DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Ramos Alexandre e Prof. Doutor Miguel Patrício (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-05-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, anteriormente denominada B...– SGPS, S.A (doravante “Requerente”), sociedade dominante de grupo, o Grupo C..., sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal C... relativa ao exercício de 2014, no que respeita ao imposto que entende liquidado em excesso no montante de € 938.791,16, bem como o reembolso à Requerente com respeito ao exercício de 2014 deste montante de € 938.791,16, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 30 de Maio de 2015 até integral reembolso.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-03-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 22-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-05-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que, suscitou a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação da autoliquidação de IRC no concreto montante de € 938.791,16 e condenação da Requerida ao seu reembolso, e defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.
A Autoridade Tributária e Aduaneira requereu ainda a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da acção arbitral n.º 465/2018-T.
Por despacho de 24-06-2019, foi decidido dispensar reunião e alegações, com possibilidade de resposta da Requerente à excepção suscitada.
No entanto, tendo-se constatado que, entretanto, foi proferida decisão no referido processo n.º 465/2018-T, decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações, face da eventual relevância para o presente processo da decisão proferida no processo n.º 465/2018-T.
As Partes apresentaram alegações.
Por despacho de 23-09-2019, considerou-se que, em face do trânsito em julgado da decisão do processo n.º 465/2018-T, ficou prejudicado o conhecimento da questão da suspensão da instância.
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou nas suas alegações a questão do caso julgado formado sobre a decisão do processo n.º 465/2018-T, sobre a qual depois se pronunciou a Requerente.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar a questão da incompetência.
2. Questão da incompetência apreciação dos pedidos de reembolso de quantias e juros indemnizatórios, como consequências de anulação de actos de autoliquidação
Apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
É uma solução que se justifica por razões de utilidade e de maximização da efectividade da tutela judicial, por afastar a possibilidade de posteriores eventuais litígios em sede de execução de julgado, designadamente sobre a imputabilidade dos erros à Administração Tributária e o seu nexo de causalidade com o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, exigidos pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Como se disse, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, quando for consequência da anulação de actos de liquidação.
Por outro lado, como a fixação de juros indemnizatórios deriva da ilegalidade de acto de liquidação pressupõe a existência de uma quantia a reembolsar, tem de se concluir que se insere naquelas competências dos tribunais arbitrais determinar o pagamento da quantia a reembolsar, que é pressuposto do direito a juros indemnizatórios.
Diferente desta questão da competência é a de saber se existem no processo os elementos suficiência para fixar o montante de reembolso e juros indemnizatórios, com a segurança indispensável a uma decisão jurisdicional, situação em que, no caso de não existirem esses elementos, haverá que fazer apelo à regra do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, de que resulta que deve ser proferida uma condenação no que vier a ser liquidado em execução de julgado. Trata-se de uma solução que se justifica acrescidamente no contencioso tributário de anulação de actos de liquidação, pois estes pedidos assumem natureza meramente secundária em relação ao objecto primacial que é a apreciação da legalidade desses actos.
Assim, improcede a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de reembolso de quantias em consequência de decisões anulatórias de actos de liquidação, bem como para apreciar os correspondentes pedidos de juros indemnizatórios.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, denominado Grupo Fiscal C..., que, em 2014, era constituído pelas seguintes sociedades (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
• D... SGPS, S.A. (“D... SGPS” doravante), NIPC...;
• E..., S.A., NIPC ...;
• F..., S.A., NIPC ...;
• G..., S.A., NIPC...;
• H..., S.A. (anteriormente I..., S.A.), NIPC...;
• J..., S.A. (anteriormente K..., S.A.), NIPC...;
• L..., S.A., NIPC...;
• M..., S.A., NIPC...;
• N..., S.A., NIPC...;
• O..., S.A., NIPC...;
• P..., S.A., NIPC...;
• Q..., S.A., NIPC...;
• R..., S.A., NIPC...;
• S..., S.A., NIPC ...;
• T..., S.A., NIPC...;
• U..., S.A., NIPC... .
B) Até ao exercício de 2013, inclusive, as sociedades D..., SGPS, S.A. ("D..."), T..., S.A. ("T...") e U..., S.A. ("U...) que integram o perímetro do Grupo de sociedades sujeito ao RETGS no exercício de 2014 do qual a A... é a sociedade dominante, constituíam um grupo fiscal autónomo, encabeçado pela D...;
C) A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal C... procedeu à autoliquidação de IRC, derrama estadual e derrama municipal relativamente ao exercício de 2014, mediante apresentação da declaração Modelo 22 (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) A Requerente não deduziu ao lucro tributável do Grupo Fiscal € 4.081.700,69 em encargos financeiros relativos a partes de capital por si, e pela sociedade D... SGPS, integrante do Grupo Fiscal, ainda detidas a 31 de Dezembro de 2013, que nos exercícios anteriores haviam ficado por deduzir aos lucros tributáveis ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), em conjugação com o disposto na Circular da DSIRC n.º 7/2004, sendo € 3.726.681,12 respeitantes à Requerente e € 355.019,57 referente à D... (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e quadros que constam da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, cujos teores se dão como reproduzidos);
E) Dos montantes referidos, respeitam aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 os seguintes encargos financeiros não deduzidos pela Requerente:
2007 2008 2009 Total
€ 167.338,09 € 370.290,37 € 216.791,88 € 754.420,34
F) Em 29-05-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação;
G) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 05-12-2018, proferido, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da UGC-UNID.GRANDES CONTRIBUINTES - 6122, ao abrigo de Delegação de competências (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) O referido despacho manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
§ IV. DOS FACTOS
10. Da consulta efetuada à base de dados do sistema informático da AT, verificou-se o seguinte:
11. De acordo com a informação cadastral atual da reclamante, verifica-se que a mesma desenvolve, a título principal, da atividade com a CAE 70220 - Outras Atividades Consultoria para os Negócios e a Gestão, encontrando-se enquadrada para efeitos de IRC, no regime geral (cfr. fls. 183 e 184).
12. De acordo com a Certidão Permanente da reclamante, até 2015-02-25 a mesma denominava-se B...- SGPS S. A. e tinha por objeto social a "gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício das atividades económicas" (cfr. fls, 166 e 175 verso).
13. No exercício de 2014, a reclamante era a sociedade dominante de um grupo de sociedade sujeito ao RETGS, no qual se incluía a entidade D..., NIPC ...(cfr. fls. 185).
14. Em 2015-05-29, a reclamante procedeu à entrega da declaração de rendimentos de IRC, relativamente ao exercício de 2014 (cfr. fls. 187), a qual veio a originar a liquidação nº 2015... de 2015-08-12, agora objeto de reclamação.
