DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Marisa Isabel Almeida Araújo e Cristina Coisinha, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – RELATÓRIO
1. No dia 27 de Dezembro de 2018, A..., contribuinte n.º..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., relativo ao ano de 2016, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor global de €75.284,92, assim como da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa que teve o referido acto de liquidação como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. o acto de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios padece de vício de forma por falta de fundamentação;
ii. preterição de formalidade essencial por não ter sido dada à Requerente oportunidade de participar, em sede de audiência prévia, na decisão final do procedimento de liquidação;
iii. vício de violação de lei, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
3. No dia 28-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 15-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-03-2019.
7. No dia 03-04-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. No dia 09-07-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente e prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prorrogado nos termos legais.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- Em 15-01-1997, a Requerente adquiriu, pelo preço de quarenta milhões de escudos, o prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua de ... n.º..., freguesia ..., concelho de Sintra.
2- O referido imóvel constituiu casa de morada de família da Requerente e do seu agregado familiar no período que mediou entre janeiro de 1997 e a sua entrega ao comprador, após a alienação ocorrida a 17-10-2016.
3- No referido imóvel, a Requerente pernoitava, tinha os seus bens pessoais, tomava as suas refeições, recebia amigos e familiares e pernoitava com a sua filha.
4- As facturas endereçadas à Requerente pelos prestadores de serviços de eletricidade e água continham a morada da Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ... n.º..., freguesia de ..., concelho de Sintra.
5- A correspondência que era endereçada à Requerente e à sua filha, por diversas entidades, continha a morada da Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ... n.º..., freguesia de ..., concelho de Sintra.
6- Em 07-10-2015, a Requerente outorgou contrato promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ... n.º ..., freguesia ..., concelho de Sintra, nos termos do qual foi convencionado que a escritura de compra e venda seria outorgada até 30-04-2016.
7- Por dificuldades financeiras inerentes ao promitente adquirente, foi celebrado um aditamento ao contrato promessa firmado, sendo alterada a cláusula terceira no sentido de o negócio definitivo poder ser concretizado em dia útil, até 30 de Maio de 2016.
8- Por persistirem as dificuldades financeiras do promitente adquirente, foi celebrado um segundo aditamento ao contrato promessa, sendo novamente alterada a cláusula terceira, passando o negócio definitivo a poder ser realizado até 30 de Setembro de 2016.
9- A validade do Cartão de Cidadão da Requerente e da sua filha expirou a 30-03-2016.
10- A Requerente procedeu à renovação dos referidos Cartões de Cidadão.
11- Uma vez que a Requerente tinha a expectativa de alienar a sua casa de morada de família sita na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ... n.º ..., freguesia de ..., concelho de Sintra, até 30-04-2016, aquando da renovação dos Cartões de Cidadão, a Requerente indicou como morada de residência a ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa.
12- O imóvel sito na Rua ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ... n.º..., freguesia de ..., concelho de Sintra, foi alienado em 17-10-2016.
13- A Requerente preencheu a Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, tendo declarado no Anexo G a alienação de dois imóveis (artigo ... e ...), em 17-10-2016, pelo valor de €600.000,00, sendo o valor de aquisição total de €199.519,16 e o valor de despesas e encargos referentes ao imóvel com o artigo ... de €19.777,92.
14- A Requerente declarou ainda a intenção de reinvestimento, sendo o valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem imóvel sob o artigo ..., de €74.796,63 e declarou o valor de €450.000,00, como aquele que pretendia reinvestir sem recurso a crédito.
15- Em 28-03-2016, de acordo com o cadastro da AT, o domicílio da Requerente era na ..., ..., ..., em Lisboa, porquanto este tinha sido alterado em 11-02-2014.
16- Em 13-09-2017, a Requerente foi notificada da existência de divergências nos valores inscritos no anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2016 e para, querendo, exercer direito de audição.
17- Da referida notificação, constava o seguinte:
18- Em 22-09-2017, a Requerente requereu a emissão de uma certidão que contivesse a fundamentação necessária, por entender que a informação disponibilizada pela AT não era suficiente para determinar a motivação que esteve na base das correções projectadas.
19- Em 17-10-2017, a certidão ainda não havia sido emitida, pelo que a Requerente reiterou o pedido formulado.
20- Em 18-10-2017, a Requerente foi notificada, por carta registada com aviso de receção, do Despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., datado de 13-10-2017, do qual consta o seguinte:
21- Em Outubro de 2017, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016.
22- A AT desconsiderou os valores inscritos pela Requerente no campo “Intenção de Reinvestimento”, considerando que não poderia ocorrer a exclusão de tributação da mais valia parcial nos termos dos n.ºs 5 e 7 do artigo 10.º do Código do IRS.
23- Em 19-03-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2018... tendo por objecto o referido acto de liquidação.
24- A Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa, tendo exercido o respectivo direito de audição.
25- Através do Ofício n.º... de 28-09-2018, a Requerente foi notificada do Despacho da Senhora Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa apresentada.
26- Da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, consta o seguinte:
27- A Requerente não procedeu ao pagamento da referida liquidação de IRS, pelo que lhe foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2017..., para cobrança coerciva do imposto.
