DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os Árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), Amândio Silva e Ana Luísa Cabral Basto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I. Relatório
1. A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva de direito português com o número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) e de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede na Rua ..., ...-... ... e registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (doravante designada Requerente), apresentou requerimento de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – doravante “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também designada por “AT”).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo tem em vista a anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios, com o número 2018..., no montante de Euro 91 220,44 (noventa e um mil e duzentos e vinte euros e quarenta e quatro cêntimos), relativamente a correções aritméticas no montante de Euro 330 421,39 (trezentos e trinta mil, quatrocentos e vinte e um euros e trinta e nove cêntimos) efetuadas ao lucro tributável no exercício de 2015 e de correções à Derrama Municipal e à Derrama Estadual no montante de Euro 14 589,17 (catorze mil, quinhentos e oitenta e nove euros e dezassete cêntimos). A Requerente peticiona, ainda, reembolso das quantias indevidamente pagas e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária.
3. No dia 8 de janeiro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
5. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram os signatários designados como árbitros do presente Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 18 de março de 2019, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
7. Em síntese, os fundamentos apresentados pela Requerente para efeitos do pedido de pronúncia arbitral foram os seguintes:
a) A Requerente é uma sociedade de direito português que, conforme dispõe o artigo 4.º dos seus Estatutos, tem por objeto social o “comércio de artigos de audição, prática de testes de audição e formação de técnicos operadores dos artigos a comercializar”.
b) Em sede de IRC, a Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil.
c) Na sequência da Ordem de Serviço com o número OI2018..., com despacho datado de 7 de fevereiro de 2015, a Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo, de natureza interna e âmbito univalente (IRC), com incidência no exercício de 2015.
d) Em resultado deste procedimento de inspeção, foram efetuadas correções ao lucro tributável da Requerente, passando este de Euro 5 899 228,56 (cinco milhões, oitocentos e noventa e nove mil e duzentos e vinte e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) para Euro 6 229 649,95 (seis milhões, duzentos e vinte e nove mil e seiscentos e quarenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos).
e) As correções em apreço, no montante de Euro 330 421,39 (trezentos e trinta mil, quatrocentos e vinte e um euros e trinta e nove cêntimos), encontram-se alicerçadas em alegadas irregularidades cometidas pela Requerente em sede de IRC, relativas à majoração, em excesso, do benefício fiscal para a criação de emprego e relativas à dedutibilidade de certas despesas que, de acordo com o entendimento propugnado pela AT, não devem concorrer para a formação do lucro tributável.
f) Assim, o montante acima referido corresponde, em parte, a correções efetuadas à majoração do benefício fiscal para a criação de emprego, consagrado no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), no montante de Euro 14 895,43 (catorze mil, oitocentos e noventa e cinco euros e quarenta e três cêntimos), em resultado de um ajustamento proporcional do limite anual de majoração dos encargos que, segundo a AT, deveria ter sido efetuado pela Requerente.
g) Sendo que o montante remanescente, de Euro 315 525,96 (trezentos e quinze mil, quinhentos e vinte e cinco euros e noventa e seis cêntimos), corresponde a correções efetuadas a despesas incorridas pela Requerente com uma viagem ao Brasil proporcionada aos seus trabalhadores, atribuída em 2015 e realizada e faturada em 2016, que a AT considera não observarem as condições necessárias para que possam ser assumidos como fiscalmente dedutíveis.
h) Com efeito, no que respeita à majoração do benefício fiscal para a criação de emprego, a Requerente deduziu, no campo 774 do Quadro 07 (“Benefícios fiscais”) da Declaração Modelo 22, relativa ao exercício de 2015, o montante de Euro 83 066,14 (oitenta e três mil e sessenta e seis euros e catorze cêntimos) ao seu resultado líquido do exercício.
i) Para efeitos da aplicação da alínea c) do n.º 2 do artigo 19.º do EBF, a Requerente considerou como encargos, por trabalhador, os correspondentes à sua remuneração fixa anual e contribuições para a segurança social a seu cargo.
j) De facto, e conforme constatado pela AT, a Requerente considerou a majoração anual relativa aos encargos todos os trabalhadores que preenchem as condições de elegibilidade do benefício fiscal em apreço, apesar de “quatro dos seus funcionários (…) só terem trabalhado na empresa por períodos inferiores a um ano”.
k) Nesse sentido, sustenta a AT que, relativamente a essas trabalhadoras, deveria ter sido efetuado um ajustamento proporcional do limite anual de majoração dos encargos apenas aos meses em que elas preencheram efetivamente as condições mencionadas no artigo 19.º do EBF.
l) Refere ainda a Requerente que, no âmbito do relatório de inspeção tributária, a AT alicerça o seu entendimento, em primeiro lugar, no seguinte argumento, “se o trabalhador esteve a exercer funções por período inferior a um ano, o limite máximo a utilizar será proporcional ao tempo despendido ao serviço da empresa”. Neste sentido, “A Administração Fiscal tem entendido que o limite anual de majoração dos encargos deve ser ajustado proporcionalmente aos meses em que o trabalhador esteve efetivamente em condições de elegibilidade para o benefício fiscal”.