15. Com relevância para a apreciação do presente procedimento, a reclamante acresceu nas declarações modelo 22 individuais, referentes aos exercícios de 2007 a 2013, os seguintes montantes (cfr. documentos n.º 2 a 8, constantes de fls. 23 a 49):
* - A declaração modelo 22 considerada pela reclamante (cfr (Is. 30 e 31) foi substituída em 2013-10-11 (identificação da declaração:...) - cfr. fls. 188.
16. Por sua vez, a entidade D..., NIPC ..., que passou a integrar o grupo fiscal encabeçado pela reclamante em 2014-01-01, acresceu nas declarações modelo 22 individuais referentes aos exercícios de 2007 a 2013, e com relevância para a questão em análise, os seguintes montantes (cfr. documentos n.º 9 a 15, constantes de fls, 50 a 74):
§ V. DA ANÁLISE DO PEDIDO
18. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Reclamante, e considerando que, nos autos, está em causa dirimir se os atos tributários a sindicar se encontram ou não enfermados dos vícios de ilegalidade que lhes são apontados e, em caso afirmativo, decidir sobre o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido nos termos previstos no artº 43.º da LGT, a atribuir de acordo com o regime disposto no art.º 61." do CPPT, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari passu com o itinerário percorrido pela apresentante.
Dito isto,
§ V.I. Dos argumentos da Reclamante
17. No requerimento apresentado, a reclamante vem solicitar a correção da autoliquidação de IRC do exercício de 2014 e a restituição do montante de € 938.791,16, com os fundamentos constantes de fls. 3 a 16 que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que, a seguir, se sintetizam:
i) Até ao exercício de 2013, as sociedades D..., SGPS, S, A. (D...), T..., S. A. (T...) e U..., S, A. (U...) constituíam um grupo fiscal autónomo encabeçado pela D... (cfr. § 1 da reclamação a fls. 3).
ii) A participação detida pela A... no capital da D... não observava a percentagem mínima (90%) de detenção do capital previsto para a aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), pelo que, juntamente com as sociedades por si detidas T... e U..., constituíam um grupo autónomo de sociedades sujeito ao RETGS (cfr. § 2 e 3 da reclamação a fls. 3 verso).
iii) Em resultado das alterações introduzidas ao RETGS pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro", as sociedades que constituíam o anterior grupo fiscal encabeçado pela D... passaram a integrar o grupo de sociedades sujeito ao RETGS encabeçado pela reclamante, a partir do exercício de 2014 (cfr. § 4 e 5 da reclamação a fls. 3 verso).
iv) O objeto social da reclamante no exercício de 2014 consistiu na gestão de participações sociais nas outras sociedades do Grupo como forma indirecta do exercício das atividades económicas por estas desempenhadas (cfr. § 10 da reclamação a fls, 4).
v) Até maio de 2015, a reclamante adotou a forma jurídica de sociedade gestora de participações sociais (SGPS), o que determinou a sua sujeição ao regime fiscal previsto no art.º 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) - cfr. § 11 da reclamação a fls. 4.
vi) De igual modo, a D..., por ter adotado a forma jurídica de SGPS, ficou igualmente sujeita a regime fiscal previsto no art.º 32.º do EBF (cfr. § 12 da reclamação a fls, 4).
vii) Por força do disposto naquela norma, nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2013, a reclamante e, bem assim, a D..., acresceram para efeitos do apuramento do lucro tributável encargos financeiros no montante de € 4,550.461,33 e € 355.019,57, respetivamente (cfr. § 14 da reclamação a fls. 4 verso).
viii) Daquele montante total, € 3.726.681,12 respeitam a encargos financeiros alceados, de acordo com a metodologia da Circular n.º 7/2004, às participações detidas pela reclamante a 2013/12/31 discriminadas no parágrafo 15 da reclamação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido,
ix) Por outro lado, a totalidade dos encargos financeiros {€ 355.019,57) incorridos pela D... foram alceados a participações detidas pela mesma a 2013/12/31, isto é, a U... e a T... (cfr. § 16 da reclamação a fls. 5 verso).
x) A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro revogou a norma ao abrigo da qual aqueles gastos foram acrescidos para efeitos do apuramento do lucro tributável da reclamante (n.º 2 do artº 32.º do EBF) - cfr. § 17 da reclamação a fls. 5 verso.
xi) O revogado art.º 32.º, n.º 2 do EBF previa que "as mais e as menos-valias realizadas petas SGPS de partes de capita/ de que sejam titulares (...), e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável (...)" (cfr. § 24 da reclamação a fls. 6).
xii) A ratio subjacente ao n.º 2 do art.º 32.º do EBF não consistia em limitar a dedutibilidade dos gastos financeiros suportados por SGPS de per se, traduzindo-se antes na decorrência lógica da neutralidade fiscal (cfr. § 33 da reclamação a fls. 6).
xiii) Posto isto, entende a reclamante que estamos perante um facto tributário dependente da verificação de uma condição (conditio iuris) o apuramento de uma mais ou menos-valia (cfr. § 37 da reclamação a fls. 7 verso).
xiv) Por forma a que se mostre verificada a coerência do tratamento fiscal dado aos gastos financeiros e aos rendimentos típicos de uma SGPS, entende a reclamante que os encargos suportados com a aquisição de partes de capital cuja titularidade mantinha a 31 de dezembro de 2013, acrescidos para efeitos de apuramento do lucro tributável dos período de tributação de 2007 a 2013, deverão agora ser deduzidos ao lucro tributável apurado no período de tributação de 2014, porquanto as participações não foram transmitidas durante a vigência do regime previsto no art.º 32.º do EBF (cfr. § 47 da reclamação a fls. 8 verso).
xv) Quanto ao momento em que devem ser efetuados os ajustamentos ao lucro tributável referente à não dedutibilidade dos encargos suportados com a aquisição de partes de capital, a Circular n.º 7 /2004, de 30 de março preconizou que, relativamente aos gastos financeiros "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à [sua] correção fiscal (...) independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias" (cfr. § 54 da reclamação a fls. 9 verso).
xvi) O entendimento subjacente ao princípio de não dedutibilidade proposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vai no sentido de que quando se verificasse a impossibilidade de beneficiar do regime do art.º 32.º do EBF, caberia às SGPS deduzir ao respetivo lucro tributável os montantes de encargos financeiros acrescidos em exercícios anteriores ao abrigo daquele regime, anulando o efeito daquele principio (cfr. § 56 da reclamação a fls. 10).
xvii)Tendo os encargos financeiros com a aquisição das partes de capital sido acrescidos em virtude da aplicação do entendimento preconizado pela AT, os mesmos deverão agora ser deduzidos ao lucro tributável da reclamante em resultado da revogação do regime previsto no art.º 32.º do EBF (cfr § 98 da reclamação a fls. 14).
xviii) A reclamante considera que a dedução dos encargos financeiros que foram acrescidos no passado deverá ser efetuada apenas no período de tributação de 2014, na medida em que, até 2013/12/31, o regime previsto no n.º 2 do art.º 32º do EBF se encontrava ainda em vigor (cfr. § 99 da reclamação a fls. 14 verso).