28- De modo a obter a suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente prestou garantia – hipoteca voluntária – tendo incorrido em custos de €1.000,97.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial, os factos dados como provados nos pontos 2, 3, 7, 8,11, tiveram em consideração a prova testemunhal produzida, que revelou conhecimento directo dos mesmos, relatando com coerência e detalhe que a Requerente habitava habitualmente o prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs..., ... e ... e Rua ... n.º..., freguesia de ..., concelho de Sintra, aí fazendo a sua vida pessoal e familiar, situação que se manteve até à alienação do mesmo, que, dado ter sido feita a um cidadão de país estrangeiro, padeceu de algumas complicações e delongas que atrasaram o processo.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Aqui chegados, impõe-se, pois, por referência ao teor do Requerimento Arbitral, identificar as questões decidendas, ou seja, os vícios imputados à liquidação de IRS acima identificada.
No Requerimento Arbitral a Requerente invoca o vício de falta de fundamentação e o vício de violação de lei, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, o qual importa a anulação da liquidação.
Importa, pois, determinar a ordem do conhecimento dos vícios apontados ao ato tributário.
Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Assim, a questão a decidir prende-se com a verificação dos requisitos do regime de exclusão da tributação como mais valias imobiliárias dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel, regulado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, afeto à habitação própria e permanente e cujo ganho foi reinvestido num imóvel igualmente destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, numa situação em que o domicílio fiscal não coincidia com a habitação própria permanente.
No caso em apreço, tratou-se de aferir se o imóvel alienado, constituía à data da sua alienação, a casa de morada de família da Requerente e do seu agregado familiar, uma vez que: (i) a Requerente não tinha aí o seu domicílio fiscal; (ii) a Requerente alterou a sua morada cerca de seis meses antes da alienação da sua residência, antecipando a aquisição do imóvel objeto do reinvestimento e aproveitando o facto de estar obrigada a renovar o cartão de cidadão.
Destarte, como a AT faz coincidir os conceitos de domicílio fiscal e residência habitual “habitação própria e permanente”, consequentemente tributou os ganhos obtidos por o imóvel alienado não ser o domicílio fiscal da Requerente à data da sua venda.
Ora, o artigo 10.º do Código do IRS (CIRS), na parte que nos interessa, dispõe o seguinte:
“(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
d) (Revogada.)
Ou seja, verificadas, cumulativamente, as condições legais prevenidas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, as mais valias imobiliárias são excluídas da tributação em IRS.
Nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do CIRS, o agregado familiar é constituído por:
a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;
(…)
O conceito de domicílio fiscal está definido na alínea a), do n.º 1 do artigo 19.º da LGT que, à data dos factos, dispunha o seguinte:
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
Sucede que, residência e domicílio fiscal não são conceitos unívocos. Com efeito a residência exprime uma realidade da vida social – o local onde determinada pessoa tem a sua vida organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida , e o domicílio fiscal é, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias
Ainda no plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redação do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.
Mas, no plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do Código Civil .
Sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência perfilham o entendimento de que não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.
Entendimento com acolhimento na letra do n.º 11 do artigo 4.º do CIRS: “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”.(sublinhado nosso)
Ou seja, a mencionada disposição normativa, estabelece uma presunção, ilidível a todo tempo pelo SP, mediante prova em contrário.
Prova que a Requerente logrou fazer nos presentes autos, documental e testemunhalmente, conforme resulta dos factos provados, em especial do constante sob o número 3.
Vai também neste sentido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal Administrativo, conforme acórdão de 23/11/2011, prolatado no âmbito do processo n.º 0590/11 “, em cujo sumário se pode ler: (…) II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio.
III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal”.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 01077/11.9 BESNT , decidiu de forma inequívoca o seguinte : I - Para que opere a exclusão tributária prevista no n° 5 do art. 10° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
II - Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.
Em suma, a referência a “habitação própria e permanente” não exige a identidade desta com o domicílio fiscal.
O domicílio fiscal, é o domicílio registado junto das autoridades fiscais para efeitos de impostos e notificações. O domicílio fiscal, que pode ser diferente do domicílio civil, é o lugar de localização do contribuinte face à administração pública em matéria tributária, é o domicílio registado para efeitos de impostos e notificações.
Independentemente do incumprimento pelo SP de alguma obrigação acessória, o que releva é a comprovação de que o prédio alienado e o prédio adquirido tinham aquela especial afetação.
Estando o imóvel alienado afeto à habitação própria e permanente do SP e do seu agregado familiar, e tendo o imóvel adquirido sido igualmente afeto à sua habitação permanente, fica preenchido este requisito legal de os ganhos decorrentes da respetiva alienação serem suscetíveis da exclusão da tributação em sede de IRS, ao abrigo do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
Face ao exposto, enferma o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo ser anulado e assim procedendo o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
DA INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDAMENTE PRESTADA
A Requerente formulou, acessoriamente, pedido de indemnização por garantia indevida.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art.º 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art.º 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, verifica-se que o erro que padecem os actos de liquidação parcialmente anulados é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada.
No caso, verifica-se que a Requerente prestou garantia – hipoteca voluntária – tendo incorrido em custos de €1.000,97, valor do qual tem direito a ser reembolsada.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular a liquidação de IRS n.º 2017..., por vício de violação de lei;
b) Condenar a Requerida no pagamento da indemnização por garantia indevidamente prestada no montante de €1.000,97;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 75.284,92, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Marisa Isabel Almeida Araújo)
O Árbitro Vogal
(Cristina Coisinha)