m) Quanto a este argumento a Requerente contrapõe, alegando que não se encontra no teor do n.º 3 do artigo 19.º do EBF a obrigação do intérprete efetuar o ajuste da majoração, isto é, que o limite máximo desta seja reduzido proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho sem termo elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no n.º 5 do artigo 19.º do EBF. Pelo contrário, o legislador, no n.º 3 do artigo 19.º, refere-se ao “montante máximo de majoração”.
n) De acordo com a Requerente, uma vez que o legislador se encontra obrigado a “(…) usar linguagem precisa nas normas que concedem os benefícios, utilizando os conceitos que usa no sentido tradicional” (referenciando, a este respeito, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, proferida no âmbito do processo n.º 0152/10, de 5 de maio de 2010), não se reconhece forma de concluir que deva ser efetuado o ajuste na majoração em função da duração efetiva dos contratos de trabalho sem termo, porque se o legislador pretendesse tal ajustamento, tê-lo-ia expressamente previsto.
o) Esta conclusão é reforçada com recurso ao elemento histórico de interpretação, quando se constata que, com o Orçamento de Estado de 2003 (referenciando, a este respeito, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro), o montante máximo de benefício fiscal a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual de majoração deste.
p) A Requerente faz alusão ao entendimento proferido pelo Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no âmbito da decisão do Tribunal Arbitral no processo n.º 212/2013-T, de 26 de fevereiro, nos termos do qual a única razão que, abstratamente, poderia explicar limitações de majoração “seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que preveem benefícios fiscais, que são justificados por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se “interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impendem” (artigo 2.º, n.º 1 de EBF)”.
q) Assim, entende a Requerente que, ainda que a finalidade teleológica inerente a este benefício fiscal seja compatível com qualquer das interpretações em confronto, a mesma não se opõe à sua interpretação.
r) O segundo argumento da AT para justificar o ajustamento proporcional do limite anual de majoração dos encargos passa pelo seguinte raciocínio: “como o benefício só pode ser usufruído por 5 anos de contrato de trabalho, terá que ser o limite máximo da majoração necessariamente limitado, proporcionalmente, aos meses de trabalho efetivos, sob pena da empresa estar a beneficiar desse mesmo benefício durante um período superior (6 anos) ao legalmente previsto (5 anos)”.
s) Neste sentido, entende a Requerente que, considerando que o legislador se reporta, no n.º 3 do artigo 19.º do EBF, a anos civis, como se infere do facto do benefício ser anual e calculado em função do salário mínimo nacional (que é fixado anualmente), a majoração tem sempre a duração máxima de cinco anos a contar do início da vigência do contrato, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do EBF, pelo que é difícil compreender como se pode concluir, como defende a AT, que o benefício fiscal ocorreria “durante um período superior (6 anos)” (a este respeito, a Requerente referencia a Decisão do Tribunal Arbitral n.º 212/2013-T, de 26 de fevereiro).
t) Por último, a Requerida refere, ainda, que a interpretação da Requerente, de que a majoração se reporta ao montante anual, independentemente da duração dos contratos de trabalho sem termo elegíveis, colide com “o princípio da igualdade material (artigo 13.º da Constituição), face a outros trabalhadores que se mantiveram em funções na pendência de todo o exercício”.
u) Quanto a este argumento, a Requerente contrapõe que, se os benefícios fiscais já configuravam um afastamento das regras que asseguram a tributação em função da capacidade contributiva, as exigências do princípio constitucional da igualdade material não se traduzem num obstáculo à previsão de regimes fiscalmente privilegiados.
v) A este respeito, a Requerente invoca a Decisão Arbitral n.º 662/2016-T, de 20 de julho de 2017, que esclarece que “a previsão de benefícios fiscais, ainda que justificada pela prossecução de fins de interesse público, não deixa, no plano normativo, de estabelecer regimes particulares de tributação e, como tal, trata de forma dissemelhante situações submetidas ao mesmo imposto”.
w) Com efeito, entende a Requerente que o acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do sujeito passivo, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não cumprir e, consequentemente, não usufruir da medida. Nesse sentido, se os efeitos do benefício fiscal se modificarem de acordo com o momento em que ocorre o preenchimento das suas condições, caberá ao sujeito passivo uma gestão eficiente desse momento, de modo a otimizar os seus efeitos.
x) Mais uma vez, a Requerente alude à antedita Decisão Arbitral, de acordo com a qual “nos benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos não existirá o tratamento discriminatório, ofensivo do princípio da igualdade, pela norma que estatui os esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico algum nas condições de acesso”.
y) Pelo exposto, considera a Requerente que as correções ao lucro tributável efetuadas pela AT, no montante de Euro 14 895,43 são ilegais, por erros sobre os pressupostos de direito e de facto sobre os quais assentam.
z) No que respeita à despesa realizada com uma viagem ao Brasil proporcionada aos seus trabalhadores, atribuída em 2015 e realizada e faturada em 2016, a Requerente qualificou como sendo dedutível, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, no período de 2015, cujo valor de Euro 315 525,96 foi registado na conta #6372 (“Ação Social – Eventos c/ pessoal), a qual compreendia, na sua totalidade, o montante de Euro 348 483,92 (trezentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e três euros e noventa e dois cêntimos) - conforme registado no balancete, suja cópia a Requerente junto em anexo como Documento n.º 9 à petição de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo.