§ V.I. II. Da apreciação
18. Nesta sede, pretende a reclamante ver reconhecido o direito à dedução em 2014 dos encargos financeiros suportados por si e pela entidade D..., entre os períodos de 2007 a 2013, e acrescidos ao respetivo lucro tributável, por se tratarem de SGPS tributadas ao abrigo do regime previsto no art.º 32.º do EBF.
19. Antes de mais, cumpre referir que inexiste qualquer elemento junto aos autos suscetível de comprovar que os montantes acrescidos às declarações individuais de IRC da reclamante e da entidade D..., com referência aos anos de 2007 a 2010 (cfr. ponto 11 e 12 da presente informação), sejam referentes a encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital.
20. Importa também notar que a reclamante não alegou, nem demonstrou, quaisquer factos relacionados com os elementos de que depende a aplicação do n.º 2 do art.º 32º do EBF, tais como a data e as entidades a quem foram adquiridas.
21. Sem prescindir, e quanto à concreta questão em análise nos presentes autos, importa recordar a previsão do n.º 2 do art.º 32ºdo EBF que estabelecia o seguinte: "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".
22. Este regime não seria aplicável, passando a serem dedutíveis os encargos financeiros suportados, quando as participações detidas pelas SGPS tivessem sido adquiridas a entidades com ela relacionadas, nos termos estabelecidos no art.º 32.º do EBF.
23. Quanto ao momento da não dedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, a Autoridade Tributária emanou uma orientação interpretativa15 no sentido de impedir a sua dedutibilidade logo que os mesmos fossem incorridos, independentemente da eventual aplicabilidade da isenção prevista para as mais valias geradas pelas partes de capital com que se conexionam os referidos encargos financeiros.
24. Porém, na orientação interpretativa em referência é feita a seguinte ressalva: "Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores".
25. Sucede que, o art.º 32.º do EBF foi revogado pelo artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o que, no entender da reclamante, vem obstar à possibilidade de a mesma beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias.
26. Sucede que, salvo melhor juízo, a posição defendida pela reclamante não merece acolhimento, como se passará a demonstrar.
27. Antes de mais, cumpre salientar que, sendo certo que na elaboração do regime do art º 32.º do EBF o legislador fiscal foi sensível a razões de neutralidade fiscal, não é menos verdade que esse objetivo de neutralidade se encontra sobretudo concretizado na desconsideração das mais e menos-valias para a formação do lucro tributável.
28. Com efeito, afigura-se que a não dedutibilidade de encargos financeiros diretamente associados à aquisição de partes de capital será uma medida legislativa independente relativamente à que estabelece a desconsideração das mais-valias e as menos-valias realizadas para o apuramento da matéria tributável.
29. Neste sentido, veja-se o Relatório do Orçamento do Estado para 2Q0316 onde, depois de se constatar uma quebra orçamental de 2002 quanto ao IRC, anuncia a introdução de várias medidas, tendo em vista o "alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade", entre as quais "a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes de capital por parte de SGPS" (cfr. página 53).
30. Acresce que, contrariamente ao alegado pela reclamante, não se afigura estar em causa um facto tributário dependente da verificação de uma condição, porquanto, a ser assim, mal se compreenderia que a desconsideração dos encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais cuja venda originasse uma menos-valia poderia resultar numa relação de contrapartida relativamente a esta, já que ambas as situações representariam um agravamento do lucro tributável,
31. Sem prescindir, sempre se diga que, contrariamente à tese defendida pela reclamante, não se pode afirmar que, com a revogação do regime fiscal das SGPS, estas deixaram de poder aproveitar da não tributação da mais-valias fiscais.
32. Na verdade, o que deixou de existir foi um regime específico para as SGPS, passando a aplicar-se-lhes o regime geral instituído pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
33. O referido diploma introduziu no Código do IRC (CIRC) o denominado regime de participation exemption que visa, verificadas certas condições e requisitos, a não tributação em sede de IRC de lucros e reservas auferidos, e ainda de mais-valias realizadas com a alienação onerosa de partes sociais, por sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português.
34. Com a entrada em vigor da referida Lei, os encargos financeiros vencidos a partir de 2014-01-01 passam a ser dedutíveis, nas condições dos artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, estando apenas limitados pelo disposto no art.º 67.º do CIRC (relativo à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento).
35. Relativamente às mais-valias e menos-valias que venham a ser obtidas, pela alienação das participações sociais, passou a ser-lhe aplicável o novo regime designado por "participation exemption", previsto no art.º 51.º-C do CIRC, desde que cumpridos os requisitos aí previstos.
36. Pelo exposto, não obstante o art.º 32.º do EBF ter sido revogado, a isenção de tributação das mais-valias continuou a ser consagrado no regime da participation exemption, alargando-se, desta forma, a referida isenção a todas as sociedades, independentemente do estatuto de SGPS ou SCR.
37. Assim, qualquer transmissão de participações sociais que ocorra futuramente verá o seu resultado (menos ou mais-valias) receber o mesmo tratamento fiscal que receberia caso ainda vigorasse o regime previsto no art.º 32.º do EBF.
38. Assim sendo, afigura-se que o entendimento preconizado pela reclamante só seria de atender se o legislador tivesse resolvido este problema de sucessão de leis no tempo mediante disposições transitórias, o que, in casu, não sucedeu.
39. E se assim é, é porque o legislador entendeu que não seria de estabelecer qualquer regime transitório para os encargos financeiros suportados por SGPS com a aquisição de partes sociais.
40. Por tudo o exposto, afigura-se-nos que não poderá ser atendida a pretensão da reclamante de ver deduzidos os encargos financeiros suportados e acrescidos no passado, relativamente às partes de capital detidas a 2013/12/31, ao seu lucro tributável e ao lucro tributável da entidade D... .
41. Cumpre ainda referir que por não se verificarem, in casu, os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
42. Após apreciação dos argumentos invocados pela Reclamante na sua petição inicial, foi, por parte da Direção de Finanças de Lisboa, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na informação cujo despacho tem data de 25 de outubro de 2018, notificada a 5 de novembro de 2018.
