Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 612/2018-T
Data da decisão: 2019-10-15  IRC  
Valor do pedido: € 42.511,61
Tema: IRC - Revisão Oficiosa – Erro imputável aos serviços.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua..., ..., ..., apresentou, em 04-12-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida ou AT).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que correu termos sob o n.º ...2017..., da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e, consequentemente, do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios relativo ao exercício de 2008.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-12-2018.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 24-01-2019 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 13-02-2019.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

A Requerente é uma associação de empresários de carácter privativo, sem fins lucrativos, cujo objecto é a defesa, representação e promoção dos legítimos interesses económicos, profissionais e sociais dos seus associados, bem como dos direitos destes, seu prestígio e dignificação.

Ao longo dos últimos anos candidatou-se, com sucesso assinalável, aos incentivos financeiros concedidos pelo Fundo de Modernização do Comércio, para financiamento de iniciativas, nos concelhos da sua área de influência, relacionadas com animação de rua ou de revalorização de determinadas zonas de comércio tradicional, tendo em vista a promoção e o desenvolvimento do comércio local, sem que, em momento algum, tivesse sido colocada em causa, designadamente, a sua própria elegibilidade ou mesmo a elegibilidade das despesas efectuadas.

A Administração tributária realizou à Requerente um procedimento de inspecção tributária, externo e de âmbito geral, com incidência temporal sobre os exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, que, que, conforme resulta do Relatório de Inspecção, terá sido motivado por solicitação expressa da DSIFAE (Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais), tendo em vista o apuramento de eventuais irregularidades na concessão de fundos públicos, mais concretamente dos incentivos financeiros concedidos pelo Fundo de Modernização do Comércio.

Do referido procedimento inspectivo resultaram correcções em sede de IVA, relativamente aos anos de 2008, 2009 e 2011 e, ainda, correcções à matéria tributável de IRC, relativamente aos exercícios de 2008, 2010 e 2011.

Segundo a Administração tributária, a Requerente terá, alegadamente, participado, juntamente com as empresas com as quais manteve relações comerciais, ao longo dos exercícios em causa, na emissão de facturas não correspondentes, no todo ou em parte, a operações efectivamente realizadas.

Não se conformando com o referido acto de liquidação, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de ..., Reclamação Graciosa contestando a legalidade das correcções efectuadas à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2008, na sequência do que foi notificada da decisão de (in)deferimento parcial.

Os demais actos de liquidação resultantes da acção inspectiva acima identificada foram todos anulados por decisões arbitrais.

Tendo em conta os tais factos e pressupostos, e o facto de ter decorrido o prazo previsto no artigo 56.º n.º 2 alínea a) da Lei Geral Tributária, (uma vez que a decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa é de 2014), apresentou a Requerente o Pedido de Revisão Oficiosa do acto de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios n.º 2014..., por entender que o dito acto de liquidação é ilegal, por ter sido praticado com base em erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, imputável aos serviços e que demonstram uma tributação desenquadrada com a realidade jurídico-tributária da Requerente. O qual obteve despacho de indeferimento.

O acto e liquidações em apreço decorrem de uma errada aplicação da lei e de uma errónea qualificação dos factos, pelo que se concluirá que houve erro imputável aos serviços, que deveria, em sede de Revisão Oficiosa, ter sido corrigido pela Administração tributária.

O erro em que a Administração tributária incorreu é evidente por ter subjacente o entendimento de que a facturação emitida pelos prestadores de serviços à Requerente, e por esta àqueles, não titula operações reais, numa presunção infundada e não fundamentada.

Caso assim não se entenda, sempre deverá o presente Pedido de Pronúncia Arbitral ser procedente por existência de injustiça grave e notória.

Do acto de liquidação de IRC e Juros Compensatórios em causa não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, por forma a justificar a decisão nela inserta.

Desconhecendo a Requerente, objectivamente, os fundamentos subjacentes ao referido acto de liquidação de IRC e Juros Compensatórios, pois os mesmos não constavam dos correspondentes actos, nem foi feita qualquer remissão, expressa ou implícita, para um qualquer documento concreto e determinado que seja contemporâneo ou anterior a esses mesmos actos e não tendo sido notificada nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, ocorreu preterição de formalidade legal essencial.

A fundamentação do próprio Relatório não é congruente, nem, tampouco clara, donde se conclui pela falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação mesmo.

