DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Emanuel Vidal Lima (árbitros vogais, designados pela Requerente e Requerida, respectivamente), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-04-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., com o n.º de identificação fiscal ..., com sede em ..., ...-... ..., concelho de ..., distrito de Leiria, adiante designada como “A...”, “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a anulação do acto de Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (de ora em diante “IVA”) e do acto de liquidação de Juros Compensatórios, com o n.º 2018... e com o n.º 2018..., respectivamente, no montante de € 204.527,50 (duzentos e quatro mil quinhentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos) e de € 30.707,14 (trinta mil setecentos e sete euros e catorze cêntimos), perfazendo o total de 235.234,64 (duzentos e trinta e cinco mil duzentos e trinta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) relativos ao ano de 2014.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-01-2019.
Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.
Em 25-03-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-04-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 03-07-2019, efectuou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e a Requerente apresentou um requerimento em que responde à questão da intempestividade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, subsidiariamente, pediu a ampliação do pedido.
Nessa reunião foi decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre decidir.
Importa apreciar a excepção da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
2. Questão da intempestividade
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral por, em suma, a Requerente o apresentado depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações e identificar estas como o objecto da impugnação.
O prazo de pagamento voluntário das liquidações impugnadas terminou em 12-04-2018, como nelas se indica.
Em 03-08-2018, foi instaurado o procedimento de reclamação graciosa, pelo que a Requerente apresentou a reclamação, dentro do prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT.
Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, "o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado" "no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico".
Um dos actos susceptíveis de impugnação autónoma é a decisão da reclamação graciosa, como resulta do preceituado nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d). da LGT e do artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.
Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação e não a decisão da reclamação graciosa, pelo que a Requerente não tinha de impugnar esta decisão, meramente confirmativa, mas sim os actos de liquidação confirmados.
Por isso, o prazo de para apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral de actos de liquidação de que foi deduzida reclamação graciosa é de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da reclamação e não a contar do termo do prazo de pagamento voluntário.
A decisão da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por carta expedida em 30-10-2018, recebida pela Requerente em 02-11-2018 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 29-01-2019, pelo que tem de se concluir que a apresentação foi efectuada dentro do prazo legal de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Improcede, assim, a excepção da intempestividade.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente dedica-se à fabricação de mobiliário de madeira e o seu objecto societário relaciona-se com a indústria e comércio de artigos de mobiliário;
B) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, de âmbito parcial (em sede de IRC e IVA), relativa ao ano de 2014;
C) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.I. Desenvolvimento da acção
III.1.1. Preparação
No âmbito da preparação, programação e planeamento do procedimento inspectivo nos termos do n.º 1 do art. 9.º e art.º 44.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira e ao abrigo do Princípio da colaboração, artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), - no âmbito desta Ordem de Serviço foi solicitado ao SP relativamente aos exercícios de 2013 e 2014:
1. Balancetes analíticos, antes e após apuramento de resultados, referentes aos exercícios de 2013 e 2014.
2. Fundamentação para o aumento da rubrica a variação nos inventários de produção de 2013 para 2014 - extractos das respectivas contas bem como cópia dos 3 documentos mais significativos.
3. Justificação para a diminuição de Inventários de 2013 para 2014 - extractos das respectivas contas bem como cópia dos 3 documentos mais significativos.
4. Razão para o aumento de Caixa e depósitos bancários de 2014 para 2015 — extractos das respectivas contas bem como cópia dos 3 documentos mais significativos.
5. Documentos comprovativos da realização, por parte dos accionistas no exercício de 2014, de outros instrumentos de capital próprio bem como de suprimentos ou outros empréstimos.
6. Fundamentação para o significativo aumento da conta de Resultados transitados do ano fiscal de 2013 para 2014.
7. Documentos de suporte dos lançamentos efectuados, na contabilidade, nas contas acima referidas.
8. Extracto de conta do vosso FORNECEDOR "B..., SA", NIF:..., relativo ao ano fiscal de 2014.
9. Extracto de conta do vosso FORNECEDOR "C..., Lda.", NIF:..., alusivo ao ano fiscal de 2014.
10. Explicação do critério de quantificação e valorização dos Produtos e Trabalhos em Curso no exercício de 2014.
11. Ficheiro SAFT-PT, referente à contabilidade e à facturação, relativo ao ano fiscal de 2014.
Após a análise aos elementos enviados pelo SP foi concertado com o sócio-gerente do SP uma reunião nas instalações da A...
III.1.2. Deslocação à sede do SP
Com o objetivo de dar cumprimento à Ordens de Serviço referida em epígrafe, a Carta Aviso correspondente enviada por via postal foi entregue, deslocámo-nos ao local identificado como sede da empresa.
Na sede do SP, tal como planeado, foi possível reunir com o sócio-gerente Sr. D... e comunicar a razão da nossa visita: regularização de inventários realizada em 2014. O Sr. D... informou que a actividade do SP consistia na fabricação de mobiliário doméstico, gama média-baixa, por encomenda para lojas de pequena e média dimensão de todo o País.
Relativamente à regularização de inventários o Sr. D... explicou, em linha com o que já nos havia informado por mail (Anexo n.º 1), que após contagem física se tinha verificado uma grande divergência entre os valores encontrados e o valor do Inventário constante da contabilidade, como tal, houve que se proceder a uma regularização dos mesmos pelo valor das diferenças.
Foram solicitados verbalmente ao SP (através do seu sócio-gerente) os documentos que serviram de suporte para as valorizações dos inventários em cada uma das rubricas analisadas (matérias-primas, produtos acabados e produtos e trabalhos em curso).
Relativamente ao assunto do parágrafo anterior o SP fez chegar pessoalmente aos nossos serviços em suporte digital, em 2017-06-29, o inventário final de 2014. Documento este que por si só, evidentemente, não quantifica a necessidade de proceder a regularização de existências deste montante nem justifica os valores regularizados em cada uma das rubricas: € 150.000,00: Matérias-primas - Conta 331; € 267.000,00: Produtos acabados - Conta 3411; € 472.250,00: Produtos e trabalhos em curso - Conta 361.
No sentido de se compreender regularização de inventários, e a sua valorização, foi realizada uma reunião em 5 de novembro de 2017 na sede do SP, na presença do sócio-gerente, de dois elementos da empresa que presta serviços de contabilidade ao SP (E... Lda, - sendo um deles o Sr. F...) e do chefe de equipa – G.... No decurso da reunião foi elaborado um termo de declarações com o depoimento do Sr. D...- que abaixo reproduzimos
«A A... tem catálogo próprio de mobiliário doméstico, em melamina, gama média-baixa. Os seus clientes soo lojas de pequena e média dimensão de todo o País, Produz de acordo com as encomendas recebidas, ficando sempre com algum produto acabado em stock (por exemplo: Os clientes encomendavam 10 roupeiros e a A... produzia 15 roupeiros).
As compras de matérias-primas eram na altura, exercício de 2014, efectuadas de acordo com uma previsão sustentada no período anterior (por período anterior entenda-se uma semana).
Relativamente à regularização de stocks, realizada em 2014:
Os inventários estavam descontrolados há diversos anos. Assim, foi necessário efectuar uma contagem física dos reais stocks existentes, para criar condições para uma melhor gestão de stocks, deixando assim a A... de comprar paletes de matérias-primas e passando a comprar conforme a necessidade - quase peça a peça, libertando assim espaço no pavilhão industrial com o objectivo de o arrendar.
Em de 31-01-2014:
O valor de inventário de matérias-primas de € 150.000,00 corresponde à diferença entre o que existia na contabilidade e o que existia de facto - após contagem física e valorização ao custo de aquisição.
O valor de inventário de produtos acabados de € 267.000,00 corresponde à diferença entre o que existia na contabilidade e o que existia de facto - após contagem física e valorização ao custo de produção.
O valor de inventário de produtos e trabalhos em curso de € 472.250,00 corresponde à diferença entre o que existia na contabilidade e o que existia de facto-após contagem física e valorização ao custo de produção.
Uma parte dos produtos e trabalhos em curso, e dos produtos acabados, foram depositados num contentor para reciclagem (contentor da ...) por se encontrarem danificados ou obsoletos. Não existe nenhum documento referente a estas saídas.
No custo de produção está contemplado uma percentagem do custo das matérias-primas, uma percentagem dos gastos com o pessoal e uma percentagem dos fornecimentos e serviços externos, percentagem essa que o sócio-gerente não consegue estipular com exactidão.
Em todo o caso era feita uma relação dos produtos e trabalhos em curso e dos produtos acabados que era valorizado e entregue na contabilidade para posterior registo.
Em relação à nota Interna n.º ... de 31-01-2014, que serviu de base à regularização das contas de inventário, não existem elementos de suporte. Os valores apresentados resultam da diferença entremos inventários e a contagem física década uma das rubricas.
Actualmente, e também em 2014, os catálogos dos produtos fabricados têm a duração de dois / três anos. Anteriormente a duração era de cerca de oito anos.
A margem líquida de comercialização ronda os 10%, podendo oscilar para cima ou para baixo de acordo com as condições de mercado.»
Posteriormente à reunião na sede do SP aconteceram duas outas reuniões, no intuito do SP fundamentar através de documentos as regularizações efectuadas, nas instalações da Direcção de Finanças de ...:
- A 16 de novembro - com a presença do Sr. D..., o Sr. F... e o chefe de equipa G... teve como desfecho agendar outra reunião.
- A 27 de novembro - com a presença do Sr. D..., o Contabilista Certificado (CC) Sr. H... e o chefe de equipa G... . Em que o SP comprometeu-se, a curto prazo, a entregar uma explicação fundamentada para a regularização de inventários realizada em 2014.
Em 07-12-2017 pelas 16:42 deu entrada na nossa caixa de correio electrónico um mail do sócio-gerente do SP, com o assunto: Declarações Complementares (Anexo n.º II, cujo conteúdo de seguida transcrevemos:
III.1.3. Declarações Complementares do SP
«Serve o presente para vir, em referência ao Termo de Declarações, assinado no dia 05 de novembro de 2017, e reunião na Direcção de Finanças de ... em 27 de novembro de 2017, em que foram signatários, o inspector I... e eu, D..., enquanto gerente da sociedade A...
- J..., Lda, NIPC:..., explicar de forma mais detalhada os acontecimentos, por forma a uma correta análise da situação.
A actividade da empresa A..., Lda., até finais do exercício de 2001, funcionou normalmente, com pequenas variações no volume de vendas ou de aumento ou de ligeiras reduções, em virtude de o mercado se manter estável até esse ano de 2001.
Como é sabido, este sector funcionava de uma forma sazonal, com períodos de quebra de vendas e outros de grande procura, o que permitia as empresas, com poder financeiro e armazéns adequados, poder "stockar" produtos nas épocas baixas de vendas de forma a potenciar as vendas nos meses de grande procura.
Foi sempre assim até 2001, não se tendo apercebido os industriais deste sector que o mercado estava a entrar numa grande crise ocasionada a partir do início de século, pela vinda para Portugal, das grandes superfícies deste setor como o K..., P..., entre outras. Depois, pela maior crise dos últimos cem anos do setor da Construção Civil e pela alteração da forma de construir, em que o móvel passa a ser mais um elemento decorativo, do que um elemento de utilidade de arrumação, pois as novas construções já eram elaboradas com a concepção de ter embutidos nessa construção grande parte dos moveis como per exemplo roupeiros, bancadas fixas, etc.
Tendo acontecido todas estas grandes alterações em simultâneo ou, pelo menos em anos seguidos, os industriais deste setor da região, habituados a crises momentâneas, que normalmente não duravam mais de dois anos, continuaram a fazer produção para stock na perspectiva de uma recuperação de curto médio/prazo.
Quando se aperceberam tardiamente que esta crise era completamente distinta de todas as outras, cometeram um duplo erro que foi entrar em desespero na guerra do preço, pois pensaram que desta forma conseguiriam escoar o produto.
Como todos pensaram da mesma maneira e como o que estava a acontecer era uma redução drástica do consumo, as vendas não aumentaram em quantidade, mas diminuíram em valor, pela redução do preço, continuando a produzir em vez de emagrecer as empresas, o que nunca tinham feito durante a sua existência.
Perante este desnorte apareceu uma nova contrariedade que foi a revolução dos modelos. Então, tiveram que começar tudo de novo, catálogos e clientes, porque as lojas tradicionais praticamente foram todas à insolvência, nomeadamente as dos indianos e mais tarde as grandes lojas como a ... e ..., entre outros.
Os empresários tiveram que se adaptar a deixar mobiliário em série e entrar, essencialmente, no móvel por medida, não estando as empresas preparadas e adequadas para tal efeito. Por outro lado, os grandes stocks existentes dos catálogos anteriores, tornaram-se rapidamente obsoletos, apenas aproveitando algumas peças para o novo mobiliário para zonas interiores e costas.
É desta forma que a A..., que normalmente saía com catálogo de 5 em 5 anos, já em desespero, sai com catálogo no ano 2002 (...), em 2003 (...), no ano 2004 (2004), em 2007 (...), 2008 (...), 2009 (...). De 2011 a 2016, já com crise muito profunda e sem possibilidade de investir em catálogos, utilizavam os folhetos feitos na sua própria empresa, na fotocopiadora, enquanto tinha tonner.
Foi neste período que foram à insolvência 95% das empresas deste sector da região e da região de ..., esta ainda mais forte do que a região de Pataias.
Perante este cenário e perante as pressões de todas as entidades que colaboravam com a empresa, desde seguros de créditos, fornecedores, ... e todas as instituições financeiras, a empresa nunca teve possibilidade de transformar as existências de mobiliário não vendável, em monos para não acumular prejuízos avultados, pois isso provocaria de imediato a queda da empresa.
No que diz respeito a facturação, esta veio descendo sempre ao longo dos anos, tendo-se cifrado em 2002, um valor acima de 1.500.000,00 euros, tendo descido gradualmente até 2011, até aos 800.000,00 euros. A partir de 2012, até à data, a facturação tem andado sempre entre os 500.000,00 euros e 600.000,00 euros. O que a empresa conseguiu fazer foi, controlar todos os custos de forma a conseguir sobreviver com este nível de facturação.
Espera-se, no entanto, que este esforço não tenha sido inglório e que, a partir de 2018, possa começar a subir de uma forma lenta, mas gradual.
Gostaria de seguida, de complementar tudo o que foi dito.
Todas as existências das linhas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., entre outras, que existam de Produtos Acabados e Produtos em Curso no exercício de 2011, para libertação de espaço foi uma pequena parte mantida em Produtos Acabados e Produtos em Curso, outra pequena parte aproveitou-se para Matéria-prima e todo o restante deixou-se Como Produto em Curso na Esperança de aproveitar algum desse material.
Reconhecemos que, neste ano de 2011, deveríamos ter desvalorizado drasticamente o inventário na medida em que desmontamos a maior parte do stock do Produto Acabado, aproveitando residualmente algum material para matéria-prima e o restante para Produto em Curso, que nos anos seguintes se verificou ser, quase na sua totalidade, material sem valor.
Só em 2012 é que temos dados mais concretos sobre aquilo que se aproveitou desta linha de Produtos Acabados e de Produtos em Curso.
Do valor do inventário de 2011 de Produtos Acabados, verificamos que cerca de 48%, foi considerado lixo e do inventário de Produtos em Curso, cerca de 85% em 2011, foi considerado sem qualquer utilidade. Assim, especificando, o valor apresentado de Produtos Acabados e Produtos em Curso em 31.12.2011, foi de 270.228,99 euros e 475,039,42 euros respectivamente, dando um valor de perda de 745.268,41 euros, considerando um valor aproximado ao longo dos anos de Matérias-primas, ferragens obsoletas, placas de melamina com humidade, madeiras retalhadas, entre outros, calculamos uma perda de inventário nas Matérias-primas de cerca de 150.000,00 euros.
O total dos prejuízos aproximados calculados (este valor é sempre um valor aproximado) cifra-se na soma dos três valores de 270.228,99 euros, 475.039,42 euros e 150.000,00 euros, que totalizam o valor de 895.268,41 euros.
Considerando que, nestes últimos 15 anos, desistiram cerca de 95% das empresas deste sector, achamos que temos de incentivar e elogiar este tipo de empresas que apesar de terem reduzido alguns postos de trabalho, mantiveram-se em funcionamento, não provocando qualquer prejuízo ao Erário Publico.
Deste modo, reconhecendo que o exercício de 2011, não apresentava uma imagem verdadeira e apropriada da empresa, tão-somente quanto aos factos e pelas razoes acima indicadas, unicamente tendo por finalidade a sobrevivência, pois acreditamos e acreditamos neste projecto. Julgamos não merecer qualquer sanção por parte da Autoridade Tributária.»
III.1.4. Análise às Declarações Complementares (DC's) do SP
As alegações amplas e não fundamentadas do SP não encontram suporte nas normas fiscais, como tal não são atendíveis, pois carecem de sustentação em documentos fidedignos que se substanciem em factos e cálculos exactos. No entanto vamos fazer alguns comentários breves para as contextualizar.
O SP diz no início das suas DC's que «A actividade da empresa A..., Lda., até finais do exercício de 2001, funcionou normalmente». Contudo em 2001 o inventário do SP já atingia € 769.271,27, tendo aumentado relativamente ao ano anterior (exercício de 2000) € 51.500,00.
O SP diz ainda que «o mercado estava a entrar numa grande crise ocasionada a partir do início de século, pela vinda para Portugal, das grandes superfícies deste setor como o K..., P..., entre outras». Bom, a "K..." entrou em Portugal no ano de 2004 e nessa altura o SP já tinha em inventário o valor de € 1.221.196,96, valor muito superior ao do valor das suas vendas mas mesmo assim continuou a produzir, para "stock", segundo nos informa.
O SP diz no DC's que «cometeram um duplo erro que foi entrar em desespero na guerra do preço ..., as vendas não aumentaram em quantidade, mas diminuíram em valor, pela redução do preço» mas consultando o período entre os anos que o SP referência [2001-2012] verifica-se que nesses exercícios as margens de comercialização sobem.
Depois o SP foca a sua atenção no valor do inventário do ano fiscal de 2011 (exercício em que o inventário reduz em valor € 3.518,95), quando estamos a examinar regularizações de inventário realizadas em janeiro de 2014, reflectidas na contabilidade do SP no exercício de 2014 e com implicações fiscais em sede de IVA no ano fiscal de 2014.
Mais, já na primeira vez em que foi solicitada justificação para a diminuição de Inventários de 2013 para 2014 o SP, em mail enviado aos nossos serviços, expôs o seguinte «Diminuição relacionada com rectificação dos inventários de períodos anteriores tendo em conta o descontrolo nas contagens físicas, desde há mais de 10 anos. Tendo em conta a complexidade na sua execução, apenas em 2013 se procedeu à inventariação física das existências que deveriam constar no final de 2013. O valor das existências estavam valorizadas por valores que nada tinham a ver com o valor das mesmas, pois nunca foram consideradas quebras de valor de mercado, assim como produtos invendáveis».
E porque é que nunca foram consideradas quebras de valor de mercado, assim como produtos invendáveis nos exercícios em que elas, alegadamente, ocorreram? Existem mecanismos contabilísticos e fiscais próprios para tal.
Por outro lado o SP, em termo de declarações já referido, reconhece que «Em todo o caso era feita uma relação dos produtos e trabalhos em curso e dos produtos acabados que era valorizado e entregue na contabilidade para posterior registo».
O que se verifica é que a empresa em 2014 realiza, de acordo com o registado nos documentos da sua contabilidade e que se encontram reflectidos nas declarações tributárias entregues à AT, uma regularização das contas de inventários no exercício de 2014, que representa uma redução do mesmo no montante de € 889.250,00 e não consegue provar como é que chegou aos valores apurados após contagem física, bem como qual o destino / paradeiro desses produtos acabados, produtos e trabalhos em curso e matérias-primas. Importa mencionar que este valor [€ 889.250,00] comparado com o inventário final do exercício de 2013 [€ 1.329.998,27] representa uma diminuição no seu valor superior a 66,5%.
III.2. Regularização de inventários realizada pelo SP
Em todos os exercícios do SP é apresentado aos sócios o relatório de gestão, o Balanço em 31 de dezembro, a demonstração de resultados por natureza e o anexo do período findo. O ano fiscal de 2014 não foi excepção, todos estes elementos foram apresentados aos sócios e assinados pelos dois sócios-gerentes. Bem como as respectivas declarações tributárias foram entregues assinadas pelo contabilista certificado que assegura a regularidade técnica das declarações fiscais que assina e, logicamente da contabilidade de que é responsável, garantindo a concretização da verdade material das declarações.
Após proceder à apreciação dos documentos da contabilidade do exercício de 2014, e peças contabilísticas de anos fiscais anteriores (mais concretamente todos os exercícios até ao ano fiscal de 1999), análise, suplementada com o cruzamento dos elementos disponíveis no sistema informático da AT, verifica-se que:
III.2.1. IVA não liquidado referente a Matérias-primas l Produtos e trabalhos em curso l Produtos Acabados
De acordo com a sua escrita o SP em 31-01-2014 procedeu a uma regularização das contas de inventários efectuando vários lançamentos contabilísticos através da NOTA INTERNA N.º ... de 31/01/2014 (imagem infra) [documento e extractos de conta em Anexo n.º 5]:
Como se verifica pelos lançamentos contabilísticos não foram usadas contas de Gastos e consequentemente não foram influenciados os Resultados do exercício. Porém o SP não procedeu à liquidação de IVA correspondente a esta operação nem emitiu a respectiva factura conforme dispõe os artigos 27.º e 29.º do CIVA. Senão vejamos:
A alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) dispõe: «(...)[Consideram-se ainda transmissões de bens] a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (...)»
A alínea b) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA, estabelece que o valor tributável das transmissões efectuadas ao abrigo da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA é «(...) o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações». Mais, de acordo com o n.º 4 do artigo 7.º do mesmo código «Nas transmissões de bens e prestações de serviços referidas, respectivamente, nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, o imposto é devido e exigível no momento em que as afectações de bens ou as prestações de serviços nelas previstas tiverem lugar».
Por outro lado prevê ainda o artigo 86º do CIVA «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».
Por conseguinte, os termos dos artigos atrás referidos, o valor a considerar para efeitos de liquidação do IVA, será igual ao preço reflectido em inventário reportado ao momento de realização das operações, ou seja o seu valor à data de 2014/01/31, mediante aplicação da taxa de IVA prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo código.
(...)
D) A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, alegando, além do mais, o seguinte:
58.º
Com efeito, e de acordo com os factos e documentos apresentados, entende a o sujeito passivo que foi feita prova cabal da realização da destruição e deterioração de diversos bens ao longo dos anos e da diferença de valores no inventário do exercício de 2013 para o exercício de 2014.
59°
Mais refere o sujeito passivo que os funcionários da mesma foram presenciando a destruição de alguns bens, a deterioração de outros e por fim, que a contagem do inventário em 201% foi real e efetiva apenas referindo-se aos bens que se encontravam naquele momento em inventário.
60º
Com efeito, a jurisprudência e a doutrina administrativa têm entendido que se deve admitir, para efeitos de afastamento da presunção, todos os meios de prova ao dispor do sujeito passivo, quer documentais ou testemunhais.
61º
Assim, os funcionários podem a todo o tempo testemunhar, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e quando esta tiver por conveniente, e confirmar as razões supra indicadas como justificativas para os valores de inventário serem tão diferentes de 2013 para 2014.
62°
Podendo os mesmos confirmar ainda que os bens em falta não foram alvo de alienação onerosa a outrem».
E) Na sequência do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu, além do mais o seguinte:
IX. Direito de Audição (DA)
Nos termos previstos no artigo 60º da LGT e artigo 60 «do RCPITA, o projecto de relatório com as conclusões da Inspecção foi enviado para a morada fiscal do SP, através de carta registada [Ofício n.º...) de 2018/01/11.
(...)
Nos termos da Lei, quando estamos perante quebras os activos devem deixar de fazer parte dos inventários, como tal o respectivo valor deve ser considerado como gasto do período, este tipo c lançamentos contabilísticos - com relevância nas questões fiscais, não se encontram registados na escrita e / ou reflectidos nas declarações tributárias dos respectivos exercícios.
(...)
A presunção invocada é feita nos estritos termos legais, portanto à diferença de valor encontrada é aplicada a taxa de IVA em vigor. Sublinhe-se que somente as matérias-primas estão valorizadas ao custo de aquisição. Em depoimento o Sr. D... Informou que «O valor de inventário de produtos e trabalhos em curso e de produtos acabados corresponde à diferença entre o que existia na contabilidade e o que existia de facto após contagem física e valorização ao custo de produção.»
(...)
A regularização de inventários realizada no exercício de 2014 atinge o valor de € 889.250,00, não faz sentido o SP vir agora alegar que a mesma «deve-se a factos de vários anos anteriores, nomeadamente 2010, 2011, 2012, 2013» quando do ano fiscal de 2009 para o exercício de 2013 se materializa uma tendência de descida, no valor dos inventários, no montante de € 134.982,45. Ou seja: Nos anos enunciados não só o inventário não subiu como efectivamente reduziu o seu valor.
Em depoimento o Sr. D... informou que «Uma parte dos produtos e trabalhos em curso, e dos produtos acabados, foram depositados num contentor para reciclagem (contentor da ...) por se encontrarem danificados ou obsoletos. Não existe nenhum documento referente a estas saídas». Assim como não existem em arquivo as provas que evidenciem a destruição de «itens em inventário que não tinham qualquer valor por tidos como não vendáveis, obsoletos ou danificados», nomeadamente autos de destruição ou inutilização assinados por testemunhas idóneas.
(...)
são guias de acompanhamento de resíduos com o código 030105, da Lista Europeia de Resíduos (LER), referente «a serradura, aparas, fitas de aplainamento, madeira, aglomerados e folheados, [não contendo substâncias perigosas]». Como é observável, até pelo exame visual de cada uma das guias, as mesmas não se referem à destruição de matérias-primas, produtos em vias de fabrico ou produtos acabados, tanto assim é que não se encontram valorizadas nem existe campo na guia para tal efeito. Por outro lado, pela sua regularidade (datas, quantidades, características) as guias nada apresentam de excepcional, verifica-se, isso sim, que se inserem no normal funcionamento do processo produtivo da requerente.
Relativamente às inundações ocorridas nas instalações do SP, devido a forte tempestade ocorrida a 13 de novembro de 2011, conforme se depreende da análise da participação (Doe 18) verifica-se no campo descrição dos prejuízos os seguintes itens: ar condicionado, telhado, matéria-prima. Apura-se também que nenhum destes itens se apresenta valorizado e / ou quantificado.
Na leitura da confirmação da vistoria (Doc 19) pode ler-se no campo referente ao depoimento do segurado (SP) «A mercadoria afectada está actualmente secar esperando-se o seu aproveitamento». Portanto se o requerente «sofreu danos nos produtos inventariados, por inundações ocorridas nas suas instalações», o que não resulta evidente da análise da documentação apresentada, havia que proceder a essa classificação no ano fiscal da ocorrência e nas determinações legais em vigor.
No sinistro de abril de 2013, conforme Doc. 20 - participação de sinistro, está inscrito no campo «descrição pormenorizada da ocorrência (causas e consequências)»: VENTOS FORTES ARRANCARAM AS TELHAS DO PAVILHÃO. Também o Doc 21 - Confirmação da vistoria - relata a acção do vento sobre a estrutura do telhado / telhas. Portanto, como se verifica, pelos documentos fornecidos pela requerente este sinistro não atingiu os bens do inventário.
(...)
Citando parte do relatado na metade inferior da página 12 deste relatório «o empresa em 2014 realiza, de acordo com o registado nos documentos da sua contabilidade e que se encontram reflectidos nas declarações tributárias entregues à AT, uma regularização das contas de inventários no exercício de 2014, que representa uma redução do mesmo no montante de € 889.250,00 e não consegue provar [até à data não apresentou qualquer evidência que contrarie esta realidade] como é que chegou aos valores apurados após contagem física, bem como qual o destino / paradeiro desses produtos acabados, produtos e trabalhos em curso e matérias-primas».
(...)
É de salientar que a diligência de prova testemunhal não está prevista nem no artigo 60.º da LGT nem no artigo 60.º do RCPITA. Contudo, nos termos do artigo 72.º da LGT, é ao órgão instrutor que compete em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à Iniciativa dos interessados. Mais, não nos parece verosímil que as testemunhas pudessem apresentar justificações documentais da responsabilidade da requerente que a própria não pudesse apresentar.
(...)
Por precaução Importa salientar que estamos na fase de Direita de Audição e o artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário tem aplicação numa fase posterior do processa - Do processo judicial tributário.
Mais se informa que não existe fundada dúvida sobre a operação em análise, os pressupostos contabilísticos e fiscais utilizados são os adequados, não foi apresentada pela requerente nenhuma prova que contrarie as correcções propostas.
(...)
A requerente alega, mas só alegar não basta. O SP não produziu prova suficiente, mais concreta mente, não produziu qualquer prova que Invalide a correcção proposta neste relatório.
F) Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IVA n.º 2018..., relativa ao período 2014 3T, no valor de € 204.527,50, e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 30.707,14, indicando 12-04-2018, como data do termo do prazo de pagamento voluntário (documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
G) A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 26-10-2018, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Análise Breve resumo
7.A AT socorreu-se do disposto no artigo 86º do CIVA:
"Artigo 86.º
Presunção de aquisição e de transmissão de bens
Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos, que se não encontrem em qualquer desses locais."
8.Trata-se de uma presunção juris tantum, ou seja, válida até prova em contrário, melhor dizendo, trata-se de uma presunção ilidível.
9. Cabia à reclamante carrear para o processo provas que justificassem aquela diferença de valores no inventário de 2014, algo que não fez até ao momento.
10. Os SIT apuraram IVA em falta sobre o valor da diferença entre 1.329.998,27 (inventário final de 2013) e 466.888,64 (inventário inicial 2014), ou seja, sobre 889.250,00, à qual foi aplicada a taxa de 23%.
11. Esta correcção não implica alterações no IRC daquele exercício.
12. A reclamante não apresentou nem apresenta nenhuma prova documental que sustente os seus argumentos.
Da falta de fundamentação e da preterição de formalidade essencial
13.A reclamante considera que os actos tributários, vulgo liquidação em crise, não se encontram devidamente fundamentados.
14.Foi emitida notificação, para o período em causa, junta ao processo pela reclamante, onde se pode ler: "Liquidação efectuada com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária."
15.A reclamante estava a par da acção inspectiva, foi notificada para direito de audição e notificada do relatório final (RIT).
16.A notificação do RIT contém a seguinte menção: "A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar."
17. A reclamante chega a entrar em contradição nos pontos 8º e 22º da petição: de facto o documento que titula o acto tributário contém menção às correcções da Inspecção Tributária, identificando claramente o período de imposto.
18.Finalmente, a mesma foi notificada para exercer direito de audição em sede de procedimento inspectivo.
19.Tal como a própria admite a ponto 39º e seguintes da petição.
20.Logo, nos termos do disposto no artigo 60º n.º 3 da LGT, está cumprida a formalidade cuja preterição se invoca.
21.Desta forma fica demonstrado não haver falta de fundamentação da liquidação controvertida na presente, nem preterição de formalidade essencial.
Da inaplicabilidade do artigo 86º do CIVA
22.A reclamante vem nesta sede alegar que os bens em falta no inventário de 2014, foram destruídos, mas não junta prova credível.
23.As listagens agora apresentadas como tendo sido elaboradas à data da destruição dos bens vêm contrariar as declarações do sócio gerente da empresa aos SIT, em 06.11.2017.
24.Nestas declarações é aventado outro motivo: "Uma parte dos produtos e trabalhos em curso, e dos produtos acabados, foram depositados num contentor para reciclagem (contentor da ...) por se encontrarem danificados ou obsoletos. Não existe nenhum documento referente a estas saídas."
25.Vem agora alegar que os produtos constantes das referidas listagens integram as guias de acompanhamento de resíduos que volta a juntar nesta sede.
26.As declarações apresentadas são guias de acompanhamento de resíduos com o código 030105 (lista europeia de resíduos) relativo a "serradura, aparas, fitas de aplainamento, madeira, aglomerados e folheados (não contendo substâncias perigosas)".
27.Da análise às referidas guias constatamos a impossibilidade de suporte da argumentação da reclamante nesses documentos.
28.Quanto aos sinistros apontados, mais uma vez, constatamos que os mesmos não contendem com os bens em causa como pode verificar-se da leitura dos documentos de confirmação da vistoria.
29.Todos estes documentos haviam sido analisados pelos SIT e corroboramos integralmente a análise dos serviços neste caso.
30.Portanto, a reclamante não logrou provar o destino dado aos bens que estão omissos no inventário de 2014.
31.Está correcta a aplicação do artigo 86º do CIVA.
32.Relembramos que esta norma visa o combate à fraude e evasão fiscal, uma vez que as omissões nos inventários estão intimamente relacionadas com omissões de compras e vendas e portanto, fuga aos impostos - IRC e IVA.
33.Uma venda não registada resulta no empolamento do inventário uma vez que os bens transmitidos não são retirados do stock ou existências da empresa.
34.Cabe à reclamante provar o destino dado aos bens, por exemplo, através de autos de abate que embora não sendo obrigatórios, seriam sempre uma medida de precaução que asseguraria a prova que agora se requer.
35.A reclamante limita-se a lançar dúvidas sobre o destino dos bens sem no entanto o provar definitivamente e sem margem para dúvidas.
36.A esse propósito veja-se o excerto do acórdão TCA Sul de 10/07/2015, no Processo nº 07692/14: "Nesta medida, para afastar eventuais contingências fiscais, é indispensável fazer a prova real e "objectiva dos factos de modo a ilidir a presunção de aquisição ou de transmissão dos bens, conforme for o caso, ou outras ocorrências de que são exemplo o roubo de bens ou a destruição ou inutilização dos bens objecto de abate";
37.citado no acórdão TCA Sul de 13.07.2016, no processo n.º 07098/13, de onde se extraí este excerto: "Verifica-se assim que, conforme vem dito no douto acórdão, é pois indispensável que o sujeito passivo faça prova real e objectiva dos factos de modo a ilidir a presunção, nomeadamente de roubos destruição ou inutilização dos bens em causa, e que prove que o destino dos mesmos foi outro que não a sua venda."
38.E acrescenta quanto à audição de testemunhas: "De facto o depoimento das testemunhas ouvidas por si só, sem o respectivo suporte contabilístico e documental, não é esclarecedor quanto aos destinos dos bens e suficiente para afastar a presunção legal."
39.Matéria que analisaremos de seguida.
Da ilegal denegação de produção de prova
40.Ainda a propósito da prova testemunhal veja-se o disposto no artigo 72º da LGT.
41.A matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido - apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária.
42.Aliás, a isso mesmo se refere António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, páginas 323 e seguintes, em anotação ao artigo 72º da LGT: "O órgão instrutor tem a liberdade de escolha das diligências de prova apropriadas à descoberta da verdade material (...) É, no entanto, ao órgão instrutor que compete, em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à iniciativa dos interessados. Pode, assim, rejeitar as diligências probatórias por estes solicitadas, no caso de, fundamentadamente, entender elas serem desprovidas de interesse para a resolução do procedimento, sem prejuízo da possibilidade de reclamação ou impugnação da decisão final do procedimento pelos lesados, por motivo de violação do princípio do inquisitório."
43.Tal entendimento é igualmente corroborado por Jorge Lopes de Sousa in Código do Procedimento e do Processo Tributário anotado, 4ª edição, Vislis Editores, 2003, em anotação ao artigo 50º: "É ao órgão instrutor que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos cujo conhecimento releve para a decisão, podendo determinar aos Interessados a prestação de informações, a apresentação de documentos ou coisas, a sujeição a inspecções e a colaboração noutros meios de prova (art. 89.º, n.º 1 do CPA). Porém, os interessados podem juntar documentos e pareceres e requerer a realização de diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão (art. 88.º, n.º 2 do CPA). No entanto, o órgão instrutor poderá não realizar as diligências requeridas se as considerar desnecessárias para apuramento dos factos que interessam para a decisão."
Da inconstitucionalidade do Decreto-lei n.º 102/2008, de 20 de Junho
44.A reclamante tece diversas considerações sobre a constitucionalidade do Decreto-lei n.º102/2008, de 20 de Junho.
45.Não cabe à Administração Tributária e Aduaneira pronunciar-se sobre a alegada inconstitucionalidade dado não ser esta a sede própria para discutir a mesma.
Da ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios
46.A reclamante contesta a liquidação dos juros compensatórios, alegando que deveria ter sido apreciada a culpa do contribuinte, sublinhando que no caso em análise essa culpa não existe dando por "comprovada a boa fé subjectiva ética, que obsta a qualquer juízo de culpa".
47.Invoca, por isso, falta de fundamentação das "liquidações de Juros Compensatórios".
48.Os juros compensatórios previstos no artigo 35º da LGT têm natureza legal e indemnizatória (não sancionatória), visando ressarcir o prejuízo do Estado pelo retardamento da liquidação (elemento objectivo) imputável a comportamento negligente ou doloso do sujeito passivo, ou seja, é necessário verificar-se culpa imputável a este (elemento subjectivo).
49.Os juros compensatórios têm natureza indemnizatória, tal como vem expressa no artigo 562º do CC, portanto, sendo uma obrigação pecuniária, presume-se o prejuízo ou o valor do dano a indemnizar no valor dos juros, (o que se designa por avaliação abstracta do dano), estando o credor dispensado até esse montante, da prova do prejuízo efectivo, de acordo com o disposto no artigo 806.º do CC.
50.A obrigação de pagamento destes juros obedece aos seguintes requisitos: facto voluntário, ilícito, culposo, danoso e existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano. No fundo são os mesmos pressupostos da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade por factos ilícitos.
51.A declaração periódica de 14.03T entregue pelo sujeito passivo padecia de omissões devidamente identificadas no RIT, as quais resultaram na falta de liquidação do IVA pela regularização do inventário que tiveram o efeito de reduzir o imposto apurado.
52.As irregularidades apontadas no RIT, sublinhe-se, traduzem uma conduta censurável, antijurídica, do sujeito passivo, partindo de uma actuação culposa, pois, o mesmo não cumpriu as regras contidas nos artigos 3º, 7º, 16º, 18º, 27º, 29º e 86º do CIVA.
53.Tal está demonstrado no RIT, onde se discriminam as normas jurídicas infringidas pelo sujeito passivo, bem como os valores que deveriam ter sido apurados e não foram, dentro do prazo de entrega da declaração periódica do IVA, do período 14.03T.
54.Assim, estão reunidos os pressupostos do direito a juros compensatórios.
55.O comportamento do sujeito passivo originou um apuramento de imposto inferior ao devido, logo existiu prejuízo para o Estado.
56.Desta forma são devidos juros compensatórios pela reclamante, pelas razões enumeradas no RIT. Da prova testemunhal em sede de reclamação graciosa
57.De acordo com o disposto no artigo 69º, alínea e) do CPPT, uma das regras do procedimento gracioso de reclamação, é a limitação dos meios probatórios a forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo da entidade com poder de decisão, ordenar outras diligências complementares.
58.Trata-se pois de um preceito especial na medida em que resulta da própria natureza do processo de reclamação: simples e célere, devendo ser rejeitada a petição de reclamação graciosa assente meramente em prova testemunhal invocada pelo reclamante. O que é exigido, é a prova documental - apanágio do referido processo de reclamação.
59.De facto, não é obrigatório que sejam ouvidas as testemunhas indicadas por aplicação conjugada de dois princípios estruturantes do contencioso tributário, a saber: o princípio da prova escrita mitigado por manifestações de oralidade (nomeadamente no âmbito dos actos de inspecção) e o princípio da livre apreciação da prova (margem de discricionariedade que caracteriza a actuação da Administração Pública em geral).
60.Assim, reconhecendo preferência à prova documental, o órgão instrutor não considera ser esta uma diligência complementar indispensável à descoberta da verdade material, no estrito cumprimento dos princípios que regem a instrução, nomeadamente o princípio da liberdade de recolha de prova e de apreciação dos meios de prova (parte final do número 1 do artigo 87º e número 2 do artigo 91º, ambos do Código do Procedimento Administrativo - CPA, aplicável ex vi, alínea c) do artigo 2º da LGT).
61.Somos no sentido de considerar que a matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido: apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária.
62.Tanto mais que, neste estádio do procedimento administrativo, a diligência requerida pela reclamante não se justifica em face dos elementos probatórios já existentes no processo.
63.Desta forma, não será aceite prova testemunhal como já foi sobejamente fundamentado supra.
Conclusão
64.Notificado o mandatário para exercício do direito de audição, não veio o mesmo exercê-lo, tendo, entretanto, terminado o prazo para o efeito.
65.A reclamante não conseguiu ilidir a presunção contida no artigo 86º do CIVA, pelo que se mantêm as correcções efectuadas e se considera legal a liquidação em crise.
66.Considero que a presente reclamação deve ser indeferida, mantendo-se a liquidação reclamada de acordo com os pontos antecedentes.
I) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente através de carta por esta recebida em 02-11-2018 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) A partir de 2007/2008 ocorreu uma crise que afectou a venda de móveis do tipo dos que comercializa a Requerente, não só pela entrada no mercado português de grandes empresas internacionais (como a K... ), mas também pela crise económica e financeira subsequente;
K) Antes dessa crise, a Requerente fabricava móveis por séries em grandes quantidades, por vezes 500 ou 1000, porque quanto maior quantidade mais rentabilidade dava a produção (depoimentos das testemunhas L..., M... e H...);
L) Era frequente, antes dessa crise, ocorrerem crises sazonais e pontuais, ao fim das quais os móveis eram vendidos (depoimentos das testemunhas L..., M... e H...);
M) Durante essas crises a Requerente continuava a produzir, pois tinha de dar trabalho aos seus trabalhadores, armazenando os móveis até que a crise fosse ultrapassada (depoimentos das testemunhas L..., M... e H...);
N) As empresas quanto mais conseguissem produzir nas épocas baixas mais tinham possibilidade de ganhar nas altas (depoimento da testemunha H...);
O) Com a crise de 2007/2008 não houve recuperação do mercado, mas a Requerente, como sucedia nas anteriores crises, continuou a produzir, com o convencimento de que ela seria ultrapassada (depoimentos das testemunhas L..., M... e H...);
P) Mantendo-se a crise, a Requerente não conseguiu vender grande parte da sua produção, tendo destruído móveis que tinha armazenados, que já tinham passado de moda ou estavam danificados, aproveitando as partes que não eram visíveis, como partes de gavetas e traseiras (depoimentos das testemunhas L..., M... e H...);
Q) Relativamente a móveis destruídos ou danificados, foram efectuados, nos anos de 2011, 2012 e 2013, transportes de resíduos e madeira pelas empresas Indústrias N..., SA e O..., SA, que os receberam, nas seguintes quantidades:
(guias que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e, com melhor legibilidade do processo administrativo relativo à reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);
R) O desperdício normal da actividade da empresa ronda os 5,1% (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
S) Cerca de 95% das dezenas de empresas de produção de móveis do tipo dos produzidos pela Requerente situadas na sua região (... e ...) foram declaradas insolventes (depoimento da testemunha H...);
T) As vendas da Requerente baixaram para cerca de 1/3 das que efectuava antes da crise (depoimento da testemunha H...);
U) A destruição de móveis fabricados pela Requerente ocorreu ao longo de vários anos, mas apenas foi reflectida contabilisticamente em 2014, por exigência do contabilista certificado da Requerente (depoimento da testemunha H...);
V) A Requerente não registava contabilisticamente o abate dos móveis que efectuava, por tal diminuir o valor contabilístico do seu activo e a afectar a sua credibilidade perante a banca e a sua capacidade de obter financiamentos (depoimento da testemunha H... e documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
W) Não era possível aproveitar, para a produção de novos modelos, a totalidade dos móveis que a Requerente não conseguia vender, pois a madeira já estava cortada e furada à medida dos móveis a que se destinava, não sendo possível aproveitá-la para aquele fim (depoimento da testemunha M...);
X) Nas instalações da Requerente ocorreram inundações e danos no telhado de que resultaram móveis danificados (depoimentos das testemunhas L... e M... e documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
Y) No exercício de 2014, a Requerente procedeu à regularização de inventários, tendo por base a contagem real e efectiva e a determinação do valor de aquisição dos bens que se encontravam em stock;
Z) A empresa desde 2009, registava nos seus inventários um valor muito acima do valor normal para o sector de actividade (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
AA) A duração média dos inventários da Requerente entre 2009 e 2013 registava um valor acima de 1200 dias e em valor acima de 1,3 milhões de euros e no mesmo período a média do sector era de valores abaixo dos 350 dias e dos 200 mil euros em valor (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
BB) Dessa contagem resultou uma quebra acentuada quer nas quantidades dos bens em inventário, como no seu valor, baixando de 1.329.998€ em 2013, para 466.889€ em 2014 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
CC) Se o valor da regularização de inventários (889.250€) for considerado como vendas adicionais da actividade da empresa em 2014, a Margem Bruta (vendas descontadas do custo da matéria-prima consumida) passaria de 50,1% para 79,2% e o peso relativo dos gastos com o pessoal seria de 13,5% em vez dos 32,4% registado e as outras despesas representariam 5,4% das vendas em vez dos 12,9% registados nas contas (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
DD) A empresa para um volume de vendas próximo do sector de actividade, registou uma Margem Bruta melhor que o sector +3,0%, gastos com o pessoal acima do sector +9,2% e despesas (Fornecimentos e Serviços Externos) abaixo do sector -5,2% (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
EE) A Requerente prestou garantia hipotecária para suspender as execuções fiscais n.ºs ...2018... e ...2018..., instauradas para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
FF) Em 29-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provou que a Requerente tivesse vendido os móveis a que se refere a regularização de inventários efectuada em 2014.
Na verdade, não foi produzida qualquer prova no sentido de terem sido vendidos acabados e em construção a que se refere a regularização e, pelo contrário, toda a prova testemunhal produzida aponta no sentido de não terem sido vendidos os móveis em causa e de terem, antes, sido destruídos.
As testemunhas L..., M... e H... aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que relataram.
Não se provou que os documentos indicados como elementos de prova não correspondam à realidade.
Quanto às listas de móveis que a Requerente indica como tendo sido destruídos, a grande quantidade de materiais (cerca de 143.000 kg) entregues às empresas Indústrias N..., SA e O..., SA aponta no sentido de não se tratar de meros resíduos resultantes da actividade normal da Requerente, corroborando as afirmações das testemunhas L... e M..., que afirmaram incluírem móveis que forem destruídos.
De qualquer forma, se é certo que não se pode concluir que não foram vendidos móveis sem emissão da respectiva facturação, também o é que toda a prova testemunhal produzida aponta no sentido de que pelo menos parte dos móveis cujo valor está subjacente à liquidação de IVA impugnada foi destruída ou sofreu estragos que os inutilizaram.
4. Matéria de direito
4.1. Ordem de conhecimento de vícios
A Requerente imputa aos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios os seguintes vícios:
– insuficiente fundamentação;
– preterição de direito de audição;
– inaplicabilidade do artigo 86.º e ss. do Código de IVA, por ter feito a prova da destruição de móveis;
– ilegal denegação de produção de prova;
– incompetência da Directora-Geral dos Impostos;
– ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, por falta de culpa;
O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Os vícios de falta de fundamentação, preterição de formalidade essencial, ilegal denegação de produção de prova e incompetência da Directora-Geral dos Impostos, são de natureza formal e procedimental, pelo que, em caso de eventual anulação com fundamento neles, não é afastada necessariamente a possibilidade de renovação do acto anulado, com supressão do vício.
Em qualquer caso, se for julgado procedente algum vício que assegure estável e eficaz tutela dos interesses a Requerente, ficará prejudicado o conhecimento dos restantes vícios, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento (pois se fosse sempre necessário conhecer de todos seria indiferente a ordem do seu conhecimento).
Assim, importa começar por apreciar os vícios de inaplicabilidade do artigo 86.º. do Código de IVA, por ter feito a prova da destruição de móveis, vício este com que está conexionado o da ilegalidade da denegação de produção de prova.
4.2. Questões da ilegal aplicação do artigo 86.º do CIVA e da ilegalidade de denegação de prova
4.2.1. Termos em que são colocadas as questões
Na inspecção que realizou a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:
– «a empresa em 2014 realiza, de acordo com o registado nos documentos da sua contabilidade e que se encontram reflectidos nas declarações tributárias entregues à AT, uma regularização das contas de inventários no exercício de 2014, que representa uma redução do mesmo no montante de € 889.250,00 e não consegue provar como é que chegou aos valores apurados após contagem física, bem como qual o destino / paradeiro desses produtos acabados, produtos e trabalhos em curso e matérias-primas. Importa mencionar que este valor [€ 889.250,00] comparado com o inventário final do exercício de 2013 [€ 1.329.998,27] representa uma diminuição no seu valor superior a 66,5%.
– o SP não procedeu à liquidação de IVA correspondente a esta operação nem emitiu a respectiva factura conforme dispõe os artigos 27.º e 29.º do CIVA.
– A alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) dispõe: «(...)[Consideram-se ainda transmissões de bens] a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (...)»
– a alínea b) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA, estabelece que o valor tributável das transmissões efectuadas ao abrigo da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA é «(...) o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações». Mais, de acordo com o n.º 4 do artigo 7.º do mesmo código «Nas transmissões de bens e prestações de serviços referidas, respectivamente, nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, o imposto é devido e exigível no momento em que as afectações de bens ou as prestações de serviços nelas previstas tiverem lugar»;
– por outro lado prevê ainda o artigo 86º do CIVA «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais»;
– «como não existem em arquivo as provas que evidenciem a destruição de «itens em inventário que não tinham qualquer valor por tidos como não vendáveis, obsoletos ou danificados», nomeadamente autos de destruição ou inutilização assinados por testemunhas idóneas»;
– a Requerente «e não consegue provar [até à data não apresentou qualquer evidência que contrarie esta realidade] como é que chegou aos valores apurados após contagem física, bem como qual o destino / paradeiro desses produtos acabados, produtos e trabalhos em curso e matérias-primas»;
– «É de salientar que a diligência de prova testemunhal não está prevista nem no artigo 60.º da LGT nem no artigo 60.º do RCPITA. Contudo, nos termos do artigo 72.º da LGT, é ao órgão instrutor que compete em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à Iniciativa dos interessados. Mais, não nos parece verosímil que as testemunhas pudessem apresentar justificações documentais da responsabilidade da requerente que a própria não pudesse apresentar».
– Por conseguinte, os termos dos artigos atrás referidos, o valor a considerar para efeitos de liquidação do IVA, será igual ao preço reflectido em inventário reportado ao momento de realização das operações, ou seja o seu valor à data de 2014/01/31, mediante aplicação da taxa de IVA prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo.
No exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a ora Requerente alegou, além do mais, o seguinte:
– «os funcionários da mesma foram presenciando a destruição de alguns bens, a deterioração de outros e por fim, que a contagem do inventário em 201% foi real e efetiva», «os funcionários podem a todo o tempo testemunhar, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e quando esta tiver por conveniente, e confirmar as razões supra indicadas como justificativas para os valores de inventário serem tão diferentes de 2013 para 2014» e
– «podendo os mesmos confirmar ainda que os bens em falta não foram alvo de alienação onerosa a outrem».
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a produção de prova testemunhal sugerida pela Requerente, por entender que não é admissível: «a diligência de prova testemunhal não está prevista nem no artigo 60.º da LGT nem no artigo 60.º do RCPITA. Contudo, nos termos do artigo 72.º da LGT, é ao órgão instrutor que compete em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à Iniciativa dos interessados. Mais, não nos parece verosímil que as testemunhas pudessem apresentar justificações documentais da responsabilidade da requerente que a própria não pudesse apresentar».
Assim, no essencial, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente efectuou uma regularização de inventários no exercício de 2014, com redução no montante de € 889.250,00, «não consegue provar como é que chegou aos valores apurados após contagem física, bem como qual o destino / paradeiro desses produtos acabados, produtos e trabalhos em curso e matérias-primas» e não é admissível prova testemunhal, mas apenas documental.
Com esses fundamentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a presunção prevista no artigo 86.º do CIVA, considerando transmitidos todos os bens a que se refere a regularização em causa, por não se encontrarem nas suas instalações.
4.2.2. Apreciação das questões
A regularização contabilística de inventários de mercadorias não é, em sede de IVA (embora possa, eventualmente, sê-lo em sede de IRC, o que não interessa aqui), um facto tributário sujeito a aplicação de IVA, pois a sua incidência limita-se aos factos referidos no artigo 1.º do CIVA, em que se incluem as transmissões de bens, que são constituídas pelos factos indicados no artigo 3.º do mesmo Código.
Neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que ocorreram transmissões enquadráveis no conceito referido na alínea f) do n.º 2 deste artigo 3.º, isto é, «a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto».
Não é claro no Relatório da Inspecção Tributária em qual ou quais das situações aqui previstas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se enquadram os factos que apurou.
Mas, é seguro que não se incluem neste conceito de transmissão bens da empresa que sejam destruídos ou que se tenham inutilizado para terem sofrido estragos.
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que todos os bens a que se refere a regularização contabilística se devem considerar transmitidos das formas previstas nesta alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º, por aplicação da presunção que consta do artigo 86.º do CIVA de que «presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais» (em que o sujeito passivo exerce a sua actividade).
Na verdade, foi este tipo de transmissões, e não a realização de vendas, que a Autoridade Tributária e Aduaneira presumiu terem ocorrido, como reafirma explictamente nas suas alegações ao dizer que «como resulta clarividente dos autos a AT não apurou vendas» (página 9).
O estabelecimento desta presunção no artigo 86.º do CIVA, não significa, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa e reafirma no presente processo, que «cabia à reclamante carrear para o processo provas que justificassem aquela diferença de valores no inventário de 2014, algo que não fez até ao momento».
Na verdade, mesmo quando a lei prevê uma presunção desfavorável para o contribuinte, a administração tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).
O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto.
Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão.
Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.
O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade de fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida.
Por força das regras do ónus da prova devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( )
É apenas nestas situações em que, após a produção das provas, subsistem dúvidas sobre factos que relevam para a decisão que funcionam as regras do ónus da prova.
Assim, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é imposto que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, realizar «todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
Entre «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos» inclui-se a prova testemunhal, que é um meio de prova admitido em direito, pois não existe qualquer norma que directa ou indirectamente afaste a sua utilização» (artigo 392.º do Código Civil).
Por isso, não tem suporte legal o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «a matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido - apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária».
Por outro lado, se é certo que do artigo 72.º da LGT pode inferir-se que o órgão instrutor não tem de realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, também o é que não tem qualquer fundamento legal o entendimento de que «ao órgão instrutor compete em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material». Esta norma permite dispensar a realização de diligências que ao órgão instrutor se afigurem desnecessárias para prova dos factos que relevem para a decisão do procedimento, mas, obviamente, num Estado de Direito, não é atribuído à Administração Tributária o poder de «em última instância» decidir se elas são ou não desnecessárias, pois a correcção da decisão da Administração Tributária é controlável pelos Tribunais, que , estes sim, em última instância têm o poder de definir o direito (artigo 204.º da CRP) e, por isso, devem anular a decisão procedimental nos caso em que se entenda que deixaram de ser realizadas diligências necessárias para um correcto apuramento dos factos.
Assim, a Administração Tributária não pode recusar-se a fazer a avaliação em concreto da potencialidade probatória dos meios de prova que lhe sejam apresentados, desde que esses meios sejam legalmente admissíveis.
Neste caso, a não inquirição pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos funcionários da Requerente que esta referiu terem presenciado as destruições e a deterioração de móveis, apenas poderia ser considerada desnecessária se o órgão instrutor entendesse que tal prova resultava já do procedimento, o que não sucedeu.
Na verdade, a prova através de testemunhas presenciais é manifestamente um meio de prova abstractamente idóneo e não pode ser recusado, com base no entendimento, para mais formulado de forma insegura, de que «não nos parece verosímil que as testemunhas pudessem apresentar justificações documentais da responsabilidade da requerente que a própria não pudesse apresentar».
Com efeito, a prova testemunhal tem por função trazer processo a percepção de factos pelas pessoas a inquirir e não a apresentação de justificações documentais, pelo que a invocada convicção de que as testemunhas não poderiam trazer ao procedimento justificações documentais da responsabilidade da Requerente não é um fundamento aceitável para a recusa de produção dessa prova.
Por outro lado, a invocação deste fundamento revela que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a única prova admissível para efeito de ilisão da presunção prevista no artigo 86.º do CIVA é de natureza documental.
Ora, como pertinentemente lembra a Requerente, este entendimento está em dissonância com o entendimento adoptado no Ofício-Circulado n.º 35.264, de 24-10-1986 ( ), relativamente à «forma como os sujeitos passivos poderão fazer a prova» da «não transmissão de bens que tenham sido inutilizados ou destruídos», em que manifestou o entendimento de que:
– no âmbito do IVA (e ao contrário do que sucedia com o Imposto de Transacções), «não existe obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços de Administração Fiscal nos moldes anteriormente previstos»;
– no entanto, «os sujeitos passivos terão vantagem em ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados, como forma mais segura de elidir a presunção prevista no citado artigo 80.º» (a que corresponde actualmente o artigo 86.º do CIVA);
– «pelo que, nos casos em que procedam a essa destruição ou inutilização, lhes é recomendável proceder à prévia comunicação desses factos - indicando o dia e a hora - aos serviços competentes, a fim de que os agentes de fiscalização possam, se assim o entenderem, exercer o devido controle»; e.
– «em qualquer caso, os sujeitos passivos, no seu próprio interesse, poderão elaborar a conservar um auto de destruição ou inutilização dos bens objecto de abate, testemunhado pelas pessoas estranhas ou não à empresa que presenciaram aquele acto».
Como resulta do texto deste Ofício-Circulado, cuja orientação é vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT) não é legalmente exigida prova documental, sendo a sua produção, através da elaboração de autos de destruição, apenas uma faculdade cujo uso é recomendado aos sujeitos passivos.
Assim, a prova testemunhal sugerida pela Requerente ao exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária era admissível e, por isso, à face do preceituado no referido artigo 58.º da LGT, a omissão da sua realização em situação em que não podia considerar-se dispensável para a descoberta da verdade constitui vício procedimental que, repercutindo-se na decisão procedimental, justifica a sua anulabilidade.
Para além deste vício procedimental, constata-se que toda a prova produzida no processo arbitral aponta no sentido de não ter ocorrido transmissão dos bens, quer por transmissão onerosa a terceiros, quer pela equiparável «afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita», a que alude a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA.
Na verdade, todas as testemunhas inquiridas se pronunciaram no sentido de esses móveis terem sido destruídos ou se terem danificado por eventos naturais, sendo os seus depoimentos corroborados pelos documentos que constam do processo, designadamente as «guias de acompanhamento de resíduos com o código 030105 (lista europeia de resíduos) relativo a "serradura, aparas, fitas de aplainamento, madeira, aglomerados e folheados (não contendo substâncias perigosas».
Mesmo que, com base em considerações de normalidade, se possa duvidar da realidade da destruição e inutilização de todos os bens em causa, o certo é que, objectivamente, perante a prova produzida, o Tribunal Arbitral não pode concluir que todos os móveis em causa foram objecto de transmissão, quer a terceiros quer por utilização para os fins previstos na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA.
A fixação da matéria tributável através de avaliação directa (alternativa à utilização de métodos indirectos), pressupõe a possibilidade de «comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável», como decorre do preceituado nos artigos 83,º, n.º 1, 87.º, alínea b) e 88.º da LGT. Quando não puder efectuar uma comprovação e quantificação directa e exacta dos factos tributários, designadamente quando tem de basear-se em presunções (artigo 83.º, n.º 2, da LGT), a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de utilizar métodos indirectos, com o procedimento próprio previsto na LGT.
Neste caso, não se produziu qualquer prova no sentido de todos os bens em causa tivessem sido transmitidos, mas antes no sentido de que pelo menos parte deles foram destruídos ou se danificaram, e nem mesmo foram efectuadas diligências que pudessem infirmar a correspondência à realidade da documentação apresentada apela Requerente, designadamente apurando junto das empresas Indústrias N..., SA e O..., SA e seguradora a natureza dos materiais referidos nas guias e a existência ou não de móveis estragados, na sequência dos eventos cuja ocorrência lhes foi participada.
Neste contexto, fica-se, no mínimo, perante uma situação de fundadas dúvidas sobre os fundamentos subjacentes às liquidações impugnadas, que é a de que foram transmitidos bens, pelas formas previstas na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, no valor de € 889.250,00.
De harmonia com o disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, quando não foram utilizados métodos indirectos, «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
Pelo exposto, justifica-se a anulação da liquidação de iba impugnada, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e em vício procedimental (omissão de diligências não consideradas desnecessárias), nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto da liquidação de IVA, pelo que enferma dos mesmos vícios.
4.3. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IVA e juros compensatórios, com fundamento em vício que proporciona estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fixa prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas.
5. Indemnização por garantia indevida
A Requerente prestou garantia, através de hipoteca, para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização.
O art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Como resulta do teor expresso do n.º 1 deste artigo 53.º, apenas de prevê indemnização, com este regime simplificado a que alude o artigo 171.º do CPPT, nos casos de prestação de garantia bancária ou equivalente e não nos de prestação de garantia da dívida por outros meios, designadamente hipotecas. ( )
Assim, improcede o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de o eventual direito a indemnização poder ser exercido em processo autónomo. ( )
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente a excepção da intempestividade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
c) Anular as liquidações de IVA e de Juros Compensatórios, com os n.ºs 2018 ... e 2018 ..., respectivamente;
d) Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 235.234,64.
Lisboa, 02-09-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(Emanuel Vidal Lima)