imposto do selo."
Em resposta a este pedido o contribuinte prestou o seguinte esclarecimento:
''4. Relativamente aos empréstimos existentes ao nível da A... no exercício de 2015 e 2016, estes respeitam as seguintes operações de crédito:
• B... I: Estes montantes (rubricas contabilísticas # 253122001 e # 26612001) respeitam a saldos existentes entre as duas entidades, os quais pela sua natureza de curto prazo, ainda que renováveis automaticamente (sempre que as necessidades de liquidez assim o determinam), se encontram abrangidos pela alínea g) do artigo 7º do Código do Imposto do Selo."
Por mail datado de 17-10-2018, questionámos o sujeito passivo sobre as condições do crédito concedido à B..., nomeadamente se o mesmo foi concedido sobre a forma de conta corrente e qual limite para o crédito (Plafond).
Em resposta a estas questões o sujeito passivo, por mail enviado em 19-10-2018, informou-nos do seguinte:
"Relativamente a uma das contas-correntes existentes entre a B... e a A... (# 26612001), esta é estabelecida em função das necessidades de tesouraria de curto prazo existente entre as sociedades, não existindo qualquer montante pré-estabelecido para a mesma e sob a forma de conta-corrente."
Do descrito anteriormente resulta que, apesar de não existir qualquer contrato que regule o crédito concedido pela A... à B..., o contribuinte esclareceu que o mesmo é de curto prazo, renovável automaticamente por igual período, destinando-se a fazer face a carências de tesouraria, funcionando sob a forma de conta corrente.
Relativamente ao enquadramento em sede de Imposto do selo o contribuinte considerou que estas operações se encontram isentas ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.
Quanto ao prazo de vigência do financiamento, a justificação apresentada pelo contribuinte está de acordo com as "Notas às contas para o exercício findo em 31-12-2015" na qual o financiamento concedido à B..., SGPS, SA é classificado como um "Ativo Corrente" (Nota X - Outros Ativos financeiros) e como "Contas a receber de Curto prazo" (nota XXV - Transações com entidades relacionadas).
Em suma, de acordo com a informação prestada pelo contribuinte, o financiamento concedido a B... tem uma vigência inferior a um ano, destinando-se a fazer face a carências de tesouraria, foi concedido sob a forma de conta corrente e encontra-se isento de imposto do selo ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 7. º do CIS.
B) Estrutura de participações
No período de 2015, a relação de participação existente entre as entidades intervenientes nas operações mencionadas anteriormente é a que se esquematiza seguidamente:
Conforme se pode verificar no quadro supra a A... SGPS, SA não detém qualquer participação direta ou indireta no capital da B..., SGPS, SA.
C) Enquadramento fiscal em sede de Imposto do Selo
C.1) Incidência objetiva e sujeição ao imposto
De acordo com o n.º 1 do art. 1.º do CIS este (...) incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral (...)", ou seja, a incidência objetiva do Imposto do Selo é estabelecida por referência a um conjunto de factos e operações constantes da Tabela anexa ao Código.
Da leitura da verba 17 da TGIS, constata-se que, "Sob a epígrafe 'operações financeiras' incluem-se no âmbito de incidência do Imposto do Selo a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros ou comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em Imposto do Selo se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.
Efetivamente, na verba 17.1. estipula-se que o Imposto do Selo é devido "Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título (...) incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo".
Transcreve-se, de seguida, o teor da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativa às operações financeiras:
"17 - Operações financeiras:
17.1 - Peta utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo:
17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano- por cada mês ou fração 0,04%
17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superiora um ano 0,50%
17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos 0.60% 17.1.4. - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 04%".
C. 2) isenção prevista no art. 7.º do CIS
Para a não liquidação de Imposto do Selo nas operações de crédito contabilizadas na conta 26612001, concedidas à B..., e de acordo com a resposta ao pedido de elementos de 12-09-2018, enviada por mail em 03-10-2018, o sujeito passivo invocou a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
Transcrevemos a referida alínea g) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, ao abrigo da qual o sujeito passivo considerou como isentas de Imposto do Selo as operações financeiras descritas na alínea A) do ponto III. 2.1.
"1 - São também isentos do imposto:
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo: ".
