DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I - RELATÓRIO
1. No dia 14 de Fevereiro de 2019, A..., LDA., titular do NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), visando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante, abreviadamente designado “IRC”) n.º 2017..., no valor de €52.568,52. A liquidação adicional em causa respeita ao exercício de 2014 e nela encontram-se reflectidas correcções (i) à matéria colectável, no montante de €81.500 e (ii) a tributações autónomas, no valor de €28.525, em ambos os casos relacionadas com pagamentos realizados a entidades sediadas em territórios de tributação privilegiada (Hong Kong e Emirados Árabes Unidos).
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ilegalidade das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente, “AT”), por errónea quantificação e qualificação da matéria tributável.
3. No dia 15-02-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo esta comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 04-04-2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 26-04-2019.
7. Em 31-05-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta ao pedido arbitral formulado, defendendo a improcedência do pedido, dada a sua total falta de apoio legal, tendo o processo administrativo (doravante “PAT”) sido junto aos autos em 06-06-2019.
8. Considerando que (i) não existia necessidade de produção de prova adicional, para além da prova documental junta aos autos (não foram arroladas testemunhas), (ii) não existia matéria de excepção sobre a qual as partes se devessem pronunciar e (iii) no processo arbitral vigora o princípio processual geral da economia processual, as Partes foram notificadas para indicar se prescindiam da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, em caso de resposta afirmativa, se prescindiam da apresentação de alegações ou se as pretendiam apresentar por escrito.
9. As Partes prescindiram da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como da apresentação de alegações.
10. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária.
2- A Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo ao exercício de 2014, de âmbito parcial, o qual incidiu sobre o IRC.
3- Deste procedimento resultaram correcções à matéria colectável de IRC, com fundamento na dedução indevida de gastos não aceites fiscalmente, por aplicação da alínea r) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 23.º-A do Código do IRC, e na falta de aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC.
4- Estão em causa as seguintes facturas, conforme resulta da página 10 do Relatório da Inspecção Tributária:
5- Em 29 de Março de 2017 e em 29 de Maio de 2017 foi a Requerente notificada pessoalmente, tendo-lhe sido solicitados esclarecimentos relativamente às referidas facturas.
6- A Requerente respondeu aos referidos pedidos de esclarecimentos através das cartas juntas a páginas 7 e 58 do PAT, tendo junto cópias das facturas relacionadas, cópias das escrituras de compra e venda dos imóveis inerentes aos negócios, cópias dos comprovativos de pagamento às entidades não residentes e cópia do protocolo comercial estabelecido com a B... .
7- Resulta do Relatório da Inspecção Tributária (páginas 11 e seguintes) que:
8- O Decreto Regulamentar n.º 15-A/2015, de 2 de setembro, que procedeu à terceira alteração ao Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro, que regulamenta do regime jurídico dos estrangeiros em território nacional, veio fixar o quadro procedimental e normativo a que deverão atender os requerentes da Autorização de Residência para Investimento (normalmente designados por “Golden Visa”).
9- No dia 16 de Julho de 2014, perante o notário C..., realizou-se uma escritura de compra e venda, através da qual a sociedade D..., S.A., pelo preço de € 550.000,00, vendeu a fração autónoma designada pela letra S, uma arrecadação com o n.º 2 e seis lugares para estacionamento automóvel, do imóvel sito no ..., n.º ... a ... e Rua ..., n.º ... a ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia de ... .
10- O adquirente do imóvel foi E..., de nacionalidade chinesa, não residente em Portugal à data, tendo a escritura sido subscrita pelo seu procurador F... .
11- Em 16-07-2014, a Requerente facturou ao vendedor deste imóvel (D..., S.A.) o valor de €121.951,22, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, num total de €150.000, sendo o descritivo da factura “Serviços de Mediação Imobiliária”.
12- No dia 22-07-2014, a G... emitiu uma factura à Requerente, no valor de €55.000, com o seguinte descritivo: “Services fee for the Marketing and Promotional of the Golden Visa in China and Hong Kong”.
13- No dia 30-07-2014, a H..., R.L. facturou à Requerente o valor de €11.000, acrescido de IVA à taxa legal, no valor total de €13.530, sendo o descritivo da factura “Assessoria Jurídica”.
14- No dia 04-10-2014, a sociedade I..., Sociedade Unipessoal, Lda., emitiu à Requerente uma factura no valor de €41.984,96, acrescida de IVA à taxa legal, no valor total de €51.649,50, a qual tinha como descritivo “Serv. Ang. Imobiliária”.
15- No dia 26 de Maio de 2014, perante o notário J..., realizou-se uma escritura de compra e venda, através da qual K... e L..., pelo preço de €530.000,00, venderam a fração autónoma designada pelas letras EF, destinada a habitação, com direito exclusivo ao uso de dois lugares de estacionamento designados pelos n.ºs ... e ... e de uma arrecadação com o n.º..., todos do imóvel sito na ..., lote 1.19.03A a lote 1.19.03M, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia de ... .
16- O adquirente do imóvel foi M..., de nacionalidade indiana, residente no Dubai à data, tendo a escritura sido subscrita pela sua procuradora N... .
17- Em 16-04-2014, a Requerente facturou à vendedora deste imóvel (L...) o valor de €13.250, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no valor total de €16.297,50, sendo o descritivo da factura “Serviços de Mediação Imobiliária – Referente a 50% da venda do imóvel sito na ..., ..., na freguesia de ..., concelho de Lisboa”.
18- Em 26-04-2014, a Requerente facturou ao vendedor deste imóvel (K...) o valor de €13.250, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no valor total de €16.297,50, sendo o descritivo da factura “Serviços de Mediação Imobiliária – Referente a 50% da venda do imóvel sito na ..., lote..., ..., na freguesia de ..., concelho de Lisboa”.
19- Em 03-06-2014, a O..., Lda. facturou à Requerente o valor de €4.967,63, acrescida de IVA à taxa legal, no valor total de €6.110,18, sendo o descritivo da factura “Prestação Serviços Imobiliários”.
20- Em 11-06-2014, a P... Unipessoal, Lda. facturou à Requerente o valor de €4.158, acrescida de IVA à taxa legal, no valor total de €5.114,34, sendo o descritivo da factura “Comissões Imobiliárias”.
21- Em 26-06-2014, a Q..., Lda. facturou à Requerente o valor de €3.693,63, acrescida de IVA à taxa legal, no valor total de €4.543,16, sendo o descritivo da factura “Comissões Imobiliárias”.
22- Em 29-04-2014, a B… facturou à Requerente o valor de €13.250, sendo o descritivo da factura “First instalment of the service fees for the Marketing and Promotional of the Golden Visa in the GCC countries and the handling of the process with Mr. M…”.
23- Em 08-06-2014, a B… facturou à Requerente o valor de €13.250, sendo o descritivo da factura “Second instalment of the service fees for the Marketing and Promotional of the Golden Visa in the GCC countries and the handling of the process with Mr. M…”.
24- A Requerente, no dia 28 de Agosto de 2017, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de imposto supra identificada.
25- Por ofício de 8 de Fevereiro de 2019, foi a Requerente notificada do despacho proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, o qual indeferiu aquela reclamação graciosa.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
Conforme já referido, a Requerente pugna pela ilegalidade das correções efetuadas pela AT, por errónea quantificação e qualificação da matéria tributável.
Estas correções fundamentaram-se no seguinte:
• Dedução indevida de gastos não aceites fiscalmente, por aplicação da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC e n.º 7 da mesma disposição legal;
• Falta de tributação autónoma, nos termos do n.º8 do artigo 88.º do Código do IRC.
Quanto à dedução indevida de gastos não aceites fiscalmente
Alega a Requerente que os gastos suportados com as comissões pagas às duas entidades acima identificadas, sediadas em Hong Kong e nos Emirados Árabes Unidos (Dubai) são dedutíveis para efeitos fiscais, e que não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.
Está em causa o disposto no artigo 23.º-A n.º 1 r) do Código do IRC, que estabelece como segue:
“Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”
Tanto o território de Hong Kong como o território dos Emirados Árabes Unidos estavam incluídos, em 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Assim, está em causa, na situação em análise, a prova, imposta pela supra citada norma, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, compete à Requerente.
Pode ler-se no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, que estamos perante a "aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
a- Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b- Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.".
Resulta ainda do referido Acórdão que:
"Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado."
Cumpre, assim, apurar se foi feita prova de que (i) estamos perante operações efectivamente realizadas e (ii) as mesmas não têm carácter anormal ou o montante em causa não é exagerado.
A Requerente alegou que, dada a sua actividade, adquire regularmente serviços de marketing e prospecção de mercado, sendo que o pagamento de comissões a entidades não residentes se insere no âmbito da sua actividade.
Alegou ainda que, considerada a existência da Autorização de Residência para Investimento (Golden Visa), as vantagens de tais serviços estão à vista e são perceptíveis nos dados económicos relativos ao regime acima identificado.
A Requerente juntou aos autos um conjunto de elementos que comprovam, do ponto de vista formal, a realização das operações realizadas.
Sucede que, dado o facto de as entidades que facturaram as comissões serem residentes em países com regimes de tributação mais favoráveis, e conforme resulta (entre outros) do Acórdão supra identificado, era exigível à Requerente que fizesse prova da materialidade das operações.
É certo que, como a Requerente indica, “o fato da requerente ter vendido os imóveis anteriormente referidos a cidadãos que, à data, tinham residência nos territórios das empresas angariadoras, é uma prova indireta, mas convincente, de que houve uma eficiente atividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a requerente dispunha de imóveis para venda.”. No entanto, atenta a redacção da norma legal aqui em causa, tal prova indirecta não é suficiente, cabendo à Requerente apresentar elementos que comprovem a efectiva realização da operação.
Ainda que não fosse exigível a apresentação de todos os elementos sugeridos pela AT (até porque, de facto, dificilmente a Requerente poderia ter acesso a dados como a identificação de recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor, sempre poderia ter disponibilizado elementos que permitissem demonstrar a materialidade das operações, como correspondência trocada relativamente a cada cliente ou evidência de informação sobre as vantagens do investimento facultadas aos parceiros não residentes por estes facultadas aos seus potenciais clientes.
Acresce que, o procedimento adoptado pela Requerente também não parece uniforme nas duas operações analisadas e levanta algumas questões sobre como as mesmas se processaram. Senão, vejamos.
Imóvel sito no Largo ...
Este imóvel foi vendido por €550.000, tendo a Requerente facturado ao vendedor serviços de mediação imobiliária de €150.000 (IVA incluído), correspondente a cerca de 27% do valor do imóvel. Esta factura parece debitar ao vendedor do imóvel as comissões facturadas pelos vários intervenientes no negócio (a Requerente, a sociedade I..., Lda., a H..., RL e o parceiro não residente), eventualmente acrescida da comissão da própria Requerente.
Sucede que:
• A factura emitida pela Requerente não identifica o montante da comissão relativa aos seus serviços, nem tão pouco identifica a operação a que respeita, não sendo possível verificar se aquele valor respeita a esta operação imobiliária ou a outra(s) . A soma dos valores facturados por cada interveniente foi de €92.400 (€26.400+€11.000+€55.000), a diferença corresponde à comissão da Requerente?
• A factura emitida pela I..., Unipessoal, Lda. tem um valor superior (€41.984,96) mas, segundo a Requerente, esta entidade recebeu pela angariação deste Cliente €26.400; o descritivo da factura não permite identificar se se refere a esta operação ou a outra(s);
• A factura emitida pela H..., RL não identifica claramente a que operação imobiliária respeita, podendo referir-se a esta operação ou a outra(s). Adicionalmente, os serviços jurídicos são, com frequência, facturados ao adquirente do imóvel, não à mediadora imobiliária.
Se é certo que estas operações não estão em causa no presente processo inspectivo e destes factos não podem ser retiradas consequências desfavoráveis para a Requerente, os mesmos levantam questões sobre os procedimentos adoptados no cálculo e facturação das comissões de mediação imobiliária, bem como nas operações realizadas por cada um dos intervenientes, entre os quais o parceiro não residente.
Imóvel sito na ...
Este imóvel foi vendido por €530.000, tendo a Requerente facturado a cada um dos vendedores o valor de €13.250, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, num total de €15.900 (considerados ambos os vendedores, a comissão foi de €26.500, sendo o valor com IVA €31.800).
Relativamente a esta operação, foram prestados esclarecimentos em momentos diferentes (Março e Maio de 2017), tendo o valor da comissão facturada pela Requerente indicado sido o mesmo (€26.500). No entanto, nos esclarecimentos prestados em Março, apenas se considerou uma factura emitida pelo parceiro não residente (factura n.º36), enquanto que no esclarecimento prestado em Maio se indicaram duas facturas (n.ºs 30 e 36), sendo que os valores das comissões dos outros intervenientes no negócio também eram substancialmente diferentes.
Neste caso, se a Requerente facturou aos vendedores do imóvel o valor de €26.500 e esse foi precisamente o valor da comissão que lhe foi facturada pelo parceiro não residente, a Requerente não obteve qualquer ganho, o que seguramente não foi o caso. Note-se que, além da comissão debitada pelo parceiro não residente, a Requerente indica ter suportado ainda comissões facturadas pelas entidades O..., Lda. (€9.646), P..., Lda. (€5.300) e Q..., Lda. (€2.650). Ora, é pouco crível que a Requerente tenha facturado uma comissão no valor de €26.500 quando, para a realização do negócio, suportou comissões no valor de €41.096 – se assim fosse, não teria realizado qualquer ganho nesta operação.
Também neste caso as facturas emitidas pelos vários intervenientes no negócio (excepção feita às facturas emitidas pela Requerente e pelo parceiro não residente) não permitem identificar a operação a que respeita, podendo referir-se a esta operação ou a outra(s).
Neste contexto, não pode deixar de se concluir que os esclarecimentos prestados ao longo do procedimento de inspecção tributária não permitem ter uma noção clara das operações realizadas e dos respectivos custos, e que a Requerente não logrou demonstrar a efectiva realização das operações subjacentes aos pagamentos realizados às entidades residentes em jurisdições de tributação mais favorável, como a lei fiscal exigia.
Relativamente à prova do carácter normal e do montante não exagerado das comissões, e como indicou a Requerente, o pagamento de uma remuneração pelos serviços de angariação de clientes para a venda de imóveis é normal, estando regulada pela Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (regime jurídico da atividade de mediação imobiliária).
Quanto ao “carácter exagerado”, a Requerente nada alegou sobre circunstâncias concretas de cada um dos negócios que permitissem tirar conclusões sobre a adequação do valor da comissão cobrada, limitando-se a indicar que as condições para a sua realização foram comunicadas aos proprietários dos imóveis interessados na sua venda e por estes aceites.
De facto, ainda que o valor da comissão possa ser livremente ficado, cabia à Requerente provar que tal valor cumpria as condições legalmente estabelecidas, o que poderia ser feito esclarecendo sobre a forma de cálculo das comissões ou comparando o seu valor com o de comissões cobradas em operações similares (sendo que, entre si, as comissões aqui em causa têm montantes bastante diferentes).
Sucede que, as alegações da Requerente não são suficientes para que a prova do carácter normal e montante não exagerado da operação se considere realizada. Efectivamente, e tal como pode ler-se no Acórdão do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no Processo 07022/13, estamos perante a "aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
a- Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b- Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.".
Resulta ainda do citado Acórdão que:
"Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.".
Conclui-se, portanto, que a Requerente não demonstrou que estamos perante operações efectivamente realizadas, nem que as mesmas não têm carácter anormal nem um montante exagerado, como exigiam as normas aplicáveis, pelo que não pode proceder o requerido.
Quanto à falta de tributação autónoma
A este propósito, refere a Requerente que “As correções propostas através do relatório de Inspeção Tributária têm que ser fundamentadas, obedecendo aos limites da lei e tendo em conta os direitos dos contribuintes, de modo a acautelar todos os meios de reação, visto que as correções terão, inevitavelmente, influência na esfera jurídico-tributária do contribuinte.”.
E que, não obstante ambas as jurisdições se encontrarem na lista constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, Portugal assinou convenções para evitar a dupla tributação com ambas, pelo que, conforme pode ler-se nos artigos 87.º e seguintes do Requerimento Inicial:
“87
Com efeito, a inspeção tributária aplicou as normas tributárias sem que antes tenha averiguado se às entidades em causa elas são aplicáveis.
88º
Ao contrário do que é referido na resposta ao direito de audição, conforme página 21 do relatório, o sujeito passivo não está a invocar a inconstitucionalidade das leis fiscais, muito pelo contrário, está a exigir o seu cumprimento.
89º
Nestes termos não é legítimo concluir, sem antes provar que os pagamentos em causa tiveram como destino entidades localizadas em territórios de tributação privilegiada.
90º
Não existe em todo o relatório qualquer evidência de diligências feitas pela inspeção que permitam provar que tais pagamentos se dirigiram a entidades sediadas em territórios de tributação privilegiada, uma vez que Portugal tem Convenção sobre dupla Tributação celebrada com os mesmos territórios.
91º
Quer isto dizer que compete previamente à Autoridade Tributária provar, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, as afirmações que refere no relatório e que sustentam as correções propostas.
92º
Isto mesmo é referido nas conclusões do Acórdão proferido em 19 de fevereiro de 2015, no Processo n.º 08126/14 do Tribunal Central Administrativo Sul, o qual é parcialmente citado na página 12 do relatório, e que passamos a transcrever: “…à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo acionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou coletiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.”.
93º
Forçoso, portanto, é concluir pela ilegalidade da aplicação das tributações autónomas.”
Quanto ao tema da fundamentação, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 380/2018-T o seguinte:
“Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da Constituição da República Portuguesa) e legal (artigo 77.º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;
3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.
O artigo 77.º, n.º 1 da LGT refere, assim, que: "A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.".
Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão fundamentam-se, exclusivamente, na declaração de imposto, bem ou mal, apresentada pela Requerente.
Ora, como referiu o Ac. do TCA-Sul de 03-12-2015, proferido no processo 07854/14:
"A fundamentação dos actos tributários ou "praticados em matéria tributária" que "afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes" estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação "per relationem" - cfr.artº.125, do C.P. Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. artº.125, nº.2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/ 12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).”
Dúvidas não restam, assim, de que a aplicação da taxa de tributação autónoma se encontra devidamente fundamentada.
Decorre do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC que “São sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”.
Resulta do referido preceito legal que os pagamentos realizados a entidades com sede em jurisdições de tributação mais favorável estão sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 35%, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.
Exige-se, neste caso, a prova dos mesmos factos que se exige para que os valores pagos a entidades com sede em jurisdições de tributação mais favorável sejam aceites como gastos, nos termos do disposto no artigo 23.º-A n.º 1 r) do Código do IRC, a contrario.
O facto de Portugal ter assinado convenções para evitar a dupla tributação com Hong Kong e com os Emirados Árabes Unidos não implica que normas fiscais como as que se encontram em análise não possam vigorar no ordenamento jurídico português. Implica, sim, que, relativamente a algumas matérias (como a competência para tributar determinados rendimentos ou as taxas a que esses rendimentos podem ser tributados em cada país), as normas convencionais primem sobre o direito interno. Mas nada obsta a que Portugal continue a aplicar normas como aquelas que aqui nos ocupam e que permitem a limitação da dedutibilidade fiscal de pagamentos realizados a jurisdições de tributação mais favorável, ou a aplicação de taxas de tributação autónoma mais elevadas.
Também neste caso, a Requerente não logrou demonstrar que os valores aqui em discussão correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. Por esse motivo, a sujeição desses montantes a tributação autónoma, à taxa de 35%, não merece censura e deve manter-se.
C. DECISÃO
Termos em que decide Tribunal Arbitral julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por falta de fundamento legal e, em consequência:
a. Manter na ordem jurídica a Liquidação Adicional de IRC supra identificada, bem como a decisão proferida em sede de reclamação graciosa;
b. Condenar a Requerente nas custas do processo.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €52.568,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que a mesma deu causa à presente acção arbitral, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de Setembro de 2019
O Árbitro
(Marta Gaudêncio)