DECISÃO ARBITRAL
1 - Relatório
1.1 – A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., na cidade do Porto, doravante designado por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 07 de março de 2019, tem por objeto a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2015, emitida pela AT em 25-01-2019, no montante global de 59 247,06 €, a que respeita a demonstração de acerto de contas de IRS (ID 2019...) e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2019...), respetivamente nos montantes de 43 534,02 € e 2 762,32 €, no montante global de 46 296,34 € (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros e trinta e quatro cêntimos), com data limite de pagamento em 11 de março de 2019.
1.3 – O Requerente optou por não designar árbitro.
1.4 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 13 de março de 2019.
1.5 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.6 - Em 29 de abril de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7 – Por despacho da Subdiretora-Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 10-04-2019, as referidas liquidações foram parcialmente revogadas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, sendo, em consequência, efetuada nova liquidação com o n.º 2019..., em 10-05-2019, no montante global de 45 863,31 €, a que respeitam as demonstrações de acerto de contas de IRS (2019...) e de liquidação de juros compensatórios (2019...), nos montantes de 43 896,36 € e 1 966,95 €, respetivamente.
1.8 – Notificado o Requerente, nos termos do n.º 2 do referido artigo 13.º do RJAT, veio o mesmo declarar que, não obstante tal revogação parcial, mantinha interesse no prosseguimento dos autos.
1.9 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 20 de maio de 2019.
1.10 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 20 de maio de 2019, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.
1.11 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
1.12 - Em 24 de junho de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção (incompetência material do tribunal arbitral e inimpugnabilidade do ato impugnado, cfr. artigos 4.º a 10.º e 11.º a 24.º do articulado, respetivamente) e impugnação, pugnando pela procedência das exceções ou improcedência, por não provado, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, parcialmente revogado, com a consequente absolvição do pedido.
1.13 - Na mesma data juntou aos autos alguns documentos relacionados com a matéria controvertida.
1.14 – Em 26-06-2019 foi proferido despacho, concedendo ao Requerente o prazo de 10 dias para, querendo, responder à referida exceção, sendo na mesma data notificado para o efeito.
1.15 – Em 05 de junho de 2019 o Requerente respondeu à exceção invocada, pugnando pela improcedência da mesma.
1.16 – Em 14 de agosto de 2019 foi proferido despacho arbitral, determinando a notificação da Requerida para, no prazo de 10 dias, prestar esclarecimentos e juntar documentos.
1.17 – O que a mesma fez nos dias 5 e 8 de setembro de 2019.
1.18 – Tendo em vista o exercício do contraditório, foi proferido despacho, em 09-09-2019, determinando a notificação do Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, quanto aos documentos juntos bem como informar se mantinha interesse na inquirição da testemunha pelo mesmo arrolada.
1.19 – Em requerimento de 13-09-2019, o Requerente prescindiu da testemunha arrolada e teceu algumas considerações quanto aos documentos apresentados pela Requerida.
1.20 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental já junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 09 de setembro de 2019, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas e simultâneas, a apresentar pelas partes no prazo de 10 dias.
1.21 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, devendo até essa data o Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
1.22 – Em 27-09-2019 o Requerente apresentou as suas alegações, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo juntado o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
1.23 – Alegações que a Requerida também apresentou, em 01-10-2019, pugnando pela procedência das exceções invocadas, ou se assim não for entendido, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários impugnados, absolvendo-se a Requerida do pedido.
Posição das Partes
Do Requerente -
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
Que o valor de realização do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigo..., deve corresponder ao preço efetivo da venda, ou seja, ao montante de 350 000,00 €, e não ao valor patrimonial tributário (VPT) de 587 184,62 €, constante da matriz à data da venda (14-07-2015), o qual não se encontrava ainda definitivamente fixado.
Com efeito, apesar de, em 09-07-2015, ter apresentado uma declaração modelo 1 do IMI por motivo de conclusão de obras de melhoramento/modificação no referido prédio, da respetiva avaliação resultou o VPT de 437 190,00 €, considerado definitivo em 25 de setembro de 2015 e com produção de efeitos reportados à data da apresentação da referida declaração, o Requerente, em 02 de novembro de 2012, apresentou participações de rendas referidas na Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, acompanhadas de oito contratos de arrendamento e respetivos recibos de rendas, sendo notificado da não produção de efeitos das referidas participações, por despacho de 22-11-2016 do Chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., notificado em 28 -11-2016.
Por este motivo não foi apresentado requerimento formal, dirigido ao Diretor de Finanças competente, nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, tendente a ilidir a presunção que emana do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, segundo a qual, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização do prédio alienado o respetivo VPT, quando superior ao valor da respetiva contraprestação (preço).
De harmonia com aquele n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, tal requerimento deve ser apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva.
Assim, tendo dirigido ao diretor de finanças, em outubro de 2016, um requerimento no âmbito do direito de audição prévia, acompanhado da prova do valor real da venda, não vê necessidade em apresentar outro requerimento sobre o mesmo assunto, por se tratar de ato inútil.
Por outro lado, não entende a correção do valor de realização para 146 769,15 €, correspondente à quota-parte (1/4) de que é proprietário (587 184,62 € x 25%), quando, por motivo de nova avaliação, com produção de efeitos reportados à data da apresentação da referida declaração (09-07-2015), o VPT foi alterado para 437 190,00 €, correspondendo a quota-parte do Requerente a 109 297,50 €.
Também discorda dos valores de aquisição corrigidos, nos montantes de 6 148,65 € (24 594,58 € x 25%) e 14 987,00 € (59 947,99 € x 25%), correspondentes aos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho do Porto, sob os artigos ... e ..., respetivamente, e constantes até aos dois anos anteriores à doação, ou seja, em 31 de dezembro de 2002, uma vez que estes valores foram determinados segundo as regras contidas no Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA) enquanto os valores de realização o foram nos termos do CIMI.
Aplicar a letra da atual redação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS às transmissões gratuitas ocorridas em 2004 e 2005, leva ao absurdo de estas e só estas ficarem excluídas do valor da matriz constante dos dois anos anteriores à doação resultante de avaliação imposta pelo CIMI, estabelecendo uma discriminação injusta e absurda entre contribuintes que adquiriram bens por doação em 2004 e 2005, e os que adquiram da mesma forma nos anos seguintes, viola de forma grosseira o princípio constitucional da igualdade e o pressuposto da tributação de acordo com a capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, n.º 1, 103.º, n.º 2, 104.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2015, e respetivos juros compensatórios, com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente o pagamento da indemnização que, nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, se mostrar devida.
Da Requerida -
Defendendo-se por exceção, invoca os seguintes argumentos:
Que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pelo Requerente, atinente à demonstração do preço efetivo, atendendo a que o mesmo apenas poderá ser apreciado pelo respetivo Diretor de Finanças, em sede de procedimento próprio, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º do CPC ex vi alínea e) do art.º 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
Por outro lado, estando este procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, e não tendo o Requerente logrado lançar-lhe mão, ficou coartada a possibilidade de apreciação do preço efetivo, sob pena de violação do disposto no n.º 7 daquele artigo 139.º bem como do disposto nos artigos 86.º, 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, ocorrendo deste modo a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, prevista na alínea i), do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, o que determina a sua absolvição da instância.
Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:
Que a liquidação impugnada não enferma de qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deverá manter-se, uma vez que, face ao disposto no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, o valor de realização do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigo..., no montante de 146 796,15 €, correspondente a 25% do VPT inscrito na matriz, é superior ao valor da respetiva contraprestação (preço) no montante de 87 500,00 € (350 000,00 * 25%).
Que não colhe o argumento do Requerente de não ter lançado mão do procedimento de prova do preço efetivo, previsto no artigo 139.º do CIRC e aplicável ao IRS por força do disposto no n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º do CIRS, porquanto, quer à data da transmissão, quer à data da submissão da declaração de IRS, quer ainda à data em que apresentou um requerimento dirigido ao diretor de finanças, acompanhado da documentação da prova do valor real da venda e extratos da sua conta bancária, o valor patrimonial tributário do prédio inscrito matricialmente sob o artigo ... não se encontrava definitivamente fixado, uma vez que, em 2 de novembro de 2012, o Requerente apresentou uma participação de rendas, nos termos da Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, do resultado da qual só foi notificado em 28 de novembro de 2016.
Com efeito o VPT dos prédios arrendados, resultante da aplicação do limite a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-N do Decreto-Lei n.º 287/2003, é considerado para efeitos exclusivamente de IMI. Por outro lado, não tendo sido impugnado o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral à data da transmissão onerosa do prédio em questão, já se encontrava definitivamente fixado o valor patrimonial tributário do imóvel, pelo que o procedimento de prova previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por força do n.º 6 do art.º 44.º do CIRS, deveria ter sido apresentado em janeiro do ano seguinte, ou seja, em 2016.
Quanto aos valores de aquisição daquele prédio bem como do inscrito na mesma matriz sob o artigo..., considerando que os mesmos foram adquiridos, em 2004, por doação isenta nos termos da alínea e) do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição os valores patrimoniais tributários constantes da respetiva matriz até aos dois anos anteriores à doação, ou seja, até 2002, face ao disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRS.
Termina pugnando pela procedência das exceções invocadas, ou caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, uma vez que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.
2. Saneamento
2.1 – Nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º do CPC, deverão as mesmas ser oficiosa e prioritariamente conhecidas.
Exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral (artigo 89.º, n.º 4, alínea a) do CPTA):
Para a Requerida “o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pelo Requerente, atinente à demonstração do preço efetivo, atendendo a que o mesmo apenas poderá ser apreciado em sede de procedimento e pelo Diretor de Finanças, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa”.
O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.
Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT.
No caso em apreço, é impugnado um ato de liquidação de IRS, que se insere na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.
Deste modo improcede a exceção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado (artigo 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA):
Nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, no caso da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo, em que se considera valor de realização para efeitos de apuramento das mais-valias o valor da respetiva contraprestação, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, este imposto incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
Porém, de harmonia com o n.º 5 do referido artigo 44.º do CIRS, aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto, sendo que, de acordo com o n.º 6, a prova deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações, ou seja, “em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos”.
De acordo com o n.º 5 do artigo 139.º do CIRC, o referido procedimento “rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações”, podendo a administração fiscal aceder à informação bancária do Requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização, conforme o disposto no n.º 6 do citado artigo 139.º do CIRC.
Efetivamente, com a reforma do CIRS realizada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, em vigor desde 01-01-2015, foram aditados ao artigo 44.º os n.ºs 5, 6 e 7, passando este artigo a ter a seguinte redação:
«Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
c) No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a atividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afetação;
d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;
e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato.
4 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 prevalecerá, se o houver, o valor resultante da correção a que se refere o n.º 4 do artigo 29.º
5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
7 – Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte».
Este aditamento teve por base o projeto da reforma do IRS, elaborado em setembro de 2014 pela respetiva Comissão de Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, presidida pelo Professor Doutor Rui Duarte Morais, a pág. 44 do qual se pode ler:
«5.1.11.11 Possibilidade de afastamento do critério do VPT mediante prova do preço de transmissão efetivo
Ao nível das mais-valias imobiliárias – e diferentemente do que sucede em sede de IRC e, também, de IRS, neste caso quando tais mais-valias são tributadas no âmbito da categoria B –, a tributação em sede da categoria G não prevê a possibilidade de afastamento da regra que determina que o valor de realização corresponde ao valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT sempre que este seja superior ao declarado.
Não se vislumbrando motivos que impeçam a ilisão da referida presunção no âmbito da categoria G e podendo esse impedimento ter consequências gravosas e injustificadas para os contribuintes, propõe-se a consagração expressa de que, também neste caso, existe tal possibilidade».
Com o aditamento dos n.ºs 5, 6 e 7 ao artigo 44.º do CIRS, o legislador criou um procedimento destinado a ilidir a presunção ínsita no n.º 2, que já existia no artigo 31.º-A do CIRS para as mais-valias realizadas por pessoas singulares com rendimentos empresariais e/ou profissionais e no artigo 64.º do CIRC, para as pessoas coletivas.
Como refere a decisão arbitral de 08-03-2019, tirada do Processo n.º 415/2018, que acompanhamos (a menção ao artigo 31.º-A do CIRS deve ter por referência o artigo 44.º do mesmo código): “Em consonância com os princípios que regulam toda a tributação, a lei fiscal está impedida de criar presunções inilidíveis, estabelecendo que é sempre possível efetuar prova em contrário (vd. artigo 73.º LGT). A admissão da ilisão em qualquer situação é a forma que a lei consagra para garantir ao contribuinte que a sua tributação é feita pelo valor real dos rendimentos, afastando valores que tenham sido presumidos. É, afinal, a forma de harmonizar a existência de presunções que a lei fiscal estabelece com os citados princípios, que têm, inclusivamente, fonte constitucional.
Veja-se a situação dos presentes autos com maior proximidade. Para as transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, a lei estabelece uma presunção para os casos em que o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, na norma do artigo 31.º-A, n.º 1, do CIRS. Mais concretamente, estabelece este preceito que, nas situações em que o valor constante do contrato seja inferior ao VPT, deverá considerar este – mais elevado – na determinação do lucro tributável.
Como já se referiu, esta presunção é ilidível, i.e., admite prova em contrário, embora essa prova não seja livre, devendo seguir um determinado procedimento. (negrito, nosso)
Com efeito, a lei desenhou um regime próprio para ilisão daquela presunção no CIRC e mandou aplicá-lo por expressa disposição da norma do referido artigo 31.º-A, do CIRS, ainda que sujeito às “necessárias adaptações” (vd. n.º 6 do referido artigo 31.º-A). Esse regime encontra-se regulado no artigo 139.º, n.ºs 3 a 6, do CIRC, traçando-se nestas normas e, complementarmente, na regulamentação constante dos artigos 86.º, n.º 4, 91.º e 92.º, todos da LGT, a disciplina respectiva. Parece, assim, claro que a lei não se basta com os meios gerais de prova para que o contribuinte demonstre que o preço efectivo foi menor do que o VPT.