Não demonstrando a ficção das operações tituladas pelas facturas em causa, nem invocando indícios suficientemente concretos desse facto, a Administração tributária não cumpre o ónus de prova que sobre esta recaía para efeitos de desconsideração dos gastos subjacentes àquelas facturas e, consequentemente, da tributação dos montantes recebidos ao abrigo do MODCOM.

Assentando as correcções à matéria tributável que parecem fundamentar os actos de liquidação aqui em causa vício de violação de lei e em erro de facto e de direito sobre os pressupostos, impunha-se, também por este motivo, a revisão e consequente anulação dos referidos actos tributários.

Conclui pela ilegalidade da liquidação de imposto, juros compensatórios e derrama, requerendo a sua anulação com a consequente restituição de imposto acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:

Considerando o teor do pedido de pronúncia arbitral apresentado, no qual se elege a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa como objecto de pronúncia arbitral, cumpre desde logo deduzir a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral, à luz do nº 1 do art. 2º do RJAT.

Na verdade, a competência do Tribunal Arbitral compreende a apreciação da ilegalidade de um acto de liquidação, sendo que a apreciação de um pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do art. 78º da LGT envolve a apreciação não apenas da legalidade do acto de liquidação em causa, mas também a apreciação das questões suscitadas de injustiça grave ou notória em que assenta este instituto jurídico.

Sucede, todavia, que os tribunais arbitrais apenas têm competência para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade dos actos tributários e as questões que lhe são inerentes, como é o caso de erro imputável aos serviços e da pretensão a juros indemnizatórios por pagamento indevido imposto.

Deverá ser julgada procedente a excepção de incompetência do tribunal arbitral, nos termos do nº 1 do art. 2º do RJAT, para apreciar os pressupostos em que assenta a legalidade da revisão oficiosa do art. 78º da LGT, em virtude de este instituto jurídico não se bastar com a declaração de ilegalidade do imposto.

A liquidação nº 2014..., impugnada, é um acto administrativo tributário que reitera a aludida decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa por ser um acto meramente consequente destinado a executar a decisão dos serviços e enquanto acto confirmativo do acto decisório proferido na reclamação graciosa, tal liquidação é um acto confirmativo não impugnável.

Pelo que deve ser julgada procedente a excepção da inexistência de objecto processual, em virtude de aquela liquidação, à luz do art. 52º do CPTA, ser um acto administrativo não impugnável, não sendo, por conseguinte, susceptível de revisão oficiosa ao abrigo do art. 78º da LGT.

Uma vez que à data em que o pedido de revisão oficiosa foi deduzido junto da AT já se encontrava precludido o prazo de 3 anos previsto no art. 78º da LGT, sendo que este prazo se conta da notificação da liquidação 2013..., e não da liquidação 2014... que, à luz do art. 52º do CPTA, é acto administrativo não impugnável, ocorre a caducidade do direito de acção que é uma excepção dilatória insuprível.

Por outro lado, não se tendo a Requerente conformado com a decisão de deferimento parcial proferida no âmbito daquela reclamação graciosa, cabia-lhe reagir contra a mesma nos termos e dentro dos prazos legalmente previstos para o efeito. O facto de, na sequência e em execução daquela reclamação graciosa, ter sido emitida uma liquidação correctiva, não confere ao contribuinte o direito de reagir contra aquela liquidação correctiva com os mesmos fundamentos que já invocara naquela reclamação graciosa, ainda que através de um pedido de revisão oficiosa que repete aqueles argumentos acrescendo outros novos de alegada injustiça grave ou notória.

Pelo que, do mesmo modo, ocorre a caducidade do direito de acção.

No que respeita à falta de fundamentação do acto tributário, sustenta que a decisão de liquidar o imposto tem subjacente a concordância com a proposta de correcção sancionada pela inspecção tributária, que a precedeu, e que se encontra vertida no relatório da inspecção tributária, ao abrigo do nº 1 do art. 77º da LGT. Os elementos que integram a fundamentação do acto tributário, expressamente previstos no nº 2 do art. 77º do CPPT, estão contidos no teor do relatório da inspecção tributária, o qual foi notificado à Requerente, sendo com base no seu teor que a Requerente vem contestar as correcções efectuadas.