43. Através de ofício emanado da Direção de Finanças de Lisboa, a Reclamante foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.° 60.° da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").
44. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.
§ VI. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.° do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.° 100.° da LGT.
Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Reclamante, através de ofício nos termos do previsto nos art.°s 35.º a 41 °, todos do CPPT, com todas as consequências legais.
I) Na sequência da autoliquidação foram emitidas as liquidações de IRC n.º 2015..., datada de 12-08-2015, e n.º 2018..., datada de 10-01-2018, que constam das páginas 149 e 152 da parte do processo administrativo denominada «PA-compactado-175-350.pdf»;
J) No processo arbitral n.º 465/2018-T, instaurado pela ora Requerente, foram impugnadas as autoliquidações de IRC efectuadas pela ora Requerente nos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013.
K) Nesse processo foi proferido acórdão em 18-06-2019, publicado na página informática do CAAD, em que, além do mais, foi decidido «anular as autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013 do Grupo Fiscal na estrita medida em que desconsideram a dedução de encargos financeiros nos montantes de € 461.414,30 (2010), € 780.399,55 (2011), € 1.062.530,93 (2012) e € 667.968,41 (2013)»;
L) A decisão arbitral proferida no processo n.º 465/2018-T transitou em julgado;
M) Em 30-03-2004, a Direcção de Serviços do IRC emitiu a Circular n.º 7/2004, disponível em: https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/circular_7-2004_de_30_de_marco_da_dsirc.pdf
N) Nos pontos 6 e 7 desta Circular refere-se o seguinte:
«Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros
6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais
7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».
O) Em 24-02-2011, foi proferido despacho pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a Informação Vinculativa referente ao processo n.º 39/2011, cuja cópia consta do documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
P) Em 30-05-2015, a Requerente pagou a quantia autoliquidada no exercício de 2014, no valor de € 1.942.202,21 e em 19-06-2015 pagou mais € 0,06 (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Q) Em 01-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Quanto ao montante dos encargos financeiros não deduzidos pela Requerente nos exercícios de 2007, 2008 e 2009 e pela D... nos exercícios de 2007 a 2013, foram fixados nos valores indicados pela Requerente no documento n.º 21, que oferece especial credibilidade por ser emitido por uma contabilista certificada, e que são confirmados pelos quadros que constam da decisão da reclamação graciosa, constando-se que, quanto ao exercício de 2009, o montante que a Requerente pretende que seja considerado é mesmo inferior ao indicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base na «consulta efetuada à base de dados do sistema informático da AT».
Não se coloca, assim, a questão do ónus da prova, a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois é de considerar positivamente provado que são aqueles os valores, confirmados na decisão da reclamação graciosa.
De resto, os valores indicados em declarações modelo 22, presumem-se verdadeiros, por força do preceituado no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, já que não foi apontada à Requerente qualquer irregularidade ou deficiência de escrita.
Para além disso, «quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus (da prova) considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária» (artigo 74.º, n.º 3, da LGT. Neste caso, a Requerente invoca as declarações modelo 22 que apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira e estão identificadas.
4. Efeitos do caso julgado da decisão proferida no processo arbitral n.º 465/2018-T
A Requerente impugna no presente processo a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, «no que respeita ao imposto liquidado em excesso no montante de € 938.791,16».
Este montante de imposto foi calculado pela Requerente com base no valor de € 4.081.700,69 respeitante a encargos financeiros relativos a partes de capital por si, e pela sociedade D... SGPS, integrante do Grupo Fiscal, ainda detidas a 31-12-2013, que nos exercícios de 2007 a 2013 haviam ficado por deduzir aos lucros tributáveis ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), em conjugação com o disposto na Circular n.º 7/2004 da Direcção de Serviços do IRC.
Tendo sido anuladas as autoliquidações de IRC referentes aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013 do Grupo Fiscal na medida em que desconsideram a dedução de encargos financeiros nos montantes de € 461.414,30 (2010), € 780.399,55 (2011), € 1.062.530,93 (2012) e € 667.968,41 (2013) e tendo a decisão arbitral transitado em julgado, ficou parcialmente satisfeita a pretensão formulada pela Requerente no presente processo, em que impugna a autoliquidação de 2014 com o fundamento na não dedução daqueles encargos nos exercícios anteriores.
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita nas suas alegações a excepção do caso julgado, por ter transitado em julgado a decisão proferida no processo n.º 465/2018-T.
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa (artigo 580.º, n.º 1, do CPC), o que ocorre «quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir» (artigo 581.º, n.º 1, do mesmo Código).
Neste caso é claro que não há identidade de causa de pedir entre o presente processo e o processo 465/2018-T, pois o fundamento invocado no presente processo é a revogação do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, interpretado pela Circular n.º 7/2004, o que não sucede no processo n.º 465/2018-T.
Por isso, fica desde logo, excluída a excepção de caso julgado.
Mas, o trânsito em julgado da decisão do processo arbitral n.º 465/2018-T, tem como consequência tornar definitiva a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, pelo que fica prejudicado, por ser supervenientemente inútil, o conhecimento da questão de saber se, por não terem sido deduzidos nesses exercícios, deveriam sê-lo no exercício de 2014, como a Requerente defende no presente processo.
Assim, é de declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide [artigo 287.º, alínea e), do CPC, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], na parte respeitante à dedutibilidade dos encargos financeiros e suportados pela Requerente nos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013. ( )
5. Questão da dedutibilidade dos encargos financeiros no exercício de 2014
A questão de mérito que é objecto deste processo é, como diz a Requerente, a de saber se o Grupo Fiscal tem ou não o direito de recuperar em 2014 a dedução dos encargos financeiros excluídos de dedução nos exercícios anteriores ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, complementado pela Circular n.º 7/2004.
5.1. Posições das Partes
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– à luz da lógica e espírito que animam o normativo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, lógica que por sua vez se infere do seu próprio texto legal, e bem assim do Relatório da Lei do Orçamento do Estado para 2003, sendo definitiva a conclusão de que à venda das partes de capital não será susceptível de aplicação o normativo previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, é de corrigir o afastamento que entretanto (e preventivamente) foi feito da dedução dos encargos financeiros;
– essa solução é aconselhada pelo princípio da justiça;
– foi esse o entendimento que a AT fixou em Orientações genéricas, a primeira das quais constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março de 2004, da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), designadamente do seu ponto 6.;
– e também Ficha Doutrinária publicada no Portal das Finanças contendo o teor prescritivo do Despacho de 24 de Fevereiro de 2011 do Director-Geral dos Impostos, exarado no Processo n° 39/2011, permite concluir que é de aplicar a prescrição do n.º 6 da Circular n.º 7/2004 nas situações em que é possível concluir, antes da alienação, que o normativo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF não será aplicado;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada às orientações genéricas publicadas;
– que é inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança que se retira do artigo 2.º da Constituição (princípio do Estado de direito) e do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição (princípios da justiça e da boa-fé) a interpretação pretendida pela AT e a norma do n.º 1 do artigo 68.º-A, da LGT, se interpretada como dispensando a Autoridade Tributária e Aduaneira da observância das referidas orientações genéricas, em caso de cessação de aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF;
– o regime da participation exemption é distinto do previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois aquele não inclui um ónus de indedutibilidade de encargos financeiros com partes de capital;
– o limite geral quantitativo à dedução de encargos financeiros já existia antes da reforma do IRC de 2014;
– está em causa apenas a aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF a encargos financeiros suportados até 31-12-2013, suportados, pois, num tempo em que a norma que comanda é ainda a do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, num tempo dentro do âmbito de competência temporal e material de aplicação desta norma, antes da entrada em vigor do regime da participation exemption;
– nenhum problema há também com o princípio da especialização dos exercícios, pois, se há um facto superveniente (v.g., verificação de impossibilidade de aplicar regime do artigo 32.º do EBF), é por referência ao exercício em que se dá esse facto superveniente (2014, no caso) que se hão-de reconhecer os efeitos desencadeados pelo mesmo, por força justamente do princípio da especialização dos exercícios, que se manteve o que é e sempre foi na transição de 2013 para 2014. Isto é que é respeitar o princípio da especialização dos exercícios.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– do teor da Circular não resulta o pretendido pela Requerente, pois, ela reconduz o momento à alienação das participações, o que não está aqui em causa;
– a ficha doutrinária exarada no processo n.º 39/2011 não se aplica a esta situação;
– se o legislador não definiu qualquer regime transitório na Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que revogou o art.º 32.º do EBF, nem na Lei n.º 2/2014, não pode tal regime ser concebido e aplicado, seja pela AT ou pelos contribuintes, sob pena de violação do princípio da legalidade;
– a Circular n.º 7/2004 foi firmada no contexto e para efeitos da aplicação do regime especial das SGPS, tal como definido no artigo 32.º do EBF, pelo que se esgotou com a revogação do regime;
– não pode deduzir-se que a consequência automática da revogação do artigo 32.º do EBF seja a recaptura dos encargos financeiros não deduzidos e a respetiva dedução ao lucro tributável do exercício de 2014;
– as circulares não podem derrogar o princípio da legalidade tributária;
– em 2014, o referido regime especial de tributação das SGPS encontra-se revogado, existindo, por sua vez, um regime geral de “participation exemption” e um regime geral de limitação à dedutibilidade dos encargos de financiamento, sem qualquer discriminação entre SGPS e os demais sujeitos passivos de IRC;
– no tocante aos encargos financeiros que se encontravam limitados quanto à sua dedutibilidade na previsão legal do artigo 32.º do EBF, na reforma do IRC, por uma questão de simplicidade o legislador optou por reforçar a restrição à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC, evitando, assim, a criação de mais regras especiais limitativas da respetiva dedutibilidade;
– o que é afirmado pela Comissão Revisora do CIRC;
– nem sequer o respeito do princípio da tutela da confiança impunha a atribuição de carácter retroativo à dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais detidas em 01-01-2014, na medida em que o regime designado por participation exemption não se revela penalizador – ao contrário – às SGPS que beneficiaram do artigo 32.º do EBF;
– não tendo existido identidade de condições até 31-12-2013, não pode fundadamente considerar-se que a revogação do artigo 32.º do EBF colocou, em 01-01-2014, as SGPS em situação globalmente desfavorável para as SGPS;
– não se vislumbra que a eliminação de um regime especial de tributação como o previsto no artigo 32.º do EBF, tal como se encontrava tipificado a 31-12-2013, que já por si discriminava de forma positiva, sujeitos passivos em aparente igualdade de circunstâncias, seja violador do principio constitucional da igualdade, na sua dimensão fiscal;
– se a invocada injustiça decorre da revogação do regime especial das SGPS e da ausência de um regime transitório, tratou-se de uma opção de política fiscal, no uso dos poderes conferidos pela Constituição ao legislador para proceder à conformação legal do sistema;
– não se verifica a alegada violação do princípio da capacidade contributiva, pois, em caso de alienação das partes sociais, a Requerente estava habilitada à não concorrência das mais-valias e das menos-valias para a formação do lucro tributável e à não recaptura dos encargos financeiros não deduzidos ao lucro tributável;
– a não dedutibilidade dos encargos financeiros estava sempre associada à isenção das mais-valias que, por sua vez, se encontrava a sujeita a condicionalidades;
– a opção do legislador, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, de alterar expressamente, com a Lei n.º 2/2014, a partir de 01-01-2014, a conceção de balanceamento entre gastos e rendimentos não colide com o princípio da igualdade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica ou da tutela da confiança legítima, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP;
– o legislador nunca criou elevadas expectativas de continuidade e estabilidade do regime das SGPS;
– a interpretação, rectius, integração da lei fiscal, nos termos propostos pela Requerente no presente processo, atentaria contra os princípios da certeza e segurança jurídica e da igualdade entre todos os cidadãos, bem como contra o princípio da legalidade;
– é materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2007 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária;
– tal interpretação normativa de materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP;
– tal interpretação é materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
– a pretensão de deduzir os encargos em 2014 viola o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP);
– a imputação dos gastos suportados ao lucro tributável de cada período de tributação rege-se pelo princípio da especialização dos exercícios e tratando-se de gastos de natureza financeira, como os juros dos empréstimos, o critério geral de imputação está ligado ao tempo de utilização dos capitais alheios e ao capital em dívida em cada exercício;
– só os gastos financeiros suportados pela Requerente em 2014 e exercícios seguintes, ainda que decorrentes de financiamentos contraídos em exercícios anteriores, por força dos critérios que regem a imputação temporal dos gastos (n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC) são abrangidos pelas regras gerais de dedutibilidade dos gastos previstas nos artigos 23.º e 67.º do mesmo Código;
– o pretendido pela Requerente encontra-se em manifesto desrespeito pelo princípio da tributação do lucro real e da capacidade contributiva, na medida em que viola o princípio da especialização dos exercícios e se abstrai por completo da situação concreta de tributação (ou não) das participações no momento (futuro) em que venham a ser alienadas;
– não foram juntos, em sede de procedimento administrativo quaisquer elementos de prova tendentes à verificação da veracidade dos factos invocados pela então Reclamante, nomeadamente sobre os valores alegadamente incorridos e acrescidos ao lucro tributável, nos exercícios de 2007 a 2013.
5.2. Apreciação da questão
Regime aplicável aos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital detidas pelo menos durante um ano
O artigo 31.º, n.º 2, do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, estabeleceu o seguinte:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Com a renumeração do EBF operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, este artigo 31.º passou a ser o artigo 32.º, tendo então a seguinte redacção:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, este artigo 32.º, n.º 2, passou a ter a seguinte redacção:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
Esta norma veio a ser revogada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias realizadas e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias realizadas em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, alínea l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].
Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente a benefício fiscal, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.
5.3. Questão da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pelas orientações genéricas
O artigo 31.º, n.º 2, do EBF, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, vigente em 2007, estabelece o seguinte:
«2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».
Com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, esta norma passou a ter a seguinte redacção:
«2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».
Com a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, o artigo 31.º do EBF passou a ser o artigo 32.º.
Na sua última redacção, introduzida pela da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, este n.º 2 do artigo 32.º estabelece o seguinte:
«2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».
Este n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais foi revogado pelo artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 01-01-2014 (artigo 260.º desta Lei).
Posteriormente, em 16 de Janeiro de 2014, foi publicada a Lei n.º 2/2014, que concretizou a reforma do IRC, estabeleceu no seu artigo 14.º que «a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014».
Assim, por força desta disposição transitória da Lei n.º 2/2014, o artigo 32.º, n.º 2, deixou de poder ser aplicado à determinação da matéria tributável de IRC do período de 2014 e seguintes.
A Requerente defende, em suma, que no período de 2007 a 2013, ela e a D..., que passou a integrar o Grupo Fiscal em 2013, foram detentoras de participações sociais abrangidas pelo regime referido, tendo nas declarações modelo 22 de IRC relativas aos anos referidos acrescido para a formação do lucro tributável os montantes de encargos financeiros suportados com a sua aquisição, aplicando o regime referido nos termos em que foi definido na Circular n.º 7/2004, da Direcção de Serviços do IRC.
Não podendo já ser aplicado o regime do artigo 32.º, n.º 2, a Requerente entende que «é de corrigir o afastamento que entretanto (e preventivamente) foi feito da dedução dos encargos financeiros», em sintonia com orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira e os princípios da tutela da confiança que se retira do artigo 2.º da Constituição (princípio do Estado de direito) e do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição (princípios da justiça e da boa-fé).
A Requerente defende que será inconstitucional «a interpretação pretendida pela AT e a norma do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, se interpretada como dispensando a Autoridade Tributária e Aduaneira da observância das referidas orientações genéricas», designadamente a Circular n.º 7/2004 e o Despacho proferido no Processo n.º 39/2011.
A Autoridade Tributária e Aduaneira pronuncia-se no sentido de não serem violados aqueles princípios e a interpretação da Requerente violar outros princípios constitucionais.
Independentemente da interpretação correcta do alcance do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, afigura-se ser de relevância decisiva à interpretação que a Administração Tributária adoptou na Circular n.º 7/2004 e o carácter vinculativo que lhe atribui o artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, bem como a correspondente alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º, na redacção inicial da LGT.
Por força do disposto no n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias». ( )
Por isso, mesmo que seja errada a interpretação da lei que se faz na referida Circular, constituirá vício de violação de lei (deste artigo 68.º-A da LGT) a não observância da interpretação a que a Administração Tributária publicamente se vinculou.
Trata-se de uma opção legislativa expressa no sentido da prevalência dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica sobre o princípio da legalidade, como reconheceu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 583/2009, de 18-11-2009, processo n.º 873/08: «é certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (...). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece». ( )
A Circular n.º 7/2004, foi emitida pelo Director-Geral dos Impostos em 30-03-2004 e encontra-se publicada em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/circular_7-2004_de_30_de_marco_da_dsirc.pdf.
No seu ponto 6 refere-se o seguinte:
Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros
6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.
Neste ponto 6, a Autoridade Tributária e Aduaneira definiu o seu entendimento sobre a aplicação do princípio da especialização quanto aos encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais, nas situações potencialmente enquadráveis no artigo 32.º, n.º 2, do EBF: mesmo antes de se saber se o regime virá a ser aplicável, ele aplica-se imediatamente, sendo os encargos indedutíveis apenas por haver a possibilidade de virem a ser considerados indedutíveis se o regime vier a ser aplicado. Trata-se, assim, de uma indedutibilidade provisória, cuja consolidação depende da verificação dos «requisitos para aplicação daquele regime».
Por este ponto 6, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF como constituindo um regime aplicável globalmente, estando a aplicação da regra da não dedutibilidade dos encargos financeiros prevista na parte final, dependente da aplicação às mais-valias do regime especial previsto na primeira parte (naquele ponto da Circular n.º 7/2004, a Autoridade Tributária e Aduaneira não faz referência às menos-valias).
Para a Autoridade Tributária e Aduaneira, embora, à face do referido regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, as mais-valias só fossem desconsideradas para efeitos de formação do lucro tributável no exercício em que fossem realizadas, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital deveriam ser desconsiderados como gastos (custos) no exercício em que os mesmos fossem suportados, acrescendo ao lucro tributável de cada um desses exercícios, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, o que só era possível apurar no momento da realização.
Mas, como a aplicação deste regime especial dependia da verificação de condições a apurar posteriormente, a Administração Tributária adoptava naquele n.º 6 da Circular n.º 7/2004 o entendimento de que «caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».
Este entendimento foi julgado constitucionalmente admissível pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, que decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais-valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital».
Esta interpretação, que se reconduz à aplicação provisória parcial, na parte desfavorável para o contribuinte, da estatuição prevista num regime especial, antes de estarem reunidos os pressupostos previstos na hipótese normativa para sua aplicação, tem evidentes fragilidades interpretativas, mas, independentemente da sua incorrecção, o facto de ter sido adoptada numa orientação genérica publicada vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto no artigo 68.º-A da LGT, pelo que está obrigada a adoptá-la.
A Requerente e a D... adoptaram a interpretação prevista neste ponto 6 da Circular n.º 7/2004, tendo desconsiderado nos exercícios de 2007 a 2013 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, apesar de, quanto às participações sociais detidas em 31-12-2013, não se terem verificado os requisitos de aplicação do regime especial referido.
