DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares, designado pela Requerente, e Dr. Jorge Carita, designado pela Requerida, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal número..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitro ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.
A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de anulação do despacho de indeferimento do Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 18 de dezembro de 2017, que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios emitidos sob os n.ºs 2016... [IRC], 2016... e 2016 ... [juros], relativos ao exercício de 2013, dos quais resultou o valor a pagar de € 247.493,34, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2016 ... (compensação n.º 2016 ...).
Peticiona a declaração de ilegalidade e de anulação dos atos tributários e, bem assim, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias pagas ao abrigo do Programa Especial de Redução de Endividamento do Estado (“PERES”), estabelecido pelo Decreto-lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ex vi artigo 24.º, n.º 5 do RJAT.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “AT”.
A Requerente, no uso da faculdade prevista nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b) e 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, designou o árbitro Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares.
Em 26 de março de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 28 de março de 2018.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou o árbitro Dr. Jorge Carita.
Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 24 de maio de 2018, do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), II parte do RJAT.
Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável, tendo o Exmo. Senhor Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 24 de maio de 2018, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de junho de 2018.
1. POSIÇÃO DA REQUERENTE
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca erro nos pressupostos de facto e de direito, com base no argumento de que os gastos financeiros, cuja dedução em IRC foi questionada pela AT, estão relacionados com a sua atividade e reúnem os pressupostos do artigo 23.º, n.º 1 do Código deste imposto, pelo que devem ser considerados fiscalmente dedutíveis.
Estão em discussão juros relativos a operações de financiamento bancário e suprimentos contraídos, na sua origem, pela sociedade B..., S.A. destinados à aquisição da totalidade das participações sociais da própria Requerente. Com a subsequente fusão por incorporação, por parte da Requerente, da sua acionista única [a B..., S.A.], ocorreu a transmissão da globalidade do património desta, tendo a Requerente assumido na totalidade, por efeito legal da fusão inversa, o passivo da incorporada e, em consequência, os encargos financeiros correspondentes (artigo 112.º, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais – “CSC”).
Neste contexto, alega a Requerente que:
(a) Os capitais alheios destinavam-se e foram aplicados na íntegra pela B..., S.A. na aquisição da totalidade do seu capital social [da Requerente]. Assim, no momento ulterior da incorporação da B..., S.A. (sociedade incorporada) na esfera da Requerente (sociedade incorporante) a exploração estava consumada, cumprindo-se o requisito previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC;
(b) A aquisição da totalidade do capital social da Requerente foi efetuada no interesse da B..., S.A. (empresa adquirente), ou seja, apresentava causalidade económica, sendo irrelevantes o êxito financeiro da operação ou a efetiva geração de proveitos aferidos a posteriori;
(c) A indispensabilidade dos gastos já era reconhecida num momento pré-fusão, não podendo deixar de o ser pós-fusão, sob pena de total dissonância do direito fiscal com o direito civil;
(d) A realidade jurídico-económica e empresarial pré-fusão mantém-se na sua essência após a realização da operação, mas agora sob a capa de uma única entidade jurídica;
(e) O direito tributário não pode valorar negativamente uma transação pela forma que reveste, atento o princípio da neutralidade do direito fiscal com expressão no artigo 81.º, alínea a) da Constituição (“CRP”). Esta operação segue o formato típico das transações de capital de risco e alcançaria o mesmo resultado por via de uma fusão upstream ou da constituição de um grupo de sociedades ao qual fosse aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”);
(f) A lógica perfilhada pela AT contraria a redação do n.º 2 do artigo 75.º-A do Código do IRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com caráter clarificador, i.e., em moldes próximos aos de uma norma interpretativa;
(g) A correção preconizada desrespeita o Direito Europeu, em concreto, a Diretiva 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro de 2009, que tem por objetivo eliminar os obstáculos fiscais às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações intracomunitárias. O artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC não pode ser interpretado e aplicado num sentido em que a operação deixe de ser neutra na totalidade e a sociedade beneficiária ou incorporante seja fiscalmente onerada (penalizada) em virtude da fusão, designadamente pela impossibilidade de deduzir gastos originariamente incorridos pela incorporada;
(h) Tendo os encargos financeiros sido suportados pela Requerente, facto que não vem questionado pela AT, a sua não dedutibilidade viola o princípio da prevalência da substância sobre a forma, a liberdade de gestão fiscal e os princípios constitucionais da livre iniciativa e da propriedade privada, da tributação pelo lucro real e da igualdade, constantes respetivamente dos artigos 61.º, 62.º 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP.
A Requerente juntou 15 documentos com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
2. POSIÇÃO DA REQUERIDA
Em 3 de setembro de 2018, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”) em 4 de setembro de 2019.
Conclui pela improcedência e consequente absolvição do pedido, por entender que os encargos financeiros não foram indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente, tendo a fusão alavancada obedecido aos interesses de curto e médio prazo dos investidores e não da sociedade, enquanto unidade económica produtora de bens e serviços.
Segundo a Requerida, o legislador exige que os capitais alheios a que respeitam os encargos financeiros sob a forma de juros sejam aplicados na exploração da própria entidade que os suporta, para que se considere preenchido o requisito da indispensabilidade. Tal não pode significar o seu contrário, ou seja, que os juros não aplicados na exploração também são dedutíveis (artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC).
Neste caso, a fusão teve um efeito anómalo, pois a sociedade incorporante não incorporou a totalidade dos ativos da sociedade incorporada, por serem constituídos por ações próprias, mas incorporou os passivos associados àquelas ações. Portanto, a conexão que, antes da fusão, era possível estabelecer entre os encargos financeiros associados aos financiamentos contraídos para a aquisição daquelas ações e a atividade da entidade que os suportava deixou de existir. Logo, os gastos incorridos com aqueles financiamentos não podem ser considerados indispensáveis para a prossecução da atividade empresarial exercida pela Requerente, porque deixou de ser possível estabelecer qualquer nexo de causalidade económica entre os mesmos e a obtenção de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora da entidade que os suporta.
A AT também não aceita que seja uma consequência lógica e legal da fusão a manutenção, nos exercícios posteriores à fusão, da relação de causalidade económica entre os encargos e o interesse da empresa que se verificava na esfera da sociedade incorporada.
Sobre o artigo 75.º-A do Código do IRC, sustenta que o artigo 23.º do Código do IRC constitui um crivo prévio em matéria de qualificação dos gastos relevantes do ponto de vista fiscal e, por essa razão, tem precedência sobre a limitação quantitativa dos gastos de financiamento líquidos instituída pelo artigo 67.º e, de igual modo, sobre a aplicação do artigo 75.º-A, n.º 2 daquele Código.
Acrescenta que o escrutínio sobre a indispensabilidade dos gastos financeiros não se cristaliza no instante em que são obtidos os capitais alheios e tem que ser exercido durante a vida dos empréstimos, na determinação do lucro tributável de cada período ou exercício (artigos 18.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1 do Código do IRC).
No caso, a conclusão que se impõe é a de que os capitais alheios foram aplicados na aquisição de ativos que constituem uma fonte produtora integrada no património de uma entidade distinta daquela que os suporta, ou seja, tais gastos satisfazem apenas o interesse individual da sócia da Requerente, e não têm conexão com a atividade por esta desenvolvida, nem servem à realização do seu objeto social. Estes gastos nunca serviram ou se destinaram a prosseguir a atividade e o negócio da Requerente. Não é possível descortinar nexo causal com proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.
Por outro lado, a AT defende que não ocorre desrespeito do Direito Europeu, pois a Diretiva 2009/133/CE, que foi transposta para os artigos 74.º e 75.º do Código do IRC, não regula a dedutibilidade dos encargos financeiros, que deve ser tratada de acordo com a lei nacional, nem o regime fiscal aplicável às fusões perde a neutralidade pela não dedução de gastos financeiros que deixem de preencher o requisito da indispensabilidade.
Sobre a liberdade de gestão fiscal, sem prejuízo de a Requerente poder estruturar as operações de modo diferente, está em causa a apreciação da situação face às condições do artigo 23.º, não havendo que apreciar situações hipotéticas e as opções que poderiam ter sido tomadas.
Relativamente à arguida violação de princípios constitucionais, considera que a mesma não se verifica, seja no tocante ao princípio da tributação do rendimento real, que admite exceções, quais sejam as limitações à dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais, seja ao princípio da igualdade.
Quanto aos juros indemnizatórios, não tendo os atos vícios que justifiquem a sua anulação os mesmos não são devidos. Mas ainda que o fossem, tais juros não podem incidir sobre o valor dos juros de mora e custas, incluídos nos pagamentos do plano prestacional, pois o objeto do litígio é a liquidação de IRC que determina o pagamento de € 247.493,34 e não os juros de mora e custas que possam vir a ser pagos em sede de processo de execução fiscal, que não se enquadram na obrigação de execução de um julgado anulatório do ato tributário, prevista nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT.
Por fim, a AT requer o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça (“TJ”), dado o desconhecimento de jurisprudência do TJ relativa às questões a dirimir, em concreto, face à eventual desconformidade com o Direito Europeu e com o princípio da neutralidade consagrado na Diretiva 2009/133/CE, em moldes idênticos aos deduzidos no processo arbitral n.º 521/2017-T. Conclui pela improcedência, a final, do pedido de pronúncia arbitral, com a absolvição da Requerida de todos os pedidos.
3. ALEGAÇÕES, E REENVIO PREJUDICIAL
A Requerente, notificada para se pronunciar sobre o pedido de reenvio prejudicial veio pugnar pela sua improcedência, por entender não se suscitar uma dúvida interpretativa, considerando inequívoco que a posição adotada pela AT, ao promover as correções em apreço, viola o Direito Europeu e, em especial, a mencionada Diretiva 2009/133/CE.
Por desnecessidade, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT, tendo as partes produzido alegações orais em 16 de outubro de 2018.
Atentas as dúvidas suscitadas sobre a conformidade da interpretação preconizada pela AT, de não aceitação da dedução dos encargos financeiros na esfera jurídica da sociedade beneficiária da fusão inversa, com o regime da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, este Tribunal Arbitral decidiu proceder ao reenvio prejudicial para o TJ, em 22 de novembro de 2018, com a consequente suspensão da instância arbitral.
Na sequência da notificação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por ofício de 15 de julho de 2019, do Despacho proferido no processo prejudicial C-438/18, que veio confirmar a não oposição do Direito Europeu à legislação portuguesa, em matéria idêntica à suscitada no processo prejudicial C-751/18 respeitante à presente ação arbitral, ficaram clarificadas as dúvidas colocadas sobre a conformidade ao Direito Europeu. Com efeito, o TJ declara no citado Despacho que:
“A Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes e à transferência da sede de uma Sociedade Europeia (SE) ou de uma Sociedade Cooperativa Europeia (SCE) de um Estado‑Membro para outro, conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que leva a que não sejam considerados fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido.”
Em face da superveniência da decisão do processo prejudicial C-438/18 e concluindo-se que deixou de haver lugar a dúvida razoável quanto às mesmas questões suscitadas no presente processo (“ato aclarado”), determinou-se a retirada do pedido de reenvio prejudicial, por despacho arbitral de 19 de agosto de 2019, tendo cessado o efeito suspensivo. Em 2 de setembro de 2019 foi prorrogado por dois meses adicionais o prazo de prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, em razão da matéria, para conhecer dos atos de liquidação de IRC e inerentes juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram identificadas nulidades processuais nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
A. A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade anónima, constituída em 1992, que se dedica à atividade de agências de publicidade, CAE 73110, no setor dos serviços de comunicação e marketing direto, especificamente na distribuição de folhetos publicitários em caixas de correio de destinatários indiferenciados, e está enquadrada no regime geral de tributação em IRC – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), constante do processo administrativo (“PA”).
B. Até dezembro de 2010, o capital social da Requerente, era integralmente detido pela sociedade C..., SGPS, S.A. – cf. documento 6 junto com o ppa.
C. Em 11 de novembro de 2010, foi constituída a sociedade B..., S.A., adiante “B...”, com o objeto social de distribuição e divulgação de folhetos, promoções comerciais e publicitárias, ações de marketing e comunicação – cf. informação publicada em https://publicacoes.mj.pt/.