Mais do que isso, a lei optou por criar um procedimento regulamentado para afastar a presunção, cuja tramitação está devidamente estruturada na LGT e que passa pelo requerimento da sua abertura, indicação de perito pelo contribuinte, designação de perito pela AT, a nomeação de perito independente, reunião de peritos, debate contraditório entre os peritos e decisão por acordo ou pelo órgão competente (vd. artigos 91.º e 92.º da LGT).
É ponto assente (e que se encontra demonstrado pela factualidade provada nestes autos), que a Requerente não deu início a tal procedimento – e a lei não se basta, ao contrário do que entende a Requerente, com o envio de elementos à AT, nem com a manifestação da disponibilidade para permitir o acesso à informação bancária; a lei exige, antes, que seja iniciado um procedimento formal, através da apresentação de requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente (art. 139.º, n.º 3, do CIRC) e seguindo a tramitação estabelecida nos artigos 91.º, 92.º e 84.º, n.º 3, da LGT, com as necessárias adaptações (vd. artigo 139.º, n.º 6, do CIRC).
Em sintonia com a fixação de procedimento próprio para ilisão da presunção, a lei fixou também a impossibilidade de impugnar as liquidações feitas com base na presunção de preço, sempre que o contribuinte não tenha recorrido ao procedimento estabelecido. É assim que a norma do art. 139.º, n.º 7, do CIRC, subordina a possibilidade de impugnar a liquidação de imposto efectuada com base na presunção estabelecida no art. 31.º-A, n.º 1, à prévia tramitação do procedimento. Dito de outro modo: o contribuinte só poderá impugnar liquidações correctivas feitas com base na presunção estabelecida no referido art. 31.º-A, n.º 1, do CIRS, se previamente instruir o procedimento de prova estabelecido no art. 91.º da LGT.
O procedimento de prova do preço constitui, assim, uma condição de impugnabilidade da liquidação feita com fundamento na presunção do artigo 31.º-A, n.º 1, do CIRS. Sem que ele tenha existido, a impugnação não pode ser apreciada”.
Nestes termos se pronunciou o STA no acórdão de 06-02-2013, prolatado no Processo n.º 0989/12: “a lei criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT [...]. Esse procedimento «rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei», como prescreve o n.º 5 do citado art. 129.º [actual artigo 139.º] do CIRC. [...]. Acresce que este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 129.º [actual artigo 139.º] do CIRC, que dispõe: «A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A [actualmente, n.º 2 do art. 64.º], ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa» [...]. Ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 129.º [actual artigo 139.º] do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.” (negrito, nosso)
No mesmo sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos: acórdãos do STA de 09-03-2016 (Processo n.º 0820/15); e de 06-02-2013 (Processo n.º 0989/12); acórdão do TCAS de 24-11-2016 (P. 08624/15); e do CAAD : acórdãos arbitrais de 08-03-2019 (Processo n.º 415/2018-T) e de 25-10-2018 (Processo n.º 89/2018-T).
Contudo para o Requerente, respondendo à invocada exceção, “toda a prova quanto ao valor real da venda do imóvel foi apresentada pelo Requerente na audição prévia, tendo o Senhor Director de Finanças tido a mesma oportunidade de a apreciar que teria num qualquer outro requerimento ou formalismo especificamente com esse título ou denominação. O que está em questão não é o formalismo em si mas a possibilidade do contribuinte vir defender-se dum critério do Senhor Director de Finanças com o qual não se está de acordo por não se traduzir na verdade dos factos do mundo real, mas por ser um critério assente num mundo virtual de presunções”.
Refere ainda o Requerente que “o procedimento referido no n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC nunca poderia ter sido cumprido pois, conforme supra referido, quer à data da transmissão do imóvel, quer à data da submissão da declaração de IRS, quer ainda à data da apresentação da exposição com o inicial exercício do direito de audição prévia, que já incluiu a documentação com a prova do verdadeiro Valor de Realização, o valor patrimonial tributário do imóvel em questão não se encontrava ainda definitivamente fixado.
Analisados os documentos juntos aos autos, relacionados com o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigo ..., conclui-se o seguinte:
1- O prédio foi adquirido em 29 de setembro de 2004, em comum e partes iguais, pelo Requerente e seus três irmãos, por doação de E..., pai dos donatários, cfr. alínea a) do probatório.
2- O alvará de licença de utilização foi passado em 26 de agosto de 1964, cfr. alínea c) do probatório.
3- À data da aquisição (29-09-2004) o valor patrimonial, determinado de acordo com as regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), era de 102 372,72 €, cfr. alíneas a) do probatório.
4- Em 01 de agosto de 2005 foi apresentada a declaração modelo 1 do IMI (registo n.º...), tendo em vista a avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em cumprimento do determinado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro (primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, ou seja, 01-12-2003), resultando da avaliação o valor patrimonial tributário (VPT) de 556 848,00 €, considerado definitivo em 12 de abril de 2006 e com produção de efeitos reportados à data da 1.ª transmissão, ou seja, a 29 de setembro de 2004, cfr. alínea f) do probatório.
5- Em 09 de julho de 2015 foi apresentada nova declaração modelo 1 do IMI (registo n.º...), por motivo de conclusão de obras de melhoramento/modificação, resultando da avaliação o VPT de 437 190,00 €, considerado definitivo em 25 de setembro de 2015 e com produção de efeitos reportados à data da apresentação da declaração modelo 1, ou seja, a 09 de julho de 2015, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 37.º do CIMI, cfr. alínea o) do probatório.
6- Em 14 de julho de 2015 o prédio foi vendido, constando da respetiva escritura o VPT de 587 184,62 €, resultante das várias atualizações trienais previstas no artigo 138.º do CIMI, cfr. alíneas k) e l) do probatório.
7- Em 02 de novembro de 2012 foram apresentadas participações de rendas, referidas na Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, acompanhadas de oito contratos de arrendamento e respetivos recibos de rendas, cfr. alínea p) do probatório.
8- Em 09-06-2015, o Requerente foi notificado do projeto de decisão do chefe do Serviço de Finanças do Porto-... de não aplicação do regime especial para os prédios urbanos arrendados, a fim de, querendo, exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, sendo os fundamentos os seguintes: “Prédio não abrangido pela Avaliação Geral da Propriedade Urbana, nos termos dos art.ºs 15.º-A a 15.º-P do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditados pelo art. 6.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30/11. Participação apresentada fora do prazo legal”, cfr. alínea q) do probatório.
9- Por despacho do chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., de 22-11-2016, o referido projeto de decisão converteu-se em definitivo, em virtude de o Requerente não ter exercido o direito de audição prévia, sendo notificado do referido despacho em 28 de novembro de 2016, cfr. alínea r) do probatório.
Do exposto resulta que, tendo a transmissão (venda) ocorrido em 14 de julho de 2015, o procedimento para prova do preço efetivo, previsto no artigo 139.º do CIRC, aplicável por remissão expressa do n.º 6 do artigo 44.º do CIRS, deveria ter sido instaurado em janeiro de 2016, ou seja, em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão, cfr. n.º 3 do referido artigo 139.º, uma vez que o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio tornou-se definitivo em 25 de setembro de 2015.