aa) De acordo com a Requerente, o referido montante de Euro 315 525,96 respeita a uma atividade de team building realizada fora do país, sendo que: (i) Euro 19 708,32 (dezanove mil, setecentos e oito euros e trinta e dois cêntimos) respeitam a um acerto do valor do gasto referente à atividade de team building atribuída em 2014, que ocorreu e foi faturada em 2015 e (ii) Euro 295 817,64 (duzentos e noventa e cinco mil, oitocentos e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos) respeitam ao valor do reconhecimento do gasto da viagem atribuída em 2015 que ocorreu e foi faturada em 2016.
bb) Conforme denota a Requerente, de acordo com a AT, estes gastos não deveriam ser dedutíveis fiscalmente, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, porquanto:
cc) “não se encontrando identificados os beneficiários da viagem, não se pode aquilatar da sua real utilidade/indispensabilidade para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC (…) [Assim] não pode este gasto ser aceite fiscalmente nos termos do artigo 23.º do CIRC”.
dd) Em segundo lugar, justifica a AT que “o gasto em apreço não tem uma relação direta ou indireta com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC”.
ee) Conforme refere a Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
ff) Com efeito, na redação introduzida pela reforma do IRC, ocorrida em 2014 (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), esta disposição legal veio consagrar um princípio geral segundo o qual, na determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, desde que por este incorridos ou suportados.
gg) Consequentemente, no entendimento da Requerente, ainda que a redação do artigo supramencionado, que vigorou até à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, fizesse depender a dedutibilidade dos gastos da densificação do conceito indeterminado de “indispensabilidade”, colocando diversas dificuldades interpretativas e de concretização, esse entendimento já se encontra ultrapassado.
hh) A Requerente assinala, ainda, que a não identificação dos beneficiários da viagem não constitui um indício relevante para efeitos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
ii) Não obstante, a Requerente refere que os beneficiários da viagem são os funcionários da Requerente, embora, excecionalmente, também terem beneficiado alguns familiares, cujas despesas foram, parcialmente, suportados pelos próprios.
jj) Sendo que, por outro lado, a Requerente considera que, caso a AT tivesse argumentos que fundamentassem a sua posição, teria que ter concluído o seu raciocínio de acordo com as regras previstas no Código do IRC: o custo não é aceite por falta de documentação e, adicionalmente, proceder à liquidação de uma tributação autónoma relativamente a estes custos não documentados ou mal documentados, nos termos do artigo 88.º do código do IRC.
kk) No que, em concreto, concerne ao argumento da AT de que “o gasto em apreço não tem uma relação direta ou indireta com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC”, a Requerente considera ser, hoje, inequívoco que, de acordo com o atual texto da lei, não é exigido para a relevância dos gastos que estes tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que estes tenham sido suportados no interesse da empresa, com a intenção de obter ou garantir os seus rendimentos (neste sentido, a Requerente invoca os Acórdãos Arbitrais referentes aos Processos n.º 607/2017-T e 585/2014-T), é possível aferir, através de dados objetivos, que os gastos incorridos pela Requerente são indispensáveis para a realização dos seus proveitos.
ll) Para corroborar o seu entendimento, a Requerente invoca a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, em matéria de dedutibilidade, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, de viagens, de caráter lúdico, pagas por uma empresa aos seus funcionários da área comercial, afirmando que, se resultar com clareza que “o intuito objetivo que levou a recorrente a suportar tal despesa teve a sua génese o interesse social da empresa, traduzida num estímulo para conseguir melhor desempenho na área comercial no pressuposto de que todos os vendedores anseiam por reconhecimento e compensação material”, o gasto é qualificado como dedutível (neste sentido, a Requerente igualmente invoca o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 2918/05.5BELSB, de 16 de novembro de 2017, bem como o Acórdão Arbitral n.º 795/2014-T, de 7 de julho de 2015, em especial o ponto 3.2.).
mm) Neste sentido, a Requerente discorda do argumento apresentado pela AT, que afirma que “as vendas da empresa estão sujeitas às regras da oferta e da procura (…) [e] são os clientes que, em última instância, decidem se compram, ou não, o produto. Nesta conformidade, a obtenção de proveitos está dependente [exclusivamente] da vontade de compra dos clientes”.
nn) Nesse sentido, o motivo objetivo que levou a Requerente a suportar a viagem em apreço teve a sua génese no interesse social da empresa.
oo) Por outro lado, a Requerente argumenta que as normas de determinação da matéria coletável que desenvolvem as regras de incidência – como claramente sucede com as que recortam a noção de custo fiscal – modelam de forma direta o resultado fiscal, pelo que onde a lei não preveja expressamente desvios ao princípio da relevância dos custos, não podem estes deixar de ser fiscalmente aceites.