D. Em 27 de dezembro de 2010, a B... adquiriu a totalidade das ações representativas da totalidade do capital social da Requerente – cf. documentos 6 e 7 juntos com o ppa.
E. A B..., acionista única da Requerente, era, por sua vez, detida a 100% pela sociedade D..., SGPS, S.A., adiante “D...”, constituída em 23 de julho de 2010, sendo esta última dominada pelo E...– Fundo de Capital de Risco (“Fundo”), que detinha 100% do seu capital social e que era gerido pela sociedade F...– SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. – cf. RIT, constante do PA, informação publicada em https://publicacoes.mj.pt/ e documentos 6 e 7.
F. A referida cadeia de participações pode ser esquematizada da seguinte forma:
G. Para adquirir a totalidade das participações sociais da Requerente, a B... obteve financiamento junto da sua acionista única, a D..., a título de suprimentos, e através de empréstimo concedido pela Caixa de ..., ... e ..., a seguir “G...” – cf. RIT e documentos 8 e 9 juntos com o ppa.
H. Os suprimentos foram concedidos pela D... à B... no montante de € 6.400.000,00, pelo prazo de dezoito meses renovável por iguais e sucessivos períodos, à taxa de juro fixa de 15%, conforme contrato datado de 28 de dezembro de 2010 celebrado entre estas duas sociedades – cf. RIT e documento 8 junto com o ppa.
I. A G... concedeu à B... um empréstimo no montante global de € 23.000.000,00, com taxa de juro nominal fixa de 6%. Daquele valor, a tranche B, na importância de € 3.500.000,00, era destinada a financiar, entre outras, a aquisição das ações da Requerente, conforme contrato de financiamento datado de 28 de dezembro de 2010 – cf. RIT e documento 9 junto com o ppa.
J. Em 30 de junho de 2011, foi depositado o projeto de fusão na modalidade de transferência global do património da sociedade incorporada (B...), acionista única da Requerente, para a sociedade incorporante (a própria Requerente), operação usualmente designada por fusão inversa ou invertida, conforme previsto no contrato de financiamento celebrado com a G..., que estipulava que a fusão devia ser concluída no prazo de 24 meses – cf. RIT, documentos 9 e 10 juntos com o ppa e informação publicada em https://publicacoes.mj.pt.
K. A fusão foi registada em 1 de setembro de 2011, com efeitos contabilísticos reportados a 1 de janeiro de 2011 – cf. informação publicada em https://publicacoes.mj.pt.
L. Com a concretização da fusão, a Requerente (incorporante) passou a ser diretamente detida, na íntegra, pela D..., como de seguida ilustrado – cf. RIT:
M. Ainda em consequência da fusão, operou-se a transferência da globalidade do património da incorporada (B...) para a Requerente, que assumiu, assim, (i) a totalidade dos financiamentos contraídos pela B... junto da Banca e da sua acionista única (D...) destinados à aquisição das ações da Requerente e (ii) os encargos decorrentes desses financiamentos, os quais, em 2013, ascenderam globalmente a € 858.649,02 – cf. RIT.
N. Com efeito, no exercício de 2013, a Requerente contabilizou e suportou os seguintes encargos decorrentes dos financiamentos concedidos à B... (incorporada):
Descrição Valor
Juros G... 127.375,40 €
Comissão de gestão G... 3.750,00 €
Comissões G... 5.894,74 €
Imposto do Selo 5.245,01 €
Juros de Suprimentos 716.383,87 €
TOTAL 858.649,02 €
– cf. RIT.
O. No seguimento de ações de inspeção internas, de âmbito parcial, efetuadas pelos serviços da AT ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2016... e OI2016..., foi proposta uma correção aritmética, no montante de € 858.649,02, à matéria tributável do exercício de 2013 da Requerente, por desconsideração fiscal destes encargos financeiros, cujo montante a AT adicionou ao lucro tributável de € 48.408,79, passando, assim, a Requerente a apresentar um lucro tributável de € 907.057,81 – cf. RIT.
P. Neste âmbito, após o decurso do prazo para apresentação do direito de audição, que a Requerente não exerceu, esta foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, cujo teor se dá por reproduzido, do qual consta a fundamentação relativa à matéria em discussão nos presentes autos arbitrais, conforme excertos ilustrativos infra transcritos:
“III.1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS
[…]
III.2. FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
A dedução dos encargos financeiros encontra-se plasmada no artigo 23º do Código do IRC que refere no seu nº 1: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: e na alínea c) do n.º 1: “De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”.
Neste momento, há que enquadrar a situação das empresas:
No contrato de financiamento, no seu Anexo 5 intitulado “Plano de Negócios”, que consiste na Análise de Oportunidade de Financiamento, Projeto Gold, de outubro de 2010, da F...(“Estritamente privado e confidencial”), consta na sua pág. 2 o “Overview da Transação”, o qual refere que “E... assinou contrato promessa para aquisição de 100% do capital do Grupo A... e o closing da operação está previsto para finais de novembro” e que “E... espera financiar a transação com €25.000.000,00 de Dívida (aproximadamente 2.7x EBITDA 09)”.
Na cláusula quinta “Condições Prévias”, na sua alínea (h), pág. 12 do contrato, consta que “O Fundo E... aportou à D..., pelo menos, a quantia de EUR 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros), a título de prestações suplementares, suprimentos e capital.”
A D..., SGPS, SA (constituída em 2010/07/2[3]), em 2010/12/28 elaborou um contrato de suprimento com a B..., SA (constituída em 2010/11/11), no qual lhe atribuiu o montante de € 6.400.000,00 (seis milhões e quatrocentos mil euros).
O contrato de financiamento entre a G...e a B... é no valor de €3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros), para aquisição das ações da A... e H... .
Em 2011/09/01 foi registada a Fusão por incorporação global do património da sociedade B... na sociedade incorporante A..., data da deliberação: 2011/08/18, fusão já prevista no contrato de financiamento, págs. 7 e 26.
Através da constituição de sociedades veículo D..., SGPS, SA e B..., SA, o FUNDO E... adquiriu o grupo A... .
No projeto de Fusão, na certificação legal das contas efetuada pela I..., SROC, SA, à B..., na pág., 2 é referido que “A B... foi constituída, no decurso de 2010, com o objetivo de concretizar a aquisição de uma participação indireta de 100% na A..., SA e na H...–, SA, pelo Fundo E... .”.
Nas demonstrações financeiras da certificação legal acima mencionada, na pág. 2 consta o balanço a 2010/12/31 da B..., no qual se verifica que a maioria do Ativo da empresa consiste em participações financeiras, discriminadas na pág. 11 como sendo as ações da A... e da H... e onde se verifica que a maioria do passivo consiste em Sócios/Acionistas e Financiamentos Obtidos (corrente e não corrente).
Nas demonstrações financeiras da certificação legal acima mencionada, na pág. 3, consta a Demonstração de Resultados, na qual se verifica que não houve vendas e serviços prestados, portanto não houve laboração, nem qualquer rendimento auferido, somente houve Fornecimentos e Serviços Externos e Outros Gastos e Perdas, no total de €24.005,00, que constitui o resultado operacional negativo e “… respeitam essencialmente a custos com imposto do selo pela utilização de crédito e com auditoria, contencioso.” (pág. 2 do relatório da certificação legal de contas).
Somando ao resultado operacional os Juros e Gastos Similares Suportados, temos o Resultado Líquido do Exercício negativo de € 36.422,00.
Também no Projeto de Fusão, na certificação legal das contas efetuada pela I..., SROC, SA, à A..., sociedade constituída em 1992/07/03, verifica-se a existência de um resultado líquido do exercício de €962.602,00, um Ativo com conta de Clientes de €1.056.816,00, a inexistência de passivo não corrente e um passivo corrente de €505.590,00.
Na demonstração de resultados, existem vendas e serviços prestados de €3.182.203,00 e um resultado operacional positivo de €1.113.152,00; conclui-se assim que esta é uma empresa em laboração, que gera rendimento, com uma quota de mercado conquistada.
Pelo exposto, considera-se provado que a B..., SA foi uma empresa criada para adquirir as ações da A..., SA e da H..., SA, sendo que os custos do financiamento utilizado para esta aquisição, tanto a nível de suprimentos da D..., SA, como a nível do financiamento da G..., não se encontram enquadrados no art.º 23º do Código do IRC, dado que não foram gastos efetuados para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a qual, em 2010, era inexistente.
Os custos desta aquisição, através da fusão da B... por incorporação na A..., foram transferidos para a sociedade adquirida.
A fusão, de acordo com o ponto IX, na pág. 7 do projeto de fusão, do ponto de vista contabilístico e fiscal deverá reportar-se às zero horas do dia 1 de janeiro de 2011.
No Anexo III do projeto de fusão, intitulado “Balanço pro forma da A..., SA, após a fusão, reportado a 31 de dezembro de 2010”, verifica-se que a A... absorve o passivo não corrente do financiamento da G... e dos suprimentos da D..., e do lado do ativo, aumentam as participações financeiras, que consistem nas suas próprias ações e nas ações da H... .
Assim, os encargos financeiros que a A... suporta com estes contratos de suprimentos e de financiamento em nada contribuíram para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art.º 23º do Código do IRC, não devendo serem considerados gastos dedutíveis.
Em síntese, do que se encontra exposto, resulta que:
• Tanto o contrato de financiamento obtido pela B..., SA da G... como o contrato de suprimentos elaborado com a D..., SA, ambos efetuados em 2010/12/28, tiveram como objetivo a aquisição da participação indireta da A..., SA, pelo FUNDO E...;
• A B..., SA, foi criada com esse propósito, não tendo tido qualquer laboração nem obtido qualquer rendimento.
• Após a fusão com a A..., SA, efetuada em 2011/09/01, mas que para efeitos contabilísticos e fiscais, se reporta a 2011/01/01, a B..., SA foi extinta por incorporação na A..., e esta absorveu os encargos financeiros destes financiamentos.
• Contrariando o disposto do n.º 1 do art.º 23º do Código do IRC, os financiamentos referidos não estão de todo relacionados com a atividade da A..., pois consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Os financiamentos em causa destinaram-se à aquisição das próprias ações pelo FUNDO E..., em nada se relacionaram com a atividade da empresa ou serviram para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
Face ao exposto, propõem-se as seguintes correções:
Para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2013, um acréscimo no montante de €858.649,02, que se consubstancia na soma dos seguintes valores:
- juros, no valor de €843.759,27 (€127.375,40 + €716.383,87)
- imposto de selo, no valor de €5.245,01
- comissão de gestão, no valor de €9.644,74.
[…]
CONCLUSÃO
DESCRIÇÃO 2013 2014
RESULTADO TRIBUTÁVEL DECLARADO
a) € 48.408,79 […]
CORREÇÕES MERAMENTE
ARITMÉTICAS
Acréscimo no Campo 752, Q. 07 da Mod.22 – Custo não aceite fiscalmente nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 23º do Código do IRC
b) € 858.649,02 […]
RESULTADO TRIBUTÁVEL CORRIGIDO
a)+b)=c) € 907.057,81 […]
[…]” – cf. RIT e documento 5 junto com o ppa.
Q. Esta correção deu origem à emissão da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2013, com o valor a pagar de € 209.396,11, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016... (€ 3.031,07) e 2016 ... (€ 16.920,27), cujo saldo global a pagar, resultante da demonstração de acerto de contas n.º 2016... (compensação n.º 2016...), se cifrou em € 247.493,34, com data limite de pagamento (voluntário) de 10 de novembro de 2016 – cf. documentos 2, 3 e 4 juntos com o ppa.
R. A Requerente não se conformou com os atos tributários supra identificados e deduziu Reclamação Graciosa contra os mesmos. Após notificação do respetivo projeto de decisão e do exercício do direito de audição, a Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 18 de dezembro de 2017, do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, nos termos do Ofício da Direção de Finanças de Lisboa, de 20 de dezembro de 2017 – cf. pa e documento 1 junto com o ppa.