Refira-se que, como resulta do n.º 1 do artigo 15.º-N do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, o regime especial de determinação do valor patrimonial tributário de prédio ou de parte de prédio urbano a que se refere a participação de rendas aprovada pela Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, é aplicável aos prédios abrangidos pela avaliação geral. E como referido na alínea f) do probatório, o prédio já tinha sido objeto de avaliação nos termos do CIMI aquando da primeira transmissão (doação) ocorrida após a sua entrada em vigor (01-12-2003).
Refira-se ainda que as diversas participações do Requerente constantes das alíneas u), v), w), x) e y) do probatório foram sempre no âmbito do procedimento de correção decorrentes de erros evidenciados na declaração modelo 3 de IRS, previsto no n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, e não num qualquer procedimento a que se refere o n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, para prova do preço efetivo na transmissão do referido prédio inscrito matricialmente sob o artigo ..., porque nunca chegou a ser requerido nem instaurado.
Deste modo, constituindo o procedimento de prova do preço efetivo uma condição de procedibilidade da impugnação, quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis, julga-se procedente a invocada exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, prevista na alínea i), do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA sendo a Requerida absolvida da instância, mas apenas quanto às questões relacionadas com o valor de realização do referido prédio.
2.2 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.3 - O processo não enferma de nulidades.
2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
2.5 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Matéria de Facto
3.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a) Em 29 de setembro de 2004, o Requerente e os seus irmãos B..., C... e D..., adquiriram em comum e partes iguais, por doação de seu pai E..., o direito de propriedade, entre outros, dos prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de..., concelho do Porto, sob os artigos ... e..., com os valores patrimoniais de 41 999,08 € e 102 372,72 €, respetivamente (cfr. documento n.º 1, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
b) O prédio inscrito sob o artigo ... foi descrito na Conservatória competente anteriormente a 8 de agosto de 1951 (cfr. documento n.º 1, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
c) O alvará de licença de utilização do prédio inscrito sob o artigo ... foi passado em 26 de agosto de 1964 (cfr. documento n.º 1, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
d) Em 31 de dezembro de 2002, os citados prédios, inscritos sob os artigos ... e ... na matriz da freguesia de ..., concelho do Porto, tinham o valor patrimonial de 24 594,58 € e 59 947,99 €, respetivamente (cfr. PA3 junto pela Requerida à Resposta apresentada em 24-06-2019 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
e) Relativamente ao prédio inscrito sob o artigo ..., em 26 de julho de 2005, foi apresentada a declaração modelo 1 do IMI (registo n.º...), tendo em vista a avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em cumprimento do determinado nos n.ºs 1 e 2 artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro (primeira transmissão «doação de 29-09-2004» ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, ou seja, 01-12-2003), resultando da avaliação o valor patrimonial tributário (VPT) de 19 210,00 €, considerado definitivo em 13 de junho de 2006 e com produção de efeitos reportados à data da 1.ª transmissão, ou seja, a 29 de setembro de 2004 (cfr. documento n.º 2, junto aos autos pelo Requerente e documento apresentado pela AT em 05-09-2019, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
f) Quanto ao prédio inscrito sob o artigo..., em 01 de agosto de 2005, foi apresentada a declaração modelo 1 do IMI (registo n.º...), tendo em vista a avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em cumprimento do determinado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro (primeira transmissão «doação de 29-09-2004» ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, ou seja, 01-12-2003), resultando da avaliação o valor patrimonial tributário (VPT) de 556 848,00 €, considerado definitivo em 12 de abril de 2006 e com produção de efeitos reportados à data da 1.ª transmissão, ou seja, a 29 de setembro de 2004 (cfr. documento n.º 2, junto aos autos pelo Requerente e documento apresentado pela AT em 05-09-2019, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
g) Em 08 de junho de 2015, os arrendatários do r/c e 1.º andar do prédio inscrito sob o artigo ... foram notificados, na qualidade de titulares do direito de preferência, que o mesmo iria ser vendido à sociedade “F..., Lda”, contribuinte n.º..., pelo preço de 350 000,00 €, bem como do projeto de venda e respetivas cláusulas, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 416.º do Código Civil, poderiam, querendo, exercer o direito potestativo de preferência (cfr. documento n.º 12, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
h) Em 29 de junho de 2015, a arrendatária do 1.º andar e de uma garagem, informou não pretender exercer o referido direito de preferência (cfr. documento n.º 14, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
i) Contrariamente, a sociedade que gira sob a firma “G..., S.A.”, com o número de..., arrendatária do r/c e de uma garagem, por carta de 15 de junho de 2015, manifestou interesse em exercer o direito de preferência pelo referido preço de 350 000,00 € (cfr. documento n.º 13, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
j) Em 22 de junho de 2015, os comproprietários e a referida sociedade preferente celebraram um contrato promessa de compra e venda, do qual constava, além do mais, o pagamento de um sinal no montante de 35 000,00 €, sendo o remanescente pago no ato da celebração do contrato definitivo (cfr. documento n.º 15, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
k) Em 14 de julho de 2015, o Requerente bem como os restantes comproprietários, venderam o referido prédio à citada sociedade, pelo preço de 350 000,00 € (cfr. documento n.º 16, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
l) O VPT constante da respetiva escritura de compra e venda é de 587 184,62 €, resultante das várias atualizações trienais previstas no artigo 138.º do CIMI (cfr. documento apresentado pela AT em 05-09-2019, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
m) Os montantes de 35 000,00 € e 315 000,00 €, correspondentes ao sinal e ao remanescente do preço de venda do referido prédio, foram depositados em 23-06-2015 e 15-07-2015, respetivamente, na conta n.º..., aberta no H... à ordem do Requerente, e da mesma transferido o montante de 82 115,00 € para cada um dos restantes comproprietários, deduzido das despesas com a comissão da mediadora, certificado energético e outras (cfr. documento n.º 17, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
n) Em 29 de setembro de 2015, o Requerente bem como os referidos comproprietários, venderam o prédio inscrito matricialmente sob o artigo ..., em comum e partes iguais, às sociedades que giram sob as firmas “I..., Lda.” e “J... a, Lda”, com os números de contribuinte ... e ..., respetivamente, pelo preço de 36 500,00 €. O VPT constante da respetiva escritura de compra e venda era de 20 378,81 € (cfr. documento n.º 4, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
o) Relativamente ao prédio inscrito sob o artigo..., em 09 de julho de 2015, foi apresentada nova declaração modelo 1 do IMI (registo n.º...), por motivo de conclusão de obras de melhoramento/modificação, resultando da avaliação o VPT de 437 190,00 €, considerado definitivo em 25 de setembro de 2015 e com produção de efeitos reportados à data da apresentação da declaração modelo 1, ou seja, a 09 de julho de 2015 (cfr. documento n.º 5, junto aos autos pelo Requerente e documento apresentado pela AT em 05-09-2019, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
p) Em 02 de novembro de 2012 foram apresentadas as participações de rendas referidas na Portaria n.º 240/2012, de 10 de agosto, relativamente ao referido prédio inscrito sob o artigo ..., acompanhadas de oito contratos de arrendamento e respetivos recibos de rendas (cfr. documento n.º 3, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