Assim, para que as operações acima indicadas possam beneficiar da isenção de Imposto do selo prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, devem verificar cumulativamente as seguintes condições:
- Quanto ao prazo, devem ser operações financeiras por prazo não superior a um ano;
- Quanto à utilização do crédito, o mesmo deve ser destinado exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria;
- Quanto às relações entre as sociedades (concedente e utilizador do crédito) limita a norma às operações efetuadas
1) por SCR a favor de sociedades em que detenham participações,
2) por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado;
3) em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.
Por outro lado, a alínea h) isenta as operações financeiras incluídas na alínea g), ou seja, as operações financeiras realizadas por um prazo não superior a um ano e exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que. neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período.
Finalmente, a alínea i) isenta os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, efetuados por sócios à sociedade.
Previamente à questão da aplicação das normas de isenção de Imposto do Selo antes abordada, é importante salientar o facto de que a entidade cedente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), pelo que constitui um elemento de particular importância o cumprimento do previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, uma vez que é este decreto que regula especificamente a atividade destas entidades.
O estatuído na alínea c) do n.º 1 do art. 5.º daquele diploma, veda a concessão de crédito por parte de uma SGPS a favor de qualquer sociedade em que não detenha participação.
Ora, é exatamente isto que ocorre no caso em análise, senão vejamos: nas operações de financiamento descritas na alínea A) deste ponto, e efetivamente realizadas, conforme consta da contabilidade, uma participada SGPS (A...) concede crédito a uma detentora do seu capital, também uma SGPS (B...), na qual não detém qualquer participação no capital social.
Desta forma, coloca-se a questão da aplicabilidade ou não das normas de isenção a operações de crédito efetuadas por empresas que não esteiam legalmente possibilitadas a realizá-las.
C.3) Inaplicabilidade das isenções a operações vedadas
Importa referir que, de acordo com o n.º 1 do art. 2.º do EBF. "Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem", adiantando o n.º 2 do mesmo artigo que "São benefícios fiscais as isenções", aqui se enquadrando o teor do art. 7.º do CIS, uma vez que, segundo o art. 1.º do EBF, "As disposições da parte i do presente Estatuto aplicam-se aos benefícios fiscais nele previstos, sendo extensivas aos restantes benefícios fiscais com as necessárias adaptações, sendo caso disso."
Vejamos se as normas de isenção do Imposto do Selo relativas a operações financeiras se aplicam a operações de crédito efetuadas por empresas que não estejam legalmente habilitadas a realizá-las, isto é, se abrange créditos concedidos relativamente aos quais, face à lei, se considera que traduzem operações vedadas.
" No caso objeto de análise, verifica-se a violação do determinado pela alínea c) do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de dezembro, com a redação dada pelo D.L. n.º 318/94 de 24 de dezembro, segundo o qual é vedado às SGPS "Conceder crédito, exceto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do art. 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º...".
Do descrito anteriormente resulta que, de acordo com a legislação aplicável, a isenção de Imposto do Selo invocada pelo sujeito passivo assenta sobre uma operação que a lei interdita, o que colide frontalmente com o propósito expresso no n.º 1 do art. 2.º do EBF quando se refere à "tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem".
De facto, quando a lei refere a possibilidade de concessão de crédito pelas sociedades participadas em benefício da Sociedade Gestora de Participações Sociais que com ela estejam em relação de domínio abrange, claramente, o universo das empresas participadas relativamente às quais, face à lei, esta operação não é vedada. De facto, a norma de isenção aplica-se a operações de crédito efetuadas por empresas que estejam, naturalmente, legalmente autorizadas a realizá-las.
Ora, se na base de isenção em causa se encontra uma situação contrária à lei, não se afigura como é que se poderá, através da concessão da isenção, considerarem-se operações vedadas legalmente como dignas de tutela e com interesse público extrafiscal relevante e superior ao da própria tributação, pelo que estamos na presença de um paradoxo insanável cuja consequência não poderá deixar de passar pela não aplicação da isenção de Imposto do Selo invocada pelo sujeito passivo.
Da conjugação do disposto nesta norma com o exposto a montante, resulta que, por força do estatuído no Decreto-Lei n º 495/88 de 30 de dezembro, encontra-se vedado a uma Sociedade Gestora de Participações Sociais conceder crédito a sociedade na qual não detém as participações sociais referidas na alínea c) do n.º 1 do art. 5.º do D.L. 495/88, com a redação dada pelo D. L. n.º 318/94 de 24 de dezembro, não podendo esta operação beneficiar de uma norma de isenção, ou seja, aproveitar de um benefício quando efetua uma operação que lhe é vedada por lei.