S. O indeferimento da Reclamação Graciosa adere ao teor da Informação elaborada pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, que contém os seguintes fundamentos:
“IV-ANÁLISE DO PEDIDO
[…]
39. A questão em discussão no presente procedimento circunscreve-se a saber se os gastos de natureza financeira suportados com financiamento bancário obtido, no total de € 858.649,02 subsumem-se ou não na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
40. Ora, na sequência da inspeção e também agora em sede de reclamação graciosa, a reclamante não logra provar que aplicou, de facto, aquele montante de financiamento bancário obtido à atividade normal, a alguma ação da qual adviesse rendimento sujeito a pagamento de imposto. Isto é, a contração dessa dívida e o encargo com os respetivos juros “(…) em nada contribuíram para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (páginas 15 e 16 do relatório a fls. 53 verso e 54).
41. Com efeito, por um lado, a sociedade B..., à data da aquisição da totalidade do capital social da reclamante, em 2010, era constituída quase na totalidade por participações financeiras que não tinham sido ainda realizadas;
42. por outro lado, apresentava um resultado líquido negativo de € 36.422,00 (pág, 15 do relatório da inspeção, a fls. 53 verso).
43. Responder, ainda, à reclamante dizendo que a referência ao exercício de 2010 tem que ver tão-somente com o facto de ter sido esse o ano da sua compra pela B..., aferindo-se a essa data o momento inicial, o ponto de partida para a apreciação da eventual indispensabilidade dos custos.
44. Conceito esse que entendemos não estar preenchido nessa data como na do exercício de 2013, em análise no presente procedimento.
45. Se se quiser, em ambos os momentos o custo com juros pelo financiamento não respeita aos critérios definidos no ponto 40 supra e, consequentemente, encontram-se fora das exigências legais para a sua dedutibilidade, constantes do artigo 23.º do Código do IRC.
46. Ademais e com respeito ao argumento do regime jurídico da fusão, diga-se, como ficou dito no relatório de inspeção, que os custos não foram contraídos pela própria entidade que os quer deduzir mas sim pela entidade incorporada.
47. E não obstante as regras da fusão terem por consequência, entre outras, a assunção das dívidas da incorporada, a questão foi colocada apenas por ser singular a aceitação fiscal da dedução de encargos de uma entidade com a sua própria aquisição.
48. No entanto, não é este o fundamento nem tão pouco o raciocínio basilar da correção inspetiva, pelo que não deverá a reclamante temer pela violação do princípio da neutralidade fiscal.
49. Concluem os serviços de inspeção pela correta interpretação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC demonstrando que “(…) os financiamentos referidos não estão de todo relacionados com a atividade da A..., pois consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Os financiamentos em causa destinaram-se à aquisição das próprias ações pelo FUNDO E..., em nada se relacionaram com a atividade da empresa ou serviram para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto” (pág. 16 do relatório, a fls. 54).
V – INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR
1. A reclamante foi notificada do despacho com projeto de indeferimento, através de carta registada, pelo Ofício n.º ... datado de 2017-10-25 (a fls. 441 e 442), considerando-se notificada a 2017-10-30 (a fls. 443), tendo sido concedido o prazo de 15 dias para a apresentação de audição prévia.
2. O requerimento com o exercício do direito de audição prévia foi entregue nesta Direção de Finanças, em 2017-11-10 (a fls. 444 a 474) e, como tal, tempestivo, pelo que deverá ser apreciado.
3. A reclamante reitera, grosso modo, o constante na petição inicial, reforçando a jurisprudência arbitral existente, nomeadamente através do processo n.º 537/2016-T, com decisão favorável à reclamante com data de 2017-05-19, bem como outras decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 560/2016-T e n.º 120/2017-T.
4. Ora, sucede que, no caso em apreço, a AT não se encontra vinculada a essas decisões, quando respeitam a matéria factual e de direito, com diferentes objetos e pedidos daqueles aqui em análise.
5. Nem mesmo a redação do n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT estabelece qualquer obrigatoriedade nem vinculação a orientações jurisprudenciais, entenda-se também arbitrais.
6. Quanto à matéria de fundo, a desconsideração fiscal dos gastos apresentados, a reclamante reitera a sua posição, dizendo que “(…) a aquisição da totalidade do capital de uma sociedade operacional com o mesmo objeto inseria-se no interesse da empresa adquirente, ou seja, apresentava causalidade económica” (ponto 32 do requerimento de audição prévia da reclamante, a fls. 449).
7. Nesta sede, a reclamante não traz qualquer documentação ou exposição factual e de direto nova, pelo que deverá manter-se o sentido de decisão já constante do projeto, o indeferimento do pedido.
8. Em suma, a reclamante não prova que juntou toda e qualquer realidade jurídico-económica da sociedade J..., nem prova tão pouco a ligação empresarial dos custos desta com a atividade da reclamante, não logrando, assim, a sua dedutibilidade. […]”
– cf. pa e documento 1 junto com o ppa.
T. Foi instaurado processo de execução fiscal em relação aos atos de liquidação em crise, tendo a Requerente aderido ao Programa Especial de Redução de Endividamento do Estado “PERES” (Termo de Adesão n.º...), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, no âmbito do qual se encontra a proceder ao pagamento em prestações dos seguintes valores: imposto: € 227.542,00; juros compensatórios: € 19.951,34; juros de mora: € 700,85; custas € 891,19 – documento 11 junto com o ppa.
U. Em discordância com as liquidações de IRC e de juros compensatórios acima identificadas e com a decisão de indeferimento da correspondente Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou no CAAD, em 23 de março de 2018, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral na origem do presente processo.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
IV. DO DIREITO
1. DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO DECIDENDA. ENQUADRAMENTO LEGAL E REENVIO PREJUDICIAL
A questão e decidir a apreciar é idêntica à que foi suscitada no processo arbitral n.º 521/2017-T, cujo reenvio deu origem ao processo prejudicial C-438/18, e resume-se à aplicação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC aos encargos financeiros suportados em 2013 pela Requerente, relativos a empréstimos – de sócio e de terceiro – contraídos para a compra do capital da própria Requerente e que esta agora suporta em virtude e por decorrência da fusão (inversa) com a sua acionista B..., a qual contraiu originariamente essas dívidas.
Segundo a Requerente, os referidos encargos são fiscalmente dedutíveis, por preenchimento dos pressupostos previstos no mencionado artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Com perspetiva diversa, a Requerida sustenta que tais encargos financeiros não foram aplicados na exploração da Requerente e em nada se relacionaram com a sua atividade ou serviram para a realização os proveitos daquela, pelo que não são indispensáveis nem enquadráveis como gasto dedutível para efeitos de IRC.
Nesta matéria rege o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que, com referência ao exercício de 2013, determinava:
“Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
[…]
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; […]”
De acordo com esta norma, a dedutibilidade fiscal depende do estabelecimento de um nexo causal entre os gastos e a atividade económica potencialmente geradora de rendimentos, ou, dito de outro modo, com o interesse societário. De acordo com a jurisprudência firmada, o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.
Interessa ainda notar que os encargos financeiros em causa passaram para a esfera da Requerente ope legis, por efeito de uma operação de fusão (por incorporação) da sua acionista única, operação habitualmente designada por “fusão inversa”, não vindo questionada a respetiva indispensabilidade, para efeitos fiscais, na esfera da sociedade-mãe, entretanto incorporada, nem o facto de juridicamente constituírem uma obrigação a que aquela [Requerente] se encontra adstrita, em virtude da transferência dos passivos (financiamentos) associados para a sua esfera jurídico-patrimonial, conforme estatuído no artigo 112.º do CSC, a propósito dos efeitos jurídicos civilísticos e de direito societário produzidos pela fusão, que dispõe o seguinte:
“Artigo 112.º
Efeitos do registo
Com a inscrição da fusão no registo comercial:
a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;
b) Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.”
Deste modo, na situação vertente, a questão fundamental que importa apreciar e decidir prende-se com a aferição da relação necessária, normativamente prescrita pelo artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, entre os gastos financeiros incorridos pela Requerente e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a este imposto por parte desta, para efeitos de aplicação da estatuição de dedutibilidade fiscal de tais encargos.
Neste âmbito, suscitou-se, a título preliminar, a questão da conformidade da interpretação preconizada pela AT à face do Direito Europeu, atendendo a que a fusão inversa que está na origem da transferência, para a esfera jurídica da Requerente, dos passivos geradores dos encargos financeiros, aqui disputados e cujos ativos associados são as ações da própria Requerente que passaram para a D..., foi realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto na lei interna (artigos 73.º e 74.º do Código do IRC), decalcado da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009 (doravante Diretiva).
A Requerente, preconiza uma leitura da Diretiva 2009/133/CEE, apoiada no princípio da neutralidade e na finalidade de remoção dos obstáculos ao mercado interno, segundo a qual a AT não pode deixar de considerar dedutíveis fiscalmente os gastos financeiros incorridos por aquela no quadro fático acima circunstanciado, em que os passivos associados foram utilizados para adquirir as ações da própria Requerente, sob pena de distorção dos objetivos da Diretiva e de violação do Direito Europeu.
A Requerida suscita dúvidas sobre esta interpretação do Direito Europeu e considera que o mesmo não se opõe à posição por si sufragada, na origem dos atos tributários em crise, sem prejuízo de, desconhecendo-se jurisprudência do TJ sobre as questões a dirimir, dever ser efetuado o reenvio prejudicial àquele Tribunal, relativamente à pretensa desconformidade da posição da AT (ao negar à sociedade incorporante, na sequência da fusão, a dedutibilidade dos encargos financeiros, por falta de preenchimento do requisito da indispensabilidade previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC) com o princípio da neutralidade consagrado pelo legislador europeu na mencionada Diretiva.
Interessa, neste âmbito, relembrar o Considerando (2) da referida Diretiva segundo o qual operações como as “fusões” são consideradas como potencialmente necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno, pelo que tais operações não “deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros”.
Existindo dúvida, decidiu suspender-se a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o TJ, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), formulando-se as seguintes questões:
Primeira Questão
Quando interpretados no sentido de que, após a citada fusão inversa, os juros e demais encargos financeiros dos empréstimos contraídos junto de terceiros ou de sócios (que seriam dedutíveis na sociedade incorporada, caso não houvesse fusão), para aquisição do capital da sociedade filha-incorporante, transmitidos por efeito da fusão, deixam de ser fiscalmente dedutíveis aos lucros da sociedade incorporante, será o artigo 23.º, nº 1, alínea c) do Código do IRC, na redação vigente em 2013, compatível com o Direito Europeu, nomeadamente, no sentido de esta não dedutibilidade dos encargos financeiros ser suscetível de constituir um entrave ou restrição às operações de concentração abrangidas pela Diretiva 2009/133/CE do Conselho, violando os seus princípios e objetivos e, bem assim, o disposto no seu artigo 4.º?
Segunda Questão
Caso a resposta à primeira questão seja no sentido da compatibilidade desta não dedução fiscal de encargos financeiros com a Diretiva, a mesma manter-se-á face à circunstância de tal correção não ter sido realizada com base na disposição anti-abuso da Diretiva (artigo 15.º) ou da lei nacional que a replica (artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC), mas de outro preceito da lei nacional (artigo 23.º do Código do IRC)?
Como acima referido, o TJ, no processo C-438/18, respeitante a outro processo arbitral (C-521/2017-T) onde se suscitaram as mesmas questões veio clarificar que, no quadro do Direito Europeu, não existe oposição à não dedutibilidade dos juros, conformação que se enquadra, na interpretação daquele Tribunal, na esfera de competência dos Estados-Membros.
Nestes termos, afastado o argumento da falta de neutralidade e incompatibilidade com o Direito Europeu, resta determinar se, no caso sob apreciação, ocorre a falta de conexão dos gastos financeiros que a Requerente passou a suportar, em decorrência da fusão inversa, com a sua atividade e interesse social, à luz do artigo 23.º do Código do IRC.
2. DEDUTIBILIDADE FISCAL DOS GASTOS FINANCEIROS NAS FUSÕES INVERSAS
O fundamento jurídico das correções efetuadas à matéria coletável de IRC da Requerente é apenas um e respeita à interpretação e aplicação do critério consagrado no citado artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, concretamente à alegada “não indispensabilidade” dos gastos financeiros resultantes do empréstimo que foi contraído para aquisição das participações sociais da própria Requerente, previamente à fusão (inversa), operação em virtude da qual esse empréstimo transitou para a sua esfera.
A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação.
Como reconhece J. L. SALDANHA SANCHES, é no “conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, 215-216.
É hoje consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.
Tal noção, como consta da fundamentação do Acórdão do STA (pleno) no processo n.º 049/11, de 15 de junho de 2011 – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.
Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, como preconizado pelo Acórdão do STA no processo n.º 01236/05, de 29 de março de 2006.
O que significa, na explicitação do Acórdão do STA no processo n.º 107/11, de 30 de novembro de 2011, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa […]. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa […]. A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”
Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide Acórdãos do STA nos processos n.º 0779/12, de 24 de setembro de 2014; n.º 372/16, de 15 de novembro de 2017; e n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017.
Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.
A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte. “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” – Acórdão do STA no processo n.º 0627/16, de 28 de junho de 2017.
O entendimento restritivo da indispensabilidade foi muito criticado pela doutrina, podendo ver-se, a este respeito, TOMÁS CANTISTA TAVARES, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Outubro-Dezembro 1999, pp. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, janeiro de 2002, p. 40, e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss..
O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.
Por outro lado, a construção jurisprudencial reclama um nexo de imputação subjetiva que está implícito na relação exigida entre o gasto e a atividade. É que essa ligação tem de ser feita com a atividade específica do sujeito passivo e não com outra atividade qualquer, designadamente dos seus sócios ou de terceiros.
É o interesse e escopo societário da entidade que deduz os gastos que está em causa e que pode servir de medida aferidora da indispensabilidade. Como salienta o Acórdão do STA no processo n.º 0571/13, de 21 de setembro de 2016, “[o] conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário”.
Neste sentido, o Acórdão do STA no processo n.º 01046/05, de 7 de fevereiro de 2007, confirmou como não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os encargos (financeiros) suportados por uma sociedade relativos a empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuadas a uma associada pelas quais não foi cobrada remuneração. O que se ficou a dever ao facto de tais verbas não estarem relacionadas com o objeto social e atividade prosseguida pela sociedade, que se dedicava à “fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco”.
Bem assim, o já citado Acórdão do STA no processo n.º 0107/11, considerou não serem dedutíveis os custos com juros e imposto do selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas, em relação de domínio total, à luz do artigo 23.º do Código do IRC. Decisões em linha com os Acórdãos do STA nos processos n.º 1077/08, de 20 de maio de 2009, e n.º 0171/11, de 30 de maio de 2012, sobre questões idênticas.
O carácter uniforme desta jurisprudência é reforçado pelos recentes Acórdãos do STA nos processos n.º 0473/13, de 21 de fevereiro de 2018, e n.º 01206/17, de 28 de fevereiro de 2018 que, relativamente à questão de saber se os encargos financeiros suportados com empréstimos utilizados para a realização de prestações suplementares em sociedades participadas são dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, utilizam como parâmetro decisório o objeto ou escopo social da entidade.
No primeiro caso, tratando-se de uma sociedade gestora de participações sociais, a decisão de efetuar a prestação suplementar é qualificada pelo STA como exercício da [sua] atividade empresarial de gestão dessas mesmas participações, sendo os gastos associados dedutíveis fiscalmente. Porém, no segundo caso, de uma sociedade cuja atividade é imobiliária, não sendo prosseguido o fim social de detenção e gestão de participações sociais “as operações de financiamento seja das empresas suas participadas seja de qualquer outra empresa são assuntos que dizem respeito a essas sociedades participadas e empresas, não integrando o fim social”, pelo que o “reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efetuadas pela impugnante não são exercício da atividade empresarial da […]” e, em consequência, “os custos que incorram com essas ou por causa da realização de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC”.
De onde se conclui que o teste da indispensabilidade é aferido “perante o objeto e escopo societário e a congruência económica da operação”, encerrando assim uma conexão subjetiva do gasto com o interesse da própria empresa que o suporta e não com o interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou de terceiros. Os gastos têm de ser imputados à atividade da própria entidade delimitada pelo seu objeto social (também neste sentido, o Acórdão do TCAS n.º 01276/06, de 16 de outubro de 2007).
Sempre que resulta demonstrada a relação direta entre os gastos e o objeto social prosseguido pelo sujeito passivo, o STA tem entendido que tais gastos hão de ser considerados indispensáveis para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC – Acórdão do STA no processo n.º 570/13, de 5 de novembro de 2014.
ANTÓNIO MOURA PORTUGAL assinala, neste âmbito, que “[a] solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário” (op. cit. p. 112), associando também esta solução aos escritos de VÍTOR FAVEIRO, que considera que se “tem de haver como indispensável todo o ato gestionário que tenha por objeto a aplicação dos fatores com o objetivo de realização dos fins da atividade da empresa” (“O Estatuto do Contribuinte”, Coimbra Editora, 2002, p. 847).
ANTÓNIO MARTINS parece defender uma noção excecionalmente ampla de atividade, desligada do objeto social e centrada na definição contabilística de ativo, que não se acompanha (apenas) na medida em que não se submete ao escrutínio do objeto estatutário que, segundo entendemos, não pode deixar de delimitar o interesse social. Veja-se a este respeito, “A Dedutibilidade dos Juros e a Noção de «Atividade» das Sociedades: a Propósito do Artigo 23.º do CIRC”, Revistas de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, 4, Abril de 2013, pp. 79 a 111.
Enunciados os pontos de consenso no plano teórico, subsistem posições divergentes em questões fundamentais, em especial no que se refere ao momento e à frequência com que a indispensabilidade deve ser aferida. Quando os factos que estão na origem dos encargos geram a produção continuada de efeitos plurianuais que se projetam em diversos exercícios fiscais, como sucede na presente situação, coloca-se a questão do âmbito temporal de aplicação do conceito de indispensabilidade.
A Requerente adere à tese de que este requisito [a indispensabilidade] deve ser aquilatado de uma só vez, no plano da entidade que contraiu o empréstimo e no momento em que o fez. Concluindo que se o gasto é indispensável à data do financiamento não pode transformar-se em dispensável ulteriormente, em particular quando o empréstimo transita para a esfera de uma nova entidade no quadro de uma fusão, por força do regime legal de transmissão (ou melhor dito, no presente caso, de sucessão universal) do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante ao abrigo do preceituado no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).
Convoca, para este efeito, a interpretação exegética do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC que se refere à dedução de “juros de capitais alheios aplicados na exploração”, pelo que o requisito da indispensabilidade deve ser avaliado em relação aos capitais alheios aplicados e não aos encargos financeiros deles derivados, exaurindo-se no momento dessa aplicação.
Este é também o entendimento da jurisprudência. Relativamente a uma questão em tudo idêntica à aqui tratada, o STA, no Acórdão proferido no processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17, de 30 de janeiro de 2019, preconiza que “o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos”.
Refere ainda este Acórdão, suportado na decisão que vem confirmar, que:
“[…] a Fazenda Pública está a aferir da admissibilidade fiscal dos custos tendo por referência a conexão que estes devem ter, no momento em que são suportados, com os proveitos realizados ou a manutenção da fonte produtora dos rendimentos.
Contudo, caso fizesse com referência ao momento em que ocorre a sua génese (leia-se quando nasce a obrigação que a eles dá lugar) o resultado seria o oposto.
Com efeito, a aferição da conexão dos gastos com os proveitos deve ser feita com referência ao seu facto gerador, em especial tratando-se de gastos que dependem da verificação de condições temporais.
Destarte, para aferir da admissibilidade da consideração da relevância fiscal do pagamento de juros é mister analisar a operação subjacente que a eles deu origem, ou seja, esta vai depender, não do momento em que estes se vencem ou são pagos, mas da eventual conexão com os proveitos existente no momento em que a obrigação destes nasce - a contração do mútuo oneroso que a eles dá lugar.
[…]
Donde assoma a conclusão que essa conexão entre a fonte geradora dos gastos e a potencial formação de proveitos tributáveis em sede de IRC/manutenção da fonte produtora, deve ser aferida tendo como referência o momento em que são contraídos os empréstimos e não no momento de vencimento dos juros.
ln casu, essa conexão existe e não é questionada pela Autoridade Tributária. Emergindo, assim, a evidência que os gastos devem ser considerados.
Acresce que é incontroverso nos autos que a "B…………, S.A." antes da incorporação podia deduzir os encargos/gastos dos financiamentos obtidos, porquanto a aquisição do capital social da Impugnante era suscetível de gerar proveitos na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais de uma eventual alienação da sua participação.
Com a operação de fusão esse direito à consideração fiscal dos gastos não se extingue, por efeito da fusão, pelo contrário, ope legis, mantém-se e surge, desta feita, na esfera jurídica da Impugnante.
Há ainda uma terceira ordem de razões que determinam a consideração de tais gastos na definição da matéria tributável: a neutralidade do regime da fusão.
A este propósito J. L. SALDANHA SANCHES [in "Fiscalidade", nº 34], em artigo dedicado à fusão inversa, afirmava:
«A questão jurídica em análise no presente artigo é muito simples e é facilmente identificável: saber se há alguma norma ou princípio, de Direito nacional comunitário ou internacional que leve a excluir do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 67º do Código do IRC uma operação através da qual uma sociedade é incorporada e dissolvida numa sua subsidiária que detém a 100% (operação vulgarmente conhecida por fusão inversa). Pode adiantar-se a resposta à questão: a fusão por incorporação de uma sociedade participante na sociedade participada é abrangida pelo regime da neutralidade fiscal, uma vez que se trata da operação descrita no artigo 67º, nº 1, al. a), do Código do IRC, ou seja, da «transferência global do património de uma (...) sociedade (sociedade fundida)» - sociedade A - "para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária)" - sociedade B - «e a atribuição aos sócios daquela» - sociedade S - «de partes representativas do capital social da beneficiária» - partes da sociedade B. Ora, não havendo no nosso ordenamento jurídico, ou no ordenamento comunitário, qualquer norma que excecione o efeito de neutralidade da fusão, este efeito não pode ser negado na operação descrita, sob pena de ilegalidade da liquidação que daí resultar.
(...)
Argumenta a Fazenda Pública que o que está aqui em causa é a mera desconsideração dos custos nos termos do art.º 23º do CIRC e não a neutralidade da fusão.
Até certo ponto tem razão, contudo, se os gastos que anteriormente eram considerados para efeitos da determinação da matéria coletável de cada uma das sociedades incorporadas deixam de o ser na esfera jurídica da sociedade incorporante, em resultado da operação de fusão, então é manifesto que a fusão é tudo menos neutral.
Mesmo que possa ter havido "neutralidade fiscal" no que concerne aos "movimentos patrimoniais″, o certo é que ao deixar de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Diretiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único.
Pode, assim, em jeito de súmula do expendido, afirmar-se que:
i) o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos;
ii) tendo a sociedade incorporada o direito a relevar fiscalmente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante;
iii) Entendimento diverso redundaria na violação Direito Europeu, mormente do princípio da neutralidade fiscal das fusões.».
Em suma, a sentença analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correções, tendo julgado que os encargos assumidos pela sociedade incorporada e que por força da fusão passaram a ser suportados pela sociedade incorporante podiam relevar como custo fiscal para a determinação da matéria coletável desta, porquanto o momento temporal para aferir da sua admissibilidade é determinado pelo instante em que são gerados e não pelo momento em que são suportados; e visto que a incorporada tinha o direito de os relevar na sua matéria tributável, esse direito persistia, ope leqis, na esfera jurídica da incorporante, sendo que entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões.
[…]
Em sentido idêntico, o acórdão de 22/03/2018, no proc. nº 0208/17, prolatado pelo STA no recurso interposto pela Fazenda Pública de análoga sentença proferida em processo de impugnação judicial instaurado pela mesma sociedade para contestar as mesmas correções efetuadas para o exercício de 2009, e onde aquela formulara idênticas alegações e conclusões de recurso.”
Posição que é secundada pelo Acórdão do TCAS, no processo n.º 1550/15.0BELRS, de 5 de junho de 2019, que reitera que:
“o que é relevante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento, que não é posta em causa (cfr. a este respeito a decisão arbitral proferida no processo 101/2013-T, de 02.12.2013). Sendo indispensável, os seus gastos são abrangidos pela al. c) do art.º 23.º, do CIRC, não se podendo retirar da circunstância de ter havido em momento ulterior uma fusão que esse caráter simplesmente desapareça.
