DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 04 de Outubro de 2018, Fundo Aberto de Investimento Imobiliário A..., NIPC ..., com sede ... - ... - ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") e de Juros de IVA, Juros Compensatórios e Juros de Mora, na parte correspondente ao montante total de € 417.112,14:
i. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 03T/2013, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 252.756,21;
ii. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 06T/2013, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 115.230,75;
iii. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 09T/2013, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 4.649,61;
iv. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 03T/2013 (Juros de IVA), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 46.368,64;
v. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 06T/2013 (Juros de IVA), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 19.964,91;
vi. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 09T/2013 (Juros de IVA), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 759,22; e,
vii. Liquidação n.º 2017..., relativa ao período 12T/2013 (Juros Compensatórios e de Mora), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 2.955,19.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
a. Relativamente às discrepâncias entre as Declarações Periódicas e o sistema e-factura, não obstante as irregularidades verificadas, em algumas situações, no procedimento declarativo de liquidação do IVA adoptado pelo Fundo, resulta demonstrado que este jamais incumpriu com a sua obrigação de entrega da prestação tributária no âmbito das operações realizadas em 2013, sendo que, no limite, o Fundo liquidou IVA a mais do que efectivamente teria de entregar nos cofres do Estado;
b. Relativamente à liquidação de IVA nas operações de aquisição de serviços de construção civil, o entendimento acolhido pela AT é manifestamente atentatório dos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade que devem subjazer à análise casuística que se impõe in casu, com a consequente violação dos princípios da segurança jurídica e protecção da confiança, assim como, dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, já que o facto de a situação cadastral do Fundo, verificada até ao ano 2017- i.e. sujeito passivo isento de IVA - não se ter devido, em nenhum momento, a um acto cuja responsabilidade se possa imputar na sua esfera, mas tão somente à AT, e sendo que o IVA foi sempre liquidado e pago, integral e atempadamente, pelos seus prestadores - facto este que a AT não contesta;
c. Relativamente à situação a que se refere a alínea anterior, argui, ainda a Requerente, a ilegalidade por duplicação de colecta;
d. Relativamente à dedução do IVA na aquisição de serviços de construção civil, afigurar-se-á contrária ao sistema comum do IVA a limitação pretendida pela AT, no sentido de negar o direito à dedução do imposto incorrido pelo Fundo na aquisição de recursos para a realização das suas operações tributadas, ainda que a liquidação do IVA nessas operações tenha, por erro desculpável, seguido o regime regra de liquidação de imposto, ao contrário do regime do reverse charge;
e. Relativamente ao IVA regularizado a favor do sujeito passivo, através do alegado incumprimento dos requisitos formais do artigo 78.º do Código do IVA, sustenta a Requerente que o cumprimento do requisito em apreço se verificou no decurso da acção inspectiva, o que é reconhecido pela AT no Relatório de Inspecção Tributária.
f. Relativamente ao IVA nas operações de aquisição de electricidade, refere a Requerente que o total apurado pela AT considera em duplicado o montante de € 4.409,66, relativo a uma factura da B..., SL (...), e que o Fundo regularizou IVA a favor do Estado, no campo 41, da declaração periódica de IVA do 1.º trimestre de 2013, o valor de € 31.129,30, pelo que o Fundo entregou, na realidade, IVA em excesso no valor de € 8.221.85.
g. Relativamente às situações em que entendeu a AT que o Fundo deduziu IVA indevidamente no âmbito de facturas nas quais não constava como entidade adquirente das operações subjacentes às mesmas, entende a Requerente estarem reunidos os requisitos materiais para que assistisse na esfera do Fundo o direito a deduzir o IVA contido nas facturas de aquisição de electricidade em análise;
h. Relativamente às regularizações de IVA a favor do Estado com referência a deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais, nos termos do artigo 26.º do Código do IVA, considera a Requerente que, em momento algum, recaiu sobre a esfera do Fundo uma obrigação de regularizar, a favor do Estado, o IVA deduzido relativamente às lojas vagas no Centro Comercial de ... .
3. No dia 08-10-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 27-11-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 17-12-2018.
7. No dia 01-02-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- O Fundo, gerido e administrado pela Requerente, é um fundo de investimento imobiliário aberto, com duração indeterminada, que iniciou a sua actividade em 3 de Novembro de 1991 e, no âmbito da sua actividade, compra, vende e arrenda bens imobiliários que detém, para esse efeito, estando cadastrado sob os CAE n.ºs 68100 e 68200.
2- Em 27 de Outubro de 2005, o Fundo entregou uma “Declaração de Início de Actividade”, no âmbito da qual declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA.
3- Na referida declaração foram preenchidas as opções seguintes do respectivo Quadro 11:
i. Alínea A, Campo 1 – “Transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução” – e Campo 2 – “Transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução”;
ii. Alínea B, Campos 3 e 6, relativos à opção do método da afectação real para efeitos de dedução do IVA suportado nas operações tributárias realizadas pelo Fundo.
4- No âmbito da sua actividade corrente, o Fundo realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, como seja a exploração de centros comerciais, parques de estacionamento e gestão de imóveis com e sem renúncia à isenção do IVA.
5- O referido registo de início de actividade foi oportunamente validado pela Direcção de Registo de Cadastro.
6- A AT enquadrou o Fundo no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA, através do preenchimento do Campo 5 do Quadro 10 da declaração – “Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentos que não conferem o direito à dedução (art. 9.º)”.
7- Tal situação foi oficiosamente rectificada em 2017, através de um Boletim de Alteração Oficiosa, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2013.
8- A partir da aludida data, o Fundo passou a estar enquadrado nos registos da AT como um sujeito passivo misto, abrangido pelo regime normal trimestral do IVA.
9- Em 29 de Agosto de 2016, a AT emitiu a Ordem de Serviço n.º 2016..., dando início a uma acção inspectiva externa e parcial, tendo em vista a averiguação dos procedimentos adoptados pelo Fundo, em sede de IVA, durante o ano de 2013.
10- Os actos de inspecção externos foram iniciados com a assinatura da Ordem de Serviço pelo sujeito passivo no dia 22/03/2017, tendo a sua conclusão ocorrido no dia 14/11/2017.
11- Atendendo à complexidade e ao volume das operações, bem como o enquadramento fiscal das mesmas, foi solicitada a competente autorização para a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção por um período de 3 meses, o qual foi comunicado ao sujeito passivo através de ofício com a referência ..., de 2017/08/28.
12- Na sequência da referida acção de inspecção, após ter exercido o correspondente direito de audição sobre as correcções então propostas, o Fundo viria a ser notificado do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), no âmbito do qual a AT consolidou o entendimento anteriormente sufragado no âmbito do Projecto de Relatório.
13- Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:
“II.3.1. “Ação inspetiva externa ao Ano de 2015 – OI2016...
Face à relevância dos factos apurados, e para uma melhor compreensão dos procedimentos adotados pela AT no decurso desta ação inspetiva ao ano de 2013, é relevante relatar alguns dos factos apurados no decurso da ação inspetiva externa ao ano de 2015, cujo procedimento já se encontra concluído.
Para o ano de 2015, no decurso dos procedimentos instituídos pela AT, da análise às divergências detetadas no sistema, em sede de IVA no E-fatura tipo F02 – “IVA liquidado nas faturas superior ao IVA liquidado na Declaração Periódica do período”, resultaram liquidações trimestrais adicionais de IVA para o ano de 2015, em nome do Fundo.
A divergência em causa foi apurada pela comparação do somatório das faturas comunicadas através do ficheiro SAFT1 pelo sujeito passivo e o preenchimento dos Campos 1 e 3 – “Base Tributável” e Campo 2 e 4 – “Imposto a favor do Estado” da Declaração Periódica, para o período o ano de 2015.
Desta análise resultou igualmente a proposta para a realização de uma ação de inspeção, para o ano de 2015, com a abertura de uma ordem de serviço com o no OI2016... .
II.3.1.1. Descrição dos factos apurados – Ano de 2015
A ação de inspeção visava, designadamente, analisar a divergência detetada pelo sistema do E-fatura, que alertava para o facto do IVA liquidado nas faturas, declarado à AT através do ficheiro de comunicação obrigatória, ser superior ao IVA liquidado e inscrito na Declaração Periódica (DP) para o ano de 2015.
Considerou-se que a situação se deve à duplicação parcial da faturação, consequência de operações internas, para as quais o Fundo utiliza como documento de suporte interno faturas que emite e comunica à AT, sem que esteja subjacente qualquer operação real.
No caso em apreço, importava determinar se as faturas emitidas com o emolduramento de operações “Internas” pelo sujeito passivo, consubstanciam ou não operações sujeitas a IVA, na aceção do Código do IVA, bem como, se existia imposto em falta pelo Fundo.
Verificou-se que a irregularidade está subjacente à gestão e organização do Fundo, e ao procedimento de faturação dos rendimentos de um dos imóveis detidos e geridos por este Fundo, o Centro Comercial de ... (abreviadamente designado por C. C. ...).
O C. C. ... é propriedade do Fundo, mas a gestão do imóvel está a cargo de uma empresa contratada para o efeito, a C..., Unipessoal, Lda (doravante designado C...), com o NIF ... . Os serviços prestados pela C... incluem, nomeadamente, o contacto com os lojistas e a emissão das faturas aos lojistas (faturas de renda, avenças de parqueamento e de imputação dos encargos comuns pela ocupação do espaço comercial).
O programa de faturação utilizado pela C... é detido pelo Fundo, com uma numeração própria, sendo o programa manuseado pela C... .
O Fundo A... opera com dois programas de faturação certificados:
- N.º 141/AT – programa certificado emitido em nome do Fundo pela C..., referente ao C. C. ..., com a referência inicial das faturas “T01” e “T03”; e
- N.º .../AT – Um sistema informático central, gerido pela sociedade gestora do Fundo, que suporta integralmente a contabilidade e a valorização dos Fundos Imobiliários “com referência inicial das faturas “SAFT RC2013”.
Por limitações do programa aglutinador da contabilidade, que não consegue absorver as faturas emitidas pela C... referentes ao C. C. ..., entendeu o SP emitir faturas globais mensais para a integração das rubricas das rendas dos lojistas, das avenças de parqueamentos cobrados e da imputação dos encargos com água, luz e restantes encargos com as remunerações aos lojistas.
As faturas que, de acordo com o sujeito passivo, consubstanciam meras “operações internas”, eram emitidas em nome e por conta do sujeito passivo a D...– Gestão de Fundos de Investimentos Imobiliários, SA, com o NIF ..., que foi extinto no âmbito do processo de fusão. Corroborou-se essa informação com recurso à consulta da base de dados da AT, na qual consta que o sujeito passivo D...– Gestão de Fundos de Investimentos Imobiliários, SA cessou a sua atividade por Fusão/Cisão, com efeitos a 2004/12/23.
Entende a A... que, estando a sociedade D... cessada e ao não exercer a dedução do imposto liquidado nas faturas, que o efeito em termos de imposto por si liquidado seria neutro, tendo recorrido ao expediente da emissão de faturas para justificar “operações internas”.
Para a AT a utilização de faturas, como documento contabilístico de suporte, com a respetiva liquidação de IVA a título de operações internas, consubstancia uma utilização indevida de documentos fiscalmente relevantes. A fatura é de emissão obrigatória por cada transmissão de bens, ou prestação de serviços e a sua emissão tem subjacente a obrigação de liquidar e de pagar o imposto.
Contudo, considera-se que as operações descritas não reúnem um dos pressupostos da incidência objetiva (al. a) do n.º 1 do art.º 1º do CIVA), ou seja, não consubstanciam uma prestação de serviços a título oneroso.
No âmbito do procedimento inspetivo, apurou-se que as liquidações adicionais de imposto resultam da duplicação do imposto liquidado, nas operações designadas como “internas” e que não consubstanciam operações de prestações de serviço na aceção do CIVA, por não reunir os requisitos de incidência objetiva.
Esta interpretação foi comunicada à Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa, analisada naquela unidade orgânica. (...)
III.1.1. Enquadramento das operações e do sujeito passivo, em sede de IVA
Desde 2002/11/20 que o sujeito passivo se encontrava inscrito no regime isenção, previsto no art.o 9.º do CIVA, tendo o Fundo para alguns bens imóveis, dos quais é proprietário, exercido a renúncia à isenção, optando pela liquidação de imposto nas operações aí praticadas, ao abrigo do art.º 12.º do CIVA e cujas condições se encontram previstas no Regime publicado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro (doravante referido como Regime de Renúncia).
Decorre da primeira parte do n.º 29 do art.º 9.º do CIVA que o arrendamento de imóveis, de paredes nuas, no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou apenas o solo, no caso de prédios rústicos, está isenta de IVA, seja para fins habitacionais, comerciais, industriais ou agrícolas. Contudo, tal isenção não se aplica, tendo em conta a segunda parte do referido n.º 29 do art.º 9.º, onde consta expressamente que a isenção não abrange a locação de estacionamentos e de bens imoveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial:
“Artigo 9º - Isenções nas operações internas (...)
29 – A locação de bens imoveis. Esta isenção não abrange: (...)
b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;
c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial; (...)
e) A locação de espaços para exposições ou publicidade.”
Conduz este entendimento a que o contrato do arrendamento de um espaço, no qual se incluem os Centros Comerciais, acompanhado de serviços essenciais à prossecução de uma atividade económica, celebrado entre o sujeito passivo e os demais inquilinos, bem como, a exploração de estacionamento coletivo de veículos constitui uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta, nos termos do art.º 4.º e do art.º 9.º n.º 29 alíneas b), c) e e), ambos do CIVA.
A condição da tributação das operações relacionadas com a atividade de Centros Comerciais e dos parques de estacionamento não depende de qualquer formalismo, ou do exercício de qualquer opção ou renúncia à isenção de IVA, pelo contrário, decorre da própria natureza da operação dessa prestação de serviços e dos pressupostos gerais constantes do CIVA que determinam a incidência ao imposto, pelo que, estamos perante operações sujeitas a imposto.
O Fundo é um sujeito passivo que nas operações ativas, ora liquida IVA (por exemplo o Centro Comercial de ...), ora, ao abrigo da isenção do art.º 9.º do CIVA não liquida imposto. São as operações ativas do sujeito passivo, que determinam o seu enquadramento em sede de IVA de qualquer sujeito passivo.
Resulta do facto de exercer operações sujeitas a imposto, que o Fundo não reúne as condições para o enquadramento como sujeito passivo isento ao abrigo do art.o 9.º do CIVA, consequentemente neste contexto, a AT, no âmbito da OI2016... ao ano de 2015, procedeu à alteração oficiosa, através da elaboração de um Boletim de Alteração Oficiosa (BAO) com o intuito de alterar o enquadramento do Fundo em sede de IVA, do Regime de Isenção com Operações Imobiliárias para o Regime Normal, com efeitos a 2013/01/01.
III.1.2. Contabilidade do Fundo
De acordo com o art.º 44.º do CIVA, a contabilidade deve refletir o apuramento do imposto e as relações com o Estado, como se transcreve:
“Artigo 44.º Requisitos da contabilidade
1 - A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.”
No que concerne ao IVA, a contabilidade do sujeito passivo não cumpre com os requisitos necessário e meio de prova inequívoco de apoio ao preenchimento das DP. Como lacuna assaz reveladora do que se deduz está o facto de apenas existir uma conta de IVA para o imposto liquidado, para o imposto deduzido e para o imposto regularizado.
O sujeito passivo explicou que o sistema não permite o desdobramento do seu plano em subcontas de apuramento do imposto e face aos hiatos entre a data da liquidação do imposto e a data das faturas, por opção do sujeito passivo e que não obedecem às regras de gestão do imposto, a gestão destas aquisições é feita com recurso a ficheiros (registos extra-contabilísticos).
Afigura-se-nos que os sistemas informáticos têm que se adaptar às exigências das declarações fiscalmente relevantes, contudo, a responsabilidade da prestação de informações é do Fundo, independentemente, das funcionalidades dos programas o preenchimento dos campos referidos nas declarações periódicas não constitui uma informação facultativa.
III.1.3. Imposto liquidado de acordo com a emissão de faturas
Com o objetivo de validar se o valor de imposto liquidado corresponde ao imposto declarado, começou- se por comparar as faturas emitidas pelo sujeito passivo, com os montantes inscritos nas DP de IVA trimestralmente.
Assim, comparou-se o somatório das faturas comunicadas através do ficheiro SAFT2 pelo sujeito passivo e o preenchimento dos Campos 1, 3 e 9 – “Base Tributável” e Campo 2 e 4 – “Imposto liquidado” da DP, para o ano de 2013.
Desta verificação resultam divergências, mais concretamente que o imposto liquidado é superior ao imposto declarado nas DP, o que resulta numa assunção de imposto em falta.
Considerando a experiência adquirida na ação de inspeção de 2015, e tendo em conta que a faturação do C. C. ... gera duplicação de faturação comunicadas, fruto das rendas dos lojistas emitidas em duplicado. Porém, subsistem divergências, pelo que foi necessário aprofundar o processo de apuramento do imposto a entregar pelo Fundo.
O método adotado pelo Fundo de apuramento dos valores a inscrever numa DP de IVA é assente num conjunto de ficheiros, que não têm relação com a contabilidade, no registo na conta de apuramento do IVA, ou seja, o montante de faturas emitidas num mês não corresponde a um registo pelo mesmo montante na conta de IVA. O IVA a entregar só é registado no momento do pagamento e não no momento do apuramento, com a emissão das faturas.
A determinação do valor do IVA em dívida é baseada num ficheiro em que são somadas e subtraídas faturas emitidas, operações essas que desvirtuam as regras do IVA, no que concerne, designadamente, às regras do momento da exigibilidade do imposto e ao momento em que o mesmo deverá ser entregue ao Estado.
Para facilitar a compreensão destes lançamentos de soma e subtração de documentos, anexa-se o ficheiro de suporte aludido, referente ao apuramento do imposto a entregar no 1o Trimestre de 2013 (ANEXO II), designado pelo Fundo: “6.1-IVA.Justificacao_1trim13”.
Realçamos algumas situações ilustrativas dos registos manuais nos ficheiros de apuramento do IVA do período:
- Os recibos emitidos em 2012 (RC 2012/... e RC2012/...) são inscritos no ficheiro de 2013, o que se traduz na entrega do imposto devido em 2012, apenas em 2013.
- Os recibos emitidos em 2012 (RC 2012/... e RC 2012/...) são inscritos no ficheiro de 2013 com sinal contrário (o que se traduz numa regularização a favor do sujeito passivo), de imposto anteriormente entregue. Ou seja, o Fundo emitiu a fatura em 2012 e entrega o imposto respetivo, em 2013, quando regista o lançamento no ficheiro com sinal contrário, recupera o imposto. Esta operação traduz-se na emissão da fatura sem que o imposto seja efetivamente entregue.
- Os Recibos RC2013/..., RC2013/..., RC2013/... e o RC2013/..., emitidos em nome do inquilino E..., SA, pelo montante de IVA de €4.623,44 (em cada recibo) que perfazem €18.493,76 (total de IVA), foram retirados da coluna do imposto a entregar (valor_IVA) e colocados numa coluna (sem efeitos no apuramento).
- O Recibo 2013/162 aparece no ficheiro com dois lançamentos com sinal contrário, um por €4.140,00 pelo valor de IVA a entregar e outro com sinal contrário de €24.840,00 a favor do fundo. No entanto, o RC 2013/162 emitido a 2013/01/02, no e-fatura, tem como valor base €18.000,00 e líquida imposto no valor de €4.140,00, pelo que não se entende a recuperação de imposto pelo Fundo, no valor de €24.840,00.
Segundo informação do Fundo, estas operações constantes no referido ficheiro (somar e subtrair) estão relacionadas com eventuais anulações de faturas, com a falta de pagamento ou com a data do sistema e o reconhecimento da dívida.
Face aos movimentos efetuados pelo Fundo, no apuramento do IVA, fora da contabilidade, foi necessário recorrer ao apuramento do imposto com base nos documentos que efetivamente determinam a incidência do mesmo, ou seja, com base nas Faturas e Notas de Crédito emitidas em 2013 e comunicadas à AT.
III.1.4. Correções ao Imposto em Falta - €388.738,53 III.1.4.1. Declarações Periódicas versus e-fatura
Afigura-se-nos que o Fundo encara a entrega do imposto, numa ótica de caixa sem respeito pelas regras do imposto, pelo que, importa rever o art.º 8.º do CIVA, no que respeita à exigibilidade do imposto, no caso de obrigação de emitir fatura:
“1 - Não obstante o disposto no artigo anterior e sem prejuízo do previsto no artigo 2.º do regime do IVA de caixa, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: (Redação da Lei no 83- C/2013, de 31 de dezembro)
a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão; (Redação do D.L. no 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)
b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina.”
É evidente que o imposto é devido no momento da emissão das faturas pelo Fundo e de declaração obrigatória na DP do período a que respeita.
III.1.4.2. Apuramento do IVA - Imposto em falta – € 31.209,60
Tendo em conta as discrepâncias, a falta de evidência contabilística das operações e manipulação de ficheiros extra-contabilísticos de apuramento das DP de IVA, a AT optou por apurar os reais valores a constar nas DP, com base nas faturas emitidas e comunicadas à AT pelo Fundo, com os seguintes pressupostos e ressalvas:
1. A data da emissão do documento é o momento da dívida/regularização do imposto, ao abrigo do CIVA, logo, somaram todas as faturas e subtraíram-se todas as notas de crédito, constantes do sistema e-fatura existente na AT;
2. Dos valores apurados no ponto 1, das faturas comunicadas em sede do e-fatura, expurgaram- se as faturas emitidas em nome dos lojistas do C.C. ..., por se reconhecer que se trata de faturação em duplicado, isto é, subtraíram-se os documentos com a referência inicial "T01" e "T03";
3. Os valores declarados pelo sujeito passivo no apuramento de imposto na DP de 201303T, incluem imposto relativo a faturas emitidas em 2012, mas cujo Fundo apenas procedeu à sua entrega na DP de 2013, que serão de considerar no apuramento do imposto.
Os valores a que se alude são os seguintes:
O resultado da comparação entre as DP e as faturas comunicadas, com os pressupostos e ressalvas anteriormente referidas, encontra-se evidenciado neste resumo:
Face ao exposto, conclui-se que há imposto em falta, no ano de 2013 que ascende a €31.209,60.
III.1.4.3. Apuramento do parqueamento – imposto em falta - €0,00
Aos valores comunicados no e-fatura somou-se os rendimentos oriundos do parqueamento (Com base nas comunicações da C... ao Fundo), que não constituem avenças, pois para essas houve lugar à emissão de fatura diretamente aos lojistas e tratam- se efetivamente de operações que caem no âmbito da sujeição de IVA, pelo que, há lugar à liquidação do imposto.
Os montantes são apurados com base em comunicações da C... ao Fundo, conforme ANEXO III e correspondem ao seguinte apuramento:
Após análise ao exercício do direito de audição pelo sujeito passivo, com base nos elementos apresentados, somos a concordar com o Fundo, que não há imposto em falta com o parqueamento do Centro Comercial de ... .
III.1.4.4. Apuramento operações isentas sem direito à dedução
Nas operações isentas sem direito a dedução do Campo 9 das DP de IVA, detetou-se que o sujeito passivo não registou todas as operações relativas às vendas de imóveis realizadas no decurso de 2013, assim, proceder-se-á igualmente ao preenchimento deste campo de acordo com as vendas reais de imóveis do Fundo em 2013.
Pelo que tendo em conta a data da escritura e os valores não declarados procedeu-se igualmente ao apuramento deste tipo de operações. Estas não representam operações sujeitas a imposto, porém, constituem operações de comunicação igualmente obrigatória.
Afigura-se-nos que há uma falta de uniformização e rigor na declaração destas operações, já que umas são inscritas na DP e outras não estão. Por outro lado, no apuramento das operações isentas com a venda dos imóveis, foi considerado no trimestre em que realizou a escritura. Pelo que os valores apurados para esta tipologia de operações são as seguintes:
III.1.5. Enquadramento das operações e do sujeito passivo, em sede de IVA – serviços de construção civil.
Analisando os serviços faturados ao Fundo, pelos diversos prestadores de serviços de construção civil verificámos que os mesmos procederam à liquidação do IVA nas faturas emitidas no ano de 2013, na medida em que o Fundo constava como sujeito passivo isento na base de dados da AT. Contudo, como anteriormente explicado, no caso concreto, estamos perante um sujeito passivo no regime normal de IVA.
Para estes sujeitos passivos, a alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA impõe a regra de inversão do sujeito passivo, quando se cumprem cumulativamente as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil;
- O adquirente seja sujeito passivo de IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente o direito à dedução de IVA.
A primeira condição encontra-se prevista no ofício circulado n.º 30101 da DSIVA, de 2007/05/24 que esclarece a aplicação desta regra, designadamente o que são serviços de construção civil - “Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização”.
Por outro lado, deve entender-se como obra, todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.
A segunda condição da aplicação da regra respeita ao enquadramento do adquirente dos serviços de construção civil. Como anteriormente explanado, o Fundo é um sujeito passivo que pratica operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito.
Conclui-se assim que as duas condições para a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo estão cumpridas, pelo que, caberia ao adquirente dos serviços de construção (o Fundo) a liquidação do referido imposto das faturas emitidas pelos prestadores dos serviços de construção civil.
III.1.5.1. IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil – €287.629,25.
Resulta do exposto no ponto anterior que os vários prestadores de serviços não deveriam ter efetuado a liquidação do IVA, uma vez que o verdadeiro devedor do imposto é o Fundo, na qualidade de adquirente de serviços de construção, contudo, como anteriormente se referiu, os mesmos foram induzidos à não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, na medida em que o Fundo não procedeu ao pedido de alteração dos seus elementos com vista ao correto enquadramento em sede de IVA.
O facto dos fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto e o respetivo pagamento não recaia sobre o Fundo, considerando que essas entidades poderão obter a devolução do referido imposto junto da AT.
As faturas emitidas no decurso de 2013, analisadas pela AT, e que correspondem à aquisição de serviços de construção civil para os imóveis pertencentes ao Fundo, resultam na correção do imposto em falta.
Para os serviços de construção civil, em que ficou por liquidar imposto à taxa de 6%, o valor por trimestres reparte-se do seguinte modo (ver ANEXO IV):
Relativamente aos serviços de construção civil, em que ficou por liquidar imposto à taxa de 23%, o valor por trimestres foi o seguinte (ver ANEXO V):
No conjunto das duas taxas, o imposto em falta com a prestação de serviço de construção civil ascende a €287.629,25.
Após a receção do projeto de relatório o sujeito passivo, regularizou voluntariamente parte do imposto no montante de €19.389,61, através da entrega da declaração de substituição do 4.o trimestre de 2013, conforme descrito no ponto IX deste relatório.
III.1.5.2. IVA indevidamente deduzido na aquisição de serviços de construção civil – € 2.646,59
O Fundo deduziu o IVA liquidado pelos fornecedores de serviços de construção civil nas várias faturas emitidas pelos prestadores de serviço, relativamente às operações referente aos imóveis para os quais liquidou imposto, tendo declarado a dedução do valor do imposto nas declarações periódicas nos quatro trimestres de 2013.
Verificando-se que as condições para a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo estão cumpridas, em que a liquidação compete ao Fundo de acordo com a regra de inversão do sujeito passivo a que se refere a alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, o mesmo acontece em relação ao exercício do direito à dedução em que os pressupostos de exercício desse direito se encontram bem definidos, quer quanto à qualidade do sujeito passivo e da atividade exercida (art.o 20.º do CIVA) quer quanto ao momento do exercício do direito à dedução (artigos 7.º, 8.º, 22.º n.º 1 e 98.º, n.º 2, todos do CIVA).
O oficio circulado n.º 30101 da DSIVA, de 2007/05/24, no ponto 5 “dedução do imposto suportado”, define para os casos em que haja inversão, o fornecedor pode exercer o direito à dedução do IVA suportado para a realização de tais operações nos termos dos art.ºs 19.º e seguintes, designadamente da alínea c) do n.º 1 do art.º 19.º 5 do CIVA.
Limita o exercício ao direito à dedução integral do adquirente, observado o disposto nos artigos 19.º e 21.º, ao imposto que autoliquidar.
Considerando que os fornecedores liquidaram indevidamente IVA nas faturas referentes a serviços de construção civil, emitidas pelos serviços prestados ao Fundo, não se aplicou a regra da inversão, pelo que não verificam os requisitos para a aplicação do direito à dedução, pelo que nos termos do n.º 8 do art.º 19.º do CIVA, este IVA não é dedutível.
Assim, a correção ao IVA deduzido, referente aos serviços de construção civil indevidamente exercida, no campo 24 da DP encontra-se apurada no ANEXO VI, e resumida no seguinte quadro de acordo com os respetivos períodos de 2013:
III.1.6. Incumprimento do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA – €8.280,00
Considerando as Notas de crédito emitidas pelo Fundo e relevadas no apuramento do imposto, no ponto 1.4.2., solicitou-se para uma amostra destes documentos, a prova do cumprimento dos requisitos referidos no n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA, nomeadamente o averbamento em como o adquirente tomou conhecimento da retificação.
O Fundo emitiu em nome da sociedade F..., Lda. duas Notas de Crédito, a NC 2013/... de 17/01/2013, de €18.000,00 (valor base) e €4.140,00 de IVA e a NC 2013/... de 17/01/2013, de €18.000,00 (valor base) e €4.140,00 de IVA.
Entendeu a AT proceder ao controlo declarativo, para o efeito, solicitou-se ao abrigo do dever de colaboração, consagrado nos n.ºs 1 a 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e artigos 28.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, informação ao sujeito passivo F..., Lda, quanto aos registos contabilísticos na sua relação com o Fundo, enquanto inquilino.
Constatou-se que a contabilidade e as DP de IVA não evidenciam as regularizações referentes às Notas de Crédito referidas.
Simultaneamente o Fundo enviou à AT cópias dos documentos, com a aposição do carimbo da referida sociedade e uma assinatura “...”.
Confrontado o inquilino com esta situação, este respondeu à AT, como se transcreve:
“a) as notas de crédito em questão não foram carimbadas e assinadas por algum dos gerentes da sociedade mas sim por alguém a quem foi pedido esta assinatura e que se dispôs a efectuar.”
De acordo com os e-mails remetidos pelo Fundo, é possível perceber que apenas no decurso desta inspeção, e não à data dos factos, o Fundo, solicitou junto de funcionários da F..., Lda. a assinatura na Nota de Crédito, apenas para satisfazer o pedido de evidência da AT.
O Fundo parece entender o averbamento do adquirente como um mero formalismo, não parece compreender que é indispensável que seja “comunicado” ao adquirente dos bens ou serviços para efeitos de retificação do imposto, para que posteriormente o Fundo posso regularizar o imposto a seu favor, conforme dispõe o CIVA.
Significa isto que, estando o sujeito passivo em condições de proceder a dedução/regularização, e prevendo fazê-la num determinado período de imposto deverá, previamente a essa regularização, comunicar a sua intenção de regularização – anulação do imposto – para que o adquirente dos bens ou serviços possa proceder também à entrega do imposto anteriormente deduzido.
Para poder proceder à regularização nos termos citados, tem o Fundo que ter na sua posse a prova de que os créditos são do conhecimento do inquilino. O Fundo, não só não tinha na sua posse essa prova, como, decidiu solicitar o cumprimento desses formalismos à posteriori, apenas a 2017/10/06.
No caso concreto, à data dos factos verifica-se que não se encontram cumpridos os requisitos mencionados nos pontos anteriores, pelo que não reunindo a totalidade dos pressupostos referidos, não pode o Fundo proceder à regularização do imposto.
As notas de crédito foram emitidas em 2013/01/17, e o IVA (à taxa normal) foi deduzido através da subtração ao IVA liquidado e declarado nos Campos 3 e 4 da Declaração periódica de 201303T, no entanto, a correção de imposto a favor do Estado, pela AT, será evidenciada no campo 41 da declaração periódica de 201303T, no valor de €8.280,00.
III.1.7. Aquisição de eletricidade
A aquisição da eletricidade constitui uma transmissão de bens, na aceção do n.º 2 do art.º 3.º do CIVA, localizada em território nacional ao abrigo dos nos 4 e 5 do art.º 6.º do CIVA.
O Fundo é o sujeito passivo do imposto pela aquisição da eletricidade, de acordo com al. h) nº 1 do art.º 2.º, na medida em, que são sujeitos passivos do imposto os adquirentes dos bens indicados no n.º 4 do art.º 6.º do CIVA, desde que os respetivos transmitentes não tenham, no território nacional, sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual as transmissões são efetuadas. Assim, cabe ao Fundo a liquidação do imposto devido, na qualidade de adquirente.
Sendo a periodicidade da DP do sujeito passivo trimestral, a entrega do imposto devido ocorre até ao fim do prazo para a entrega da DP, conforme determina o art.º 41.º do CIVA, até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil.
Contudo, o Fundo só declara estas aquisições num, ou mesmos dois trimestres seguintes ao trimestre em que devia ser declarado, alegando que com o seu procedimento não se verifica prejuízo para o Estado, na medida em que liquida e deduz o imposto apurado nessas operações.
O Fundo não pode confundir obrigações. Decorre do art.º 31.o da Lei Geral Tributária (LGT) que o sujeito passivo tem como obrigação principal o pagamento da dívida tributária, e tem como obrigação acessória a apresentação de declarações e a apresentação de documentos fiscalmente relevantes.
As obrigações declarativas existem de per si, são independentes, e não estão subordinadas à entrega de imposto. Têm regras próprias, designadamente os prazos previstos no CIVA, que são obrigatórios e não facultativos, conforme a conduta adotada pelo Fundo.
