Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2019-T
Data da decisão: 2019-09-11  IVA  
Valor do pedido: € 127.779,17
Tema: IVA – Autoliquidação – Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 11 de Janeiro de 2019, A..., LDA., NIPC..., com sede..., lote..., ... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA dos períodos de 201510, 201511 e 201512 e respectivos juros, no montante global de € 129.779,17, bem como da decisão da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os actos tributários em crise enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

3.            No dia 14-01-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 04-03-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-03-2019.

 

7.            No dia 06-05-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A requerente iniciou a sua actividade em 1966, com a actividade principal de “Comércio por Grosso de Peças e Acessórios para Veículos Automóveis”, CAE 45310, estando enquadrada em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal e em sede de IRC no regime geral de tributação do lucro tributável.

2-            A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária, com base na ordem de serviço no OI2017..., extensiva ao ano de 2015, levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de ..., no âmbito do qual os Serviços de Inspecção fizeram constar do projecto de Relatório, para além do mais, o seguinte:

 

 

3-            A ora Requerente regularizou voluntariamente as correcções propostas no projecto de Relatório, entregando declarações de substituição para os períodos em questão.

4-            A Requerente apresentou oportunamente reclamação graciosa que foi autuada sob o n.º ...2018..., contra as autoliquidações de IVA, referentes aos períodos 2015-10, 2015-11 e 2015-12, no valor de €129.779,17.

5-            Reclamação graciosa que mereceu despacho de indeferimento do Sr. Director de Finanças de ... de 2019-01-09, notificado por via postal à Requerente em 2019-01-11, na pessoa do seu mandatário

6-            As transmissões referidas no projecto de Relatório foram registadas na contabilidade da Requerente como se tratassem de transmissões intracomunitárias de bens, sujeitas a IVA, mas isentas ao abrigo da al. a) do art.º 14.º do RITI.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Em causa nos presentes autos de processo arbitral está a aferição da legalidade das autoliquidações de IVA da Requerente, referentes aos períodos 2015- 10, 2015-11 e 2015-12.

                Antes de prosseguir na análise da questão decidenda, cumpre formular alguns esclarecimentos quanto ao ónus da prova na presente acção.

                Efectivamente, e conforme decorre do Requerimento inicial, a Requerente parece assumir que aquele ónus impende sobre a AT, referindo, para além do mais, que “pretendendo a AT a liquidação do IVA, sobre ela recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca.”, e que “A AT nada prova no sentido da inexistência dos legais pressupostos, razão pela qual deve ser onerada por isso.”

Não obstante, estando em causa autoliquidações, e não liquidações, não será esse o caso.

Com efeito, as autoliquidações assentam na declaração e subsequente liquidação de imposto, pelo próprio contribuinte, pelo que o fundamento daquelas é a própria declaração do contribuinte, pelo que nesses casos à AT apenas cumpre assegurar que a liquidação de imposto está em conformidade com a declaração do contribuinte que, nos termos do art.º 75.º/1 da LGT, se presumem verdadeiras.

Assim, como se escreveu no Acórdão do STA de 27-06-2012, proferido no processo 0982/11, “No processo de impugnação judicial o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

E, como se esclarece no mesmo aresto, “no caso dos autos a situação é diversa: estando em causa uma autoliquidação é o contribuinte que vem discordar da própria declaração, impugnando a sua veracidade e até a sua autenticidade, (...) Assim, cabia à recorrente demonstrar o facto por si alegado”.

Também nos presentes autos, a Requerente apresenta-se a contestar as suas próprias autoliquidações, arguindo que as mesmas enfermam de erro nos pressupostos de direito e de facto, pretendendo beneficiar do regime do 14.º al. a) do RITI aplicável, ao nível da isenção aí prevista.

Nestes termos, e tendo em conta o disposto no art.º 74.º/1 da LGT, é à Requerente que assiste o ónus da prova dos pressupostos da norma da qual se pretende prevalecer, notando-se, uma vez mais, que não está, na situação sub iudice, a aferição da legalidade de qualquer correcção operada pela AT, mas a aferição da legalidade de autoliquidações operadas pela Requerente.

Posto isto, e como a própria Requerente assume, “para que se possa afirmar a existência de uma transmissão intracomunitária, isenta de imposto à luz dos citados preceitos do RITI, é imprescindível que os bens sejam expedidos ou transportadas - pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes - a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente”.

Ora, relativamente a estas circunstâncias, nenhum facto foi alegado, nem consequentemente provado.

A Requerente pretende, como emerge do Requerimento inicial, que tal ausência de prova seja valorada contra a Requerida, imputando-lhe o ónus da correspondente prova.

Não obstante, como se viu, é sobre ela que tal ónus impende, sendo contra ela que a ausência de prova deve ser resolvida, nos termos do art.º 414.º do Código de Processo Civil.

Deste modo, não havendo qualquer prova nos autos de que os bens tenham sido expedidos ou transportados - pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes - a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, não poderá ser acolhida a pretensão da Requerente.

Não obsta à conclusão exposta, o decidido nos acórdãos proferidos pelo TJUE nos processos C-21/16, na medida em que não demonstrando a Requerente que bens tenham sido expedidos ou transportados - pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes - a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, não se verifica qualquer identidade de facto com o ali decidido.

Também não são merecedoras de acolhimento as considerações expendidas pela Requerente a respeito do quanto a AT fez constar do projecto de relatório de inspecção.

Efectivamente, aquele projecto de relatório não integra a fundamentação de qualquer acto tributário lesivo da Requerente.

Tratou-se, unicamente, de um projecto de relatório, que nunca chegou a concretizar-se em definitivo, porquanto a Requerente optou por apresentar declarações de substituição, desencadeando, desse modo, o arquivamento do procedimento inspectivo que lhe foi dirigido, sem que viessem, consequentemente, a ser determinadas pela AT quaisquer correcções oficiosas.

Daí que, conforme previamente explicado, não assista à AT qualquer ónus probatório, que não o de que as liquidações de imposto estão em conformidade com o declarado pela Requerente, o que, no caso, não é sequer contestado.

Assim, e face a todo o exposto, dúvidas não restarão que não poderá obter acolhimento a pretensão da Requerente, devendo, por isso, o pedido arbitral improceder integralmente.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 129.779,17, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Setembro de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(António Alberto Franco)

 

O Árbitro Vogal

(Arlindo José Francisco)