[…]
Em suma, por tudo quanto ficou exposto, entende este Tribunal Central Administrativo Sul que é de confirmar integralmente o julgamento do Tribunal Tributário de Lisboa que, partindo do pressuposto de que o momento determinante para efetuar o juízo de relevância fiscal do gasto (de indispensabilidade) é o da contração dos “empréstimos”, e não o momento em que são suportados os inerentes encargos, julgou fiscalmente relevantes os mesmos encargos (valor dos juros) assumidos pela Recorrida com os financiamentos para aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal (entretanto extintas por fusão) por ser incontroverso que a Administração Tributária, num juízo reportado a esse momento, reconhece a sua indispensabilidade.”
3. ANÁLISE CONCRETA
Na situação dos autos, a sociedade denominada B..., que havia sido constituída em 11 de novembro de 2010, celebrou em 27 de dezembro de 2010 um contrato de aquisição da totalidade das ações representativas do capital social da Requerente.
No dia seguinte ao da celebração deste contrato de compra de ações e para financiamento da mesma, a B... contraiu um empréstimo junto da G..., que, na parte que releva para os presentes autos, correspondia ao valor de € 3.500.000,00 (tranche B). O contrato de financiamento previa que a B... fosse fundida na Requerente no prazo máximo de 24 meses.
Para o mesmo efeito de financiamento da compra das ações da Requerente, a B... obteve também, e na mesma data (28 de dezembro de 2010), suprimentos da sua acionista única, a D..., no valor de € 6.400.000,00.
Todas as sociedades eram residentes em Portugal e, direta ou indiretamente, detidas a 100% por um Fundo de capital de risco, sendo que, quer a B..., quer a Requerente tinham por objeto social atividades na área publicitária, nomeadamente a distribuição e divulgação de folhetos publicitários .
Em 1 de setembro de 2011, e conforme compromisso assumido no contrato de financiamento, a B... (sociedade incorporada) foi fundida na Requerente, que a incorporou, numa fusão inversa ou invertida, com efeitos contabilísticos reportados a 1 de janeiro de 2011. Esta operação realizou-se ao abrigo da disciplina prevista na lei interna (artigos 73.º e 74.º do Código do IRC), decalcada da Diretiva 2009/133/CEE, do Conselho, de 19 de outubro de 2009.
Em conformidade com o referido regime do Código do IRC, os resultados (mais e menos valias) resultantes da transmissão de ativos e posições jurídicas por efeito da fusão – não foram tributados; ou seja, obtiveram neutralidade fiscal, por suspensão (diferimento) dos resultados fiscais com essas transmissões.
Por efeito legal da fusão, os encargos financeiros resultantes do empréstimo e dos suprimentos originariamente contraídos pela sociedade incorporada (B...) foram transmitidos para a sociedade incorporante (a aqui Requerente), que se tornou devedora dessas quantias, as quais passou a suportar e pagar.
Em 2013, esses empréstimos ainda estavam “vivos” e a Requerente suportou os encargos financeiros correlativos de € 858.649,02, considerando-os fiscalmente dedutíveis ao valor dos seus rendimentos anuais.
A AT não aceita que esses gastos possam ser deduzidos na esfera da sociedade incorporante (ou seja, da Requerente), com base no preceituado na lei interna - artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC - que intima uma relação causal de indispensabilidade entre os encargos financeiros (custos) e os proveitos, a manutenção da fonte produtora e a aplicação dos fundos na exploração da organização.
Importa a este respeito ter em atenção três notas:
a) Se não tivesse havido fusão, os encargos financeiros seriam fiscalmente dedutíveis ao resultado da sociedade que originariamente contraiu os empréstimos e que detinha a participação de capital (B...);
b) Esses encargos financeiros não são fiscalmente dedutíveis, segundo a AT, porque e na sequência da referida fusão inversa, esta entende que em 2013 não preenchem os requisitos constantes do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC;
c) A AT nega a dedução fiscal desses encargos financeiros, por decorrência da referida fusão, em resultado da interpretação da lei interna vigente em 2013 (o citado artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC) e não da cláusula anti abuso da diretiva (artigo 15.º) ou da lei interna em sua adesão (artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC).
Ambas as partes convocam a jurisprudência arbitral respeitante a casos com propriedades similares às da situação sub iudice, i.e., relativos ao preenchimento do critério da indispensabilidade quanto a encargos financeiros suportados por uma entidade, decorrentes de empréstimo obtido para a aquisição das suas próprias participações por outra entidade entretanto incorporada – mediante fusão invertida – na primeira.
As pronúncias arbitrais não são uniformes: os Acórdãos n.ºs 14/2011-T, 87/2014-T e 690/2016-T vão no sentido da não indispensabilidade dos mencionados encargos, e os Acórdãos n.ºs 101/2013-T, 42/2015-T, 92/2015-T, 93/2015-T, 88/2016-T, 491/2016-T, 508/2016-T, 537/2016-T, 560/2016-T, 606/2016-T, 690/2016-T e 120/2017-T sustentam a dedutibilidade desses encargos, em alinhamento com a posição da Requerente, de pendor maioritário, sem prejuízo de pontuarem algumas declarações de voto.
As principais fontes de divergência prendem-se com as seguintes questões:
(a) De direito, sobre a relação dos gastos com a atividade/interesse social da Requerente, o(s) momento(s) relevante(s) para aferir a cláusula de indispensabilidade e sobre o estabelecimento de uma relação de causalidade necessária entre as consequências (efeitos) legais de uma fusão conforme ao direito civil e comercial e a inevitável aceitação, para efeitos fiscais, da dedução dos encargos financeiros em causa; e
(b) De facto, sobre o juízo concreto a extrair dos dados apurados.
Neste ponto, a jurisprudência do STA e do TCAS é constante e sufraga o entendimento da Requerente, tendo sido reiterada por dois recentes Acórdãos do STA, de 30 de janeiro de 2019 (processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17), e do TCAS, de 5 de junho de 2019 (processo n.º 1550/15.0BELRS).
No que se refere ao requisito de indispensabilidade e de conexão que, segundo o STA, implica uma relação direta entre os gastos e o objeto social (processo n.º 570/13), tendo presente, por um lado, a identidade do objeto estatutário da Requerente e da sua acionista B... (que acabou por incorporar), e, por outro lado, a forma como os encargos foram assumidos (por transmissão universal no âmbito de uma operação de fusão por incorporação), não pode deixar de considerar-se verificada tal conexão entre os encargos financeiros em causa e o escopo e interesse social daquela.
No tocante ao momento temporal para aferir a relação exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, os Tribunais superiores têm entendido que deve ser aquele em que os empréstimos foram contraídos, concluindo que, se a sociedade incorporada tinha o direito de relevar os encargos financeiros na sua matéria tributável, esse direito persiste, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, a aqui Requerente .
No caso em análise a AT não põe em causa, antes reconhece, o direito à dedução fiscal dos encargos financeiros na entidade incorporada, pois é incontroverso que a aquisição do capital social da Requerente era suscetível de gerar rendimentos “na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais[valias] de uma eventual alienação da sua participação” , devendo, por isso, manter-se tal direito, na incorporante.
É seguro que a operação de fusão gerou a diminuição do lucro tributável da Requerente. No entanto, a AT nunca invocou que a fusão tivesse sido realizada com recurso a meios artificiosos ou fraudulentos ou com o objetivo primordial de obtenção de vantagem fiscal, não tendo aplicado a cláusula específica anti-abuso consagrada no artigo 73.º, n.º 10 do Código do IRC , que permite que o regime de neutralidade seja afastado quando se constate abuso, pelo que não cabe nos poderes de cognição e pronúncia deste Tribunal Arbitral aferir tal questão.
Afiguram-se, desta forma, procedentes os argumentos da Requerente, devendo ser aceite a dedução dos encargos financeiros que passou a incorrer em razão da operação de fusão inversa, de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, com a consequente invalidade dos atos tributários impugnados.
4. JUROS COMPENSATÓRIOS
A ilegalidade da liquidação de IRC implica, de igual modo, a anulação dos correspondentes juros compensatórios.
Dispõe nesta matéria o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que determina que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, o ato tributário de liquidação de IRC que originou valor de imposto a pagar é inválido por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido. Desta forma, são de igual forma inválidos os atos de liquidação dos juros compensatórios inerentes.
EM SÍNTESE,
À face do exposto, conclui-se pela ilegalidade das correções à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2013, com a consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, relativos a IRC e juros compensatórios, por vício material de erro nos pressupostos relativo à aplicação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, ao abrigo do disposto no artigo 163.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
A ilegalidade dos referidos atos tributários – de liquidação de IRC e de juros compensatórios – repercute-se num juízo de invalidade do ato de segundo grau que sobre aqueles se pronunciaram, pois o objeto da impugnação é o ato de liquidação, conforme tem sido, de forma reiterada, afirmado pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de que é exemplo o recente Acórdão de 3 de julho de 2019, no processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18: “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.” Deste modo, a pronúncia constitutiva relativa ao ato de liquidação de IRC e juros deve produzir efeitos idênticos sobre os atos que o confirmaram.
5. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente encontra-se a proceder ao pagamento do valor do imposto de acordo com um plano prestacional ao abrigo do PERES, solicitando o reembolso dos valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
O artigo 43.º da LGT dispõe que o contribuinte terá direito a ser ressarcido, através de juros indemnizatórios, sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços.
“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA, SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).
No caso em apreço, o ato de liquidação de IRC é ilegal, porque foi praticado com erro nos pressupostos e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta da Requerente, pelo que é imputável aos Serviços.
Em face do exposto, procede o pedido de condenação da AT no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar em execução da presente decisão.
Coloca-se a este respeito a questão de saber qual a base de cálculo dos juros indemnizatórios, entendendo a Requerente que estes devem incidir sobre os juros de mora e as custas pagas em sede de processo de execução fiscal, posição que é repudiada pela Requerida que sustenta que os juros indemnizatórios não podem incidir sobre aqueles pagamentos, por não serem enquadráveis na obrigação de execução do julgado anulatório do ato tributário.
A respeito dos juros de mora, e independentemente da sua natureza (sancionatória, compensatória ou compulsória) estes são hoje classificados como tributos para efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 da LGT. Assim, tem razão a Requerente ao afirmar que sobre os mesmos devem incidir juros indemnizatórios, pois tal deriva do dever que recai sobre a AT de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios como compreendido nesse dever/efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada e, neste âmbito, a privação ilegal das importâncias pagas a título de juros de mora deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.
Solução distinta é, porém, de aplicar às custas pagas no âmbito do processo de execução fiscal que tem natureza judicial, em conformidade com o disposto no artigo 103.º, n.º 1 da LGT.
Como acima se referiu, a anulação de um ato tributário por pronúncia jurisdicional constitutiva impõe a erradicação da ordem jurídica de todos os seus efeitos, incluindo a anulação dos atos consequentes que tenham sido praticados no pressuposto do ato tributário anulado. Porém, como preconiza o Acórdão do STA de 1 de julho de 2009, no processo n.º 0374/09, que versou sobre esta mesma questão:
“por ato consequente deve entender-se ato cuja prática e conteúdo depende da existência de um ato anterior (ato pressuposto) que lhe serve de causa ou base e que, assim, é dele raiz e fundamento (vide acórdão de 13/05/09, no recurso n.º 483/08, da secção administrativa deste Supremo Tribunal).
Como assim, é patente que o ato de pagamento de taxa de justiça por parte do executado em processo de execução fiscal não pode definir-se como ato consequente do ato tributário objeto de anulação num processo de impugnação judicial, desde logo porque reveste natureza distinta, assumindo o primeiro uma natureza de custas judiciais e, como tal, em todo estranha à essência de ato tributário, para mais praticado num distinto e autónomo procedimento jurisdicionalizado (artigo 103.º, n.º 1 da LGT), dessa forma exorbitando do «objeto do litígio» (artigo 100.º atrás citado)
Em tal contexto, a execução de um julgado anulatório de ato tributário não abrange a restituição de taxas de justiça que tenham sido pagas no processo de execução fiscal instaurado para pagamento coercivo do tributo em causa, antes a restituição do respetivo montante deve obedecer aos parâmetros normativos previstos no Código das Custas Judiciais.
Com efeito, a taxa de justiça integra as custas processuais da parte, atento o disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 31.º do CCJ, as quais são objeto de nota discriminativa e justificativa por forma a possibilitar a restituição do respetivo montante à parte nos termos dos artigos 33.º e 33-A do mesmo diploma, devendo os mecanismos aí previstos ser exercitados no âmbito do respetivo processo de execução fiscal.”