pp) Neste contexto, a Requerente alude ao princípio constitucional segundo o qual as empresas devem ser fundamentalmente tributadas de acordo com o seu lucro real, sendo que, ao abrigo deste princípio, têm relevância fiscal todos os encargos suportados pelas sociedades na prossecução dos seus objetivos estatutários.
qq) Ora, de acordo com a formulação do artigo 23.º do Código do IRC, um custo fiscal, para ser aceite, deverá preencher, cumulativamente, 5 requisitos:
1. Efetividade/existência (objetiva (existência de facto) e subjetiva (custo suportado por um sujeito passivo));
2. Contabilização (inscrito na contabilidade e suportado por faturas);
3. Comprovação (deverá ser um custo documentado);
4. Não existir qualquer preceito legal expresso que negue a dedutibilidade do custo;
5. Custo devidamente imputado (de um ponto de vista temporal).
rr) Com respeito à aplicação deste normativo, a Requerente sublinha que os critérios subjetivos, como a indispensabilidade do custo ou a ligação aos proveitos e ganhos sujeitos a imposto, foram já retirados da letra da lei (artigo 23.º do código do IRC) e há muito já havia sido afastada pela doutrina relevante e também pela jurisprudência fiscal portuguesa.
ss) Com efeito, entende a Requerente que o artigo 23.º do Código do IRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos atos de gestão das empresas: num ordenamento jurídico que reconheça expressamente a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode ser sindicada pela Administração, a menos que sobre elas recaia a suspeita de que são ilegais.
tt) Por outro lado, a Requerente salienta que um custo não poderá ser desconsiderado pela AT em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa.
uu) Sendo que a aplicação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC para desconsiderar fiscalmente um custo efetivamente suportado está, portanto, circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiro (neste sentido, a Requerente não só faz alusão a Ludwig Schmidt, Einkommensteuergesetz Kommentar, 1995, 14ª edição, anotação 483 ao § 4, como também faz referência a jurisprudência que tem reconhecido este entendimento – e.g., decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 6350/02 de 24 de junho de 2003).
vv) Assim, o custo suportado pela Requerente cumpre com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, pelo que deve ser considerado como fiscalmente dedutível.
ww) Sendo de salientar que este mesmo custo foi suportado pela Requerente e registado na contabilidade, conforme se afere pela análise ao balancete (anexado pela Requerente como Documento n.º 9 anexo ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo).
8. Em face do exposto, a Requerente considera que a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios com o número 2018..., no montante de Euro 91 220,44, relativamente a correções aritméticas no montante de Euro 330 421,39 efetuadas ao lucro tributável no exercício de 2015 e de correções à Derrama Municipal e à Derrama Estadual no montante de Euro 14 589,17, encontram-se inequivocamente inquinadas de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito sobre os quais assentam, não podendo validamente manter-se na ordem jurídica e devendo, consequentemente, ser anuladas, com todas as consequências legais.
9. A AT contestou a pretensão da Requerente, apresentando defesa por impugnação, mediante os seguintes fundamentos que, em síntese, se expõem de seguida:
a) Antes de contestar a sindicância preconizada pela Requerente quanto à correção levada a cabo pela Inspeção Tributária (IT) relacionada com o benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho, a Requerida faz alusão ao texto da norma aplicável ao caso – artigo 19.º do EBF –, na redação à data dos factos:
“1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício. (…)
3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida. (…)
5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho. (…)” (sublinhado da Requerida).
b) Refere a Requerida que, no decurso do procedimento inspetivo, sobre esta matéria em concreto, verificou a IT que a Requerente, relativamente a quatro dos seus funcionários, havia inscrito o limite máximo de € 7.070,00 para efeitos de usufruto do benefício, pese embora estes terem trabalhado na empresa por períodos inferiores a um ano:183 dias no caso de B...; 97 dias no caso de C...; 60 dias no caso de D..., e 351 dias no caso de E... .
c) De acordo com a Requerida, os n.os 3 e 5 do referido artigo 19.º do EBF têm de ser lidos e interpretados em conjunto e, deste modo, se o n.º 5 da citada norma estipula um limite temporal para o benefício fiscal, que se calcula com base no período de vigência do contrato, a majoração máxima a que se refere o n.º 3 também deve ter por base o mesmo período.
d) Ou seja, o limite anual da majoração tem de ser proporcionalmente ajustado aos meses em que o trabalhador esteve efetivamente em condições de elegibilidade para o benefício fiscal, não só para garantir que o benefício só seja usufruído pelo período legalmente previsto (5 anos), mas também sob pena de colidir com o princípio da igualdade material (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa - CRP), face a outros trabalhadores que se mantiveram em funções na pendência de todo o exercício.
e) No entanto, reitera a Requerida que, tal realidade não pode produzir vantagens fiscais superiores em relação a outros sujeitos passivos em que existe coincidência entre o período durante o qual usufrui do benefício fiscal e o período de tributação.
f) E essa igualdade de tratamento perante a lei apenas é obtida se, no ano em que se verificar o início ou o fim das condições de elegibilidade do trabalhador para efeitos do benefício fiscal em apreço, o limite máximo da majoração for ajustado proporcionalmente ao tempo em que se verificam essas condições. Neste sentido, a Requerida invoca o Acórdão prolatado pelo TCA Sul, a 02.06.2014, no processo 07437/14. No mesmo sentido, a Requerente aludiu ao acórdão do STA, de 20-02-2019 (processo n.º 095/16.5BESNT 0823/17).