Não foi minimamente violado o disposto no art. 103º, nº 2 e art. 268º, nº 3 da CRP, ou o art. 77º da LGT, pelo que deve ser julgado improcedente o vício de forma por falta de fundamentação do acto de liquidação.

Foram atingidas as finalidades pretendidas com a mesma, a saber: a compreensão do conteúdo do acto pelos seus destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem. A Requerente, ao contrário do que alega, ficou a conhecer a origem e o motivo da liquidação, o que foi liquidado e como e quais os motivos e moldes porque foi efectuada.

Sobre a alegada preterição de formalidade essencial por falta de notificação do SP para exercer o seu direito de audição prévia, não assiste qualquer razão à Requerente, com especial relevância para a dispensa contida no nº 3 do art. 60º da LGT, em articulação com a alínea a) do seu nº 1.

A fundamentação das correcções demonstra claramente uma adequada apreciação e ponderação das razões de facto e de direito que determinaram a liquidação adicional impugnada, foram inequivocamente demonstrados os motivos pelos quais se efectuaram as correcções.

À AT cabia o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correcções, demonstrando a factualidade que a levou a considerar que a contabilidade da Requerente mostrava bastantes inconsistências, capazes de abalar a presunção de veracidade das operações de escrita do contribuinte, o que se encontra patentemente reflectido no relatório inspectivo. Cessando a presunção, passou a recair sobre a Requerente o ónus da prova dos factos sobre os quais se geraram dúvidas.

Conclui a Requerida pela legalidade do acto de liquidação de contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Em 28-06-2019, teve lugar a reunião prevista no art 18º do RJAT, em que foram inquiridas as testemunhas apresentadas pela Requerente e ordenada a notificação da gravação do depoimento de B... noutros processos arbitrais.

 

7. As partes apresentaram alegações escritas, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas, tendo ainda a Requerente apresentado resposta às alegações apresentadas pela Requerida que, por ter sido considerada processualmente inadmissível, foi ordenado o seu desentranhamento.

 

II – SANEAMENTO

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. Foram suscitadas pela Requerida diversas excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa, relativamente às quais a Requerente se pronunciou, cujo conhecimento está dependente da matéria de facto a fixar, pelo que só serão apreciadas a final.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e processo administrativo juntos aos autos, bem como aos depoimentos das testemunhas – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT) - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma associação de empresários de carácter privativo, sem fins lucrativos, que goza de personalidade jurídica, constituída nos termos da lei para vigorar por tempo indeterminado, e cujo objecto é a defesa, representação e promoção dos legítimos interesses económicos, profissionais e sociais dos seus associados, bem como dos direitos destes, seu prestígio e dignificação;

b)           Atenta a sua natureza e a premente necessidade de obtenção do investimento necessário à realização das referidas iniciativas e de concretização dos objectivos que as mesmas encerram, a Requerente tem vindo a candidatar-se a fundos públicos, nomeadamente ao Fundo de Modernização do Comércio, criado através do Decreto-Lei n.º 178/2004, de 27 de Julho, tendo em vista a modernização e a revitalização da actividade comercial, particularmente em centros de comércio com predomínio do comércio independente de proximidade, em zonas urbanas ou rurais, bem como a promoção de acções e programas de formação dirigidos ao sector do comércio;

c)            Enquadrando-se a Requerente como entidade beneficiária dos incentivos financiados por aquele Fundo, candidatou-se, com sucesso, aos apoios financeiros concedidos por aquele Fundo, designadamente nos anos de 2008, 2009 e 2011;

d)           As condições de elegibilidade da Requerente e a viabilidade económica e financeira dos projectos através dos quais esta se candidatou aos incentivos financeiros concedidos pelo Fundo, passaram pelo crivo de duas das entidades responsáveis pela gestão do Fundo — a Direcção-Geral da Empresa – DGE - e o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento – IAPMEI.