Assim, improcede o pedido de juros indemnizatórios na parte em que a Requerente pretende que os mesmos sejam calculados sobre as custas (judiciais) pagas no âmbito do processo de execução fiscal.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, nomeadamente o regime do artigo 75.º-A, n.º 2 do Código do IRC que, além do mais, não existia à data dos factos (2013), pelo que a sua invocação sempre seria ferida de retroatividade (que a norma em causa não comporta nem prevê), e a alegada violação dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da propriedade privada, da tributação pelo lucro real e da igualdade – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
(a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade, com a consequente anulação, da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2013, e dos juros compensatórios inerentes (n.ºs 2016... e 2016...), desvalor que se comunica, pelas mesmas razões, ao despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou tais atos;
(b) Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias que foram sendo pagas ao abrigo do PERES, incluindo juros de mora, mas com exclusão das custas processuais incorridas no processo de execução fiscal.
Tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 247.493,34, indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
Notifique-se.
Lisboa, 4 de outubro de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Tomás Cantista Tavares
Jorge Carita
(vencido, conforme declaração de voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Face ao solicitado pela Requerida para que se procedesse ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, este Tribunal Colectivo pronunciou-se no sentido do reenvio, tendo formulado duas questões, conforme consta da respectiva Decisão interlocutória de 22 de novembro de 2018 (Vd. págs. 24 e 25 do presente Acórdão Arbitral).
2. Aquando da prolação de tal Decisão, elaborei a Declaração de Voto, que aqui, transcrevo:
“A Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de outubro de 2009, veio a ser transposta para o direito interno, por intermédio das alterações, entre outros, dos artigos 73.º e 74.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
Esta Diretiva é “relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma SE ou de uma SCE de um Estado-Membro para outro”.
No Considerando (3) da Diretiva é desde logo admitido que:
“Disposições de ordem fiscal penalizam actualmente essas operações em relação às realizadas entre sociedades do mesmo Estado-Membro. É necessário eliminar essa penalização.”
Ou seja, esta Diretiva, que na epígrafe manifesta como preocupação as fusões (vamos só referir esta operação, embora a Diretiva abranja outras) entre sociedades de Estados-Membros diferentes, também pretende pôr fim, por via da imposição de transcrição, às penalizações que as disposições de ordem fiscal provocam nas operações, mesmo que realizadas entre sociedades do mesmo Estado-Membro, o que veio a ficar especificamente consagrado no direito interno português na alínea c) do nº. 7 do art.º 73.º do CIRC.
Não se trata, consequentemente, de estabelecer apenas regras referentes às operações transnacionais, mas inclusivamente, àquelas que se operam dentro do mesmo Estado-Membro.
Já o Considerando (7), refere especificamente a importância do regime de adiamento da tributação das mais-valias dos activos transferidos até ao momento da sua realização efetiva, desconsiderando fiscalmente a transmissão operada por via da fusão.
E o Considerando (9) refere a importância de definir o regime fiscal a aplicar a certas provisões, reservas ou prejuízos da sociedade contribuidora (sociedade incorporada).
A Diretiva também se vai preocupar com a tributação dos sócios (Considerando (10)), a transferência da sede (Considerando (11)), o reporte de prejuízos (Considerando (12)), a indicação de uma cláusula anti abuso específica (Considerando (13)), e finalmente com a dupla tributação (Considerando (14)).
Nada se refere, até aqui, especificamente, sobre o facto de todos os custos suportados pelas empresas antes da fusão, serem obrigatoriamente aceites como tal na pós-fusão.
Mas analisemos as disposições da própria Diretiva, vistos os seus Considerandos.
O Capítulo II, sob a epigrafe “REGRAS APLICÁVEIS ÀS FUSÕES, CISÕES, CISÕES PARCIAIS, ÀS ENTRADAS DE ACTIVOS E ÀS PERMUTAS DE ACÇÕES”, aborda desde logo no seu artigo 4.º, a inexistência da tributação em mais-valias, da diferença entre o valor real dos elementos do activo e do passivo transferidos e o respetivo valor final.
Depois de definir o que entende por “valor final” e “elementos do activo e do passivo transferidos”, este artigo coloca algumas condições para a aplicação da não tributação das mais-valias.
ESTÁ TRATADO O ASSUNTO DAS MAIS-VALIAS.
Vejamos o que se segue:
O artigo 5.º da Diretiva consagra que as provisões ou reservas regularmente constituídas com desagravamento parcial ou total do imposto pela sociedade contribuidora (a que transferiu o activo), com algumas excepções, sejam retomadas nas mesmas condições de isenção de imposto.
Os Estados-Membros devem tomar medidas nesse sentido.
ESTÁ TRATADO O ASSUNTO DO RECONHECIMENTO DAS PROVISÕES E DAS RESERVAS.
De seguida, o artigo 6.º da Diretiva trata do reconhecimento dos prejuízos fiscais.
ESTÁ TRATADA A QUESTÃO DA TRANSMISSIBILIDADE DOS PREJUÍZOS FISCAIS.
Analisadas ficaram as mais-valias obtidas pela sociedade beneficiária que detenha uma participação no capital da sociedade contribuidora, face ao disposto no artigo 7.º da Diretiva.
FICA TRATADO MAIS UM ASSUNTO REFERENTE ÀS MAIS-VALIAS.
A atribuição de títulos representativos de uma sociedade a sócios de outra, também não deve implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias dos sócios, de acordo com o que estabelece o artigo 8.º.
FICA TRATADO O ASSUNTO DA TRIBUTAÇÃO DOS SÓCIOS.
Terminado este Capítulo II, vejamos de que tratam os restantes Capítulos:
CAPÍTULO III – CASO ESPECIAL DA TRANSFERÊNCIA DE UM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
CAPÍTULO IV – CASO ESPECIAL DAS ENTIDADES TRANSPARENTES
CAPÍTULO V – REGRAS APLICÁVEIS À TRANSFERÊNCIAS DA SEDE DE UMA SE OU DE UMA SCE
E, finalmente, o Capítulo VI, das DISPOSIÇÕES FINAIS, aborda a matéria da cláusula específica anti-abuso, podendo os Estados-Membros recusar aplicar o benefício de todas ou parte das disposições do art.º 4.º a 14.º da Diretiva, caso se verifiquem os pressupostos para a sua aplicação.
E agora cabe perguntar, onde está tratada a garantia da permanência dos custos suportados pela sociedade contribuidora na sociedade beneficiária?
Se é custo de uma antes da fusão, tem que ser custo da outra depois da fusão?
POIS É!!! NÃO ESTÁ TRATADO.
E será que porventura estará tratado ao nível da legislação interna em Portugal?
PARECE QUE TAMBÉM NÃO!!!
É que aos artigos que foram alterados em função das alterações introduzidas, mesmo na Diretiva anterior, foram apenas os artigos 73.º e 74.º do CIRC.
Nada mexeu no art.º 23.º do CIRC, por via da aprovação desta nova Diretiva, nem aquando da anterior.
Nem esse benefício (manutenção dos custos), poderia ser recusado, por aplicação da cláusula anti-abuso, se a fusão tivesse tido como objetivo a fraude ou evasão fiscal, porque ele não consta dos artigos 4.º a 14.º da Diretiva.
Então porque é que se entende, que a não consideração de custos na sociedade incorporante de um custo que o era na sociedade incorporada, viola a Diretiva?
NÃO SEI.
Eu acho que não viola.
Mas parece que sou o único. Por isso, só posso estar errado!!!
Nem tão pouco o direito interno.
À luz do art.º 23.º não está garantido que os custos são eternos.
Uma vez custo, será sempre custo!!!
Com fusão, sem fusão, com cisão, sem cisão, com permuta de activos, sem permunta de activos, fusão Nacional ou Transnacional. Custo é custo até à eternidade!!!
Mesmo que seja para a sociedade se comprar a si mesma, recebem passivo anterior (juros), e atribuindo os activos a entidades terceiras (as suas próprias acções).
NÃO CONCORDO. PONTO FINAL.
O mesmo raciocínio poderá ser feito, analisando-se as disposições do CIRC, que refletem as preocupações comunitárias quanto à neutralidade fiscal deste tipo de operações, que naturalmente, também serão preocupações internas.
Estamos a falar do disposto nos art.ºs 73.º e 74.º do CIRC, que aliás foram decalcados da Diretiva Comunitária (na expressão utilizada na Decisão do CAAD no Proc. Nº. 521/2017-T).
O art.º 73.º do CIRC, no contexto do “Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permuta de partes sociais”, tem a epígrafe de “Definições e âmbito da aplicação”.
O que se considera por fusão, cisão, entradas de activos, permuta de acções, tal como consta do artigo 2.º da Diretiva.
Como já referimos, o n.º 7 deste art.º 73.º tem a particularidade de consagrar a aplicação deste regime, quer se trate de sociedades com sede ou direção efetiva em território português, quer em diversos Estados-Membros da União Europeia.
O n.º 10 do mesmo art.º 73.º, consagra a cláusula específica anti-abuso, expressa no artigo 15.º da Diretiva.
Já o art.º 74.º consagra os benefícios atribuídos às fusões, no contexto da mesma Diretiva.
Assim, na determinação do lucro tributável:
i). Não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão;
ii). Não são considerados como rendimentos:
a) Os ajustamentos em inventários;
b) As perdas por imparidades;
c) Outras correções de valores que respeitam a créditos e inventários;
d) Os proveitos relativos a obrigações e encargos objeto de transferência.
(Na senda do que se encontra expresso no artigo 4.º da Diretiva)
O n.º 2 do art.º 74.º refere a não aplicação da presente regra em caso de transferência de estabelecimento para uma sociedade residente noutro Estado-Membro e o n.º 3 impõe como regra para aplicação do regime que a sociedade beneficiária mantenha, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais transferidos, ao mesmo valor que tinham na sociedade donde são provenientes.
(na senda do que se encontra referido no artigo 4.º da Diretiva)
No n.º 4, referem-se as regras de determinação do lucro tributário, que transcrevemos:
“a) O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de ativos;
b) As depreciações ou amortizações sobre os elementos do ativo fixo tangível, do ativo intangível e das propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico transferidos são efetuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora;
c) Os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que foram transferidos têm, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora.”
De seguida, o n.º 5 consagra as regras referentes às mais-valias, do seguinte modo:
“Para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade contribuidora, as mais-valias ou menos-valias realizadas respeitantes às partes de capital social recebidas em contrapartida da entrada de ativos são calculadas considerando como valor de aquisição destas partes de capital o valor líquido contabilístico aceite para efeitos fiscais que os elementos do ativo e do passivo transferidos tinham nessa sociedade antes da realização da operação.”
E depois de referir os efeitos da participação pela sociedade beneficiária de uma participação no capital da sociedade fundida (no n.º 6, analisa o inverso no n.º 7)
E onde é que aqui vêm referidos os custos dos financiamentos no antes e pós fusão?
EM LADO NENHUM.
Só mesmo no próprio art.º 23.º do CIRC.
E nem se diga que tal imposição, resulta do disposto no Considerando (2) da Diretiva, que diz o seguinte:
“As fusões, as cisões, as cisões parciais, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo o bom funcionamento daquele mercado interno. Essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros. Importa, por conseguinte, prever, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional.”
E a análise que se faz nestes moldes, também poderá ser feita no contexto da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, que a actual revogou.
E o que acontece é que o art.º 23.º do CIRC, nas suas diversas versões, nunca foi revisto tendo em consideração o regime especial aplicável às fusões que vimos abordando.
Consequentemente, a sua aplicação é uma questão estritamente de direito interno, não pondo em causa a interpretação e aplicação de uma qualquer diretiva comunitária.
Não estamos, por isso, perante uma situação em que seja de algum modo necessário/imposto o reenvio prejudicial para o TJUE.
Nada existe na legislação nacional ou comunitária que imponha que um custo, fiscalmente aceite, na sociedade incorporada, antes de uma operação de fusão, tenha que o ser, na sociedade incorporante, após a fusão.