Do descrito anteriormente resulta que a B..., entidade utilizadora dos créditos objeto de análise, é Holding da A..., não detendo esta última qualquer participação no capital social da primeira, razão pela qual, a concessão de crédito acima mencionada é uma operação vedada à A..., não podendo esta operação de financiamento beneficiar da isenção prevista na alínea g) do n º 1 do art. 7.º do CIS - nem tão pouco das previstas nas alíneas h) e i), uma vez que não estão em causa operações referidas na alínea g) ou empréstimos com caraterísticas de suprimentos efetuadas por detentor de capital à sua participada - aplicando-se desta forma as regras gerais de sujeição ao Imposto do Selo.
C.4) Sujeição subjetiva e encargo do imposto
De acordo com o previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 2.º e dos artigos 23.º e 41.º do CIS, a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, ou seja, no caso em análise, à A..., pelo que esta entidade deveria ter pago o imposto até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do art. 44 º do CIS).
Haverá, assim, lugar a tributação em sede do Imposto do Selo calculado de acordo com a Verba 17.1 da TGIS, em função do prazo e no momento definido de acordo com alínea q) do n.º 1 do art. 5.º do CIS: refira-se que o encargo do imposto é da B..., enquanto "utilizador do crédito" [cfr. a alínea f) do n.º 3 do art. 3.º do CIS].
C.5) Taxa aplicável
De acordo com o descrito na alínea A) deste ponto, e conforme foi assumido pelo contribuinte na resposta ao pedido de elementos de 12-09-2018, não existe qualquer contrato que regule o crédito concedido pela A... à B... . No entanto a A... informou-nos que o financiamento concedido pela A... à B... tem vigência de curto prazo, renovável automaticamente, destinando-se a fazer face a carências de tesouraria e funcionando em sistema de conta corrente.
Do descrito anteriormente, e para efeitos da aplicação das taxas previstas na verba 17.1, e uma vez que, conforme foi assumido pelo contribuinte, o crédito é utilizado sob a forma de conta corrente, a taxa a aplicar será a prevista na verba 17.1.4 da TGIS que, por remissão do n.º 1 do art. 1.º do CIS, prevê a tributação em sede de Imposto do Selo, do "Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30", aplicando-se deste modo taxa de 0,04%.
A obrigação tributária, conforme previsto na alínea g) do n.º 1 do art. 5.º do CIS considera-se constituída no último dia de cada mês.
Importa também referir que, conforme previsto no ponto 28 da Circular 15, de 05/07/2000 - Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, "...O Imposto a que se refere o ponto 17.1.4 da Tabela Geral deve ser calculado tendo em consideração não os saldos contabilísticos mas os saldos-valor diariamente apurados, uma vez que estes refletem com maior rigor a dívida e, consequentemente, o imposto devido.".
D) Conclusões
Em síntese, e de acordo com o descrito anteriormente, ficou demonstrado que;
i) De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de dezembro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94 de 24 de dezembro, as utilizações de crédito destinadas a carências de tesouraria, concedidas pela A... a favor da B... são consideradas operações vedadas às SGPS, uma vez que a entidade concedente do crédito (A...) não detém qualquer participação na entidade utilizadora do mesmo (B...), razão pela qual estas operações, com vigência inferior a 1 ano e concedidas sob a forma de conta corrente, não podem beneficiar da isenção de Imposto do Selo, prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS - nem tão pouco das previstas nas alíneas h) e i) uma vez que não estão em causa operações referidas na alínea g) ou empréstimos com caraterísticas de suprimentos efetuadas por detentor de capital à sua participada - tendo em consideração o previsto no n.º 1 do art 2.º do EBF, seguindo desta forma as regras gerais de sujeição ao Imposto do Selo.
ii) Por aplicação da alínea g) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o momento de constituição da obrigação tributária ocorre no final de cada mês em que o crédito tenha permanecido ativo;
iii) Por aplicação da verba 17.1.4 da TGIS, o imposto em falta corresponde à aplicação da taxa de 0,04% "à média mensal obtida através da soma dos saídos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30";
iv) Dos cálculos efetuados nos termos descritos na alínea anterior (anexo l), resultou no período de 2015 Imposto do Selo em falta no valor total de € 437.002,64, que se apresenta seguidamente decomposto pelos meses aos quais o imposto respeita.
v) De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 2.º e dos artigos 23." e 41.º do CIS, a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, ou seja a A... até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do art.º 44.º do CIS);
vi) Nos termos do art. 35.º da Lei Geral Tributária, sobre os montantes de Imposto do Selo acima indicados incidem juros compensatórios à taxa de juro legal.
C) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a da liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios do ano de 2015 com o número 2018..., no valor de € 493.849,52, sendo € 437.002,64 correspondentes a Imposto do Selo e € 56.846,88 a juros compensatórios (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) A Requerente é uma SGPS cujo capital social é detido em 99,94% pela B... SGPS, SA (B...);
E) A Requerente prestou garantia por fiança para suspender execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Em 22-04-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
A Requerente é uma SGPS, que concedeu financiamento à B..., SGPS, SA, com vigência inferior a um ano, destinado a fazer face a carências de tesouraria, que foi concedido sob a forma de conta corrente.
A Requerente entendeu que essas operações se encontram isentas de imposto do selo ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 7. º do CIS, que estabelece o seguinte, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Artigo 7.º
Outras isenções
1 - São também isentos do imposto:
(...)
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;
A Requerente entende que a sua situação está prevista nesta parte final da alínea g), que refere as operações financeiras «efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não beneficia dessa isenção porque é uma SGPS, sujeita ao regime do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e a alínea c) do n.º 1 do seu artigo 5.º «veda a concessão de crédito por parte de uma SGPS a favor de qualquer sociedade em que não detenha participação».
Esta alínea c) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, estabelece o seguinte:
Artigo 5.º
Operações vedadas
1 - Às SGPS é vedado:
(...)
c) Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
(...)
3 - As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92 , de 31 de Dezembro. (aditado pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro)
Neste caso, a Requerente (A...), durante o ano de 2015, concedeu crédito, sob a forma de conta-corrente, a uma detentora do seu capital, também uma SGPS (B..., SGPS, SA, doravante designada como “B...”), na qual não detinha qualquer participação no capital social.
Por isso a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que aquelas operações «não podem beneficiar da isenção de Imposto do Selo, prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante CIS) - nem tão pouco das previstas nas alíneas h) e i) - tendo em consideração o previsto no n.º 1 do art. 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante EBF), seguindo desta forma as regras gerais de sujeição ao Imposto do Selo».
Na fundamentação deste seu entendimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere, em suma,
– que a isenção de «uma operação que a lei interdita, o que colide frontalmente com o propósito expresso no n.º 1 do art. 2.º do EBF quando se refere à "tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem"»;
– «a norma de isenção aplica-se a operações de crédito efetuadas por empresas que estejam, naturalmente, legalmente autorizadas a realizá-las»;
– «se na base de isenção em causa se encontra uma situação contrária à lei, não se afigura como é que se poderá, através da concessão da isenção, considerarem-se operações vedadas legalmente como dignas de tutela e com interesse público extrafiscal relevante e superior ao da própria tributação, pelo que estamos na presença de um paradoxo insanável cuja consequência não poderá deixar de passar pela não aplicação da isenção de Imposto do Selo invocada pelo sujeito passivo»;
– «a B..., entidade utilizadora dos créditos objeto de análise, é Holding da A..., não detendo esta última qualquer participação no capital social da primeira, razão pela qual, a concessão de crédito acima mencionada é uma operação vedada à A..., não podendo esta operação de financiamento beneficiar da isenção prevista na alínea g) do n º 1 do art. 7.º do CIS - nem tão pouco das previstas nas alíneas h) e i), uma vez que não estão em causa operações referidas na alínea g) ou empréstimos com caraterísticas de suprimentos efetuadas por detentor de capital à sua participada - aplicando-se desta forma as regras gerais de sujeição ao Imposto do Selo»;
– «a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, ou seja, no caso em análise, à A..., pelo que esta entidade deveria ter pago o imposto até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do art. 44 º do CIS)»;
– «haverá, assim, lugar a tributação em sede do Imposto do Selo calculado de acordo com a Verba 17.1 da TGIS, em função do prazo e no momento definido de acordo com alínea q) do n.º 1 do art. 5.º do CIS: refira-se que o encargo do imposto é da B..., enquanto "utilizador do crédito" [cfr. a alínea f) do n.º 3 do art. 3.º do CIS»;
– «uma vez que, conforme foi assumido pelo contribuinte, o crédito é utilizado sob a forma de conta corrente, a taxa a aplicar será a prevista na verba 17.1.4 da TGIS que, por remissão do n.º 1 do art. 1.º do CIS, prevê a tributação em sede de Imposto do Selo, do "Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30", aplicando-se deste modo taxa de 0,04%».
O artigo 2.º do EBF, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 2.º
Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo
1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.
2 - São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.
(...)
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– a realização das operações de financiamento nos moldes citados (ie., a curto prazo e para suprir carências de tesouraria), são consentidas expressamente pela lei quando realizadas por uma SGPS (como a Requerente) a favor da SGPS que detém o respectivo capital social daquela e que, por conseguinte, se encontram numa relação de domínio ou de grupo nos termos definidos pelo direito societário;
– «o consentimento legal àquelas operações financeiras está, aliás, expresso na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, segundo a qual são isentas de Imposto do Selo: “as operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e (…) efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo”»;
– «anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, e desde o início da vigência do CIS aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, dispunha-se ainda que são isentas de Imposto do selo “As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e (…) efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo”»;
– houve, assim, um alargamento da isenção a «operações realizadas em benefício de qualquer sociedade (seja SGPS ou não) que se encontre em relação de domínio ou de grupo com a concedente do crédito»;
– «sendo aquela uma isenção estrutural do CIS, em vigor desde 1 de Janeiro de 2000, seria insólito e impróprio de um legislador consciencioso e competente que se consagrasse uma isenção incidente sobre uma “operação vedada por lei” e mais ainda que, no ensejo de que dispôs para corrigir essa pretensa falta, o mesmo legislador viesse, ao invés de a revogar, alargar o seu âmbito de aplicação subjectivo a um leque de entidades muito mais amplo»;
– «a alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do RGICSF , em derrogação do princípio da exclusividade do exercício daquela actividade pelas instituições crédito e pelas sociedades financeiras, determina que não são consideradas como concessão de crédito, “as operações de tesouraria, quando legalmente permitidas, entre sociedades que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo”»;
– «assim como outras operações de concessão de crédito, tais como “os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos entre uma sociedade e os respectivos sócios”»;
– na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 98/88, de 17 de Agosto, em que se baseou a aprovação d Decreto-Lei n.º 495/88 “a gestão centralizada das tesourarias dos grupos” encontra-se expressamente prevista no respectivo artigo 1.º como uma das práticas que, com vista ao reforço do tecido empresarial português (o intuito principal por detrás da criação da figura das SGPS);
– o Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, que introduziu a actual redacção do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, refere que se visou eliminar ou atenuar «algumas restrições à actividade das SGPS através da possibilidade de realização de outras operações, tais como a aquisição de imóveis para instalação de participadas e a obtenção de crédito junto destas (…)»;
– n.º 3 do artigo 5.º do LSGPS passou expressamente a consentir, e de acordo com os propósitos do diploma legal enunciados no Preâmbulo – a eliminação das restrições à actividade das SGPS de realização de outras operações tais como a obtenção de crédito junto das participadas –, que “As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”;
– a Requerente é detida em (quase) 100% pela B..., detendo esta sociedade a (quase) totalidade dos direitos de voto daquela e exercendo efectivamente uma influencia dominante ou controlo sobre aquela, estando, por tal, preenchidos os requisitos do RGICSF para que a relação entre ambas se considere como uma relação de domínio;
– verifica-se uma relação de domínio nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;
– mesmo que na insensata e académica hipótese de se julgar estarmos em presença de uma operação vedada, há um conflito de normas (uma que sanciona um acto e a outra que a isenta fiscalmente), devendo, sem dúvida, prevalecer a norma de isenção fiscal posto que nos achamos no domínio fiscal e nada impediria – a ser verdadeira a aludida ilicitude – que quem de direito sancionasse a Requerente com uma coima, nos termos da LSGPS;
– a liquidação de Imposto do Selo aqui em crise deverá também ser anulada por ter sido dirigida à Requerente (concedente do crédito) e não à B... (utilizadora do crédito);
– o encargo do imposto, à luz da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, é “na concessão de crédito, o utilizador do crédito”;
– estando-se perante situação de substituição sem retenção na fonte, o responsável é o substituído (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-03-2015, processo n.º 01080/13);
– seria absurdo, por desproporcionado, que por um “erro” de interpretação legal acerca de uma determinada isenção se fosse responsabilizar o substituto (a Requerente) pelo pagamento da liquidação adicional efectuada quando o proveito material e económico foi da substituída B... enquanto utilizadora do crédito; a única solução legal e justa, e que não passa à revelia do que parece ter sido a intenção do legislador – é a de onerar com o encargo do imposto a sociedade utilizadora do crédito e não a Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, reproduz o essencial da fundamentação adoptada no Relatório da Inspecção Tributária e conclui que «se na base da isenção em causa se encontrar uma situação contrária à lei, não se afigura possível que, através da isenção, seja considerada como digna de tutela e com interesse público extrafiscal relevante, “superior ao da própria tributação” (cfr. n.º 1 do artigo 2º do EBF), a concessão de crédito expressamente vedada por lei, pelo que, e em face do exposto, não há lugar à isenção do Imposto do Selo em apreço, ainda que os requisitos do artigo 7.º, n.º 1 al. g) se mostrassem cumpridos».