g) Consequentemente conclui a Requerida que sobre esta matéria, não padece a liquidação de qualquer vício.
h) No que respeita à não aceitação dos gastos, relacionados com viagens ao Brasil, no valor total de € 315.525,96, contabilizados em 2015, conforme consta do RIT, aquele montante, registado na conta 6732, comporta o reconhecimento do acréscimo de gasto relativo a uma viagem atribuída em 2015, mas que foi realizada e faturada, em 2016, e também acertos de gastos referentes a outra viagem realizada e faturada em 2015, mas que foi atribuída em 2014 e cujo gasto foi reconhecido na sua maioria por acréscimo nesse exercício de 2014.
i) A Requerida começa por fazer referência à redação em vigor, em 2015, do artigo 23.º do Código do IRC, nos termos da qual o n.º 1 deste artigo dispunha que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. (sublinhado da Requerida).
j) Uma vez que a norma em causa foi objeto de alteração na sequência da reforma do IRC, a Requerida menciona o que é dito no Relatório Final da Comissão para a Reforma do IRC - 2013, onde, na pág. 128, se refere que “(…) na doutrina é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.
A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.(…)” (sublinhados da Requerida).
k) Assim, reitera a Requerida que esta nova redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC “(…) passa a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados”.
l) Com efeito, de acordo com a Requerida, nos termos da referida norma, os gastos têm de respeitar dois princípios, que se devem verificar cumulativamente - encontrarem-se devidamente documentados (nos termos dos n.os 3, 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC), e serem incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
m) Consequentemente conclui a Requerida que, se é certo que os gastos estão documentados, também o é que a Requerente não identificou – no procedimento inspetivo ou agora, em sede arbitral – sequer os beneficiários das viagens, pelo que não é assim possível apurar se os referidos gastos foram “suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
n) Neste contexto, a Requerida entende que a exclusão da menção “comprovadamente indispensáveis” existente na redação anterior do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC não significa uma alteração radical nas regras de dedutibilidade, ao ponto de qualquer despesa feita e contabilizada possa ser aceite sem mais.
o) O que se pretendeu, com a retirada daquela expressão da norma, foi assegurar que à assunção do encargo presidiu uma verdadeira motivação empresarial e não uma qualquer outra (interesse pessoal dos sócios, credores, sociedades do grupo), pois só assim aquele gasto pode ser indispensável.
p) A este propósito, a Requerida invoca a decisão proferida pelo STA, no acórdão prolatado a 15.11.2017, no processo 0372/16 e o acórdão do TCA Sul, proferido no processo 74/01.7BTLRS a 14.02.2019.
q) De acordo com a Requerida, não reconhecer um determinado gasto não implica qualquer apreciação da oportunidade ou mérito da gestão exercida, mas apenas e tão só o reconhecimento da impossibilidade de atingir os fins que uma empresa pretende alcançar – proveitos.
r) No caso em apreço, apesar de ter sido questionada, a Requerente nunca identificou os efetivos beneficiários daquele gasto, o que inviabiliza o estabelecimento de qualquer ligação entre a despesa e a atividade da empresa, ou a perceção se os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC como diz a lei expressamente.
s) Com efeito, entende a Requerida que nada garante que aqueles gastos foram incorridos pela Requerente com os trabalhadores da empresa e não com o sócio/gerente e familiares ou outros e, nesse caso, o objetivo que diz ter presidido à existência dos mesmos, nomeadamente “o fortalecimento de laços profissionais, o incremento da motivação dos trabalhadores e o incentivo à sua produtividade”, não tem qualquer cabimento no espírito e na letra da lei.
t) A Requerida conclui que não é pelo facto de estar bem posicionada no mercado face aos concorrentes, ou de alegar a importância do team building (que não se contesta), que se demonstra a conexão material das viagens feitas com a atividade exercida pela Requerente.
u) Consequentemente, não o tendo feito, como lhe cabia atento o ónus da prova que lhe está acometido nos termos do artigo 74.º da LGT, não pode aquele montante ser aceite fiscalmente.
v) Face ao exposto, é convicção da Requerida que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
10. Por despacho de 30 de abril de 2019, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e prosseguir com o processo para a fase de alegações escritas facultativas.
11. A Requerente apresentou alegações no dia 14 de maio de 2019 e a Requerida apresentou contra-alegações em 24 de maio de 2019.
II – Matéria de facto
II.1. Factos provados
No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
12. A Requerente é uma sociedade de direito português que, conforme dispõe o artigo 4.º dos seus Estatutos, tem por objeto social o “comércio de artigos de audição, prática de testes de audição e formação de técnicos operadores dos artigos a comercializar” (cuja cópia foi disponibilizada como Documento n.º 3 anexo ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo).
13. A Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil.
14. A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo, de natureza interna e âmbito univalente (IRC), com incidência no exercício de 2015, em cumprimento do disposto na Ordem de Serviço com o número OI2018..., com despacho datado de 7 de fevereiro de 2015.
15. Em resultado deste procedimento de inspeção, foram efetuadas correções ao lucro tributável da Requerente, no montante de Euro 330 421,39, com base em irregularidades cometidas pela Requerente em sede de IRC, relativas à majoração, em excesso, do benefício fiscal para a criação de emprego (no montante de Euro 14 895,43) e relativas à dedutibilidade de despesas incorridas pela Requerente a uma viagem ao Brasil (no montante de Euro 315 525,96) que, de acordo com os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”), não são elegíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.
16. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios com o número 2018..., no montante de Euro 91 220,44.
17. A Requerente saldou o montante de imposto indevidamente liquidado e de juros compensatórios, de Euro 91 220,44 (noventa e um mil, duzentos e vinte euros e quarenta e quatro cêntimos).
18. A Requerente procedeu ao pagamento integral dos montantes exigidos, dentro do prazo de pagamento voluntário dos mesmos, embora tal não implique a concordância com a sua liquidação.
19. No campo 774 do Quadro 07 (“Benefícios fiscais”) da Declaração Modelo 22, relativa ao exercício de 2015 (cuja cópia foi anexada, sob a designação de Documento n.º 4, ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo), a Requerente deduziu Euro 83 066,14 (oitenta e três mil e sessenta e seis euros e catorze cêntimos) ao seu resultado líquido do exercício, respeitantes à majoração do benefício fiscal para a criação de emprego.
20. A Requerente considerou como encargos, por trabalhador, os correspondentes à sua remuneração fixa anual e contribuições para a segurança social a seu cargo (conforme cálculos refletidos no documento junto em anexo ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, sob a designação de Documento n.º 5).
21. Relativamente a quatro dos seus funcionários, a Requerente inscreveu o limite máximo de € 7.070,00 para efeitos de usufruto do benefício, apresarem de apenas terem trabalhado na empresa durante um período de, respetivamente, 183 (cento e oitenta e três), 97 (noventa e sete) e 60 (sessenta) dias.
22. Relativamente à trabalhadora E..., apesar de esta ter exercido a sua atividade na empresa na totalidade do período de 2015, apenas preencheu as condições de elegibilidade do benefício fiscal para a criação de emprego durante um período de 351 (trezentos e cinquenta e um) dias.
23. A Requerente suportou encargos com uma viagem ao Brasil – conforme resulta da fatura n.º FAC 01.A/29233, de 7 de abril de 2015, emitida pela empresa F... e Turismo, Lda., no montante de Euro 324 320,00 (cuja cópia foi junta pela Requerente como Documento n.º 11 anexo ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo), a qual tem o seguinte conteúdo:
24. A Requerente qualificou como dedutível, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, no período de 2015, a totalidade do montante registado na conta #6372 (“Ação Social – Eventos c/ pessoal), correspondente a Euro 348 483,92 (conforme registado no seu balancete, cuja cópia foi junta em anexo ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, sob a designação de Documento n.º 9).
25. No extrato de conta corrente da conta #6372 (“Ação Social – Eventos c/ pessoal) foram registadas diversas tranches referentes à viagem ao Brasil, e cuja contrapartida foi a conta #272257 (“… Contingências – Competições”).
26. Não obstante, os gastos relativos à fatura emitida, no ano de 2015, pela F... foram reconhecidos, na sua maioria, no ano de 2014, através de acréscimos de gastos.
27. O montante total das despesas com viagens ao Brasil, contabilizadas pela Requerente como gasto no ano de 2015 ascendeu a Euro 315 525,96, com a seguinte discriminação:
(i) Euro 19 708,32 respeitante a um acerto do valor do gasto referente à viagem atribuída em 2014, que ocorreu e foi faturada em 2015; e (ii) Euro 295 817,64 referente ao valor do reconhecimento do gasto da viagem atribuída em 2015 que ocorreu e foi faturada em 2016.
II.2. Factos não provados
28. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
II.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
29. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
III – Saneamento
30. O Tribunal foi regularmente constituído nos termos do RJAT.
31. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
32. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
33. O processo não enferma de nulidades.
IV – Matéria de Direito
1. Benefício fiscal de criação líquida de emprego
A primeira questão controvertida consiste em determinar se o benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF deverá ser ajustado proporcionalmente nas hipóteses em que os contratos de trabalho elegíveis tenham uma duração inferior a um ano, por iniciarem ou cessarem durante o período de tributação.
A Requerente considera que o limite máximo da majoração reporta-se ao montante anual, independentemente da duração do contrato; a Requerida defende que se deve ter em conta a duração efetiva dos contratos.
A redação do artigo 19.º do EBF, em vigor a 31 de dezembro de 2015, estabelecia o seguinte:
1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:
a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;
b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;
c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;
d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.
3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.
5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.
6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.
A questão tem vindo a ser tratada de forma distinta pela jurisprudência, adiantando-se desde já que seguiremos de perto o sentido e fundamentação da decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014, em o coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, bem como as mais recentes decisões n.ºs 249/2018, de 25/03/2019, e 662/2016, de 20/07/2017. Jurisprudência esta confirmada em recente Acórdão do STA de 8 de maio de 2019 (Proc 01054/17.6BALSB).
O presente regime foi criado com o objetivo de incentivar o aumento de postos de trabalho para jovens e, mais tarde, desempregados de longa duração , através de contratos de trabalho sem termo, com a obrigação de manter estes contratos de trabalho nos anos seguintes. Para tal, o legislador permite a majoração pela entidade patronal dos encargos com a contratação dos trabalhadores à matéria coletável, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC.
A majoração dos gastos permite um desagravamento fiscal que assume a natureza de benefícios fiscal, no sentido a que se refere o artigo 2.º, n.º 1, do EBF: “medida de caráter excecional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem.” O benefício é concedido pelo período de cinco anos a contar da data da vigência do contrato de trabalho.
Na interpretação do sentido das normas fiscais e qualificação dos factos devem observar, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Acrescenta-se no n.º 2 que “Sempre que, nas normais fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daqueles que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.” Por fim, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas, deve atender-se à substância económica dos factos (n.º 3).
Nos termos das regras gerais de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, a letra da lei é o ponto de partida do trabalho do intérprete, em que não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência. Sem prejuízo, entre outros fatores, há que atender à teleologia da norma, ao sentido e objetivo do legislador. No caso, os objetivos extra-fiscais de criação de emprego são claros para dois tipos específicos de trabalhadores e a estabilidade que se pretende assegurar.
Por se tratar de um benefício fiscal, não é admitida, nos termos do artigo 10.º do EBF, a analogia, ainda que se admita a interpretação extensiva.
No caso em apreço e atentos às regras de hermenêutica aplicáveis, não se vislumbra no teor do artigo 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete reduzir proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no n.º 5 do mesmo artigo. Pelo contrário, o legislador no artigo 19.º, n.º 3 refere-se expressamente ao “montante máximo da majoração anual”.
Não há, face à letra da lei, qualquer evidência de que deva ser efetuado o ajuste na majoração em função da duração efetiva dos contratos de trabalho.
Por outro lado, atentos à finalidade legislativa de promoção do emprego e estabilidade do vínculo laboral, enquanto elementos teleológicos, não há qualquer incompatibilidade entre estes objetivos e a interpretação literal da norma. Como se refere na decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: “…a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se “interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”…”.
Não há também razão para se invocar a violação do princípio da igualdade por a majoração operar em absoluto e não em proporção nos exercícios de início de fim do benefício. Desde logo, porque o critério é homogéneo e igual para todos aqueles que, nas mesmas circunstâncias, usufruem do benefício. Por outro lado, os benefícios fiscais, pela sua natureza, criam regimes particulares de tributação, compatíveis com o princípio da igualdade atentos aos fins e interesses prosseguidos.
Neste sentido, refere-se na decisão arbitral n.º 628/2016-T, de 06/04/2017, que “o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratadas igualmente os que se encontram em situações iguais e tratadas desigualmente as que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque desprovidas de justificação objectiva e racional.
(...)
Por outro lado, nos benefícios fiscais que se baseiam em normas de conduta, cuja observância produz efeitos fiscais favoráveis, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não aos termos em que este é previsto.
Relativamente a este tipo de benefícios que dependem de um comportamento do sujeito passivo, este é livre de optar por preencher as condições estabelecidas e dele usufruir, na medida que entender, ou não as preencher e não beneficiar da vantagem fiscal. E, caso os efeitos do benefício fiscal variem conforme o momento do preenchimento das condições, dependerá também da vontade do sujeito passivo optar ou não pelo preenchimento das condições da forma que lhe propicie optimizar os seus efeitos.
Desta perspectiva, nos casos de benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos, em que é colocada na sua disponibilidade a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, não haverá tratamento discriminatório violador do princípio da igualdade pela norma que fixa esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária nas condições de acesso ao benefício.
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer discriminação arbitrária imposta por lei no acesso ao benefício fiscal: os sujeitos passivos podem optar por contratar jovens ou desempregados de longa duração ou não; podem contratar com base em remunerações que lhes permitam optimizar o benefício fiscal ou não; pode contratar no início do exercício ou em qualquer outra fase do mesmo.
Em qualquer dos casos, os efeitos diferentes que podem ser obtidos são imputáveis ao próprio sujeito passivo e não a uma lei discriminatória.
Em conclusão, é ilegal, por erro nos pressupostos de direito, a liquidação adicional do imposto na parte relativa à correção efetuada pela AT da majoração deduzida pela Requerente dos gastos com os encargos com a criação líquida de empregos.
2. Dedutibilidade de gastos com atividades de “team building”
A Requerente impugnou também a não aceitação da dedutibilidade dos gastos relativos a uma viagem ao Brasil justificada com o propósito de desenvolver os lados entre os trabalhadores (team building). Para fundamentar a sua decisão, a Requerida alega, em síntese, que a Requerente nunca identificou os efetivos beneficiários do gasto, o que inviabiliza o estabelecimento de qualquer ligação entre a despesa e a atividade da empresa.
A questão essencial é, assim, verificar se estes gastos podem ser enquadrados no artigo 23.ºdo Código do IRC.
A atual redação do artigo 23.º, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas, estabelece o seguinte:
“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Perdas por imparidade;
i) Provisões;
j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;
k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
5 — (Revogado).
6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.
7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente.
A alteração introduzida, no entender da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, visava aproximar o texto legal da interpretação da jurisprudência e da doutrina quanto ao conceito de indispensabilidade. Diz-se no Relatório Final o seguinte:
“…na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal dos gastos que não se inscrevam no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC.” – Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Relatório Final, Lisboa, Ministério das Finanças, 2013, pp. 97 e 98.
Ainda que a versão final da redação se distinga da versão apresentada pela Comissão, parece claro que a aplicação do preceito assenta claramente na necessidade de existir uma relação entre os gastos com a atividade empresarial.
Conforme referimos, esta redação aproxima-se do sentido já defendido pela jurisprudência. A título meramente exemplificativo, veja –se Acórdão do STA de 15/11/2017, proferido no Proc. 0372/16, que sintetiza com mestria o pensamento do STA sobre esta matéria:
(…) Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743.
Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16, disponívelemhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ff886014e34df8d80258152004d86f8.).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.”
De destacar ainda a decisão do CAAD, no âmbito do processo n.º 12/2013-T, em que o árbitro único Tomás C. Tavares refere que “A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidades das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se velha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.”
Além deste requisito previsto no n.º 1, os n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º estabelecem como requisito cumulativo a comprovação documental. Independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados, os gastos devem estar documentados documentalmente. O n.º 4 estabelece os elementos mínimos que o documento comprovativo deve conter:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
O n.º 6 dispõe no sentido de que, quando há obrigatoriedade de emissão de fatura, esta deverá ser o documento comprovativo do gasto, aproximando-se, deste modo, às regras previstas no Código do IVA.
Este segundo requisito tem como objetivo provar, por documento idóneo, que os gastos estão diretamente relacionados com a atividade normal do sujeito passivo, ou seja, demonstrar inequivocamente que está cumprido o requisito previsto no n.º 1. Se assim não for, estamos perante encargos não devidamente documentados. Como refere o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 30/01/2007, relativo ao Proc. 01486/06, “os encargos são não documentados quando não se encontram devidamente apoiados em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante”.
No caso concreto, a Requerida alega que, apesar de ter sido expressamente interpelada para o fazer, a Requerente não identificou os efetivos beneficiários daquele gasto, o que inviabiliza o estabelecimento de qualquer ligação entre a despesa e a atividade da empresa, ou mesmo a perceção se os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
É válida, em nossa opinião, a argumentação apresentada pela Requerida.
Com efeito, atentos ao conceito de gasto fiscal supra explicitado, haverá que concluir que os gastos com o “fortalecimento dos laços profissionais, incremento da motivação dos trabalhadores e o incentivo à produtividade”, vulgo “team building”, serão, em regra, aceites em termos fiscais, desde que devidamente comprovados.
Competia, por isso, ao sujeito passivo demonstrar que aqueles gastos se destinaram a custear efetivamente as viagens dos trabalhadores da empresa. De outro modo, temos apenas um gasto com viagens que, per si, não cumpre o requisito de conexão com a atividade e escopo da empresa, por não estar provado quem foram os efetivos beneficiários da viagem. Até porque, ainda que conexos com a atividade da empresa, estes gastos podem assumir naturezas distintas: despesas de representação com clientes fornecedores ou terceiros (sujeitas a tributação autónoma) ou despesas com os trabalhadores e membros dos órgãos sociais.
Em síntese, apesar da existência de um documento, este não é suficiente para provar que está relacionado com a atividade da empresa por não ter sido provada a “causa” daquele gasto em concreto. Como a empresa que prestou o serviço e emitiu a respetiva fatura, teve de proceder à reserva e marcação das viagens em nome de cada um dos passageiros, a Requerente podia facilmente comprovar quem foram os beneficiários, o que incompreensivelmente, face ao alegado, não fez. Face ao disposto no artigo 74.º da LGT, cabia à Requerente o ónus da prova destes factos.
Em conclusão, os encargos com as viagens ao Brasil, no valor total de € 315.525,96, não são dedutíveis em termos fiscais, por não estarem devidamente documentados, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC.
VI – Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão referida no ponto IV.1 deste acórdão, relativa ao benefício fiscal de criação de emprego;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão referida no ponto IV.2 deste acórdão, relativa à dedutibilidade de gastos com viagens;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de restituição de imposto pago e juros compensatórios, acrescido dos juros indemnizatórios, quanto ao montante correspondente às correções à matéria coletável referidas na alínea a), que deverá ser determinada em execução de julgado.
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VII – Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 91.220,44.
VII – Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT.
A Requerente obtém vencimento relativamente à anulação das correções fiscais ao lucro tributável no valor de € 14.895,43, num total de correções de € 330.421,39, pelo que a responsabilidade das custas é repartida na proporção de 95,5%, a cargo da Requerente e 4,5%, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de setembro de 2019
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
Amândio Silva
Ana Luísa Ferreira Cabral Basto