E se assim não for, não fica em causa de modo algum o princípio da neutralidade fiscal, porque esse é protegido e salvaguardado de acordo com outras regras, bem definidas, tanto na legislação interna, como na legislação comunitária, que evidenciou especificamente as regras que em princípio seriam aplicáveis nessas operações, caso não fossem derrogadas pelo direito interno.
Tanto o legislador comunitário como o nacional entenderam que para garantir a neutralidade fiscal às fusões, imperioso se revelava introduzir distorções na tributação regra, ao nível do apuramento das mais-valias, das provisões, reservas e prejuízos das sociedades, bem como da tributação das pessoas dos sócios, a transferência das sedes das sociedades, e a necessidade de evitar a dupla tributação, tudo isto protegido pela possibilidade de aplicação de uma cláusula especifica anti-abuso, quanto os objetivos da operação tenham sido a fraude ou a evasão fiscal.
Ninguém está preocupado com a manutenção dos custos, a todo o custo, no antes e no pós fusão.
Nem o legislador comunitário.
Nem o legislador nacional.
Nem, consequentemente o TJUE, como ficará demonstrado, quando o mesmo se recusar a conhecer do pedido de reenvio prejudicial efetuado pelos Tribunais Portugueses, neste caso o CAAD.
Razão pela qual não posso acompanhar a presente decisão de proceder ao reenvio prejudicial.
Importa ainda referir que o art.º 23.º do CIRC é uma norma do direito interno, diretamente aplicável à actividade das empresas, de extrema importância para determinação do lucro tributável.
É, sabidamente, uma normal potencialmente geradora de naturais conflitos entre a Autoridade Tributária e o contribuinte, num balanceamento entre os interesses manifestamente antagónicos de ambas as partes, nesta relação fiscal permanente.
Todos os dias, em milhares de empresas, o art.º 23.º está a ser interpretado e aplicado.
Neste caso concreto, importa fazer essa interpretação e consequentemente a aplicação da lei, em dois momentos diversos.
Isto, porque a vida das empresas é dinâmica, e circunstâncias várias podem ditar que uma determinada despesa possa hoje ser considerada com “Gastos e Perdas” e amanhã já não.
Mesmo admitindo a lógica da continuidade empresarial relacionada com os princípios gerais da fusão, a situação da sociedade incorporada e da sociedade incorporante, antes e depois da concretização da operação de fusão, é manifestamente diferente.
Antes da operação de fusão, a sociedade que mais tarde veio a ser a incorporada defrontava-se com o seguinte raciocínio:
Suportou encargos financeiros com os empréstimos obtidos para aquisição das participações financeiras numa sociedade. O que fazer?
Importa desde logo esclarecer que no momento em que os custos forem contraídos de início, aparentemente não se colocava qualquer questão relacionada com fusões, futuras sociedades incorporadas ou incorporantes.
Isto embora seja perfeitamente percetível, e ninguém o nega, que se tratou da concretização de um projeto de reestruturação empresarial, no âmbito da intervenção de um Private Equity, com um planeamento que vai desde a primeira operação, até à concretização final da fusão.
Mas uma sociedade financiou-se, por duas formas diferentes – suprimentos da casa mãe e empréstimos bancários – para aquisição de uma participação financeira, ou melhor da totalidade do capital social de uma empresa comercial.
Não se levantam dúvidas quanto à consideração fiscal dos encargos financeiros daí decorrentes.
É o que resulta do encaixe do gasto no disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que na última redação (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), aceita como tal os suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
E quais são os rendimentos que estão aqui em causa?
Os decorrentes da sua actividade comercial? Não.
Os resultantes dos dividendos recebidos da sua sociedade participante, isso sim!!!
Em conjugação, com as eventuais mais-valias resultantes da alienação de tais participações.
Sempre dentro da especificação e enquadramento no n.º 2, alínea c) do mesmo artigo 23.º do CIRC, que considera desde logo abrangidos na definição genérica do n.º 1 desse artigo alguns gastos, como os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração.
Tudo no contexto do seu objeto social, que recorde-se, é o seguinte:
“Distribuição e divulgação de folhetos, promoções comerciais e publicitárias, acções de marketing e comunicação.”
Este o primeiro momento relevante para aferir da dedutibilidade dos juros suportados em face da obtenção de suprimentos e do empréstimo bancário por si contraído, tendo por escopo a aquisição de uma participação financeira relevante.
Precisámos até aqui da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, para analisar esta questão?
É EVIDENTE QUE NÃO.
Trata-se da interpretar e aplicar uma norma de direito interno, que em nada colide ou fica dependente de qualquer análise em sede de direito comunitário.
Passemos então ao segundo momento.
Para lá chegar, foi concretizada uma operação de fusão, por intermédio da qual a sociedade requerente, absorveu por incorporação a sociedade B..., S.A., que detinha a totalidade do seu capital social, tendo a sociedade incorporada sido extinta por via dessa mesma incorporação.
Esta operação arrastou os encargos financeiros que até aí vinham sendo suportados pela sociedade incorporada, para adquirir o capital social da sociedade incorporante.
E o que mudou então!
A lei não mudou.
É rigorosamente a mesma.
Continuamos a estar no domínio da interpretação e aplicação do art.º 23.º do CIRC.
O que mudou, desde logo, foi o objeto social da sociedade que se vê agora obrigada a suportar os juros de empréstimos contraídos por entidades terceiras para procederem à sua própria aquisição.
E esse objeto social, passa a ser o seguinte:
Agências de Publicidade” CAE 73110
Diferente passou a ser a perspetiva de análise dos gastos financeiros, encaixados numa sociedade com um objeto social diferente daquele donde eles são provenientes e foram por esta herdados.
E este custo passou o crivo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC?
Muito se tem escrito sobre isso.
Sigo aqueles que defendem que este gasto, assim enquadrado, não passa no crivo daquela disposição legal. Ou seja,
Não se trata de um gasto suportado pela empresa para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Era necessário e imprescindível para esta sociedade obter os seus rendimentos resultantes de uma actividade comercial – Agências de Publicidade -, recorde-se – os juros que suportou de financiamentos de milhares de euros? Não.
Ela conseguiria garantir os rendimentos sujeitos a IRC – “Agências de Publicidade” - mesmo que não tivesse que suportar esses juros. Claro que sim!!!
Ela vai obter mais-valias de venda da sua própria participação, cujos juros agora suporta?
É evidente que não. Embora tivesse herdado o passivo e não o activo (acções pertencentes a entidade terceira).
Ela vai obter dividendos por si própria distribuídos? É evidente que não.
Então, como é que podemos continuar a entender que o gasto continua a ser considerado como tal para efeitos fiscais? Não podemos.
E podemos considerar que estes gastos de natureza financeira, são “juros de capitais alheios aplicado na exploração”.
Podemos, já vi escrito que sim, mas teríamos que distorcer por completo aquilo que o legislador quis dizer com “Exploração”.
A sociedade precisava daquele capital para continuar em laboração activa? Não.
A sociedade aplicou aquele “capital alheio” na constituição de novas instalações ou aquisição de novos equipamentos? Não.
Então porque não aplicar a simples lógica das coisas e parar de teorizar?
E tudo terá que ser diferente só porque se chaga lá por via de uma operação de fusão? Evidentemente que não.
E se não se tivesse chegado lá por via da fusão, os gastos financeiros seriam na mesma, considerados como dedutíveis para efeitos fiscais?
Ninguém teria dúvidas em responder que não.
Então será a fusão, que limpa, transveste, a natureza dos juros?
Parece que sim.
Ou seja, os juros são custo e continuam a sê-lo, face à interposição de uma operação de fusão.
A cobro da neutralidade da fusão (que na nossa opinião não abrange este tipo de custos), tem que se passar a aceitar este tipo de encargos como custo fiscal?
Não nos parece de “bom tom”.
Este é o segundo momento relevante para aferir a dedutibilidade dos juros suportados com a obtenção de suprimentos e de empréstimos bancários, contraídos por terceiros, que tiveram como escopo a aquisição da sociedade incorporante, tudo em momento anterior à fusão.
E precisámos ainda aqui da Diretiva 2009/133/CE do Conselho para analisar esta questão?
É EVIDENTE QUE NÃO.
Trata-se da interpretação e aplicação uma norma de direito interno, que em nada colide ou fica dependente de qualquer tipo de análise em sede do direito comunitário.
Razão pela qual, reafirmo, com o devido respeito, que não posso concordar, com a necessidade, ou o imperativo, de reenvio prejudicial, ao abrigo do art.º 267.º do TJUE.”
3. Desde essa altura a situação processual teve a evolução que consta desta Decisão Final e que transcrevo:
“Como acima referido, o TJ, no processo C-438/18, respeitante a outro processo arbitral (C-521/2017-T) onde se suscitaram as mesmas questões veio clarificar que, no quadro do Direito Europeu, não existe oposição à não dedutibilidade dos juros, conformação que se enquadra, na interpretação daquele Tribunal, na esfera de competência dos Estados-Membros.” (Vd. pág. 25 da presente Decisão Arbitral)
Ou seja, o Estado Membro Portugal tem competência para decidir pela não dedutibilidade dos juros em questão, em nada afrontando o Direito Europeu, tal como nos tínhamos expressado na declaração de Voto supra transcrita, em manifesto desacordo com a maioria daqueles que escreveram sobre o tema.
Em tal Decisão, o Governo Alemão e Italiano e a Comissão Europeia manifestaram desde logo a sua posição no sentido de que “… a disposição final em causa no processo principal, a saber, o art.º 23º. do CIRC, não transpõe qualquer disposição do direito da União para direito interno.” (vd. Ponto 34 in fine da Decisão do TJUE no Proc. C-438/18 – Galeria Parque Nascente
Verdade de difícil compreensão em Portugal…..
E mais adiante, a mesma Decisão refere que a matéria do art.º 23º. do CIRC “…não é abrangida por nenhuma das situações previstas pela Directiva 90/434… (Ponto 49 in fine da Decisão acima referenciada).
E conclui do seguinte modo:
“50. Por conseguinte, por força do princípio da autonomia fiscal dos Estados Membros, cabe a estes determinar, no respeito do direito da União, se e, sendo caso disso, em que condições os gastos incorridos por uma sociedade podem ser dedutíveis do seu rendimento tributável (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de outubro de 2014, van Caster, C 326/12, EU:C:2014:2269, n.º 47, e de 14 de março de 2019, Jacob e Lennertz, C 174/18, EU:C:2019:205, n.º 30 e jurisprudência referida). Daqui resulta que a Diretiva 90/434 não se opõe a uma legislação fiscal como a que está em causa no processo principal.” (Ponto 50 da Decisão do TJUE).
Tendo a final decidido:
“A Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes e à transferência da sede de uma Sociedade Europeia (SE) ou de uma Sociedade Cooperativa Europeia (SCE) de um Estado‑Membro para outro, conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que leva a que não sejam considerados fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido.”
O processo foi arquivado pelo TJUE em 25 de agosto de 2019, conforme notificação recebida em 16/09/2019.
4. Assim, tudo permanecendo no domínio da lei interna, ou seja da interpretação e aplicação do art.º 23º. do CIRC, sem qualquer violação da princípio da neutralidade fiscal, porquanto a matéria dos custos fiscalmente dedutíveis está indiscutivelmente afastada dessa neutralidade, manifestando-se plenamente legal, a decisão da AT portuguesa de não aceitação de determinados custos como fiscalmente relevantes, no que àquele princípio comunitário transcrito para a ordem interna diz respeito.
Por isso, na Decisão deste Colectivo, se consagrou o seguinte:
“Nestes termos, afastado o argumento da falta de neutralidade e incompatibilidade com o Direito Europeu, resta determinar se, no caso sob apreciação, ocorre a falta de conexão dos gastos financeiros que a Requerente passou a suportar, em decorrência da fusão inversa, com a sua atividade e interesse social, à luz do artigo 23.º do Código do IRC.” (Vd. pág. 25 da presente Decisão Arbitral).
5. E é aqui que deixamos novamente a nossa discordância relativamente ao modo como o presente Tribunal respondeu a esta questão.
6. E resultando a nossa posição, não tanto do desencontro com a jurisprudência/doutrina referenciadas (embora as posições não sejam uniformes), mas mais do modo como se avaliam os factos, se interpreta o direito, e se faz a sua aplicação concreta.