III.1.7.1. Aquisição da eletricidade – Imposto liquidado – €11.571,29
O procedimento adotado pelo sujeito passivo é irregular e não permite que a dívida de imposto seja apurada no momento da sua exigibilidade. Pelo que, a AT seguiu o procedimento adotado no apuramento dos valores que deveriam constar nas DP para o imposto liquidado, isto é, apurou as DP com os montantes de imposto que deveriam figurar como aquisições de bens e de serviços em que liquidou imposto, a figurar nos campos 3 “Base tributável – taxa a 23%” e Campo 4 “Imposto a favor do estado – taxa a 23%” das DP, bem como, campo 97 “Operações localizadas em Portugal em que, na qualidade de adquirente, liquidou o iva devido”, de acordo com a data de emissão das faturas.
A esta situação acresce que se detetaram faturas para as quais o sujeito passivo exerceu o direito à dedução do imposto, sem que tenha procedido à respetiva liquidação do imposto. As aquisições em causa são as constantes do seguinte quadro:
As faturas tidas em conta no apuramento do valor a inscrever nos campos 3, 4 e 97 da DP de IVA, conforme ANEXO VII, encontram-se resumidas no seguinte quadro:
O Fundo declarou as aquisições de eletricidade a estes fornecedores como aquisições intracomunitárias, ao abrigo do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), com a inscrição nas DP de IVA, nos campos 12 e 13, pelo valor base e pelo imposto liquidado.
Pelas razões anteriormente expostas, o enquadramento destas operações não constitui uma aquisição intracomunitária de bens, mas antes uma aquisição de bens localizada em território nacional ao abrigo do CIVA. Pese embora, o enquadramento irregular destas operações pelo sujeito passivo, cabe efetivamente ao Fundo, na qualidade de adquirente, a liquidação do imposto.
O valor apurado pela AT é superior ao declarado pelo Fundo, pelo que, há imposto em falta no montante de €11.571,29, e que se traduz na correção dos campos da DP conforme quadro anexo:
III.1.7.2. Aquisição da eletricidade – IVA deduzido em duplicado - € 25.572,39
Com base no ficheiro de suporte ao IVA deduzido, verificou-se uma duplicação na dedução do imposto. Isto é, o ficheiro de apoio ao valor a inscrever no campo 24 da DP de IVA, enumera todas as faturas de suporte à aquisição de bens e serviços no 1º trimestre de 2013, nele constam inclusivamente as faturas referentes às aquisições de eletricidade, designadamente, à empresa fornecedora de eletricidade G... .
Do campo 13 – “AIB liquidado pelo declarante” constata-se que o sujeito passivo inscreveu como imposto liquidado para estas aquisições no 1o trimestre de 2013, de €25.572,39.
Constata-se que no ficheiro do IVA deduzido no período, ao total mensal, é posteriormente somado manualmente o valor das aquisições de eletricidade mensais, no valor de €25.572,39. Os documentos de suporte que perfazem €25.572,39, já se encontram incluídos no ficheiro, o que duplica o valor inscrito no campo 24 da DP de IVA com estas aquisições.
Como evidência anexa-se o ficheiro aludido (ANEXO VIII), em que se realçam as duplicações.
Trata-se duma duplicação do valor deduzido, para o qual foram solicitados esclarecimentos, sem que tenha sido produzida qualquer justificação, pelo que há a corrigir este montante duplicado.
III.1.7.3. Aquisição da eletricidade – Imposto deduzido indevidamente – €6.083,36
Decorre do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA que só confere direito à dedução o imposto mencionado nas faturas dos fornecedores, quando as mesmas estão em nome e na posse do sujeito passivo.
Em algumas faturas analisadas constam como adquirente o H... com o NIF..., e não o FUNDO com o NIF..., pelo que, não se consideram estes documentos emitidos em nome do sujeito passivo, logo, o requisito para a dedução não se encontra cumprido.
Assim, os montantes de imposto pelo Fundo, em que o mesmo não consta como adquirente, não são dedutíveis. Os valores a regularizar no campo 24 da declaração periódica (DP) do IVA dos períodos em análise são os seguintes:
Assim, como se apresenta, a correção ascende a €6.083,36 pela dedução indevida do IVA.
III.1.7.4. Aquisição da eletricidade – regularizações do sujeito passivo – IVA €15.746,05
Face ao exposto nos pontos III.1.7.1., III.1.7.2. e III.1.7.3., tendo a AT apurado o imposto a liquidar com a aquisição de eletricidade com base no momento da exigibilidade do imposto, e tendo respeitado a dedução das mesmas no momento em que o Fundo exerceu o direito, de acordo com as regras do imposto, não há lugar aos movimentos de regularização do imposto inscritos pelo Fundo, no 2º trimestre de €3.322,87 e no 3º trimestre de €12.423,18, no total de €15.746,05, inscrito no campo 40 da DP de IVA.
III.1.8. Regularização do IVA – Art.o 26.o CIVA - Regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais – IVA sujeito a juros
No que respeita ao imóvel que constitui um Centro Comercial localizado em ..., o Fundo procedeu a regularizações ao abrigo do art.º 26.º “Regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais” do CIVA, que impõe a regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, relativamente aos imóveis para os quais houve a dedução inicial do imposto que onerou a construção, aquisição ou outras despesas de investimento com elas relacionadas, quando não houve utilização em fins empresariais.
Porém a regularização referente ao ano de 2013 apenas constou da DP do período seguinte, isto é, 201403T, contudo, o n.º 1 do art.º 26.º do CIVA impõe que a regularização anual deva constar da DP do último período do ano a respeita, ou seja, 201312T.
Ao abrigo do art.º 35.º da LGT, há lugar ao apuramento de juros compensatórios, considerando que por facto imputável ao Fundo, foi retardada a regularização do imposto a favor do Estado sobre montante declarado pelo Fundo (€51.528,75), que deveria constar do campo 41 da DP de 201312T e que só foi entregue em 201403T. São devidos juros compensatórios por um período, conforme o disposto no n.º 3 do art.º 35.º da LGT.”
14- O Fundo foi notificado dos actos tributários de liquidação adicional de IVA, e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 442.684,53, que materializaram as correcções determinadas em sede de inspecção.
15- O Fundo procedeu ao pagamento integral e atempado daqueles actos tributários de liquidação.
16- Em 6 de Março de 2018, o Fundo apresentou reclamação graciosa contra aqueles actos de liquidação, na parte acima referida, aceitando a correcção no valor de € 25.572,39, relativa a um valor considerado em duplicado no cômputo do montante a considerar no campo 24 da declaração periódica de IVA do 1.º trimestre de 2013.
17- Passados quatro meses após a apresentação da referida reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Oeiras ..., não foi a mesma objecto de decisão expressa.
18- O montante das facturas comunicadas através do ficheiro SAFT nos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2013, foi inferior ao montante de imposto reportado nas Declarações Periódicas relativas aos mesmos períodos, nos seguintes valores:
19- No 1.º trimestre de 2013, verificou-se uma diferença entre os mesmos valores no montante de € 64.286,47.
20- Na Declaração Periódica relativa ao período correspondente ao 1.º trimestre de 2013, foi pela Requerente incluído o montante de € 51.986,46 referente a operações activas cujos documentos foram emitidos durante o 4.º trimestre de 2012, conforme quadro infra:
21- A Requerente procedeu, atempadamente, ao pagamento das liquidações de imposto objecto da presente acção arbitral.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que as facturas constantes do quadro infra, incluídas no ficheiro SAFT de Janeiro de 2013, foram contabilizadas e comunicadas no 1.º trimestre de 2013, mas o respectivo imposto foi liquidado no 4.º trimestre de 2012:
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
O facto dado como não provado, alegado pela Requerente e impugnado pela Requerida, resulta da insuficiência de prova a seu respeito.
Para prova do facto em questão, a Requerente, no art.º 43.º do seu requerimento inicial, rememte para o doc. 7 por si junto, que mais não é que uma repetição monocromática das fls. 2 a 4 do doc. 6, junto na mesma altura.
Tal documento é uma mera listagem, desacompanhada de quaisquer documentos de suporte, que comprovem que, efectivamente, o valor de imposto em questão foi liquidado e pago antecipadamente.
Ora, por um lado, conforme o RIT dá conta e a Requerente, não só não contesta, como confirma, aquela não mantinha, à data dos factos, um sistema transparente e fiável de registo e controle das operações sujeitas a imposto.
Por outro lado, nunca foi, em fase alguma, adiantada qualquer explicação para a alegada circunstância de a Requerente liquidar e pagar imposto antecipadamente, o que, por ser uma situação anormal e oposta ao interesse da própria Requerente, não se poderá dar como verificada sem uma justificação cabal e convincente.
Tratando-se, o facto em causa, de matéria alegada pela Requerente, e cujo ónus probatório lhe assistia, não podem as dúvidas que, no quadro exposto, subsistem, ser resolvidas de outra forma que não no sentido da não prova.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, bem como quaisquer factos incompatíveis com os factos dados como provados.
B. DO DIREITO
Conforme resulta da matéria de facto acima fixada, as correcções operadas pela AT, e contra as quais a Requerente se insurge, fundam-se em circunstâncias factuais e normas legais diversas, pelo que se procederá à apreciação de cada uma delas separadamente.
*
i.
Relativamente às discrepâncias entre as Declarações Periódicas e o sistema e-factura, sustenta a Requerente, em suma, que não obstante as irregularidades verificadas, em algumas situações, no procedimento declarativo de liquidação do IVA adoptado pelo Fundo, resulta demonstrado que este jamais incumpriu com a sua obrigação de entrega da prestação tributária no âmbito das operações realizadas em 2013, sendo que, no limite, o Fundo liquidou IVA a mais do que efectivamente teria de entregar nos cofres do Estado.
Por seu lado, em sede arbitral, a AT sustenta que “tal como é assumido no PPA, as facturas foram emitidas em 2013 (...) não havendo factos que permitam concluir por outra exigibilidade que não a prevista na alínea a) do artigo 8.º do IVA, pelo que, sendo o imposto exigível aquando da emissão da factura, inequívoco é que deveria ter sido relevado na DP do primeiro trimestre de 2013, pelo que, não o tendo sido, se encontra em falta.”, sendo, para a Requerida “irrelevante que a Requerente ora faça um exercício de demonstração de que no ano de 2012 e no ano de 2013, o IVA facturado (e constante do SAFT), nunca encontre correspondência (como devia) com as declarações periódicas de imposto.”.
Compulsados os factos provados e não provados, não se poderá julgar procedente esta parte do pedido arbitral.
Com efeito e desde logo, a argumentação da Requerente nesta matéria, apresenta-se, ressalvado o respeito devido, assente num lapso, que se prende com a subtração do valor de €51.986,46, ao montante declarado nos ficheiros SAFT, conforme quadro infra apresentado por aquela:
Visto o documento 6 junto pela própria Requerente com o requerimento inicial (cfr. fls. 9), verifica-se que o valor em causa, correspondente às facturas discriminadas no ponto 20 dos factos dados como provados, não integram a listagem do ficheiro SAFT de Janeiro de 2013, não obstante o correspondente IVA ter sido incluído, conforme confessado, na Declaração periódica desse período.
Assim sendo, como se configura, o montante em questão de €51.986,46 não deveria ser subtraído ao valor contante do ficheiro SAFT de Janeiro de 2013, uma vez que não integrava o mesmo.
Por outro lado, como resulta da matéria de facto dada como não provada, não se constata que a Requerente tivesse liquidado e pago o imposto relativo às facturas referidas nos factos dados como não provados, na declaração periódica de imposto relativa ao último trimestre de 2012.
Deste modo, e tendo em conta o exposto, necessariamente há-de improceder esta parte do pedido arbitral.
*
ii.
Seguidamente, insurge-se a Requerente contra a liquidação de IVA nas operações de aquisição de serviços de construção civil, operada pela AT.
Na perspectiva da Requerente, a referida liquidação é atentatória dos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade que devem subjazer à análise casuística que se impõe in casu, com a consequente violação dos princípios da segurança jurídica e protecção da confiança, assim como, dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé.
Nota a Requerente que o facto de a situação cadastral do Fundo, verificada até ao ano 2017- i.e. sujeito passivo isento de IVA - não se ter devido, em nenhum momento, a um acto cuja responsabilidade se possa imputar na sua esfera, mas tão somente à AT, e sendo que o IVA foi sempre liquidado e pago, integral e atempadamente, pelos seus prestadores.
Já a Requerida aponta que a Requerente no período em questão, se comportava como um sujeito passivo misto na liquidação e dedução do imposto, pelo que não se verificará qualquer quebra de protecção de confiança, quando os SIT a enquadraram da mesma exacta forma como de facto agia.
Mais alega a Requerida que, no caso, não resulta provado que o imposto haja sido entregue, mas antes e apenas, que foi liquidado.
Relativamente a estão matéria, dispõe o Artigo 2.º do CIVA aplicável (redacção de 2013) que:
“1 - São sujeitos passivos do imposto: (...)
a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC); (…)
j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”
Do regime legal exposto resulta são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.
Para que opere a inversão do sujeito passivo, é necessário assim que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) esteja em causa a aquisição de serviços de construção civil;
b) o adquirente seja sujeito passivo do IVA em Portugal; e
c) que sejam praticados, no território nacional, operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.
Do RIT, sobre a matéria que ora nos ocupa, consta, essencialmente, o seguinte:
“Analisando os serviços faturados ao Fundo, pelos diversos prestadores de serviços de construção civil verificámos que os mesmos procederam à liquidação do IVA nas faturas emitidas no ano de 2013, na medida em que o Fundo constava como sujeito passivo isento na base de dados da AT. Contudo, como anteriormente explicado, no caso concreto, estamos perante um sujeito passivo no regime normal de IVA.
Para estes sujeitos passivos, a alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA impõe a regra de inversão do sujeito passivo, quando se cumprem cumulativamente as seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil;
- O adquirente seja sujeito passivo de IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente o direito à dedução de IVA.
A primeira condição encontra-se prevista no ofício circulado n.º 30101 da DSIVA, de 2007/05/24 que esclarece a aplicação desta regra, designadamente o que são serviços de construção civil - “Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização”.
Por outro lado, deve entender-se como obra, todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.
A segunda condição da aplicação da regra respeita ao enquadramento do adquirente dos serviços de construção civil. Como anteriormente explanado, o Fundo é um sujeito passivo que pratica operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito.
Conclui-se assim que as duas condições para a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo estão cumpridas, pelo que, caberia ao adquirente dos serviços de construção (o Fundo) a liquidação do referido imposto das faturas emitidas pelos prestadores dos serviços de construção civil.
III.1.5.1. IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil – €287.629,25.
Resulta do exposto no ponto anterior que os vários prestadores de serviços não deveriam ter efetuado a liquidação do IVA, uma vez que o verdadeiro devedor do imposto é o Fundo, na qualidade de adquirente de serviços de construção, contudo, como anteriormente se referiu, os mesmos foram induzidos à não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, na medida em que o Fundo não procedeu ao pedido de alteração dos seus elementos com vista ao correto enquadramento em sede de IVA.
O facto dos fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto e o respetivo pagamento não recaia sobre o Fundo, considerando que essas entidades poderão obter a devolução do referido imposto junto da AT.”
A Requerente reconhece que se verificam os pressupostos da obrigação de liquidação de IVA pelo adquirente (“reverse charge”), mas considera que, em obediência aos princípios que invoca, se deverá postergar tal obrigação.
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se não ser passível de acolhimento a argumentação da Requerente nesta matéria.
Com efeito, e desde logo, cumpre notar que, ao contrário do que assume a Requerente, a falta de cumprimento da obrigação em questão, não decorre do erro praticado pela AT, ao inscrever indevidamente o Fundo como um sujeito passivo isento de IVA, e não, conforme oportunamente declarado por aquela, e efectivamente verificado, como um sujeito passivo misto.
Tal anomalia, se pode ser reputada como causalmente adequada à liquidação de IVA nas facturas pelos prestadores de serviços de construção civil, já não poderá ser qualificada desse modo, quer no que diz respeito ao pagamento das facturas que assim lhe foram apresentadas, pelo Fundo, nem, muito menos, no que diz respeito ao não cumprimento da obrigação daquele liquidar IVA, enquanto adquirente dos serviços em questão.
É que, como a próprio Requerente reconhece, e está dado como provado, o Fundo actuou sempre como um sujeito passivo misto, praticando operações que conferiam o direito à dedução do IVA e operações que não conferiam esse direito, e sempre teve, necessariamente, consciência de tal facto.
Daí que não se possa reconhecer que o Fundo não liquidou o IVA em questão, devido enquanto adquirente dos serviços de construção civil, por estar erradamente cadastrado como sujeito passivo, dado que tal errado registo não obstava nem a que o Fundo liquidasse o IVA, nem impunha que pagasse as facturas que lhe foram apresentadas com IVA liquidado.
Em todo o caso, conforme o TJUE se pronunciou já, o princípio da protecção da confiança, e as respectivas decorrências, apenas deverá operar nos caso em que a prática da Administração tenha “sido de molde a criar no espírito de um operador económico prudente e informado uma confiança razoável na não aplicação do imposto a essas operações” , o que não é, pelo atrás explicado, o caso.
Assim, e neste contexto, não será possível concluir pela violação dos princípios invocados pela Requerente, pela liquidação oficiosa do imposto ora em questão, porquanto tal liquidação, é em primeira linha imputável ao Fundo, na medida em que tinha na sua posse todos os dados necessários para dar cumprimento à obrigação da liquidação de IVA enquanto adquirente (ou seja, que estava a adquirir de serviços de construção civil, que era sujeito passivo do IVA em Portugal, e que praticara, no território nacional, operações que lhe conferiam, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA, direito esse que exercia normalmente).
Acresce ainda que, ainda ao contrário do que sustenta a Requerente, se não é contestado – antes é confirmado – pela AT que foi liquidado IVA pelos prestadores dos serviços em causa, não está disponível qualquer prova de que o IVA liquidado tenha sido entregue ao Estado, sendo certo que, quer no RIT, quer em sede arbitral, tal circunstância não foi, em momento algum, reconhecida pela AT.
Ora, é precisamente para melhor garantir a entrega do imposto ao Fisco que o regime em questão (reverse charge) foi implementado, sendo ainda, como reiteradamente o TJUE tem afirmado, a ausência de risco de perda de receitas fiscais é a pedra de toque para a preterição das normas formais do IVA.
Assim, e entre outros , no Acórdão do TJUE proferido no Processo C‑564/15 , pode ler-se que:
“50 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.º 37).
51 Uma vez que cabe, em princípio, aos Estados‑Membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado, o Tribunal de Justiça reconheceu que um sistema em que, por um lado, o vendedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse vendedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido adquirente que suportou o encargo do imposto faturado por erro obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.ºs 38, 39 e jurisprudência referida).”
Doutrina idêntica foi reafirmada pelo TJUE no Acórdão proferido no processo C‑712/17 , onde se pode ler que:
“39 A este respeito, deve recordar‑se que, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, as vias processuais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito da União dependem do ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, devendo as condições em que esses pedidos podem ser exercidos respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar ou tornar excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.ºs 50, 52 e jurisprudência referida).
40 Neste contexto, o Tribunal de Justiça admitiu que um sistema em que, por um lado, o fornecedor de serviços que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o destinatário desses serviços pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse fornecedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido destinatário, que suportou o encargo do imposto faturado por erro, obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.ºs 38 e 39, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.º 51).
41 No caso em apreço, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, o Governo húngaro confirmou, tanto nas suas observações escritas como na audiência no Tribunal de Justiça, que o sistema jurídico húngaro, em especial as vias processuais que este prevê em matéria de pedidos de restituição de impostos indevidamente faturados, permite, por um lado, ao destinatário de serviços, que é o destinatário das faturas em que o IVA foi faturado por erro, exercer contra os fornecedores de serviços que emitiram essas faturas uma ação de direito civil de repetição do indevido com vista a obter o reembolso dos montantes indevidamente pagos e, por outro, aos fornecedores de serviços solicitar à autoridade tributária o reembolso do IVA indevidamente pago.
42 Todavia, há que salientar que, se, numa situação em que o IVA tenha sido efetivamente pago à Fazenda Pública pelo fornecedor de serviços, o reembolso do IVA por este ao destinatário de serviços se revele impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do referido fornecedor de serviços, o princípio da efetividade pode exigir que o destinatário de serviços possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Neste caso, os Estados‑Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido destinatário de serviços recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.º 53).”
Não sendo o presente caso perfeitamente idêntico ao julgado nos arestos referidos, na medida em que aqui está em causa a liquidação de imposto, e ali a denegação do direito à sua deduação, não deixam de ser análogas as situações aqui e ali em causa, justificando uma uniformidade de entendimentos, no sentido de que sendo assegurados – como são – meios próprios para a regularização do IVA indevidamente liquidado (no caso pelos prestadores de serviços de construção civil), apenas no caso de este imposto ter sido efectivamente entregue ao Estado, e de ser excessivamente difícil ou onerosa a utilização dos mecanismos de regularização, é que poderá ocorrer violação dos princípios próprios do sistema de IVA.
*
Ainda no mesmo âmbito, argui ainda a Requerente, a ilegalidade por duplicação de colecta.
Relativamente a esta matéria, e desde logo, cumpre notar, conforme anteriormente já referido, que não se apura que o imposto liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil tenha efectivamente sido pago ao Estado.
Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, o STA entendeu já que:
“I – Por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA, mas nas denominadas situações reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços.
II – A duplicação da colecta, prevista no art. 205º do CPPT, resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta, sendo que a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido.” .
Nestes termos, e por todo o exposto, deverá improceder, nesta parte, o pedido arbitral.
*
iii.
Ainda no que diz respeito a IVA relativo à aquisição de serviços de construção civil, entende a Requerente como contrária ao sistema comum do IVA a limitação pretendida pela AT, no sentido de negar o direito à dedução do imposto incorrido pelo Fundo na aquisição de recursos para a realização das suas operações tributadas, ainda que a liquidação do IVA nessas operações tenha, por erro desculpável, seguido o regime regra de liquidação de imposto, ao contrário do regime do reverse charge.
Também nesta matéria, conforme decorre do exposto anteriormente, não se poderá concluir de outra forma que não a improcedência do pedido arbitral.
Assim, e desde logo, ao contrário do que a Requerente pretende, não foi por erro desculpável, que foi seguido o regime regra de liquidação de imposto, em lugar do regime do reverse charge.
Por outro lado, a questão que a Requerente coloca é, julga-se, precisamente a mesma que foi apreciada nos supracitados Acórdãos do TJUE proferidos nos processos C‑564/15 e C‑712/17, atrás citados, não sendo, em obediência à doutrina ali consagrada, de censurar a recusa da dedução de imposto, ora em apreço, contra a qual a Requerente se insurge.
*
iv.
Relativamente ao IVA regularizado a favor do Fundo, através do incumprimento dos requisitos formais do artigo 78.º do Código do IVA, sustenta a Requerente que o cumprimento do requisito em apreço se verificou no decurso da acção inspectiva, o que é reconhecido pela AT no Relatório de Inspecção Tributária, pelo que não deverá a referida correcção proceder.
Questão análoga foi já julgada pelos Tribunais superiores da jurisdição Tributária, tendo no Ac. do TCA-Sul de 08-03-2018, proferido no processo 09476/16, julgado que:
“Portanto, nos termos daquele preceito legal a regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.
Por outras palavras, se o sujeito passivo no momento em que efectua a regularização do IVA não possuir a prova exigida no n.º 5 do art. 71.º do CIVA, e ainda assim tiver efectuado a dedução do respectivo imposto, é a própria norma que estatui que esta dedução considera-se indevida.
Portanto, é preciso ter presente que estando perante uma situação de regularização do IVA a favor do sujeito passivo é de aplicar a exigência de prova prevista no n.º 5 daquele preceito legal. (...)
A exigência de que o sujeito passivo deve ter na sua posse prova “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto” justifica-se pelo fim que visa, controlo da evasão e fraude fiscal pela AT. O adquirente do bem ou do serviço ao ter conhecimento dessa comunicação fica constituído na obrigação de não deduzir o imposto regularizado pelo sujeito passivo, ou constituído na obrigação de entregar o imposto ao Estado caso já tenha deduzido o imposto.
Estamos perante um regime jurídico específico das regularizações do IVA, e portanto, para que o sujeito passivo possa utilizar esse mecanismo legal, tem de cumprir os seus pressupostos legais.
In casu, a Impugnante contabilizou a factura em causa, e portanto, liquidou o respectivo IVA. Pretendendo recuperar o IVA dessa factura poderá fazê-lo através da regularização (como aliás efectivamente pretendeu fazer ao ter preenchido o campo 40 da declaração periódica destinado à regularização do IVA), mas tem de cumprir com os pressupostos legais previstos para essa regularização que se encontram no n.º 5 do art. 71.º do CIVA, só cumprindo as formalidades estabelecidas na lei, é que se poderá dar como verificadas as condições para o exercício do respectivo direito.
Por outras palavras, a Impugnante para poder beneficiar do regime jurídico da regularização do IVA que utilizou na sua declaração periódica de rendimentos, terá de cumprir os requisitos legais vigentes para esse instituto: o sujeito passivo deve ter na sua posse prova que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto. In casu, essa prova não foi feita, porquanto as notas de crédito que foram emitidas pela Impugnante, não tinham qualquer aposição do conhecimento da mesma pelos respectivos adquirentes dos bens/serviços.”
Também no Acórdão do mesmo Tribunal de 11-04-2019, proferido no processo 59/10.2BESNT, se escreveu que:
“III. Nos termos do artigo 71.º, nº 5 do CIVA quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.
IV. No caso, a regularização do imposto a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto. Sem esta prova, na posse do sujeito passivo, a regularização é indevida.”
Como é sabido, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Deste modo, sendo clara e inequívoca a jurisprudência do TCA-Sul na matéria, deverá a mesma ser aplicada in casu, improcedendo, consequentemente, também nesta parte, o pedido arbitral.
*
v.
Relativamente ao IVA nas operações de aquisição de electricidade, refere a Requerente que o total apurado pela AT considera em duplicado o montante de € 4.409,66, relativo a uma factura da B..., SL (...), e que o Fundo regularizou IVA a favor do Estado, no campo 41, da declaração periódica de IVA do 1.º trimestre de 2013, o valor de € 31.129,30, pelo que o Fundo entregou, na realidade, IVA em excesso no valor de € 8.221.85.
Relativamente a esta matéria, conforme decorre do processo administrativo, as questões ora em apreço não foram suscitadas pela Requerente em sede de audiência prévia, e em sede arbitral a Requerida limita-se a afirmar, em sede de alegações que “como facilmente se constata no RIT não corresponde à verdade o constante dos artigos 126.º e 127.º das alegações da Requerente e no demais dá-se por reproduzido o vertido a este respeito na resposta”.
Relativamente à primeira das questões ora em apreço, assiste indubitavelmente razão à ora Requerente.
Com efeito, compulsado o anexo VII ao RIT (linhas 15 e 16 da tabela), onde é discriminado o cálculo do imposto considerado como devido no ponto III.1.7.1 daquele relatório, facilmente se verifica a duplicação da contabilização da factura da B..., SL (...), de 01-03-2013, com o valor de IVA de € 4.409,66.
Daí que deva, nesta parte, proceder o pedido arbitral.
Quanto à que regularização de IVA a favor do Estado, no campo 41, da declaração periódica de IVA do 1.º trimestre de 2013, alega a Requerente que o valor de € 31.129,30 está incluído no valor de € 58.587,17, ali aposto.
Como prova do alegado, a Requerente juntou, no seu Requerimento inicial, o doc. 10, que se trata de um print que manifesta a menção do valor de € 58.587,17, no campo 41 da declaração periódica de IVA, o que não é negado pela Requerida, e é confirmado pelo Anexo I ao RIT.
Não obstante, não foi disponibilizada pela Requerente qualquer prova que demonstre o alegado por si, ou seja que aquele valor de € 58.587,17 continha o valor de € 31.129,30 referente às facturas de aquisição de electricidade.
Acresce que, conforme resulta do Anexo I ao RIT, a AT apenas procedeu à correcção do referido valor de € 58.587,17, para o valor de €66.867,17 , não se descortinando, face ao alegado pela Requerente, qual o fundamento para a afirmação daquela segundo a qual a AT “desconsiderou tal montante ao calcular o valor de IVA liquidado com referência a aquisições de electricidade”.
Deste modo, atento o défice probatório e o ónus da prova do alegado que impendia sobre a Requerente deverá improceder nesta parte o pedido arbitral.
*
vi.
Relativamente às situações em que entendeu a AT que o Fundo deduziu IVA indevidamente no âmbito de facturas nas quais não constava como entidade adquirente das operações subjacentes às mesmas, considera a Requerente estarem reunidos os requisitos materiais para que assistisse na esfera do Fundo o direito a deduzir o IVA contido nas facturas de aquisição de electricidade em análise.
A este propósito a Requerida não emitiu qualquer pronúncia, em sede arbitral.
Compulsado o RIT verifica-se que, inicialmente, a AT considerou que:
“Em algumas faturas analisadas constam como adquirente o H... com o NIF..., e não o FUNDO com o NIF ..., pelo que, não se consideram estes documentos emitidos em nome do sujeito passivo, logo, o requisito para a dedução não se encontra cumprido”.
Posteriormente, em sede de pronúncia sobre o direito de audição da ora Requerente, escreveu-se no RIT que:
“não consideramos provado que o local de consumo seja o local em que se situa o prédio do qual o Fundo é proprietário, pelo que não se considera estarem cumpridos os requisitos definidos no n.º 5 do art.º 36.º, fundamentais para efeitos de dedução, conforme artigo 20.º do CIVA.”.
Em sede arbitral, a Requerente alega que:
“não obstante tais facturas tenham sido erroneamente emitidas com a menção do “H...” na qualidade de entidade adquirente, o imóvel, objecto da transmissão de bens aqui em causa, é um activo que integra o património imobiliário detido pelo Fundo, que se situa na área urbana da ..., freguesia de ..., concelho de Sintra – localização esta que é, de resto, correspondente à morada de fornecimento identificada nas facturas em apreço.”; bem como que,
“o imóvel em questão corresponde a um prédio destinado a armazéns e serviços cuja exploração é assegurada pelo Fundo, e que é comumente designado por “Centro Empresarial da ...””.
Compulsado o PA, bem como a restante documentação disponibilizada, verifica-se que não consta, em qualquer parte, cópia das facturas em questão, sendo ainda de notar que as mesmas não são mencionadas sequer dos anexos ao RIT, nem neste é feita qualquer identificação das facturas em questão, limitando-se a mencionar que se reporta a “algumas faturas analisadas”.
Conforme é jurisprudência constante dos tribunais superiores da jurisdição tributária, “Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.” .
E como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, já citado “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
No caso, a Requerente, nos termos supra-referidos, impugna a asserção do RIT de que que o local de consumo não seja o local em que se situa o prédio do qual o Fundo é proprietário.
Não tendo sido disponibilizado qualquer elemento susceptível de corroborar a referida asserção do RIT, não se poderá ratificar, a mesma, concluindo-se pela verificação de erro de facto, e consequente erro de direito, pelo que deverá a correcção ora em apreço ser anulada, procedendo nesta parte o pedido arbitral.
*
vii.
Relativamente às regularizações de IVA a favor do Estado com referência a deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais, nos termos do artigo 26.º do Código do IVA, considera a Requerente que, em momento algum, recaiu sobre a esfera do Fundo uma obrigação de regularizar, a favor do Estado, o IVA deduzido relativamente às lojas vagas no Centro Comercial de ... .
Considera, em suma a Requerente que não era devida a prestação tributária, pelo que não seriam devidos os juros compensatórios, liquidados pela AT.
Todavia, não será possível reconhecer-lhe razão.
Efectivamente, e desde logo, verifica-se que, conforme consta do RIT e não é contestado pela Requerente, foi a própria Requerente que autoliquidou a prestação tributária em questão na Declaração periódica do 1.º Trimestre de 2014.
Não tendo – tanto quanto há notícia – a referida (auto)liquidação de imposto sido anulada, deverá considerar-se que a mesma está válida e eficaz na ordem jurídica, pelo que não poderá este Tribunal concluir de outra forma.
De todo o modo, e sem prejuízo do referido, acresce ainda que a pretensão da Requerente assenta no entendimento de que deverá ser dada relevância o facto de o proprietário do imóvel realizar todos os esforços necessários para que o imóvel possa ser novamente utilizado numa actividade tributada para efeitos de IVA , referindo ainda que teria procedido a “esforços contínuos empreendidos para lograr obter a rentabilização daquelas lojas” .
Ora, o certo é que nada se provou a tal respeito, não tendo a Requerente alegado qualquer facto que sustentasse o juízo conclusivo referido, designadamente identificando que acções tomou, quando, e de que forma, no sentido de “lograr obter a rentabilização daquelas lojas”.
Daí que, atenta a referida insuficiência factual, sempre haveria que improceder esta parte do pedido arbitral.
*
viii.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular parcialmente as liquidações objecto da presente acção arbitral, na parte correspondente às seguintes correcções:
i. No valor de € 4.409,66, integrado na correcção a que se refere o ponto III.1.7.1 do RIT, e respectivos juros;
ii. No valor de € 6.083,36, a que se reporta a correcção a que se refere o ponto III.1.7.3 do RIT, e respectivos juros;
b) Condenar a requerida na restituição das quantias indevidamente pagas por força das liquidações parcialmente anuladas, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;
c) Julgar improcedente o pedido arbitral na restante parte;
d) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €6.530,00, a cargo da Requerente, e de €202,00, a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 417.112,14, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €6.732,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Setembro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Adelaide Moura)
O Árbitro Vogal
(Paulo Lourenço)