e)           Credenciada pelas Ordens de Serviço Externas n.ºs OI2012... e OI2012..., datadas de 17 de Abril de 2012 e 25 de Maio de 2012, a Administração tributária iniciou um procedimento de inspecção tributária, externo e de âmbito geral, com incidência temporal sobre os exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011 da Requerente;

f)            Inspecção tributária que, conforme resulta do Relatório de Inspecção, terá sido motivada por solicitação expressa da DSIFAE (Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais), tendo em vista o apuramento de eventuais irregularidades na concessão de fundos públicos, mais concretamente dos incentivos financeiros concedidos pelo Fundo de Modernização do Comércio;

g)            Do referido procedimento inspectivo resultaram correcções em sede de IVA, relativamente aos anos de 2008, 2009 e 2011, correspondentes a alegada falta de entrega de IVA liquidado nos cofres do Estado, no montante total de € 57.775,67 e, ainda, correcções à matéria tributável de IRC, relativamente aos exercícios de 2008, 2010 e 2011, no montante global de € 353.826,68, reflectidas no resultado declarado da Requerente através do acréscimo desta importância ao lucro tributável;

h)           De acordo com o Relatório de Inspecção, a Requerente terá, alegadamente, participado, juntamente com as empresas com as quais manteve relações comerciais, ao longo dos exercícios em causa, na emissão de facturas não correspondentes, no todo ou em parte, a operações efectivamente realizadas;

i)             Consta, designadamente, do Relatório de Inspecção:

- “Verificamos que as entidades, C... e D..., nos exercícios que detinham relações comerciais com a A..., eram simultaneamente suas fornecedoras e clientes, situação esta que confirmou os indícios que levaram ao levantamento das presentes acções.

- Por sua vez a A... emite a favor das empresas do grupo E... as facturas…

- Em simultâneo a A... é emitente, a favor da D..., das facturas…

- Logo aqui podemos tirar uma ilação óbvia: mudam-se os intervenientes, ou parte destes, mas os comportamentos mantêm-se! De facto, parece ser este tipo de postura generalizada, assistimos ao empolamento dos custos com as acções candidatas ao financiamento público, para maximizar a quase única fonte do rendimento da Associação que, de acordo como o que nos foi sendo transmitido, dificilmente vão conseguindo fazer face às suas despesas correntes. Se analisarmos as fontes de receita da A..., vimos claramente que não possui capacidade para fazer face à parte dos custos não comparticipados das iniciativas em questão que, não podemos esquecer, são no mínimo de 40%.

- Analisando as contas observamos que todas das facturas emitidas pela D... em Janeiro de 2011 deram origem à emissão de um recibo de quitação pelo respectivo pagamento através de cheque (25-02-2011). O mesmo sucedendo com as facturas emitidas pela A... à D... (28-02-2011). Contudo, na mesma data de emissão destes últimos cheques foram emitidos outros pela D... a favor da A... nos montantes de 13.159,45€, 11.503,58€, 14.488,49€, 8.181,47€ e 15.534,26€. De todos eles, no montante de total de 110.377,00 €, foram assinadas declarações de dívida pela A... a favor da D... .

- As facturas emitidas pela A... e liquidadas por meio de cheque, conforme descrito no ponto acima serviram para atenuar os efeitos da facturação, com indícios de titular operações fictícias, emitida pela D... .

- De notar que nos movimentos acima descritos os valores globais são exactamente iguais, isto é, o total da facturação de Janeiro da D... à A... é igual ao valor dos cheques emitidos por aquela a favor desta, existindo um de igual valor para cada factura emitida pela A... e outro pelo remanescente até perfazer o montante global de uma factura da D... .

- Seguidamente a estes movimentos, regista-se a entrada nas contas bancárias da A... de transferências do MODCOM, pelo que se conclui que, mais uma vez, na razão de ser destes enredos está a obtenção de susbsídios, para cujo recebimento há a necessidade de provar os pagamentos dos serviços co-financiados.

- De forma idêntica sucedeu com o depósito do cheque da E... na conta da A... (...) no valor de 64.800,00€ a 24/02/2011, na sequência dos recibos emitidos pela C... relativos a facturas de 2010.

- Para além destes movimentos financeiros, foi ainda detectada uma entrada de capital nas contas bancárias da A..., resultante de uma transferência da D... no valor de 15.100,00€, correspondente à factura n.º 269 da própria, a 28/7/2011, tendo aquele montante, no dia imediatamente seguinte, sido objecto de transferência banacária entre contas da A..., de onde veio a sair no dia 02/08 para pagamento da factura 269 da D...”.

j)             Na sequência da notificação do Relatório de Inspecção, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios n.º 2013..., praticado por referência ao exercício de 2008, no valor de € 51.406,38;

k)            Por não se conformar com aquele acto de liquidação, a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de ..., Reclamação Graciosa contestando a legalidade das correcções efectuadas à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2008;

l)             Reclamação graciosa que foi autuada sob o n.º ...2014... que mereceu despacho de deferimento parcial da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente pelo Ofício n.º ... de 12 de Junho de 2014;

m)          Tendo-se a Requerente conformado com o referido deferimento parcial, foi notificada de nova liquidação de IRC e de Juros Compensatórios n.º 2014..., de 14 de Julho de 2014, praticado por referência ao exercício de 2008 no montante global de € 42.511,61;

n)           A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado;

o)           Os actos de liquidação de IRC, relativos aos exercícios de 2010 e 2011, foram objecto de pedidos de pronúncia arbitral que foram julgados procedentes, nos processos que correram termos sob os n.º 714/2014-T e 251/2015-T;

p)           O acto de liquidação de IVA referente ao ano de 2008 foi, de igual modo, objecto de pedido de pronúncia arbitral, através do CAAD, sob o processo n.º 252/2015-T que foi julgado procedente.

q)           Em 17 de Janeiro de 2017 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC n.º 2014..., relativa ao exercício de 2008;

r)            O pedido de revisão oficiosa foi formulado com idêntico objecto e fundamentos dos que constaram da reclamação graciosa apresentada no ano de 2014 (cf. art. 12º do pedido de revisão oficiosa);

s)            O referido pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 5 de Março de 2018 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas;

t)            As empresas C..., E... e D... eram conhecidas das funcionárias da Requerente como fornecedoras de serviços, em particular de estudos de mercado, publicidade e apoio logístico;

u)           Tais empresas não tinham recursos humanos suficientes e eram as próprias trabalhadores da Associação que os tinham de substituir muitas vezes nas acções em curso;

v)            A Associação cedeu instalações próprias a tais empresas;

w)          As referidas empresas não traziam publicidade adequada, pelo que os flyers de publicidade eram feitos pelas próprias trabalhadoras, designadamente por F...;

x)            Em muitas ocasiões, os trabalhadores fechavam as portas da Associação porque andavam pessoalmente no exterior em acções de animação e formação que deveriam ser realizadas por aquelas empresas.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, do processo administrativo junto aos autos, bem como dos depoimentos das testemunhas G... e F... e, de forma indirecta, H... .

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

A Requerida suscitou na resposta apresentada, diversas excepções, a saber:

a) Incompetência do Tribunal Arbitral.

b) Inexistência de objecto processual.

c) Caducidade do direito de acção.

Vejamos.

 

a) Incompetência do Tribunal Arbitral.

Sustenta a Requerida que, tendo o presente processo arbitral como base a decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa, ocorre a incompetência do tribunal arbitral, à luz do n.º 1 do art. 2º do RJAT.

Defende que a apreciação de um pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do art. 78º da LGT envolve a apreciação não apenas da legalidade do acto de liquidação em causa, mas também a apreciação das questões suscitadas de injustiça grave ou notória em que assenta este instituto jurídico, o que extravasa a competência do tribunal arbitral que compreende apenas a apreciação da ilegalidade de um acto de liquidação.

Com efeito, entende que o juízo a formular pelo Tribunal Arbitral com vista a apreciar da pretendida injustiça grave ou notória, a que se referem os n.º 4 e 5 do art. 78º da LGT, é um juízo valorativo que extravasa a questão da mera ilegalidade do imposto por erro imputável aos serviços e, consequentemente, o âmbito de competências dos tribunais arbitrais.

Entendemos que sem razão.

A questão da competência material dos tribunais arbitrais para apreciação de pedidos de revisão oficiosa, tem sido já objecto de diversas decisões.

Antes de mais há a referir que é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do RJAT. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, já que o art. 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Donde se conclui que “em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral Ou seja, «o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011», cfr. Ac. TCAS de 28/4/2016 (proc. 09286/16)” (Acórdão n.º 473/2017-T, de 8-4-2018).

Ora, “a «fórmula declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade” (Ac. 620/2017-T de 30-04-2018).

Mais se diz na mesma decisão arbitral que “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais (…) a referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau”.

Por absolutamente claro se transcreve de modo mais extenso o que se refere no Ac. 617/2015-T de 22-02-2016:

- “No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] , e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Os actos de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário e de indeferimento de recurso hierárquico constituem actos administrativos, à face das definições fornecidas pelos artigos 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 148.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, [subsidiariamente aplicáveis em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea c), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constituem decisão de órgãos da Administração que ao abrigo de poderes públicos visaram produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Por outro lado, é também inquestionável que se trata de actos em matéria tributária pois é neles feita aplicação de normas de direito tributário.

Assim, os actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de indeferimento do recurso hierárquico constituem actos administrativos em matéria tributária.

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.

Eventualmente, como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos.

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo”.

Na mesma linha, na Decisão Arbitral n.º 346/2017-T, de 06-02-2018, se diz que: “os actos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão de acto tributário constituem actos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de actos de primeiro grau, ou seja, actos de liquidação e, como tal, entende-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles actos. Apenas nos casos em que o acto de segundo ou terceiro grau apreciou apenas e somente uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do acto primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD”.

Quer dizer, poderia discutir-se a competência dos tribunais arbitrais no caso de no pedido de revisão oficiosa não se pretender discutir a legalidade do acto de liquidação.

O que, diga-se, não é o caso, uma vez que Requerente ali requereu expressamente que fosse declarada a ilegalidade da liquidação, pretensão que foi indeferida pela AT (cf. Ac. Arbitral de 25-01-2019, no Proc. 263/2018-T).

Reiterando o que se disse, pelos fundamentos exaustivamente plasmados nas decisões citadas, que subscrevemos integralmente, improcede a invocada excepção de competência material do tribunal arbitral para apreciação do pedido.

 

b) Inexistência de objecto processual

Por outro lado, alega a Requerida que a liquidação n.º 2014..., objecto do pedido arbitral, não é impugnável, em face do disposto no art. 52º do CPTA, donde conclui inexistir objecto processual.

Considera, para tal conclusão, que aquela liquidação constitui um mero acto tributário correctivo, consequente ao deferimento parcial da reclamação graciosa anteriormente apresentada pela Requerente, existindo na ordem jurídica como concretização do decidido pelos serviços, podendo o contribuinte reagir contra este acto apenas na medida em que o mesmo não refecte ou não executa o decidido pelos Serviços em sede de reclamação graciosa.

Invoca, para o efeito, o disposto no art. 53º do CPPT quando determina que os actos confirmativos não são impugnáveis e que os actos jurídicos de execução de actos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador.

Com efeito, sustenta que como aquela liquidação é um acto administrativo que reitera o decidido na reclamação graciosa, mais não é do que um acto confirmativo do acto decisório nela proferido e, como tal, não impugnável.

Conclui, desse modo, pela inexistência de objecto processual insusceptível de revisão oficiosa.

Ora, analisada a nota de liquidação remetida à Requerente, do seu teor não resulta que se esteja perante qualquer acto tributário correctivo, o que seria necessário e decisivo para que assim se pudesse concluir.

Aliás, da nota de liquidação consta expressamente que “pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137º do CIRC e 70º e 102º do CPPT”. Quer dizer, a AT actuou praticando um novo acto de liquidação.

Como se diz no Ac. TCA Sul de 09-01-2007 – Proc. 848/05:

- “A liquidação adicional é aquela em que a AT verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei, com a manutenção de todos os efeitos do acto primitivamente praticado, o qual se adiciona ao primeiro concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida.

- Se depois da prática de um acto de liquidação adicional a AT, reconhecendo a razão do contribuinte, anula uma ou mais verbas nela contida desta forma diminuindo o montante da prestação tributária, mas procede a uma anulação total (que não parcial) e substituição da anterior liquidação por essa nova liquidação, passamos a encontramo-nos perante um novo acto de liquidação tendo o anterior deixado de existir juridicamente, pelo que a impugnação judicial que o visava anular perdeu o seu objecto, verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide”

Idêntica conclusão pode retirar-se do Ac. TCA Sul de 03-07-2012 – Proc. 040076/10, quando se diz: “(…) confrontados com dois actos de liquidação, respeitantes ao mesmo facto tributário, impõe-se apurar se o segundo constitui (ou não) uma «nova liquidação, autónoma e distinta da anterior», isto é, uma liquidação que nada tem a ver com a que tenha precedido, além da circunstância de o seu aparecimento ter sido motivado pela anulação/revogação da originária”.

Como já se referiu, na nota de liquidação 2014... notificada à Requerente e que corporiza o acto de liquidação, nenhuma referência se faz a anterior liquidação e muita menos que constituiria correcção da mesma.

Quer dizer que do confronto dos elementos constantes nas duas notas de liquidação, nada nos permite concluir que a segunda não constitui uma nova e autónoma liquidação.

Do exposto resulta, assim, que o acto de liquidação cuja ilegalidade a Requerida invoca, não traduz uma mera correcção da liquidação anterior, constituindo-se como um novo acto de liquidação susceptível de ser impugnado autonomamente.

Improcede, por isso, a excepção de inexistência de objecto processual pretendida pela Requerida.

c) Caducidade do direito de acção

Para invocar a excepção de caducidade do direito de acção invoca a Requerida dois argumentos distintos.

Por um lado, mantendo que a liquidação 2014... constitui acto não impugnável, defende que o pedido de revisão oficiosa se deve reportar à liquidação inicial – 2013... – para, desse modo, concluir que na data de apresentação do pedido arbitral já se encontrava precludido o prazo de três anos previsto no art. 78º da LGT.

Por outro lado, a entender-se que o objecto do pedido arbitral seria o deferimento parcial da reclamação graciosa – e subsequente liquidação – invoca a Requerida que a nova liquidação não confere ao contribuinte o direito de reagir contra ela com os mesmos fundamentos que já invocara na reclamação graciosa, ainda que através de um pedido de revisão oficiosa que repete aqueles argumentos acrescendo outros novos de alegada injustiça grave, motivo porque também ocorreria a caducidade o direito de acção.

Esclareça-se que, alegadamente a coberto do princípio da colaboração com o Tribunal Arbitral e do princípio da descoberta da verdade material, pretendeu a Requerida nas alegações que apresentou “aperfeiçoar a defesa”, invocando novos fundamentos que, por inoportunidade processual, não serão aqui tidos em conta.

A norma aplicável à questão em apreço e que delimita o âmbito de intervenção processual da Requerente e, consequentemente, do tribunal é o artigo 78º da LGT que dispõe:

“1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

O instituto da revisão de actos tributários constitui “um reconhecimento no âmbito do direito triutário do dever de revogar actos ilegais”, que “…existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, impõem que sejam corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei” (Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., pag. 704).

É, aliás, jurisprudência assente que “decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária” (Ac. STA de 19-11-2014 – Proc. 0886/14).

A ratio desta garantia do contribuinte encontra-se no princípio da verdade material, pois se a administração pratica um acto errado, legalmente impõe-se-lhe o dever de o corrigir, mesmo que, em alguns dos casos, nada tenha sido solicitado pelo contribuinte.

Todavia, ultrapassado que seja o prazo para a reclamação graciosa ou impugnação judicial, a revisão oficiosa terá de se alicerçar em “erro imputável aos serviços”. A este propósito entende-se que o mesmo pode resultar quer de erro material ou de facto, quer de erro de direito.

“A imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». - cfr. Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11” (Ac. STA de 19-11-2014 – Proc. 0886/14).

No caso em apreço, alega a Requerente que a liquidação cuja ilegalidade pretende ver declarada decorre de uma errada aplicação da lei e de uma errónea qualificação dos factos, concluindo que “… o erro em que a Administração tributária incorreu é evidente por ter subjacente o entendimento de que a facturação  emitida pelos prestadores de serviços à Requerente e por esta àqueles, não titula operações reais, numa presunção infundada e não fundamentada” (art. 45º do pedido).

Analisando o relatório de inspecção que subjaz à liquidação em crise, constata-se que a AT enumerou de forma precisa e clara os argumentos que em seu entender constituem indícios da existência de operações simuladas na contabilidade da Requerente e constam da alínea i) da relação de factos provados.

Face à liquidação subsequente àquele relatório de inspecção, a Requerente apresentou reclamação graciosa em que rebateu os argumentos ali constantes e de que resultou o deferimento parcial à pretensão que naquele processo administrativo formulou. Deferimento parcial com que a Requerente se conformou, não tendo reagido administrativa ou contenciosamente à apreciação dos factos em causa.

É um facto que o art. 74º, n.º 1 da LGT reparte de modo claro o ónus da prova entre a Administração Fiscal e os contribuintes, no sentido de que a prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque. Daí decorre que o contribuinte (reclamante/impugnante) não tem de provar a inexistência ou errada quantificação do facto tributário, o que decorre do princípio que tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei e está dispensado da prova do facto presumido (cfr. artigos 349º e 350º nº 1 do Código Civil) o que é reforçado pela presunção de verdade das declarações de verdade das declarações e de outros elementos dos contribuintes, estabelecida no art. 74º da LGT.

Todavia, tal “presunção cessa quando, estando embora a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja «indícios fundados» de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva. Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar. E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles «fundados indícios»” (Ac. STA Pleno de 07-05-2003 – Proc. 01026/02).

Transpondo para o caso em apreço, temos que a AT enumerou no relatório de inspecção, de forma clara, os factos que entendeu constituírem indícios da existência de operações não reais, actuando em conformidade com o princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela, sendo certo que não lhe cabia o ónus de prova da inexistência dos factos tributários. Os indícios recolhidos pela AT e vertidos no relatório de inspecção configuram elementos probatórios objectivos, tendo esta cumprido o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial dos actos em crise que a lei exige para legitimar as correcções da matéria tributável declarada.

Competia à Requerente, para fazer vingar a sua tese, a prova do contrário, o que abdicou de fazer no momento próprio.

Para o fazer agora, por estar excedido o prazo de reclamação administrativa, teria de ser demonstrada a existência de erro imputável aos serviços que, como se vê, não existiu nem existe. Diga-se, aliás, que a expressão "erro imputável aos serviços" encontra-se directamente relacionada com a actividade da AT (erro de facto, operacional ou material ou de direito), não podendo esta actuar de forma mais ampla em matéria de revisão oficiosa dos actos tributários do que em sede de revogação fundada em ilegalidade, por via de reclamação graciosa ou de impugnação judical.

Donde resulta ocorrer a caducidade do direito de acção da Requerente por não estarem verificados os requisitos previstos no n.º 1 do art. 78º, n.º 1 da LGT.

Diga-se, por outro lado, que também não se vislumbra que possa ocorrer, como a Requerente pretende, a existência de injustiça grave ou notória. Apenas se considerando como notória a injustiça ostensiva e inequívoca e como grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (n.º 5 do art. 78º da LGT).

A factualidade em que a Requerente assenta essencialmente a alegação da existência de tal injustiça reside no facto de terem sido proferidas decisões arbitrais que declararam ilegais liquidações cujos fundamentos resultam do mesmo relatório de inspecção. O que, só por isso, não procede.

Para a injustiça ser ostensiva e inequívoca teria de ser patente de forma inelutável, por não merecer discussão. No caso concreto, que não houvesse necessidade de produção e apreciação de provas, tendo em vista a obtenção de juízo crítico sobre as mesmas.

Acresce que, tendo presente a matéria de facto a provar, não se pode estabelecer um paralelismo directo entre as circunstâcias de facto existentes nos diversos exercícios. Por simplificação dir-se-á – tendo presente os factos em concreto - que não é pelo facto de determinada empresa ter prestado serviços num dado exercício que tenha emitido noutro exercício facturas sem que os mesmos tenham ocorrido e que, desse modo, titulam operações não reais.

Em suma, inexiste a alegada injustiça grave e notória que legitimasse o pedido de revisão da Requerente, pelo que, também por esta via, também ocorreria a caducidade do direito de acção, pelo que, em qualquer circunstância, assiste razão à Requerida quando defende a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

Esclareça-se, de qualquer modo, que não constitui obstáculo à apresentação de pedido de revisão oficiosa – como defende a Requerida – a repetição de argumentos já vertidos em anterior reclamação graciosa. Apenas não é de admitir por não ocorrer erro imputável aos serviços, nem injustiça grave ou notória.

Ocorre, desse modo, a excepção peremptória da extemporaneidade, por caducidade do direito de acção, que é de conhecimento oficioso, com a consequente absolvição do pedido, nos termos do disposto no art. 576.º e 579º do CPC aplicáveis ex vi art. 29.º do RJAT.

Termos em que ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no pedido arbitral.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente a excepção de extemporaneidade do pedido arbitral, por caducidade do direito de acção, absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos formulados.

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 42.511,61 € (quarenta e dois mil quinhentos e onze euros e sessenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2019

 

O Árbitro

 

 

(António Alberto Franco)