Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 43/2019-T
Data da decisão: 2019-09-05  IRC  
Valor do pedido: € 207.981,39
Tema: IRC – Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos em processo de insolvência (artigo 64.º do CIRC)
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Professor Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02 de abril de 2019, acordam no seguinte:

 

 

1 - Relatório

1.1 – “A..., S.A.”, contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., na cidade do ..., doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 21 de janeiro de 2019, ao qual foram juntos dois documentos, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial, tem por objeto a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa a que respeita o processo n.º ...2018..., proferido pela Chefe da Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças do ..., em 17 de outubro de 2018, ao abrigo de competência subdelegada, e consequente anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) com o n.º 2017..., emitida pela “AT” em 06 de dezembro de 2018, com referência ao ano de 2016, e das liquidações dos respetivos juros compensatórios e de mora constantes da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., no montante global de 207 981,39 € (duzentos e sete mil, novecentos e oitenta e um euros e trinta e nove cêntimos), com data limite de pagamento de 25 de janeiro de 2018.    

 

1.3 - Requer ainda a condenação da “AT” na indemnização que for devida pelos encargos incorridos com a prestação de garantia, nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como nas custas arbitrais e demais encargos com o processo.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 29 de janeiro de 2019.

 

1.6 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 13 de março de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 02 de abril de 2019.

 

1.9 - A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 08 de abril de 2019, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.11 - Em 16 de maio de 2019 a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e manutenção na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, com a consequente absolvição da Requerida do pedido.

 

1.12 - Na mesma data juntou o respetivo PA.

 

1.13 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 17 de maio de 2019, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, no prazo de 20 dias, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.14 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 6 de maio de 2019.

 

1.15 – As Partes não apresentaram alegações.

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que é uma sociedade anónima, enquadrada no regime geral de IRC, que desenvolve como objeto principal a atividade de construção de imóveis, bem como a sua compra e venda.

No exercício da sua atividade, no ano de 2016, adquiriu, pelo preço de 1 950 000,00 €, diversos prédios no âmbito da insolvência das sociedades que giravam sob as firmas “B..., SA” e “C..., Ld.ª”, com os valores patrimoniais tributários de 9 797 440,00 €.

No mesmo ano vendeu os referidos prédios, pelo que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 alínea b) do CIRC, apurou a diferença positiva entre o VPT e o preço de compra dos referidos imóveis, inscrevendo esse diferencial, de 7 695 766,66 €, na declaração “Modelo 22” de 2016, mais precisamente no respetivo campo 772 – “Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]”.

Porém, na sequência do procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, em IRC e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), com referência aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, conduzido com base na Ordem de Serviço n.º OI2017.../.../..., foi notificada das correções julgadas devidas pela AT, relativamente ao preenchimento do referido campo 772, tendo a AT referido que “quanto aos dois imóveis alienados no exercício de 2016, que foram adquiridos no âmbito de processos de insolvência, o sujeito passivo deveria ter adotado, para efeitos da determinação do lucro tributável, na qualidade de adquirente, os valores constantes dos contratos de compra, pelo que não é devida a correção negativa efetuada ao lucro tributável do exercício de 2016, no valor de 7.695.766,66€. Deste modo, propomos uma correção ao resultado fiscal declarado, do exercício de 2016, no valor de 7.695.766,66€.” (cfr. pg. 14 RIT).

Deste modo a Requerente procedeu à substituição da referida declaração, anulando a dedução inicialmente efetuada ao lucro tributável no referido montante de 7 695 766,66 €.

Que o n.º 1 do artigo 64.º do CIRC estabelece que o valor a adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC, no âmbito da compra e venda de um imóvel, é o valor patrimonial tributário definitivo que serviu “de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), ou que” serviria “no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto” e que, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”.

Refere o n.º 3 do mesmo artigo que para aplicação do disposto no n.º 2, o sujeito passivo adquirente adota o VPT definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

Assim, a Requerente não encontra fundamento para a AT recorrer às regras do código do IMT para apuramento do lucro tributável em sede de IRC, questionando, onde, no referido artigo (que é o relevante para efeitos de IRC), vislumbra a AT que, quando o VPT não seja utilizado para efeitos da liquidação do IMT, também não deverá ser utilizado para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, mesmo quando superior ao valor do ato ou contrato.

Para a Requerente não é por o VPT não ser utilizado para efeitos da liquidação do IMT, que o mesmo perde o seu significado legal, o qual, aliás, lhe é atribuído pelo Código do IMI e não pelo Código do IMT, não obstante a AT, para manter o ato tributário, invocar o disposto na regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, ou seja, que o valor dos bens adquiridos mediante arrematação judicial é o preço constante do ato ou do contrato, uma vez que os imóveis em causa foram adquiridos no âmbito da liquidação do ativo de massas insolventes.

Aliás de conformidade com as instruções administrativas da AT, nomeadamente a Circular n.º 22/2009, de 14 de setembro, que não é lei nem tem força de lei, as aquisições dos prédios urbanos em questão, porque efetuadas no âmbito da liquidação da massa insolvente, constituem uma venda por negociação particular, realizada no âmbito de um procedimento judicial, integrando o conceito de arrematação judicial, para efeitos da aplicação da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT.

É convicção da Requerente que esta norma não visa, nem na sua letra nem no seu espírito, regular a determinação do lucro tributável para efeito de IRC, para a qual a lei considera o VPT sempre que o valor da escritura seja inferior a este valor.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação das liquidações impugnadas com todas as consequências previstas na lei, bem como pelo pagamento da indemnização que se mostrar devida com os encargos incorridos com a prestação de garantia no respetivo processo de execução fiscal, nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como das custas arbitrais e demais encargos com o processo.

 

Da Requerida –

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que as liquidações impugnadas não enfermam de qualquer erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deverão manter-se na ordem jurídica.

A questão suscitada resume-se em saber qual o valor a considerar na determinação do lucro tributável da Requerente, relativamente ao ano de 2016, para efeitos de efetuar a correção ao resultado tributável do valor da alienação/aquisição de imóveis, quando não sejam praticados valores normais de mercado e quando esses imóveis tenham sido adquiridos no âmbito de processos de insolvência: se o VPT ou o valor do contrato.

Por força do disposto no n.º 1 do citado artigo 64.º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável devem ser adotados os valores normais de mercado, que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação de IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

Deste modo mostra-se necessário apurar qual o valor que foi considerado para efeitos de IMT ou que seria em caso de não haver lugar à liquidação desse imposto.

A regra, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, é que o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato, ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior. Todavia, tal regra é aplicável sem prejuízo das regras previstas no n.º 4 do mesmo artigo e diploma, as quais tendo natureza especial, são aplicáveis preferencialmente nos seus específicos domínios.

Com efeito os imóveis em questão foram adquiridos por negociação particular no âmbito de processos de insolvência, pelo que o valor tributável para efeitos de IMT seria determinado nos termos da regra 16.º, n.º 4, do artigo 12.º do CIMT, que integra a arrematação judicial.

Que vem sendo este o entendimento da AT, pelo menos desde a publicação da circular n.º 22/2009, de 14 de setembro, corroborado na alínea g), n.º 3 da circular n.º 10/2015, de 9 de setembro. Idêntico entendimento consta do acórdão do STA de 05-11-2014 (Processo n.º 01508/12), assim sumariado: “(…) III - A venda de imóvel efetuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (artigos 158.º e 161.º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT”.

Pelo que, de acordo com tal preceito do CIMT, o valor que serve ou serviria de base à liquidação de IMT é o preço constante no ato ou no contrato, constituindo uma derrogação à regra geral constante no n.º 1 do citado artigo, a qual manda comparar o VPT com o preço declarado ou ato ou contrato, prevalecendo o que for maior.

Por outro lado, não tem qualquer pertinência estabelecer a comparação entre o preço do contrato e o VPT respetivo, na medida em que esta comparação apenas ocorreria se o VPT servisse como base tributável para a liquidação de IMT.

Deste modo, face ao n.º 1 do artigo 64.º do CIRC, só há lugar a correção do lucro tributável do IRC com base no VPT superior ao preço se, para efeitos de IMT, tal regra for igualmente aplicável.

Assim, a Requerente devia considerar como valores de aquisição os valores de mercado correspondentes aos valores patrimoniais definitivos que, nos termos do CIMT, serviriam para a liquidação do IMT que teria lugar, não fosse a isenção de que essas vendas em processos de insolvência beneficiaram.

Deste modo, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 64.º do CIRC, os valores que deviam ser adotados para determinação do lucro tributável são os que constam nos contratos de venda operadas no âmbito dos processos de insolvência, por serem estes os que seriam considerados para efeitos de liquidação em sede de IMT.

Tal o entendimento do Tribunal Arbitral, conforme acórdãos proferidos nos processos n.ºs 180/2015-T e 570/2017-T, respetivamente de 17-11-2015 e 15-03-2018.

 Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, uma vez que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

2 - Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 - O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas quaisquer exceções.

 

2.3 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade anónima, enquadrada no regime geral de IRC, coletada para o exercício da atividade principal de “Construção de edifícios (residenciais e não residenciais), CAE 41200 e atividades secundárias de “Atividades de mediação imobiliária”, CAE 68311 e “Compra e venda de bens imobiliários”, CAE 68100 (cfr. artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e II-3, página 5, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

b)           Em 28-01-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../07...T... da sociedade “B..., S.A.”, adquiriu os seguintes prédios inscritos nas matrizes prediais urbana e rústica da freguesia e concelho de ... (cfr. artigo 2.º do ppa e ponto 2.3.1, página 11, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

Matriz urbana (U)

Matriz rústica ®

Artigo   Valor patrimonial tributário (VPT) €        Preço de compra (€)       Diferença positiva entre o VPT e o preço (€)

U            ...            4 403 749,04      400 000,00          4 003 749,04

R             ...            66,66     250 000,00          0

SOMA   4 003 749,04

 

c)            Em 16-06-2016, no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...T... da sociedade “C..., Ld.ª”, adquiriu os seguintes prédios inscritos nas matrizes prediais urbana e rústica da união das freguesias de ..., ... (... e ...) e ..., concelho de ...: (cfr. artigo 2.º do ppa e ponto 2.3.1, páginas 11/12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

Matriz urbana (U)

Matriz rústica (R)            

Artigo   Valor patrimonial tributário (VPT) €        Preço de compra (€)       Diferença positiva entre o VPT e o preço (€)

U            ...            5 393 400,00      1 260 000,00      4 133 400,00

R             ...            224,23   40 000,00            0

SOMA   4 133 400,00

 

d)           As aquisições supra referidas beneficiaram de isenção do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos do n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

 

e)           A diferença entre os VPT´s e os valores de compra dos prédios urbanos foi de 8 137 149,04 € (4 003 749,04 € + 4 133 400,00 €), (cfr. ponto 2.3.1, página 12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

f)            Porém a Requerente apurou a diferença positiva entre o VPT e o preço de compra dos imóveis, no montante de 7 695 766,66 €, que inscreveu no campo 772 (Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art. 64.º, n.º 3, al. b)]), do Quadro 07 da declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2016, a deduzir ao apuramento do lucro tributável (cfr. artigo 5.º do ppa e ponto 2.3.1, página 12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

g)            Os prédios referidos na alínea b) supra, da freguesia e concelho de ... foram objeto de atualização, com a entrega da correspondente declaração modelo 1 de IMI, dando origem a um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo..., com o VPT de 1 554 080,00 €, sendo vendido em 19-02-2016 à sociedade “D..., S.A., pelo preço de 1 550 000,00 € (cfr. ponto 2.3.1, página 11/12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

h)           Em 08-07-2016, os prédios inscritos nas matrizes da união das freguesias de ..., ... (... e ...) e ..., concelho de ..., sob os artigos ... (urbano) e ... (rústico), com os VPT’s referidos na alínea c) que antecede, foram vendidos à sociedade “E..., S.A.” pelos preços de 1 800 000,00 € e 50 000,00 €, respetivamente (cfr. ponto 2.3.1, página 12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

i)             No campo 745 (Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [artigo 64.º, n.º 3, al. a)] ), do Quadro 7 da declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2016, a Requerente inscreveu o montante de 3 547 430,00, a acrescer ao apuramento do lucro tributável (cfr. ponto 2.3.1, página 12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

j)             Nos termos do n.º 3 do artigo 139.º do CIRC foi apresentado pela Requerente pedido destinado a provar que o prédio inscrito sob o artigo ... da união das freguesias de ..., ... (... e ...) e ..., concelho de ..., foi efetivamente vendido pelo preço de 1 800 000,00 €, o qual foi deferido (cfr. ponto 2.3.1, III, página 12, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

k)            Em 02-11-2017 a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) sobre o projeto de conclusões do relatório da inspeção externa a que fora sujeita com base na Ordem de Serviço n.º OI2017.../... /... (cfr. artigo 6.º do ppa e parte IX, página 21, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

l)             Em 06-12-2017 a Requerente apresentou uma declaração modelo 22 de substituição, relativa ao ano de 2016, anulando a dedução de 7 695 766,66 € constante do campo 772 do Quadro 7, bem como o acréscimo de 3 547 430,00 € constante do campo 745 do mesmo quadro e declaração (cfr. artigo 9.º do ppa e parte IX, página 21, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

               

m)          Em 06-12-2017 a AT procedeu à liquidação do IRC do ano de 2016, com o n.º 2017..., bem como dos respetivos juros compensatórios e de mora, no montante global de 207 981,39 €, com data limite de pagamento em 25-01-2018, sendo a Requerente notificada (cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente ao ppa, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

n)           Em 06-02-2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações, tendo originado o processo n.º ...2018... (cfr. documentos incorporados no PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

o)           Em 18-09-2018 a Requerente foi notificada do projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pela Chefe da Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças do ..., ao abrigo de competência subdelegada, em 12-09-2018, para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT (cfr. documentos incorporados no PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

p)           Em 24-10-2018 a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pela mesma entidade, em 17-10-2018, para, querendo, reagir contra o mesmo, através dos meios legalmente previstos (cfr. documento n.º 1 junto pela Requerente ao ppa e documentos incorporados no PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

q)           Em 21 de janeiro de 2019 foi apresentado pela Requerente pedido de constituição de tribunal arbitral, que deu origem ao presente processo.  

 

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596.º, nº 1 e 607.º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidendum reconduz-se a saber se, nos casos em que os valores patrimoniais tributários não servirem de base à liquidação do IMT pela transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, poderá o adquirente, para efeitos da determinação do lucro tributável, proceder à correção prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, através de dedução a inscrever no campo 772, Quadro 7, da declaração modelo 22 de IRC?   

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade das liquidações impugnadas; e

- Do pedido de indemnização nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

 

4.1 - Da (i)legalidade das liquidações impugnadas

A Requerente, em 28-01-2016, adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz da freguesia e concelho de ... sob o artigo ..., com o VPT definitivo de 4 403 749,04, pelo preço de 400 000,00 €; e, na mesma data, um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia e concelho de ... sob o artigo ..., com o VPT definitivo de 4 403 749,04 €, pelo preço de 250 000,00 €.

Em 16-06-2016, adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz da união das freguesias de..., ...(... e ...) e ..., concelho de ..., sob o artigo ..., com o VPT definitivo de 5 393 400,00 €, pelo preço de 1 260 000,00 €; e, na mesma data, um prédio rústico inscrito na matriz da união das freguesias de ..., (... e...) e ..., concelho de ... sob o artigo..., com o VPT definitivo de 224,23 €, pelo preço de 40 000,00 €.

A aquisição dos imóveis sitos no concelho ... foram efetuadas no âmbito do processo de insolvência n.º .../07...T... da sociedade “B..., S.A”, enquanto a dos imóveis sitos no concelho de ... foram efetuadas no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...T... da sociedade “C..., Ld.ª”. Todas as transmissões beneficiaram de isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos do n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), cfr. alínea d) do probatório. 

Refira-se que os prédios adquiridos foram vendidos como se refere: O prédio inscrito na matriz urbana da freguesia e concelho de ..., sob o artigo ..., resultante da fusão dos artigos ... urbano e ... rústico, foi vendido em 19-02-2016, pelo preço de 1 550 000,00 €, à sociedade D..., S.A.”. E os prédios sitos no concelho de ... foram vendidos em 08-07-2016 à sociedade “E..., S.A.”, o urbano pelo preço de 1 800 000,00 € e o rústico por 50 000,00 €.

 

A Requerente inscreveu no campo 772 - Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [artigo 64.º, n.º 3, al. b)], quadro 7, da declaração modelo 22 do ano de 2016, o montante de 7 695 766,66 €, resultante da diferença dos VPT’s definitivos e dos valores de compra. 

Porém em 06-12-2017, apresentou uma declaração modelo 22 de substituição, relativa ao ano de 2016, anulando a referida dedução, cfr. alínea l) do probatório.

Para a AT tal dedução, prevista na alínea b), n.º 3, do artigo 64.º do CIRC, é ilegal por não se verificarem os pressupostos previstos no n.º 1 do referido artigo, uma vez que os valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitidos não serviriam de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas (IMT), caso estas não tivessem beneficiado de isenção, como beneficiaram, razão pela qual a AT procedeu à liquidação de IRC impugnada nos presentes autos.   

Por sua vez a Requerente entende diferentemente, ou seja, que a dedução é legal por os factos terem perfeito enquadramento nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 64.º do CIRC.  

 

Com efeito:

O artigo 58.º-A do CIRC, posteriormente renumerado no 64.º, por força do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, com o título “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, foi aditado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e na sistemática do referido código consta na Subsecção I, Secção VI, Capítulo III, relativa a correções para efeitos de determinação da matéria coletável, onde abundam normas anti-abuso, como os preços de transferência; a imputação de rendimento de entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado; a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento; e as correções nos casos de crédito de imposto e retenção na fonte.

Como consta do preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, “(…) As alterações aos Códigos do IRS e do IRC têm subjacentes dois tipos de medidas das mais emblemáticas desta reforma. Por um lado, a eliminação do imposto sobre as sucessões e doações com a tributação em IRC dos incrementos patrimoniais a título gratuito obtidos pelos sujeitos passivos deste imposto. Por outro lado, como os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer do IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC, tornou-se necessário proceder a diversas adaptações nos respetivos Códigos, para consagração destas medidas, as quais constituem igualmente objeto do presente decreto-lei”. (sublinhado nosso)

Com efeito, o artigo 64.º do CIRC, na redação introduzida pelo artigo 2.º do referido Decreto-Lei n.º 159/2009 (cujo objetivo foi o de eliminar os constrangimentos sobre a contabilidade decorrentes da legislação fiscal, face à aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, no caso de haver correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, deixa de ser exigido ao adquirente desses direitos a respetiva contabilização pelo valor patrimonial tributário definitivo para que o mesmo seja considerado para efeitos de determinação de qualquer resultado tributável em IRC), refere:

“1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”.

4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado”.

 

Por força do disposto no n.º 1 deste artigo, para determinação do lucro tributável devem ser adotados os valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto. (sublinhado nosso)

Refere o n.º 2 do mesmo artigo que, sempre que nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável, constituindo deste modo uma presunção de rendimentos.

Porém, por não serem admitidas nas normas de incidência tributária presunções inilidíveis, cfr. artigo 73.º da LGT, o legislador estabeleceu no artigo 139.º do CIRC, um procedimento para prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao VPT, permitindo deste modo ilidir tal presunção, com a consequente não aplicação do n.º 2 do artigo 64.º (correção ao valor de transmissão desses direitos reais), cfr. acórdãos do STA de 06-02-2013 e 09-03-2016, tirados dos processos n.ºs 0989/12 e 0820/15, respetivamente.

Face à literalidade e à ratio legis da referida norma (n.º 1 do artigo 64.º do CIRC), ao pretender evitar que os valores normais de mercado sejam inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto, mostra-se absolutamente necessário averiguar se foi liquidado IMT ou, não o sendo, qual o valor que serviria de base à sua liquidação, caso tivesse existido.

Com efeito a aquisição dos prédios em causa foi efetuada no âmbito de processos de insolvência, numa das modalidades previstas no artigo 164.º do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Assim, os prédios inscritos nas matrizes urbana e rústica da freguesia e concelho de ..., sob os artigos ... e ..., respetivamente, foram adquiridos no Processo de Insolvência n.º .../07...T... da sociedade “B..., S.A”, no âmbito da liquidação do ativo da massa insolvente. Enquanto os prédios inscritos nas matrizes urbana e rústica da união das freguesias de ..., ... (... e ...) e ..., concelho de ..., sob os artigos ... e ..., respetivamente, foram adquiridos no Processo de Insolvência n.º .../12...T... da sociedade “C..., Ld.ª”, também no âmbito da liquidação do ativo da massa insolvente.

Estas alienações beneficiaram de isenção de IMT, nos termos do n.º 2 do artigo 270.º deste código, que refere: “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Assim, não havendo lugar a liquidação de IMT, mostra-se necessário determinar qual o valor tributável sobre o qual este imposto incidiria caso a alienação não beneficiasse de isenção.

Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT este imposto incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior. 

Esta regra, de âmbito geral, é porém derrogada pelo n.º 4, regra 16.ª daquele artigo 12.º, que refere: “4. O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras: (…) 16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato”. (sublinhado nosso)

Como vem referido no acórdão arbitral do CAAD de 15-03-2018 (Processo n.º 570/2017-T) “Afigura-se que a referência a «arrematação judicial» que se inclui naquela regra 16.ª deve ser interpretada de forma atualista, como reportando-se às modalidades de venda judicial, pois, quando foi aprovado o CIMT, pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, a arrematação judicial já tinha sido excluída das modalidades de venda previstas no CPC, como se vê pelo seu artigo 886.º, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de novembro, reformulada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março.

Também no CPPT, a arrematação já havia sido excluída das modalidades de venda, com a revogação do seu artigo 254.º, operada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

Assim, interpretando aquela regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º CIMT, tendo em conta «as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil impõe que sejam tidas em conta na interpretação da lei, é de interpretar aquela referência a arrematação judicial como reportando-se a qualquer modalidade de venda judicial.

A razão que explica esta regra é o controle que existe sobre o valor real da venda quando é feita judicial ou administrativamente, pois há um ato de uma entidade investida em poderes públicos que assegura qual foi o valor real da venda. Isto é, nestas situações considera-se feita a prova de que o preço da transmissão é o real.

É precisamente neste sentido o entendimento do Senhor Diretor-Geral dos Impostos veiculado pela referida Circular n.º 22/2009, em que conclui que «a arrematação judicial é uma das formas mais comuns de que se pode revestir a arrematação, consistindo na aquisição de um bem em hasta pública ou através de venda nas modalidades descritas no artigo 886.º do CPC e seguintes» e que «concretamente, a venda por negociação particular, realizada no âmbito de um procedimento judicial, tem o controlo do magistrado competente e é por este sindicada, pelo que, para efeitos da regra 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, integra o conceito de arrematação judicial».

 

Também no Acórdão do STA de 05-11-2014 (Processo n.º 01508/12), se escreveu:

“II - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do art.º 12.º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transação nas situações em que o ato da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efetuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador.

III - A venda de imóvel efetuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (arts. 158.º e 161.º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT”.

 

Assim, caso as transmissões não beneficiassem de isenção de IMT, o valor tributável seria o preço constante dos atos ou contratos por meio dos quais a Requerente adquiriu os imóveis em causa, pelo que será esse o valor patrimonial tributário definitivo de referência para efeitos do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC (neste sentido, vide acórdão arbitral do CAAD de 17-11-2015 (Processo n.º 180/2015-T)

 

Deste modo este preceito é inaplicável ao caso, uma vez que os valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis adquiridos não serviram nem serviriam de base à liquidação do IMT, ainda que esta fosse de efetuar.

A desnecessidade de correção ao valor de transmissão dos imóveis resulta da certeza e maior segurança da correspondência e conformidade dos valores declarados com os valores reais das transações, face à intervenção das autoridades judiciais e administrativas.

Assim as transmissões de direitos reais sobre os bens imóveis em causa não se subsumem na previsão ínsita no referido preceito. É como se a presunção de rendimentos tivesse sido ilidida.

E em consequência, o n.º 2 do mesmo artigo, porque se refere às “transmissões onerosas previstas no número anterior”, também é inaplicável.

Conclui-se, assim, que para efeito do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC, os valores mínimos que deviam ser adotados para determinação do lucro tributável eram os que constam dos atos ou contratos de aquisição operados nos processos de insolvência, por serem esses os que deveriam ser considerados para efeitos de liquidação de IMT, se não existissem as isenções .

Deste modo as liquidações impugnadas não merecem qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica, assim como o despacho de indeferimento, de 17-10-2018, proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2018..., uma vez que as referidas liquidações consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

4.2 - Do pedido de indemnização nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT

A Requerente pede ainda que seja indemnizada pelos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia, de acordo com o disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

Porém, face à solução jurídica do caso, fica prejudicado tal pedido (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

 

**

 

5 – Decisão

Termos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da Chefe da Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças do ..., de 17 de outubro de 2018, proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2018..., ao abrigo de competência subdelegada.

b)           Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) com o n.º 2017..., emitida pela “AT” em 06 de dezembro de 2018, relativa ao ano de 2016, e das liquidações dos respetivos juros compensatórios e de mora constantes da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., no montante global de 207 981,39 €, mantendo tais atos na ordem jurídica, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido; e

c)            Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais do processo.

 

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 207 981,39 €.

 

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 4 284,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 5 de setembro de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

O Árbitro Presidente,

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal,

(Francisco Nicolau Domingos)

 

O Árbitro Vogal,

(Rui Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.