q) Em 09-06-2015, o Requerente foi notificado do projeto de decisão do chefe do Serviço de Finanças do Porto-...de não aplicação do regime especial para os prédios urbanos arrendados, com os seguintes fundamentos, a fim de, querendo, exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária: “Prédio não abrangido pela Avaliação Geral da Propriedade Urbana, nos termos dos art.ºs 15.º-A a 15.º-P do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditados pelo art. 6.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30/11. Participação apresentada fora do prazo legal” (cfr. PA4 junto pela Requerida à Resposta apresentada em 24-06-2019 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
r) Por despacho do chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., de 22-11-2016, o referido projeto de decisão converteu-se em definitivo, em virtude de o Requerente não ter sido exercido o direito de audição prévia, sendo notificado do referido despacho em 28 de novembro de 2016 (cfr. documento n.º 6, junto aos autos pelo Requerente, e PA4 junto pela Requerida, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
s) No anexo “G” à declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2015, foi inscrito no quadro 4, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, que o prédio inscrito sob o artigo ... foi alienado onerosamente, em setembro de 2015, pelo valor de 9 125,00 € e adquirido em setembro de 2004 pelo valor de 10 499,99 €, sendo o montante de despesas e encargos de 265,00 € (linha 4002). Todos os valores referem-se à quota-parte (1/4) que o Requerente detém no prédio (cfr. documento n.º 18, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
t) No mesmo anexo foi também declarado que o prédio inscrito sob o artigo ... foi alienado onerosamente em julho de 2015, pelo valor de 87 500,00 € e adquirido em setembro de 2004 pelo valor de 139 210,00 €, sendo o montante de despesas e encargos de 5 768,70 € (linha 4004). Todos os valores referem-se à quota-parte (1/4) que o Requerente detém no prédio (cfr. documento n.º 18, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
u) Em 17 de outubro de 2016 o Requerente foi notificado pela AT (Requerida) da constatação de incorreções no referido anexo “G” e da intenção de proceder à correção do valor de realização respeitante ao prédio inscrito sob o artigo ..., de 87 500,00 € para 146 796,15 €, podendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia ou proceder à entrega de declaração de substituição, sob pena de correção oficiosa e levantamento do correspondente auto de notícia (cfr. documento n.º 19, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
v) Em 28 de outubro de 2016 o Requerente apresentou a sua defesa, através de requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto-..., juntando 20 documentos e certificado energético e requerendo a audição de duas testemunhas, referindo no ponto 5: “Ora, o exponente pretende fazer tal prova, ou seja pretende provar que o valor efectivo e verdadeiro da venda e o preço global recebido foi de EUR 350.000,00, pelo que o valor de realização foi, na verdade, inferior ao que foi considerado para efeitos de liquidação do IMI” (cfr. documento n.º 20, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
w) Em 7 de novembro de 2018, o Requerente, a solicitação da AT (ofício n.º 2018..., de 23-10-2018), juntou cópia dos documentos comprovativos das despesas declaradas e inscritas no quadro 4 do referido anexo, no montante de 11 313,70 €, bem como das escrituras de aquisição (cfr. documento n.º 21, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
x) Em 17 de dezembro de 2018, o Requerente foi notificado pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa (DLIRD) da Direção de Finanças do Porto, cfr. ofício n.º 2018..., de 13-12-2018, para no prazo de 15 dias exercer, querendo, o direito de audição, por escrito, relativamente ao projeto de decisão de 12-12-2018, relacionado com os valores de aquisição dos prédios supra, inscritos matricialmente sob os artigos ... e ..., e o de realização deste último, a considerar na liquidação do IRS do ano de 2015 (cfr. documento n.º 22, junto aos autos pelo Requerente e PA3 junto pela Requerida, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
y) Em 27 de dezembro de 2018, o Requerente apresentou a sua defesa, através de requerimento dirigido àquela DLIRD da Direção de Finanças do Porto (cfr. documento n.º 23, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
z) Nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, por despacho do Chefe da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças do Porto, no uso de competência subdelegada, de 16-01-2019, procedeu-se à alteração do conjunto dos rendimentos líquidos de IRS do Requerente, do ano de 2015, no montante de 186 615,21 € (cfr. documento n.º 23, junto aos autos pelo Requerente e PA1 junto pela Requerida e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
aa) Em 23 de janeiro de 2019, o Requerente foi notificado pela AT, cfr. ofício n.º 2018..., de 18-01-2019, da nota de alteração de IRS do ano de 2015 e informação anexa, de que o valor de realização do prédio inscrito na matriz sob o artigo ... foi corrigido de 87 500.00 € para 146 769,15 € (587 184,62 € x 25%) e os valores de aquisição daquele prédio e do inscrito na mesma matriz sob o artigo ..., foram corrigidos de 139 210,00 € e 10 499,99 € para, respetivamente, 14 987,00 € (59 947,99 € x 25%) e 6 148,65 € (24 594,58 € x 25%) - (cfr. documento n.º 24, junto aos autos pelo Requerente e PA2 junto pela Requerida, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
bb) Em 25 de janeiro de 2019 foi efetuada pela AT a liquidação adicional de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, no montante de 59 247,06 €, a que respeita a demonstração de acerto de contas de IRS (ID 2019...) e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2019...), respetivamente nos montantes de 43 534,02 € e 2 762,32 €, no montante global de 46 296,34 € (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e seis euros e trinta e quatro cêntimos), com data limite de pagamento em 11 de março de 2019 (cfr. documento n.º 25, junto aos autos pelo Requerente e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
cc) Em 07 de março de 2019 o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
dd) Por despacho da Subdiretora-Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSRPS) da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 10-04-2019, as referidas liquidações foram parcialmente revogadas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, sendo, em consequência, efetuada nova liquidação com o n.º 2019..., em 10-05-2019, no montante global de 45 863,31 €, a que respeitam as demonstrações de acerto de contas de IRS (2019...) e de liquidação de juros compensatórios (2019...), nos montantes de 43 896,36 € e 1 966,95 €, respetivamente (cfr. documento apresentado pela AT em 09-09-2019, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
ee) A revogação parcial teve como fundamentos os constantes da alínea xx) do ponto III – Resposta ao pedido de pronúncia e de remessa de processo administrativo bem como o ponto IV – Conclusão, da informação n.º 434/19, Processo n.º 2019..., da referida direção de serviços, de 04 de abril de 2019, que referem, respetivamente: «xx) Considerando que a avaliação efetuada nos termos do Código do IMI atribui ao imóvel um valor global (correspondente à soma dos VPT’s das várias frações) de 437 190,00 €, reportado a 09.07.2015, entende-se ser este o valor a considerar como valor de realização, na respetiva quota-parte do Requerente, ou seja, €109.297,» e «IV-Conclusão – Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser parcialmente revogada a liquidação de IRS do ano de 2015 vigente, apenas quanto ao valor de realização do imóvel U-... que, nos termos da avaliação reportada a 2015/07/09, deve considerar-se um VPT global de 437.190,00€, sendo a quota-parte do Requerente (25%) correspondente a €109.297,50» (cfr. documento apresentado pela AT em 09-09-2019, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
ff) O Requerente foi notificado do despacho revogatório (parcial) das liquidações impugnadas e respetivos fundamentos, através do ofício n.º ... da DSRPS, de 17-04-2019, cfr. n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, tendo manifestado interesse no prosseguimento dos autos (cfr. documento junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
3.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
3.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
4 - Matéria de Direito (fundamentação)
Objeto do litígio
A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber da legalidade do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, quando, no caso de aquisição de direitos reais sobre bens imóveis por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores, no caso do mesmo não ser determinado segundo as regras contidas no Código do IMI, e se a mesma norma viola os princípios constitucionais da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva.