Acrescenta ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que a informação vinculativa invocada pela Requerente não se reporta a situação idêntica e que não há direito a indemnização de garantia indevida prestada por fiança.
3.2. Apreciação
3.2.1. Questão da proibição de as SGPS efectuarem concessão de crédito a favor de qualquer entidade em que não detenham participações
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não beneficia da referida isenção porque é uma SGPS, sujeita ao regime do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e a alínea c) do n.º 1 do seu artigo 5.º «veda a concessão de crédito por parte de uma SGPS a favor de qualquer sociedade em que não detenha participação», aqui residindo, no seu juízo, o obstáculo à isenção, prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
Com esse pressuposto, entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira que não se pode aplicar uma isenção a uma operação que a lei interdita, pois isso não se compagina com o propósito expresso no n.º 1 do art. 2.º do EBF quando que os benefícios fiscais têm em vista a "tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem".
A Requerente, porém, defende que a proibição invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, não tem fundamento, pois o n.º 3 do mesmo artigo 5.º estabelece que «as operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92 , de 31 de Dezembro».
Afigura-se ser claro que a Requerente tem razão.
Na verdade, se é certo que daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º resulta a regra de que as SGPS não podem conceder crédito às sociedades dominantes e a sociedades em que não detenham participações, também é certo que este n.º 3 do mesmo artigo 5.º exclui dessa proibição «as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo».
Esta norma do n.º 3 tem natureza excepcional em relação à da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, pelo que tem preferência na sua aplicação às situações que prevê.
Ora, a situação em apreço enquadra-se perfeitamente na hipótese prevista neste n.º 3, pois a Requerente é participada da B..., SGPS, SA (que é uma SGPS) e efectuou em benefício dela operações de tesouraria e a relação de domínio entre esta e a Requerente é manifesta, em face da titularidade por parte daquela da quase totalidade do capital social desta (99,94%).
Na verdade, por força do preceituado no artigo 11.º, n.º 2, da LGT «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei». Por isso, não decorrendo da lei que se esteja a aludir a um conceito especial de relação de domínio, há que fazer apelo ao artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais Sociedades, que estabelece que «considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante» e «presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: a) Detém uma participação majoritária no capital».
Assim, não era vedado a Requerente efectuar as operações que efectuou em benefício da SGPS com que existe relação de domínio, pelo que se tem de concluir que a correcção efectuada assenta num erro sobre os pressupostos de direito.
Por outro lado, como bem defende a Requerente, esta situação enquadra-se na letra da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, em se atribui a isenção às «operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria (...) efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo».
Assim, não, se verificando o obstáculo à aplicação desta isenção que foi invocado no RIT, tem de se concluir que a correcção efectuada e a subsequente liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2.2. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento e vício de violação de lei, a assegura eficaz tutela dos interesses da requerimento, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]
4. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formula pedido de indemnização por garantia indevida.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, não foi prestada garantia bancária nem equivalente, mas sim através de fiança (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
Assim, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se verifica um dos pressupostos de que depende o direito de indemnização por garantia indevida, pelo que improcede este pedido.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios do ano de 2015 com o número 2018 ...;
b) Anular esta liquidação;
c) Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida e absolver da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €493.849,52.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 07-10-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Francisco José Nicolau Domingos)
(António Alberto Franco)