Assim, por força deste entendimento publicitado no ponto 6 da referida Circular, vinculativo para a Autoridade Tributária e Aduaneira, a desconsideração provisória e antecipada dos encargos financeiros suportados pela Requerente e pela D... com a aquisição de partes de capital ficou condicionada à verificação dos requisitos para aplicação deste regime de não concurso das mais-valias realizadas para formação do lucro tributável: se se viesse a constatar, «no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».
No pressuposto, adoptado na referida Circular, a desvantagem fiscal que constitui a desconsideração dos encargos financeiros está condicionada à obtenção do ulterior benefício fiscal que constitui a não tributação de mais-valias. Esta vantagem fiscal será uma contrapartida da desvantagem que constitui a não consideração dos encargos financeiros, pelo que tem de se concluir que, na perspectiva da referida Circular, a impossibilidade de vir a ser aplicado o regime privilegiado a nível da alienação será justificação para que seja eliminada a desvantagem referida.
Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações» e não podendo aplicar-se às alienações o regime revogado (designadamente, por força da disposição transitória do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro), tem de se concluir, segura e definitivamente, que «no momento da alienação das participações (...) não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime».
E, adquirida, num determinado exercício, por ter sido revogado o regime legal, a certeza de que não se verificarão «todos os requisitos para aplicação daquele regime», a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada a aplicar a estatuição que anunciou na parte final daquele ponto 6: «proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».
Como defende a Requerente, na linha da referida jurisprudência do Tribunal Constitucional, seriam materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da tutela da confiança que se retira do artigo 2.º da Constituição (princípio do Estado de Direito), que engloba os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, a interpretação pretendida pela AT e a norma do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, se interpretadas como dispensando a Autoridade Tributária e Aduaneira da observância do ponto 6 da Circular n.º 7/2004 na sua totalidade, designadamente, mantendo os efeitos negativos antecipados para o contribuinte antes da verificação dos requisitos para aplicação do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, sem a paralela aplicação dos efeitos positivos que aí se anunciavam para a hipótese de se vir a concluir «que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime».
Assim, a Requerente tem razão ao invocar a não observância da interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou no referido ponto 6 da Circular n.º 7/2004 e, por isso, a Requerente tem direito a que sejam considerados como custo fiscal do exercício de 2014 os encargos financeiros que não foram considerados como custo/gasto em exercícios anteriores e cuja desconsideração antes da verificação dos requisitos do regime especial estava, na perspectiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, condicionada a que fosse aplicado à Requerente o regime de benefício fiscal a nível da não tributação de mais-valias previsto, naquele artigo 32.º, n.º 2.
Pelo exposto, é ilegal a decisão da reclamação graciosa o que justifica a sua anulação, bem como da autoliquidação de 2014, na parte em que não foram considerados como gastos os encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2007 a 2009 e pela D... nos exercícios de 2007 a 2013 com a aquisição de participações sociais.
5.4. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à interpretação da Requerente
5.4.1. Princípio da legalidade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que «é materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela requerente, no sentido de ser permitida a dedução dos encargos financeiros incorridos entre 2007 e 2013, portanto na vigência do artigo 32.º do EBF, ao lucro tributável de 2014, em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária».
O princípio da legalidade, no caso de a Administração Tributária adoptar uma interpretação por via de orientação genérica, consubstancia-se na sua vinculação pela interpretação adoptada, por força dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, subjacentes ao n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT.
Este artigo 68.º-A contém uma norma aprovada pela Assembleia da República, que se encontra em vigor e é a expressão da legalidade legislativamente considerada adequada para estas situações.
Por isso, a interpretação da Requerente não contraria o princípio da legalidade, sendo, antes, a sua expressão.
5.4.2. Princípio da igualdade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a interpretação normativa da Requerente é «materialmente inconstitucional, também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP».
Não é perfeitamente claro qual a perspectiva da Administração Tributária sobre a violação do princípio da igualdade.
A vinculação da Administração Tributária pelas orientações genéricas publicadas, impondo a aplicação da mesma interpretação a todos os contribuintes, tem como efeito o tratamento igualitário de todos os contribuintes, pelo que é uma via de concretização do princípio da igualdade.
Sendo a interpretação adoptada na referida Circular aplicável a todos os contribuintes que se encontrem na precisa situação aí prevista não se vê ofensa do princípio da igualdade, mas, antes, a sua concretização.
Por outro lado, se o que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende dizer é que a possibilidade de deduzir os encargos financeiros não deduzidos antecipadamente cria uma situação de discriminação positiva injustificada para as SGPS é manifesto que não tem razão, pois a regra geral, aplicável à generalidade das sociedades, é a da dedutibilidade dos encargos financeiros, no termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do CIRC.
Por isso, a norma do artigo 32,º, n.º 2, do EBF, na parte em que prevê a indedutibilidade dos encargos financeiros, implica uma discriminação negativa para as SGPS, em relação a todas as outras sociedades, que só encontra explicação racional na contrapartida aí prevista que constitui a possibilidade de as SGPS virem a beneficiar de uma discriminação positiva, em relação a todas as outras sociedades, a nível da tributação de mais-valias.
Sendo assim, a aplicação apenas da discriminação negativa, pretendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sem a correspondente aplicação da discriminação positiva que a justifica, é que implicaria inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade, pois a discriminação negativa passaria a não ter justificação.
Por isso, a interpretação da Requerente não viola o princípio da igualdade, antes o concretiza.
5.4.3. Inconstitucionalidade por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da reserva da lei fiscal, e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP;
Não é facilmente inteligível a imputação destes vícios à interpretação da Requerente.
Quanto ao «princípio do Estado de Direito democrático», a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não se percebe em que consista a violação a que alude, se não é a mesma que referiu a propósito do princípio a legalidade, questão que já foi apreciada.
No que concerne ao princípio da reserva de lei fiscal, também não se vê em que consista, pois o artigo 68.º-A da LGT é uma norma emanada pela Assembleia da República, em forma de Lei.
No que respeita ao princípio da separação de poderes, decerto não foi violado pela Requerente, que não exerceu qualquer dos poderes dos Estado e se limitou a apresentar a sua pretensão a um Tribunal, o órgão vocacionado num Estado de Direito para dirimir os litígios entre os particulares e a Administração, como esclarece o artigo 202.º da CRP.
Quanto à subordinação dos tribunais à lei, é precisamente isso que a Requerente pretende, que seja aplicado o regime do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, como aqui se decidiu.
5.4.4. Inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP)
A Administração Tributária defende que «a pretensão de deduzir os encargos em 2014 viola o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).»
A indedutibilidade de custos financeiros prevista na parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF consubstancia um afastamento da regra da tributação segundo o rendimento real, que é concretizada no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, que prevê a dedutibilidade de encargos financeiros.
As regras do CIRC sobre a dedutibilidade de encargos financeiros, designadamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º, estão manifestamente em sintonia com os princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva, pois esse regime é aplicável à generalidade dos sujeitos passivos de IRC e os encargos suportados para obter o rendimento deverão ser deduzidos para determinar o rendimento real.
A regra da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma excepção às regras do CIRC sobre a dedutibilidade de encargos financeiros justificada pelo regime especial de tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS.
Por isso, o afastamento da aplicação de uma excepção a essa regra, prevista na parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF só pode favorecer a regra da tributação segundo o rendimento real.
Sendo o regime regra de tributação das empresas o da dedutibilidade dos encargos financeiros, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do CIRC e implicando o seu afastamento desvantagem fiscal para as SGPS, só encontrava justificação racional na correspondente aplicação de um benefício fiscal a nível da tributação das mais-valias.
Não sendo aplicável o benefício fiscal, a dedutibilidade dos encargos financeiros é a expressão dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, pois, como óbvio, os encargos suportados diminuíram o lucro obtido sem eles.
Por isso, se se constata em 2014 que não se verificam as condições para aplicar o regime especial de tributação de mais-valias previsto naquele artigo 32.º, n.º 2, a ilação necessária é não aplicar também o regime especial de irrelevância dos encargos financeiros, que só se justificaria se fosse aplicável aquele regime de tributação.
O que contenderia com os princípios da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva seria aplicar o regime especial de indedutibilidade de encargos financeiros sem se verificarem as condições especiais que o podem justificar, ao contrário do que sucede com a generalidade das sociedades e da regra da tributação fundamentalmente com base no lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).
No que concerne à alegada violação do princípio da especialização dos exercícios, não envolve violação dos princípios da capacidade contributiva ou da tributação segundo o lucro real, o que afectou esses princípios foi a não dedução dos encargos financeiros nos exercícios de 2007 a 2013.
De resto, o princípio da especialização dos exercícios não é absoluto, pois é complementado pelo princípio da solidariedade dos exercícios ( ), pelo que tributação segundo a capacidade contributiva e o lucro real não exigem a aplicação do primeiro.
Por outro lado, a dedução integral dos encargos financeiros, num só exercício, está nela expressamente prevista no ponto 6 da Circular n.º 7/2004, pelo que também quanto a esse ponto a Administração Tributária está vinculada.
5.5. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido com fundamento na violação do artigo 68.º-A, n.º 1, do CIRC, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões de legalidade invocadas, pelo que não se toma delas conhecimento, de harmonia com o preceituado nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5.6. Decisão da reclamação graciosa
A decisão da reclamação graciosa, que manteve as autoliquidações de IRC, enferma das ilegalidades de que enfermam as autoliquidações, pelo que se justifica também a sua anulação, na parte correspondente às ilegalidades referidas.
6. Reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios
Como se referiu, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar os pedidos de reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios.
6.1. Reembolso
Em 30-05-2015, a Requerente pagou a quantia autoliquidada no exercício de 2014 e pede o reembolso da quantia de € 938.791,16, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 30 de Maio de 2015 até integral reembolso.
Aquela quantia foi calculada pela Requerente aplicando a taxa de 23% a uma correcção ao lucro tributável no montante de € 4.081.700,69.
Mas, como se referiu ao apreciar os efeitos da decisão arbitral proferida no processo n.º 465/2018-T, não são de considerar no presente processo as correcções que naquele foram anuladas nos valores de € 461.414,30 (2010), € 780.399,55 (2011), € 1.062.530,93 (2012) e € 667.968,41 (2013).
Assim, no presente processo estão em causa correções respeitantes a encargos financeiros da Requerente nos valores de €536.822,30 (2007), € 824.523,38 (2008) e € 256.044,51 (2009) (€ 1.617.390,19 no total) e encargos financeiros suportados pela D... no montante global de € 355.019,57, relativos aos exercícios de 2007 a 2013.
Isto é, estão em causa correcções no montante total de € 1.972.409,76, o que corresponde a 48,32% da correcção referida no pedido de pronúncia arbitral.
Assim, o montante a reembolsar a Requerente é de € 453.623,89 (€ 938.791,16 X 48,32%).
6.2. Juros indemnizatórios
A Requerente pede que o montante a reembolsar seja acrescido de juros indemnizatórios contados desde 30-05-2015 até que o reembolso seja efectuado.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
O erro que afecta a autoliquidação é imputável à Requerente, que apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2014.
A reclamação graciosa foi apresentada em 29-05-2017 e foi indeferida por despacho de 05-12-2018.
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a indeferiu por sua iniciativa, quando tinha na sua posse os elementos necessários para deferir o pedido.
O prazo para proferir decisão é de quatro meses (artigo 57.º, n.º 1, da LGT), pelo que a reclamação graciosa deveria ter sido deferida até 29-09-2017.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la, deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( )
Assim, a partir de 29-09-2017, o erro que afecta a decisão da reclamação graciosa é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que são devidos juros indemnizatórios a partir dessa data.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (30-09-2017) até à data do processamento da respectiva nota de crédito e calculados sobre a quantia de € 453.623,89.
7. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em
a) Julgar improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar improcedente a excepção de caso julgado;
c) Declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente nos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, na parte respectiva;
d) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à dedutibilidade no exercício de 2014 dos encargos financeiros com a aquisição de partes de capital suportados pela Requerente nos exercícios de 2007, 2008 e 2009 e quanto aos suportados pela D... nos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 e anular a autoliquidação relativa ao exercício de 2014 na parte em que não foram nela deduzidos esses encargos, bem como a decisão da reclamação graciosa;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso quanto ao montante de € 453.623,89 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o seu pagamento à Requerente;
f) Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre que quantia de € 453.623,89, desde 30-09-2017 até à data do processamento da respectiva nota de crédito, à taxa legal supletiva;
g) Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira destes pedidos.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 938.791,16.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.158,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Na imputação da responsabilidade por custas, considera-se que a inutilidade superveniente da lide, na parte em que foi declarada, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por lhe serem imputáveis as ilegalidades das autoliquidações da Requerente relativas aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, como foi decidido no processo n.º 465/2018-T, que estão na génese da situação de inutilidade, pelo que tem aplicação o preceituado na parte final do n.º 3 do artigo 536.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Nesta imputação de responsabilidade considera-se ainda que as custas são fixadas em função do valor da causa e para a sua determinação não são relevantes os pedidos de restituição de imposto e juros indemnizatórios, como decorre do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Lisboa, 02-10-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(José Ramos Alexandre)
(Miguel Patrício)