Questões a decidir:
- Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada;
- Da (in)constitucionalidade do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS por violação dos princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva (artigos 13.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP); e
-Da indemnização por garantia indevida
Da (i)legalidade da liquidação impugnada -
Fiscalmente a mais-valia corresponde ao ganho que se obtém entre o preço de compra ou de aquisição de um bem e o seu preço de venda ou alienação, deduzido das despesas que tenham ocorrido e da correção monetária, quando aplicável. Traduz-se naquilo que vulgarmente se designa por ganhos do vento, isto é, ganhos obtidos sem o esforço pessoal do beneficiário ou do seu património.
Quando estamos perante um título aquisitivo gratuito (doação), poderia ser-se tentado a dizer que, como não houve dispêndio ou esforço financeiro na compra, tudo o que se apurou na alienação é lucro.
Sendo assim de um ponto de vista prático, tirar esta conclusão sob um ótica fiscal conduz a resultados inaceitáveis. É que a lei tributária ficciona para os negócios gratuitos um “custo de aquisição” que tendencialmente equipara ao valor de mercado e é a partir desse valor que determina o quantum do imposto a pagar. Isto é, a lei fiscal só tributa a mais-valia fiscal (a que se verifica entre o custo de aquisição e o custo de realização), e não a mais-valia financeira emergente do negócio gratuito, que é obtida a partir de um custo de aquisição neutro (igual a zero) e o valor de realização.
Resulta do disposto no artigo 10.°, n.° 4 do CIRS, que constitui ganho sujeito a IRS, a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 (do citado normativo).
O artigo 45.º, n.º 1, do CIRS, sob a epígrafe "Valor de aquisição a título gratuito", dispõe que “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo”.
A versão anterior, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.° 53-A/2006 de 29/12, estabelecia:
1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações”.
2. Não havendo lugar a liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
3. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos há menos de dois anos, por doação isenta nos termos da alínea e) do artigo 6.° do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário anterior à doação.
Porém, para evitar que o contribuinte mantivesse o imóvel no seu património por período superior a dois anos e o alienasse de seguida, apurando-se deste modo a mais-valia com base no VPT considerado anteriormente à doação, o referido n.º 3 foi novamente alterado pelo artigo 84.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, aplicável a partir de 29-04-2010.
Deste modo o normativo em questão passou a ter a seguinte redação: “No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação”.
Assim, a partir de 29-04-2010, sempre que um imóvel adquirido por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, ou seja, em que fossem donatários o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, o valor de aquisição corresponderia ao VPT do imóvel constante da matriz até aos dois anos anteriores, podendo conduzir a um resultado injusto, desproporcionado e ilegal, se pensarmos que o VPT poderia estar completamente desfasado da realidade.
No caso concreto o Requerente, em 29 de setembro de 2004, adquiriu, em compropriedade com os seus irmãos, por doação efetuada pelo seu pai, os prédios urbanos inscritos na matriz predial da freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigos ... e ... .
Por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro (primeira transmissão «doação de 29-09-2004» ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, ou seja, 01-12-2003), os prédios foram avaliados nos termos do CIMI, resultando os valores patrimoniais tributários de 19 210,00 €, para o artigo ... e 556 840,00 €, para o ... .
Assim, estes seriam os valores de aquisição considerados para a determinação das mais-valias.
Desprezando a correção monetária e as despesas e encargos, previstas, respetivamente, nos artigos 50.º e 51.º do CIRS, o artigo ... teria uma mais-valia de 17 290,00 € (valor de realização ou preço de venda de 36 500,00 € - valor de aquisição ou VPT constante da matriz em 29-09-2004, de 19 210,00 €), calculada nos termos da alínea a), n.º 4 do artigo 10.º do CIRS.
Por sua vez o artigo ... teria uma menos-valia de 119 650,00 € (valor de realização ou VPT constante da matriz em 29-09-2004, de 437 190,00 € - valor de aquisição constante na matriz na mesma data, de 556 840,00 €).
Resultando, face ao n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, no saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias no montante negativo de 102 360,00 €.
Porém o n.º 3 do artigo 45.º do CIRS considera valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores, ou seja, em 31 de dezembro de 2012.
Como consta das alíneas b) e c) do probatório, o artigo ... foi descrito na Conservatória competente anteriormente a 8 de agosto de 1951, tendo em 31 de dezembro de 2002 o valor tributável de 24 594,58 €, enquanto o artigo ..., para o qual foi passado alvará de licença de utilização em 26 de agosto de 1964, àquela data, tinha o valor tributável de 59 947,99 €, ou seja, nove vezes inferior ao resultante da avaliação nos termos do CIMI (556 840,00 € / 59 947,99 € = 9,34).
Deste modo, desprezando também a correção monetária e as despesas e encargos, previstas, respetivamente, nos artigos 50.º e 51.º do CIRS, o artigo ... teria uma mais-valia de 11 905,42 € (valor de realização ou preço de venda de 36 500,00 € - valor de aquisição ou VPT constante da matriz em 31-12-2002, de 19 210,00 €), calculada nos termos da alínea a), n.º 4 do artigo 10.º do CIRS.
Por sua vez o artigo ... teria uma mais-valia de 377 242,01 € (valor de realização ou VPT constante da matriz em 29-09-2004, de 437 190,00 € - valor de aquisição ou VPT constante da matriz em 31-12-2002, de 59 947,99 €.
Resultando, face ao n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, no saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias no montante positivo de 389 147,43 €.
Porém, ambos os artigos foram inscritos na matriz antes de 1970 e avaliados nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), sendo o imposto apurado em função do rendimento anual produzido pelos prédios. A contribuição predial incidia sobre o rendimento coletável, que era determinado deduzindo-se ao valor locativo as despesas correspondentes, cfr. artigos 113.º e 125.º do CCPIIA, contrariamente ao CIMI que tributa o património.
As regras das avaliações dos prédios urbanos, constantes do CCPIIA, tinham um pendor subjetivista e discricionário do avaliador, que se manteve durante o Código da Contribuição Autárquica, que vigorou entre 01 de janeiro de 1989 e 01 de dezembro de 2003, por força do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de novembro, que referia: “Enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo decreto-lei n.º 45 104, de 1 de Julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos n.ºs 1 dos artigos 6.º e 7.º do presente decreto-lei”.
Pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, foi aprovado o Código do imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) em cujo preâmbulo é referido: “Há muito tempo que se formou na sociedade portuguesa um largo consenso acerca do carácter profundamente injusto do regime actual de tributação estática do património imobiliário. Esse consenso é extensivo à identificação das causas do problema, a saber, a profunda desactualização das matrizes prediais e a inadequação do sistema de avaliações prediais.
Embora o Código da Contribuição Autárquica tenha entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1989, o sistema de avaliações vigente é ainda o do velho Código da Contribuição Predial e do Imposto Sobre a Indústria Agrícola, de 1963, que em grande parte manteve o sistema do Código da Contribuição Predial de 1913.
O sistema de avaliações até agora vigente foi criado para uma sociedade que já não existe, de economia rural e onde a riqueza imobiliária era predominantemente rústica. Por essa razão, o regime legal de avaliação da propriedade urbana é profundamente lacunar e desajustado da realidade actual.
A enorme valorização nominal dos imóveis, em especial dos prédios urbanos habitacionais, comerciais e terrenos para construção, por efeito de sucessivos processos inflacionistas e da aceleração do crescimento económico do País nos últimos 30 anos, minaram a estrutura e a coerência do actual sistema de tributação.
A combinação destes factores conduziu a distorções e iniquidades, incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e, sobretudo, a uma situação de sobretributação dos prédios novos ao lado de uma desajustada subtributação dos prédios antigos.
Mantêm-se, no entanto, plenamente actuais as razões que, aquando da reforma de 1988-1989, levaram à criação de um imposto sobre o valor patrimonial dos imóveis, com a receita a reverter a favor dos municípios, baseado predominantemente no princípio do benefício.
Porém, a profundidade das alterações a introduzir é de tal ordem que se entendeu, em lugar da contribuição autárquica, criar o imposto municipal sobre imóveis (IMI), terminologia de resto mais adequada para designar a realidade tributária em causa, para além de que existem outros tributos que têm as autarquias como seus sujeitos activos.
No plano da incidência, o IMI segue a concepção que presidia à contribuição autárquica e, quanto às isenções, dado que o novo modelo irá conduzir a uma descida da tributação dos prédios mais recentes, diminuíram-se os períodos da sua duração, com base num escalonamento em dois patamares. Modificou-se também a isenção relativa aos prédios de reduzido valor patrimonial pertencentes a famílias de baixos rendimentos, aumentando-se significativamente os limites considerados para o efeito.
Com este Código opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador. (sublinhado nosso)
É também um sistema simples e menos oneroso, que permitirá uma rapidez muito maior no procedimento de avaliação.
A concepção do novo sistema de avaliações beneficiou de um vasto acervo de informação, análises e estudos preparados desde há vários anos pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, os quais foram actualizados e complementados segundo directrizes estabelecidas.
Foram acolhidas, no essencial, as recomendações do relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, bem como os critérios do anteprojecto do Código de Avaliações elaborado em 1991, actualizados mais tarde no âmbito da Comissão da Reforma da Tributação do Património, considerando-se, nomeadamente, a relevância do custo médio de construção, da área bruta de construção e da área não edificada adjacente, preço por metro quadrado, incluindo o valor do terreno, localização, qualidade e conforto da construção, vetustez e características envolventes.
Estes factores são complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, com vista a impedir a aplicação de factores idênticos independentemente da localização de cada prédio e de cada município no território nacional.
Consagram-se, pois, no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) os contornos precisos da realidade a tributar, partindo para isso de dados objectivos que escapem às oscilações especulativas da conjuntura, de modo que sirvam de referência a uma sólida, sustentável e justa relação tributária entre o Estado e os sujeitos passivos.
Por outro lado, criam-se organismos de coordenação e supervisão das avaliações, com uma composição que garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector, mantendo-se as garantias de defesa das decisões dos órgãos de avaliações.
Os objectivos fundamentais das alterações propostas são, pois, o de criar um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de actualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional.
De referir também que outro dos objectivos principais a alcançar é o da rápida melhoria do nível de equidade. Tal desiderato é prosseguido, enquanto não for determinada a avaliação geral, através da actualização imediata dos valores patrimoniais tributários, pela via da correcção monetária ponderada, da redução substancial dos limites das taxas, fixados em 0,4% e 0,8%, e do estabelecimento de limites ao aumento da colecta, por forma a que não ocorra nem um agravamento exagerado e abrupto do imposto a pagar, nem uma quebra na receita, competindo aos municípios determinar em concreto qual a taxa a aplicar.
No entanto, a actualização do valor patrimonial dos prédios urbanos arrendados até 31 de Dezembro de 2001, e que continuem arrendados no domínio de vigência do novo Código, será feita através da capitalização da renda anual, evitando assim que os seus titulares se vissem confrontados com um imposto a pagar que poderia exceder o rendimento efectivamente recebido.
Os prédios urbanos novos e os que forem transmitidos no domínio de vigência do CIMI serão objecto de avaliação com base nas novas regras de avaliação e passarão a ser tributados por uma taxa entre 0,2% e 0,5%, a fixar por cada município.
(…) A luta contra a fraude e evasão fiscal foi igualmente um dos objectivos da reforma, mormente face a fenómenos de deslocalização da titularidade de imóveis para países ou regiões com regimes fiscais mais favoráveis, prevendo-se uma taxa agravada para estes casos e retirando-se o benefício da não sujeição temporária do imposto aos terrenos destinados à construção de edifícios para venda e aos prédios que integrem o activo de empresas que tenham por objecto a sua venda.
Outra medida importante desta reforma é a do reforço dos poderes tributários dos municípios, nomeadamente através do alargamento do intervalo de fixação das taxas e dos novos poderes de determinar alguns benefícios fiscais, no âmbito das políticas urbanística, cultural, de desenvolvimento e de combate à desertificação.
Daí advirá certamente uma maior responsabilização das autarquias perante as populações, e uma maior exigência dos munícipes para com os seus autarcas, num domínio, como é o caso da fiscalidade, onde se projecta com maior nobreza o exercício dos direitos e dos deveres da cidadania”.
Como refere José Maria Fernandes Pires , “A atualização dos valores patrimoniais dos prédios urbanos foi efetuada multiplicando o valor patrimonial dos prédios pelo coeficiente da correção monetária correspondentes ao ano da sua inscrição na matriz.
Para cada ano de inscrição dos prédios nas matrizes prediais, desde 1970, foi fixado em Portaria um coeficiente de atualização. Esse coeficiente foi multiplicado pelo valor patrimonial inicial em conformidade com o ano em que o prédio foi inscrito na matriz. A aplicação do fator de atualização operou sobre o valor patrimonial original do prédio, pelo que ignorou todas as atualizações entretanto verificadas.
Para essa atualização, não foram tidas em conta as atualizações de valores ocorridas em 1976, 1988 e 1995.
Assim, os valores patrimoniais a que foram aplicados os fatores de correção fixados naquela portaria, foram expurgados daquelas correções.
Por isso, o valor patrimonial que foi multiplicado por aqueles coeficientes foi sempre o valor por que os prédios foram inscritos na matriz, desprezando-se as atualizações que haviam sido efetuadas em 1976, 1988 e 1995.
A razão de ser dessa aplicação dos coeficientes de correção monetária ao valor original dos prédios, resultou da preocupação do legislador de garantir a maior objetividade possível, dado o caráter errático e não sistemático das atualizações que haviam sido efetuadas no passado.
A Portaria fixou, então, um coeficiente de correção por cada ano, refletindo a inflação acumulada desde esse ano até 2003. O fator de atualização aplicado a cada prédio foi o correspondente ao ano da sua inscrição na matriz predial.
Porém essa regra teve uma exceção: Relativamente a todos os prédios inscritos na matriz em data anterior ao ano de 1970, o coeficiente de atualização aplicado foi o correspondente a 1970, como veremos adiante. (sublinhado nosso)
A fixação do ano de 1970, como marco divisório para a atualização dos valores patrimoniais, resultou do facto de, na grande maioria dos serviços de finanças, não ser possível determinar o verdadeiro ano de inscrição dos prédios na matriz e respetivo valor, em virtude de se ter procedido à cópia das matrizes prediais.
(…) Uma das razões porque se considerou o ano de 1970 como o mais antigo para efeitos de atualização de valores resultou exatamente da circunstância de que, provavelmente, todas as matrizes correspondentes a prédios inscritos antes desse ano terem sido renovadas”.
(…) No que respeita aos prédios inscritos nas matrizes antes de 1970, foi sempre aplicável o coeficiente de atualização correspondente ao ano de 1970, independentemente da data em que tenham sido inscritos, seja ela, por exemplo o ano de 1969, 1935, 1905 ou 1895”.
Porém, sendo aplicável em todos estes casos o coeficiente correspondente ao ano de 1970, o valor a que esse coeficiente se aplicou não foi o valor inicial de inscrição na matriz, mas sim o valor patrimonial que o prédio tinha em 1970, ou seja, o rendimento coletável do ano de 1970, multiplicado por 15”. (sublinhado e negrito, nossos)
Refira-se mais uma vez que os prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de ..., concelho do Porto, sob os artigos ... e ..., foram inscritos em data anterior a 1970, como resulta das alíneas b) e c) do probatório.
Deste modo não se pode afirmar de forma apodítica que, em 31 de dezembro de 2002, os valores tributáveis seriam os que a Requerida utilizou na liquidação, ou seja, de 24 594,58 € para o artigo ... e 59 947,99 €, para o ... .
Por outro lado, é enormíssima a diferença entre os VPT respeitantes ao artigo ... e constantes da matriz em 31-12-2002 e 29-09-2004. Com efeito, naquela data o valor tributável era de 59 947,99 € e volvidos escassos dois anos, mais precisamente em 29-09-2004, foi determinado o VPT por avaliação efetuada nos termos dos artigos 38.º e ss. do CIMI, no montante de 556 840,00, ou seja, de nove vezes mais.
Estas diferenças de regras de avaliação entre as constantes no CCPIIA e no CIMI, já referidas no preâmbulo do CIMI, são reveladoras à saciedade de verdadeira iniquidade. As primeiras, subjetivas e discricionárias por parte do avaliador; as segundas, objetivas, de grande simplicidade e coerência interna.
Deste modo não é justo nem proporcional, porque ilegal, face ao disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo, comparar valores que, afinal de contas, são incomparáveis, pois resultam de regras de avaliação completamente distintas.
Da (in)constitucionalidade do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS por violação dos princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva (artigos 13.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP)
Para o Requerente, a regra em questão (n.º 3 do artigo 45.º do CIRS) viola de forma grosseira o princípio constitucional da igualdade e o pressuposto da tributação de acordo com a capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º, n.º 1, 103.º, n.º 2, 104.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que apenas nas transmissões gratuitas ocorridas em 2004 e 2005, e só nestas, o valor de aquisição corresponde ao valor patrimonial tributário não resultante de avaliação efetuada segundo as regras contidas no CIMI, estabelecendo uma discriminação injusta e absurda entre contribuintes que adquiram bens, por doação isenta de imposto do selo, nos anos seguintes.
O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos ”. E tal critério, como sublinha José Casalta Nabais , encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)”. Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto ”.
Para o Tribunal Constitucional, de que é exemplo, entre muitos outros, o Acórdão n.º 84/2003, de 12-02-2003 «O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, de 29-12-2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».
Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, de 15-10-2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”. No mesmo sentido o acórdão nº 306/10, de 14-07-2010.
Impõe-se, assim, concluir que o critério ínsito no artigo 45º do CIRS, de natureza geral e abstrata, aplicando-se, por conseguinte, de igual forma a todos os contribuintes que se encontrem em idêntica situação, não viola os princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva.
Pelo que vem de se expor, o Tribunal Arbitral julga parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que se refere aos valores de aquisição respeitantes aos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de ..., concelho do Porto, sob os artigos ... e ..., a que correspondem os valores patrimoniais tributários reportados a 29 de setembro de 2004 (data da aquisição por doação), nos montantes de 4 802,50 € e 139 210,00 €, respetivamente, na proporção (1/4 de que o Requerente é proprietário.
Da indemnização por garantia indevida -
O Requerente peticiona, por fim, o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do artigo 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo n.º 28/2013-T “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este Tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, é manifesto que o erro de que padece o ato de liquidação, supra detetado, relativo aos valores de aquisição dos imóveis alienados, é imputável à Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que tal erro fosse praticado.
Tem, por isso, o Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago.
No entanto não foram alegados nem provados os encargos que o Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquele tem direito, o que só poderá ser efetuado em execução desta decisão.
**
5 - Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, prevista na alínea a), n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, invocada pela Requerida;
b) Julgar procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, prevista na alínea i), n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, também invocada pela Requerida, quanto ao valor de realização;
c) Anular parcialmente o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, e respetivos juros compensatórios, na parte relativa aos valores de aquisição considerados para a determinação das mais-valias, que corresponderão aos valores patrimoniais tributários reportados a 29 de setembro de 2004 (data da aquisição por doação) que serviriam de base à liquidação do imposto do selo, caso este fosse devido, nos montantes de 4 802,50 € (19 210,00 € x 25%) e 139 210,00 € (556 840,00 € x 25%), referentes, respetivamente, aos artigos ... e ... da matriz urbana da freguesia de ..., concelho do Porto;
d) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária e artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no montante que vier a ser fixado, se necessário, em execução de sentença, por referência ao valor a anular resultante do deferimento parcial da presente impugnação; e
e) Condenar as Partes nas custas do processo, na medida dos respetivos decaimentos, fixando em 316,83 € (14,79%) a parte a cargo do Requerente e em 1 825,17 € (85,21%) a parte a cargo da Requerida.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em 45 863,31 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por ser o valor da liquidação, cuja anulação, à data da constituição do Tribunal Arbitral (20-05-2019), se pretende, cfr. liquidação de IRS do ano de 2015, com o n.º 2019..., efetuada em 10 de maio de 2019 (cfr. documento n.º 3 junto ao requerimento da AT de 09-09-2019).
Custas
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a pagar pelas Partes na proporção dos respetivos decaimentos, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente.
Notifique as Partes.
Lisboa, 18 de outubro de 2019.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT