DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Magda Feliciano e Catarina Belim, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – RELATÓRIO
1. No dia 04 de Janeiro de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., no valor de €34.533,18, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2017... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., do acto de liquidação adicional de IVA n.º..., no valor de €10.058,56, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2017... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., do acto de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., no valor de €6.451,37, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2017... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e do acto de liquidação adicional de IVA n.º 2017..., no valor de €18.138,31, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2017... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que teve as referidas liquidações como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
i. Erro na interpretação do artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do Código do IVA, na redacção em vigor à data dos factos;
ii. Violação dos princípios da verdade material e do inquisitório, no âmbito do procedimento e inspecção, previstos nos artigos 6.º do RCPIT, 58.º da LGT, 69.º, alínea e) do CPPT e 125.º do CPA;
iii. Erro na interpretação do artigo 78.º, n.º 11 do Código do IVA na redacção em vigor à data dos factos;
iv. Violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 266.º da CRP e artigo 55º da LGT;
v. Violação do princípio da neutralidade do IVA subjacente à Directiva 2006/112/CE;
vi. Erro nos pressupostos de facto, no que diz respeito às correcções relativas ao IVA contido nas notas de crédito com a referência N..., N... e ... .
3. No dia 07-01-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 26-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-03-2019.
7. No dia 29-04-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade por quotas que está colectada em sede de IRC e IVA, com o CAE Principal 45110 – Comércio de veículos automóveis ligeiros.
2- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, com referência ao exercício de 2013, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016... .
3- No projecto de relatório de inspecção, notificado para efeitos de audição, foram propostas correcções no montante total de € 250.334,56.
4- Em tempo, a Requerente exerceu o seu direito de audição acerca do projecto de relatório de inspecção, juntando documentação.
5- Em sede de Relatório Final da referida Inspecção, a AT não aceitou a justificação da Requerente no que se refere às deduções de IVA respeitante a créditos considerados incobráveis, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA.
6- Na sequência do procedimento de inspeção, foram efectuadas pela AT, em sede de IVA, correcções aritméticas no valor de €146.059,92, correspondentes a imposto deduzido indevidamente:
• Período 2013/01 – 17.962,15€;
• Período 2013/02 – 25.640,21€;
• Período 2013/03 – 21.373,17€;
• Período 2013/04 – 9.473,97€;
• Período 2013/05 – 18.138,21€;
• Período 2013/10 – 43.461,29€;
• Período 2013/12 – 10.020,92€.
7- Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:
8- Mais constando que:
9- As correcções operadas respeitaram às seguintes situações:
10- Na sequência do relatório de inspecção, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios:
11- Em 03-07-2017 e 01-08-2017, a Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações.
12- Em 29-11-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo em vista a anulação das liquidações adicionais de IVA.
13- Em 04-12-2017, a Requerente remeteu à AT novos elementos respeitantes a parte das regularizações consideradas não justificadas documentalmente, designadamente, a três notas de crédito contabilizadas com a referência N..., N... e ... .
14- Através do Ofício n.º ..., da Direcção de Finanças de Lisboa, em 09-07-2018, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.
15- No prazo de 25 dias para o efeito, a Requerente exerceu o direito de audição no âmbito do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.
16- A Requerente foi notificada da decisão final, no sentido do deferimento parcial da reclamação graciosa, indeferindo o montante de imposto de €69.181,32, constando daquela, para além do mais, o seguinte:
17- A Requerente era credora da sociedade B..., Lda.
18- Em 19-02-2013, foi apresentada petição inicial de insolvência da sociedade B..., Lda., no Tribunal do Comércio de Lisboa, dando origem ao processo n.º .../13...TYLSB.
19- Em, 06-03-2013, foi proferida e publicada sentença de declaração de insolvência, de carácter limitado, da referida sociedade.
20- Após esta data, a sociedade insolvente encerrou o seu estabelecimento, não tendo mais exercido actividade.
21- A Requerente apresentou reclamação de créditos no âmbito do referido processo de insolvência.
22- Em 31-10-2013, a Requerente deduziu o IVA suportado no crédito reclamado, no montante de €34.533,18, ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código do IVA.
23- Em 11-11-2013, foi proferido despacho pelo Tribunal a ordenar a comunicação da cessação da actividade à AT.
24- Em 02-10-2015, foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, face à insuficiência da massa insolvente, e de cessação de funções do administrador de insolvência.
25- As notas de crédito contabilizadas com a referência N... e N..., têm as seguintes correspondências:
Ref. Narrativa Débito Documento Data Reg IVA Doc. Anulado Refaturado Obs
N... IVA Vendas 10.058,56€ NC ... 29-01-2013 10.058,56€ FT10012259 FT 10012282 Alteraçãode valor
N... IVA Vendas 6.451,37 € NC ... 26-02-2013 6.451,37 € FT 10012366 FT 10012367 Alteração de valor
A.2. Factos dados como não provados
1- Em 30-07-2018, a Requerente enviou ao Administrador de Insolvência que tinha exercido funções no processo n.º .../13...TYLSB, uma carta na qual lhe comunicava a regularização do IVA.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, o facto dado como provado no ponto 21, contestado pela Requerida, julga-se suficientemente indiciado pela documentação junta pela Requerente, em concreto pelos documentos 13 e 14 juntos com o Requerimento inicial.
Efectivamente, o doc. 14 consiste numa cópia da relação de créditos reconhecidos, que a Requerida não contesta como proveniente do Administrador de Insolvência, que assina e carimba o documento em questão.
Desse documento resulta que o crédito da Requerente de €184.677,46 foi reclamado no processo, inexistindo qualquer indício que infirme que tal tenha ocorrido, pelo que se deu como provado o facto em questão.
Não obstante, não foi possível apurar a data concreta em que a Reclamação deu entrada, designadamente que tenha sido a indicada pela Requerente.
O facto dado como provado no ponto 25, resulta da conjugação dos documentos juntos com o Requerimento inicial n.º 18, 19, 21 e 22, com o RIT e com a decisão da reclamação graciosa.
Assim, os documentos com o Requerimento inicial, evidenciam os elementos constantes dos seguintes campos: “Documento”, “Data”, “Reg IVA” e “Doc. anulado”.
No RIT encontravam-se já preenchidos os campos “Referência”, “Narrativa” e “Débito”.
Da decisão da reclamação graciosa, com remissão para folhas não constantes do PA, consta nos termos referidos no ponto 16 dos factos provados, os elementos inseridos no campo “Refaturado”.
O teor do campo “Obs.”, resulta da conjugação do valor das facturas correspondentes à refacturação indicadas na decisão da reclamação graciosa, com o valor das facturas anuladas, apresentadas pela Requerente.
Relativamente ao facto dado como não provado, apenas foi apresentada uma cópia de uma carta, com a menção “CORREIO SIMPLES”, não existindo qualquer elemento de prova que corrobore a alegação de que a carta foi, efectivamente, enviada.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Na presente acção arbitral a Requerente contesta, em suma dois grupos de correcções, a saber:
i. A correcção no valor de IVA de no valor de € 34.533,18, consubstanciada na demonstração de acerto de contas n.º 2017..., de 05.06.2017, e respectivos juros, relativa ao crédito incobrável sobre a sociedade "B..., Lda.";
ii. A correcção no valor total de IVA de € 34.828,14, correspondente às demonstrações de acerto de contas n.º 2017..., 2017... e 2017..., todas de 05.06.2017, e respectivos juros, relativa às notas de crédito com a referência N..., N... e ... .
Vejamos cada uma delas.
*
i.
Relativamente à primeira das questões sub iudice, está em causa a aplicabilidade do disposto no art.º 78.º/7 e 11 do CIVA aplicável, que dispõe, no que para o caso importa, o seguinte:
“7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:
a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil;
b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após a homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto. (...)
11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada.”
Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a correcção ora sindicada fundou-se, apara além do mais, na falta do “envio do ofício dirigido ao Administrador de Insolvência determinado no n.º 11 do art. 78.º do CIVA”.
Sobre esta questão, pronunciou-se já o STA no Acórdão de 25-06-2015, proferido no processo 0288/14, nos seguintes termos:
“Já no que que respeita à comunicação ao adquirente do bem ou serviço da intenção de proceder à regularização do IVA por via da respectiva “anulação”, para que aquele possa proceder à rectificação da dedução inicialmente efectuada (operação simétrica à efectuada pelo credor), tal dever tem expressa consagração legal (cfr. o n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA), não apenas para os casos de créditos incobráveis em processo de insolvência mas para todos os previstos no respectivo n.º 7, bem como no caso previsto na alínea d) do n.º 8, não tendo por fonte o “direito circulatório”, que como tal não obriga os particulares, mas a própria lei, que a todos obriga.
Ora, tal dever de comunicação ao adquirente que seja sujeito passivo de IVA terá de fazer-se, caso este seja pessoa colectiva, a quem legalmente a represente, sendo que, em caso de insolvência – um dos casos em que tal dever de comunicação é legalmente imposto -, a representação da sociedade insolvente cabe ao administrador da insolvência que tenha sido nomeado, o qual assume a sua representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, nos termos do n.º 4 do artigo 81.º do CIRE.
Daí que, a comunicação efectuada pela recorrente, da qual dependia, nos termos da lei, a legalidade da “regularização” de IVA que pretendia efectuar, não tenha sido devidamente cumprida, não podendo tal irregularidade ser relevada porquanto a ora recorrente nada fez perante a devolução da carta, não permitindo assim que a comunicação chegasse ao administrador da insolvência e que este pudesse proceder ao “acerto simétrico” postulado pela anulação do IVA pelo credor.
Entende o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA que não obstante o dever de comunicação a que alude o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA não tenha sido devidamente cumprido, tal facto não põe em causa o direito da Recorrente na regularização do imposto a seu favor, perante a natureza de crédito incobrável, ao abrigo da alínea b) do n.º 7 do mesmo preceito legal (cfr. parecer, a fls. 218 dos autos).
Não vemos, porém, que a jurisprudência comunitária que cita em favor da sua tese seja transponível para o caso dos autos, sobretudo porque a Directiva IVA não impõe aos Estados-Membros os ajustamentos às liquidações de imposto em razão do não pagamento total ou parcial (créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa) – cfr. ALEXANDRA MARTINS/PEDRO MOREIRA, Regularizações de IVA: A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito, pp. 56/59 e SUSANA CLARO/HUGO SALGUEIRINHO MAIA, Recuperação de IVA de Créditos Incobráveis ou de Cobrança Duvidosa, pp. 471/472, ambos in SERGIO VASQUES (Coord.), CADERNOS IVA 2014, Almedina, Coimbra, 2014 – e em causa não está o exercício do direito à dedução, antes a anulação do imposto já liquidado e pago.
Assim, a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura “ad substanciam”, impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor e consequentemente o provimento do recurso.
E não se alegue, como faz a recorrente, que esta interpretação é violadora dos princípios da legalidade, proporcionalidade e certeza e segurança jurídicas, pois que tal dever resulta directa e imediatamente da lei e a consequência do seu incumprimento – a ilegalidade da “regularização” efectuada -, é a adequada em caso de inobservância dos requisitos legais dos quais depende a legalidade da rectificação, não se afigurando nem desproporcionada nem inesperada, daí que não se nos afigure haver qualquer violação dos mencionados princípios constitucionais.”
Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Acórdão do STA de 05-06-2019, proferido no processo 0939/12.0BEBRG, em situação análoga à dos presentes autos, onde se pode ler que:
“No caso dos autos, a impugnante, ora recorrida, não cumpriu o pressuposto, estabelecido no n.º 11 do artigo 78.º do IVA, da comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA, em tempo oportuno, pelo contrário, fê-lo em data posterior à extinção da devedora o que torna tal comunicação juridicamente irrelevante, conforme refere a Exma. Magistrada do MP.
Acompanha-se ainda o MP quando afirma que “face às vicissitudes do processo de insolvência que … não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora, … o que não o fez” sendo caso “para dizer que, se não o fez, no momento próprio e juridicamente relevante, sibi imputet”.
A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA, contido no crédito incobrável em processo de insolvência, constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado.”.
Esta mesma jurisprudência foi acolhida pelos Tribunais Centrais, podendo consultar-se, a esse respeito, os seguintes Acórdãos:
- Ac. do TCA-Norte de 21-12-2016, proferido no processo 01517/08.4BEBRG (“A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado”);
- Ac. do TCA-Sul de 27-09-2018, proferido no processo 428/13.6BECTB (“A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor (artigos 78.º, n.º7 e 11 do CIVA.”);
- Ac. do TCA-Sul de 17-01-2019, proferido no processo 698/04.0BESNT (“O direito à regularização do imposto devido, em favor do sujeito passivo, com redução da base tributável, no que respeita a créditos considerados incobráveis, exige a comprovação de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.”).
Nestes termos, e não se provando que a comunicação em causa haja sido feita, necessariamente que há-de improceder a pretensão da Requerente nesta matéria.
Note-se que, tendo ficado não provado que em 30-07-2018, a Requerente enviou ao Administrador de Insolvência que tinha exercido funções no processo n.º.../13...TYLSB, uma carta na qual lhe comunicava a regularização do IVA, sempre se chegaria à mesma solução caso tal facto fosse dado como provado.
Efectivamente, conforme está provado, em 02-10-2015, foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, face à insuficiência da massa insolvente, e de cessação de funções do administrador de insolvência.
Daí que, àquela data de 30-07-2018, já não estivesse em exercício de funções o administrador de insolvência, pelo que era impossível realizar qualquer comunicação.
Não se verifica, assim, qualquer erro na interpretação e aplicação do artigo 78.º, n.º 11 do Código do IVA na redacção em vigor à data dos factos, nem as violações do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 266.º da CRP e artigo 55º da LGT, ou da neutralidade do IVA subjacente à Directiva 2006/112/CE, arguidas pela Requerente.
Efectivamente, como explica o STA:
- “E não se alegue, como faz a recorrente, que esta interpretação é violadora dos princípios da legalidade, proporcionalidade e certeza e segurança jurídicas, pois que tal dever resulta directa e imediatamente da lei e a consequência do seu incumprimento – a ilegalidade da “regularização” efectuada -, é a adequada em caso de inobservância dos requisitos legais dos quais depende a legalidade da rectificação, não se afigurando nem desproporcionada nem inesperada, daí que não se nos afigure haver qualquer violação dos mencionados princípios constitucionais.”;
- “Não vemos, porém, que a jurisprudência comunitária que cita em favor da sua tese seja transponível para o caso dos autos, sobretudo porque a Directiva IVA não impõe aos Estados-Membros os ajustamentos às liquidações de imposto em razão do não pagamento total ou parcial (créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa) – cfr. ALEXANDRA MARTINS/PEDRO MOREIRA, Regularizações de IVA: A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito, pp. 56/59 e SUSANA CLARO/HUGO SALGUEIRINHO MAIA, Recuperação de IVA de Créditos Incobráveis ou de Cobrança Duvidosa, pp. 471/472, ambos in SERGIO VASQUES (Coord.), CADERNOS IVA 2014, Almedina, Coimbra, 2014 – e em causa não está o exercício do direito à dedução, antes a anulação do imposto já liquidado e pago.”
Não sendo admissível, nos termos expostos, a regularização pretendida pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões formuladas pela mesma a este respeito, designadamente as relativas ao erro na interpretação do artigo 78.º, n.º 7, alínea b) do Código do IVA, e à violação dos princípios da verdade material e do inquisitório, no âmbito do procedimento e inspecção, previstos nos artigos 6.º do RCPIT, 58.º da LGT, 69.º, alínea e) do CPPT e 125.º do CPA.
*
ii.
Relativamente à correcção no valor total de IVA de € 34.828,14, correspondente às demonstrações de acerto de contas n.º 2017..., 2017... e 2017..., todas de 05.06.2017, e respectivos juros, relativa às notas de crédito com a referência N..., N... e...,
Conforme decorre do RIT (cfr. p. 18 e s.), o IVA em questão foi objecto de correcção por a ora Requerente “não ter disponibilizado os documentos de suporte”.
Ainda nos termos do RIT, designadamente do quadro constante de fls. 25, os elementos que a AT considerou faltosos, foram os necessários a preencher os seguintes campos: documento, data, Reg/IVA, documento anulado, refaturado, e Obs. (causa da anulação).
Compulsados os documentos em questão e o PA, em especial da decisão da Reclamação Graciosa, verifica-se que foram disponibilizados à AT os documentos necessários para o conhecimento dos campos em questão nos seguintes termos:
Ref. Narrativa Débito Documento Data Reg IVA Doc. Anulado Refaturado Obs
N... IVA Vendas 10.058,56€ NC ... 29-01-2013 10.058,56€ FT
10012259 FT 10012282 Alteraçãode valor
N... IVA Vendas 6.451,37 € NC ... 26-02-2013 6.451,37 € FT 10012366 FT 10012367 Alteração de valor
Assim, tendo em conta a fundamentação da correcção ora em apreço, e os elementos de facto apurado, haverá que concluir que, nesta parte, enferma a mesma de erro nos pressupostos de facto, devendo por isso ser, nessa medida, anulada, procedendo, na mesma medida, o pedido arbitral.
Já quanto à nota de crédito correspondente à referência ..., não é possível aferir alguns daqueles elementos, já que os mesmos não resultam dos documentos apresentados pela Requerente, nem esta alega quaisquer factos a tal respeito, limitando-se a afirmar que a documentação junta corresponde a toda a que foi requerida pela AT.
Todavia, tal entendimento tem subjacente o entendimento de que a AT apenas referia que deveriam ser juntas fotocopias dos documentos anulados, quando aquela pretendia, igualmente, a justificação para a emissão das notas de crédito.
Por outro lado, acresce ainda que a factura apresentada como tendo sido a anulada pela nota de crédito subjacente à nota de crédito correspondente à referência ... não menciona IVA.
Daí que não possa, nesta parte, o pedido arbitral proceder.
***
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular a correcção relativa às notas de crédito com a referência N... e N..., no valor total de IVA de € 16.509,93, incluída nas demonstrações de acerto de contas n.º 2017..., no valor de € 10.058,56, e 2017..., no valor de € 6.451,37, ambas de 05-06-2017, e respectivos juros, bem como, nessa medida, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aqueles actos tributários como objecto;
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;
c) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.863,00, a cargo da Requerente, e de € 585,00 a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 79.471,78, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Setembro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Magda Feliciano)
O Árbitro Vogal
(Catarina Belim)