Por exemplo
Quando se transcreve o Acórdão do STA, tirado no Proc. 01236/05, de 29 de março, que refere:
A “Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença que eles foram incorridos para além do objecto social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa” (Vd. pág. 26 do presente Acórdão Arbitral).
Ora, na aplicação desta jurisprudência ao caso concreto, sou de opinião que os juros em causa foram incorridos:
a). Muito para além do objecto social – “Publicidade”;
b). Na prossecução de outros interesses, que não os da empresa - “interesses de terceiros”, vg. os accionistas da Requerente;
c). Fora das necessidades e capacidades objectivas da empresa – A empresa tem autonomia e objectivos próprios, que pode prosseguir, sem necessidade de ter de pagar os custos da sua própria aquisição.
Daí que não se compreenda como é que este Acórdão do STA é utilizado para favorecer a tese da presente Decisão Arbitral.
7. E, mais adiante, quando o Acórdão do STA, tirado no Proc. Nº. 107/11, de 30 de novembro, se refere que:
“E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Vd. pág. 27 do presente Acórdão Arbitral)
Não compreendo como é que um “prejuízo” anual de quase um milhão de Euros (€ 1.000.000,00), pode visar o lucro, se lhes dá um rombo colossal….
E garantido durante vários anos.
Com todo o respeito parece-me uma solução excelentemente norteada pela teoria, sem que verdadeiramente se tenha em conta o que aconteceu no caso dos autos. Não se está a fazer, como deveria ser feita, uma justiça do caso concreto…
8. E esta Decisão Arbitral cita logo a seguir o Prof. Tomás Cantista Tavares, quando este afirma que tal “…dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.”.
Pergunto:
O que é que 850 mil euros de custos com a compra do seu próprio capital tem a ver com a actividade produtiva da empresa?
Nada. Absolutamente nada,
Por isso, não compreendo o sentido desta decisão, ainda para mais com estes fundamentos, onde parece haver um desfasamento entre o sentido dessa fundamentação, os princípios aplicáveis, a jurisprudência invocada, a doutrina seguida, por contrapartida com a Decisão final tomada.
9. Ainda para mais, quando mais adiante se refere o seguinte:
“Por outro lado, a construção jurisprudencial reclama um nexo de imputação subjetiva que está implícito na relação exigida entre o gasto e a atividade. É que essa ligação tem que ser feita com a atividade especifica do sujeito passivo e não com outra atividade qualquer, designadamente dos seus sócios ou terceiros.” (Vd. pág. 28 do presente Acórdão Arbitral). (negrito nosso). A que actividade especifica nos estamos a referir? E há ou não sócios que correm em pistas paralelas?
10. Diga-se até que considero a questão dos autos, confrontada com os exemplos que vêm citados nos Acórdãos referenciados, compara melhor com aqueles e que os custos não são aceites.
Estamos a falar das seguintes situações:
“No primeiro caso, tratando-se de uma sociedade gestora de participações sociais, a decisão de efetuar a prestação suplementar é qualificada pelo STA como exercício da [sua] atividade empresarial de gestão dessas mesmas participações, sendo os gastos associados dedutíveis fiscalmente. Porém, no segundo caso, de uma sociedade cuja atividade é imobiliária, não sendo prosseguido o fim social de detenção e gestão de participações sociais “as operações de financiamento seja das empresas suas participadas seja de qualquer outra empresa são assuntos que dizem respeito a essas sociedades participadas e empresas, não integrando o fim social”, pelo que o “reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efetuadas pela impugnante não são exercício da atividade empresarial da […]” e, em consequência, “os custos que incorram com essas ou por causa da realização de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.” (Vd. pág. 29 do presente Acórdão Arbitral).
Determinado custo só faz sentido em função de determinado objecto ou escopo social, e a sua dedutibilidade pode variar em função desse objecto.
E continua a presente Decisão Arbitral:
“De onde se conclui que o teste da indispensabilidade é aferido “perante o objeto e escopo societário e a congruência económica da operação”, encerrando assim uma conexão subjetiva do gasto com o interesse da própria empresa que o suporta e não com o interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou de terceiros. Os gastos têm de ser imputados à atividade da própria entidade delimitada pelo seu objeto social (também neste sentido, o Acórdão do TCAS n.º 01276/06, de 16 de outubro de 2007).” (Vd. pág. 29 e 30 do presente Acórdão Arbitral).
Qual a congruência económica de uma operação em que uma empresa suporta os custos da aquisição por terceiros (os seus novos accionistas) do seu capital social, ainda para mais quando se afirma que tem que existir uma conexão subjectiva do gasto com o interesse da própria empresa, e nunca com os interesses de terceiros, como são os seus próprios accionistas…. Não compreendo.
A aplicação deste entendimento no caso concreto, conduziria, na nossa opinião, a uma decisão em sentido contrário àquele que veio a ser seguido.
11. Relativamente à questão do âmbito temporal de aplicação do conceito de indispensabilidade, abordado entre as páginas 30 e 35 da presente Decisão Arbitral, apesar da melhor jurisprudência citada, também não acolhemos a posição deste Tribunal Arbitral, como já o deixámos expresso na nossa Declaração de Voto acima transcrita.
Admitindo até a perigosidade da aplicação desta posição, porquanto aí se conclui que:
“Destarte, para aferir da admissibilidade da consideração da relevância fiscal do pagamento de juros é mister analisar a operação subjacente que a eles deu origem, ou seja, esta vai depender, não do momento em que estes se vencem ou são pagos, mas da eventual conexão com os proveitos existente no momento em que a obrigação destes nasce - a contração do mútuo oneroso que a eles dá lugar.
[…]
Donde assoma a conclusão que essa conexão entre a fonte geradora dos gastos e a potencial formação de proveitos tributáveis em sede de IRC/manutenção da fonte produtora, deve ser aferida tendo como referência o momento em que são contraídos os empréstimos e não no momento de vencimento dos juros.
ln casu, essa conexão existe e não é questionada pela Autoridade Tributária. Emergindo, assim, a evidência que os gastos devem ser considerados.
Acresce que é incontroverso nos autos que a "B…………, S.A." antes da incorporação podia deduzir os encargos/gastos dos financiamentos obtidos, porquanto a aquisição do capital social da Impugnante era suscetível de gerar proveitos na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais de uma eventual alienação da sua participação.
Com a operação de fusão esse direito à consideração fiscal dos gastos não se extingue, por efeito da fusão, pelo contrário, ope legis, mantém-se e surge, desta feita, na esfera jurídica da Impugnante.” (Vd. pág. 32 do presente Acórdão Arbitral).
Continuo a não compreender como é que a dedutibilidade dos encargos em causa deve ser aferida apenas no momento em que são contraídos os empréstimos, quando o que estamos a falar é de juros, que esses sim é que têm que passar pelo crivo da dedutibilidade.
Uma empresa compra aviões contraindo para o efeito um empréstimo junto de um sindicato bancário. Vende os aviões, mas assume perante o comprador a continuidade do pagamento do empréstimo. E passa a comprar pneus. Esses juros continuam a ser dedutíveis, quando a sua actividade mudou radicalmente… Pensamos que não.
Ou seja, o critério também pode e deve ser aplicado, por factos e circunstâncias que surjam após o momento da obtenção do crédito.
É o que acontece no caso dos autos.
Ninguém tem dúvidas de que, no momento em que os empréstimos (bancários e suprimentos), são contraídos, os juros são manifestamente dedutíveis.
Factos ocorridos posteriormente podem vir a afastar essa conclusão. Os critérios definidos pelo art.º 23º. do CIRC aplicam-se ano a ano e não para a vida (mesmo aqueles que dizem respeito, por exemplo, ao período de vida útil dos bens).
Porque razão é que só este critério há-de ter duração eterna….
(ver o outro voto de vencido) pág. 37 desta decisão
12. Vejamos agora, o que se nos oferece dizer quando o Douto Acórdão Arbitral entra na sua fase decisória) (vd. pág. 35 a 39 do presente Acórdão Arbitral, nomeadamente os seus últimos 4 parágrafos).
Com todo o respeito, que é muito, pela posição que faz vencimento neste Tribunal, não posso concordar que a ligação directa entre os juros e o objecto social (Ditada e interpretada pela nossa melhor jurisprudência), se dê por verificada no caso concreto face à:
a). Identidade do objecto estatutário da Requerente e da sua acionista B...;
b). A forma como os encargos foram assumidos.
(Vd. pág. 38 do presente Acórdão Arbitral).
Não é a identidade do objecto entre as duas sociedades que está em causa, mas sim a relação ente o objecto social da Requerente e o gasto em causa (encargos com a compra de si própria).
E quanto à forma como os encargos foram assumidos (fusão), é sabido que não é atribuída à fusão efeitos fiscais imperativos em matéria de custos. Custos antes da fusão, não têm que ser obrigatoriamente custos depois da fusão….
Foi o TJUE que o disse.
13. Por outro lado, mais adiante na Decisão Arbitral escreve-se o seguinte.
No tocante ao momento temporal para aferir a relação exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, os Tribunais superiores têm entendido que deve ser aquele em que os empréstimos foram contraídos, concluindo que, se a sociedade incorporada tinha o direito de relevar os encargos financeiros na sua matéria tributável, esse direito persiste, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, a aqui Requerente3 (Vd. pág. 38 do presente Acórdão Arbitral).
_____________________________
3 Embora, à face da pronúncia do TJ no reenvio prejudicial suscitado no presente processo (C-438/18), não se possa afirmar, como nessa jurisprudência, a violação de princípio ou norma de Direito Europeu. (negrito nosso)
Aí se consagra o princípio da vida eterna para os juros, pois se entende que o direito à sua dedutibilidade persiste, ope legis, por via da fusão.
E então a jurisprudência comunitária que consagra a liberdade de os Estados Membros consagrarem diferentes dedutibilidade antes e depois da fusão?
Parece-me que tal orientação não foi tida em conta na presente Decisão Arbitral.
É curioso que se saiba, como refere a presente Decisão (Vd. pág. 39 do presente Acórdão Arbitral) que o que gera dedutibilidade dos juros antes da fusão, fosse o facto de tais encargos serem susceptíveis de gerar rendimentos “… na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais (valias) de uma eventual alienação da sua participação”
E quando a possibilidade de gerar tais rendimentos desaparece, o custo continua a ser dedutível!!!!
Ou seja, faz-se uma justa repartição da riqueza:
Os dividendos e as mais valias de um lado e os custos do outro…
Então se opera ope legis, os fundamentos da dedutibilidade, no mínimo, deveriam manter-se também os anteriores, para se ser custo, antes e depois da fusão.
Ou seja, a transformação dos possíveis rendimentos por parte da Requerente (eventuais dividendos, mais-valias), numa miragem, é perfeitamente irrelevante sob o ponto de vista fiscal.
14. Respeitosamente também não posso concordar com a irrelevância atribuída por esta Decisão ao facto do lucro tributável da Requerente diminuir anualmente em quase um milhão de euros.
Nesta Decisão, tal questão passa a ser irrelevante apenas porque a AT não aplicou a cláusula anti abuso prevista no artº. 75º., nº. 10 do CIRC. Não me parece que seja argumento suficiente.
E então quando se refere que estes custo tem que ser enquadrados no escopo da empresa, que é o lucro e este procedimento tem por escopo o prejuízo…..
15. Como também não posso concordar que a tese da Requerida fique inviabilizada porque esta não aplicou a cláusula anti abuso “… que permite que o regime de neutralidade seja afastado quando se constate abuso, pelo que não cabe nos poderes de cognição e pronúncia deste Tribunal Arbitral aferir tal questão.” (Vd. pág. 39 do presente Acórdão Arbitral).
Primeiro, nunca a Requerida solicitou tal apreciação.
A sua opção quanto à fundamentação da liquidação, sempre foi a violação do disposto no art.º 23º. do CIRC e finalmente,
A não dedutibilidade em causa não afecta, de modo nenhum, o princípio da neutralidade, conforme ficou confirmado pela Decisão do TJUE.
E é isso que impede este Tribunal Arbitral de decidir? Utilizando argumentos sobre os quais não foi chamado a pronunciar-se e que deixaram de estar em causa nos presentes autos partir da Decisão do TJUE?
Razões pelas quais não posso acompanhar a Decisão deste Colectivo.
Lisboa, 4 de outubro de 2019
(Jorge Carita)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente Declaração de voto rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico.