DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Cristiana Leitão Campos e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 7 de novembro de 2018, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede em ..., ...-... ..., adiante designada por “Requerente”, representada pelo Administrador da Insolvência B..., contribuinte n.º..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., sala ..., ...-... Porto, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
O pedido arbitral tem por objeto mediato a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referente a 2016, no montante global de € 908.400,14, e juros compensatórios conexos de € 10.601,47, realizada através de dois atos distintos identificados nos seguintes moldes:
(a) Liquidação adicional de IVA n.º 2017..., no valor de € 249.970,29, do período de 201609T, acrescida da liquidação de juros compensatórios na importância de € 10.601,47, remetidas pela Área de Cobrança da AT, tendo os correspondentes valores sido pagos em 29 de janeiro de 2018;
(b) Anulação do crédito de imposto de € 658.429,87, referente ao mesmo período (201609T), que foi mencionado nos campos 61, 94 e 95 da Declaração Periódica de IVA n.º..., anulação essa notificada através do ofício n.º..., datado de 20 de dezembro de 2017, da Direção de Serviços de Reembolsos, com fundamento em “insuficiência de crédito em conta corrente”.
Como objeto imediato do pedido arbitral, a Requerente identifica o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, datado de 30 de maio de 2018 e notificado em 5 de junho de 2018, que apreciou a totalidade da liquidação.
A Requerente pretende:
– A declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IVA n.º 2017... no valor de € 249.970,29 e dos juros compensatórios inerentes na quantia de € 10.601,47;
– A reposição na sua esfera do crédito de imposto na quantia de € 658.429,87; e
– O pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais.
Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega as seguintes ilegalidades de natureza substantiva que, em seu entender, inquinam as correções vertidas na liquidação adicional de imposto e na “denegação do direito à dedução”:
(i) A errada interpretação dos preceitos legais que sustentam as correções, em virtude de a cessação de atividade prevista no artigo 65.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) não implicar a regularização do IVA incorrido (e deduzido) na aquisição dos bens imóveis, pelo tempo não decorrido do período de regularização de 20 anos, uma vez que:
A AT funda a obrigação de regularização do IVA na cessação de atividade da Requerente, com suporte nos artigos 26.º, n.º 3 e 24.º, n.º 5, ambos do Código do IVA, e só as transmissões de bens do ativo imobilizado são geradoras dessa obrigação de regularização, não devendo existir regras diferentes nesta matéria para os sujeitos passivos insolventes;
O encerramento dos estabelecimentos abrangidos pelo decretamento da insolvência dá origem à sua alienação, pelo que se deveria aguardar por esse momento para proceder à regularização, nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do Código do IVA;
A obrigação de regularização, a existir, só poderia abranger o ano 2017, nos termos do artigo 26.º, n.º 1 do Código do IVA, que prevê uma regularização anual de 1/20 do IVA deduzido, como solução para o período anterior à transmissão que, in casu, veio a ocorrer por escritura de 27 de junho de 2018;
O artigo 4.º, n.º 3 do Código do IVA prevê que a alienação de estabelecimentos comerciais ou industriais não é sujeita a IVA;
A regularização pretendida pela AT introduz uma discriminação negativa entre a situação de alienação de estabelecimento sem utilização durante o período de regularização em processo de insolvência e fora deste processo (neste último caso, só fica sujeita, quando muito, à regularização anual de 1/20 prevista no artigo 26.º, n.º 1 do Código do IVA), pelo que tal solução ofende o princípio da neutralidade do IVA e os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva;
(ii) A errada qualificação como “bens imóveis” das obras e equipamentos incorporados na instalação do lagar e na ligação das suas componentes, por:
Errada interpretação do conceito de “bem imóvel” para efeitos de IVA e por insuficiência da prova sobre o valor e a natureza das despesas incorridas pela Requerente passíveis de justificar tal qualificação. Para a Requerente, o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) procedeu à mistura entre equipamentos (bens móveis) e obras de construção civil, qualificando tudo como imóveis e não apresenta elementos suficientes para distinguir o que foram obras de construção civil, equipamentos integrantes do edificado e equipamentos que apesar de terem ficado materialmente ligados ao edifício conservam a sua autonomia e valor, neste ou em qualquer outro edifício, remetendo para números de faturas e mapas anexos, sem juntar qualquer fatura, documento ou contrato;
As obras terem a natureza de despesas acessórias à instalação de equipamentos que, por si, nunca poderão ser qualificados como imóveis;
As obras de construção civil necessárias para instalar o lagar e ligar os seus equipamentos entre si não conferirem aos ditos equipamentos a natureza de prédios urbanos, não derivando tal consequência, ao contrário do que preconiza a AT, do artigo 204.º, n.º 3 do Código Civil;
O artigo 13.º-B, alínea d) do Regulamento de Execução n.º 1042/2013, de 7 de outubro de 2013, invocado pela AT, ser inaplicável à situação em apreço, pois essa norma apenas entrou em vigor a partir de 1 de janeiro de 2017 e não tem (nem poderia ter) efeitos retroativos;
Além do mais, a referida norma europeia visar a localização das prestações de serviços e não a determinação do regime de tributação e isenção das operações internas sobre imóveis, relativamente ao qual o direito europeu deixa uma ampla margem aos Estados-Membros, incluindo no que respeita à delimitação do conceito de bem imóvel ou de prédio;
O conceito de imóvel não ser fornecido pelo Código do IVA, devendo ser, segundo a Requerente, utilizado o conceito de prédio previsto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”). Neste âmbito, nunca os equipamentos foram qualificados pela AT como constituindo uma espécie autónoma de prédio urbano que tivesse que ser avaliado e inscrito nas matrizes prediais, nem a AT os fez constar no teor matricial do prédio urbano onde a unidade fabril se encontra instalada;
Ser manifesto que a lei não pretendeu qualificar equipamentos como prédios (sem prejuízo do conceito lato de prédio fiscal), o que se deduz, desde logo, da ligação do significado das expressões “Edificação” e “Construção” à legislação urbanística;
Os equipamentos em causa (que constituem o lagar) não serem partes integrantes de uma construção ou edificação, mantendo a sua individualidade no todo que é a unidade fabril, sem prejuízo de ter havido a necessidade de algumas obras de construção civil para ligar esses equipamentos entre si e ao edifício onde se encontravam, tendo sido ulteriormente alienados de forma autónoma ao edifício que os albergava;
À semelhança do que o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) decidiu relativamente aos equipamentos que integram um parque eólico, no Acórdão de 11 de abril de 2018, processo n.º 1328/17, os equipamentos não podem ser classificados como prédio, “porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes”.
Em 29 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 3 de setembro de 2018.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação em 17 de outubro de 2018, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 7 de novembro de 2018.
Em 13 de dezembro de 2018, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação.
Em matéria de exceção, suscita a incompetência material (parcial) do Tribunal Arbitral na parte do pedido, no montante de € 658.429,85, que considera dizer respeito ao indeferimento do reembolso de IVA. Neste âmbito, compulsa diversa jurisprudência arbitral que afirma, com suporte no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março de 2011, que a competência dos Tribunais Arbitrais se limita à apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação, não traduzindo o indeferimento de um pedido de reembolso um ato tributário de liquidação, pelo que a sua apreciação se situa fora do âmbito material da jurisdição arbitral (Acórdãos n.ºs 137/2017-T, de 29 de janeiro de 2018, e 48/2015-T, de 3 de outubro de 2015). Sustenta ainda a Requerida que interpretação distinta é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição, de acordo com os artigos 20.º e 268.º da Constituição. Assim, segundo a Requerida, o conhecimento da matéria por parte deste Tribunal restringe-se ao ato de liquidação de IVA no valor de € 249.970,29, devendo ser julgada procedente a exceção dilatória de incompetência material no que respeita ao valor do pedido de reembolso, de € 658.429,87.
Na defesa por impugnação, a Requerida alega que a obrigação de regularizar o IVA brota do artigo 26.º do Código do IVA e da figura do autoconsumo de bens prevista no artigo 16.º da Diretiva IVA e no artigo 3.º do Código do IVA, com as devidas adaptações.
Está em causa o encerramento do estabelecimento da Requerente que considera dever ser equiparado a uma verdadeira transmissão onerosa de bens, solução que visa prevenir a evasão e impedir que bens desonerados de IVA sejam usados em fins alheios ao escopo social da Requerente, para o que invoca diversa jurisprudência do Tribunal de Justiça (Processo C-20/91, De Jong, e processo 50/88, Kuhne, com acórdãos datados de 6 de maio de 1992 e de 27 de junho de 1989, respetivamente).
Rejeita a interpretação veiculada pela Requerente de que a regularização dos montantes de IVA deduzidos relativos à aquisição de bens imóveis ou de obras em bens imóveis, em caso de cessação de atividade económica das empresas em resultado de insolvência, apenas deva ocorrer quando da transmissão desses bens, conforme previsto no artigo 24.º, n.º 5 do Código do IVA, pois o artigo 26.º, n.º 3 deste diploma prevê expressamente a regularização diretamente derivada da “cessação da atividade” apenas remetendo para o citado artigo 24.º, n.º 5 quanto ao modo da sua efetivação, i.e., de concretização técnica da estatuição, que é “de uma só vez, pelo período [de regularizações] ainda não decorrido”.
Por outro lado, entende não existir qualquer paralelismo entre a cessação de atividade e as cessões de estabelecimento contempladas no artigo 3.º, n.º 4 do Código do IVA, por serem situações distintas, dependendo o regime de não tributação, neste último caso, de se tratar de uma organização económica que continue, circunstância que não se verifica na situação em apreço.
A Requerida afirma que o seu entendimento é conforme ao decidido no processo do Tribunal de Justiça C-229/15, com acórdão de 16 de junho de 2016, segundo o qual “em caso de cessação da atividade económica tributável de um sujeito passivo, a detenção de bens por este, quando esses bens tenham conferido direito à dedução do IVA aquando da respetiva aquisição, pode ser equiparada a uma entrega de bens efetuada a título oneroso e sujeita a IVA [ao abrigo do artigo 18.º da Diretiva IVA], se o período de regularização previsto no artigo 187.º da Diretiva IVA tiver terminado.” Este aresto alerta para o facto de a regularização do imposto anteriormente deduzido dever ser realizada, nos termos do artigo 185.º, n.º 1 da Diretiva IVA, quando se verificarem, após a declaração do IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante da referida dedução, pretendendo-se evitar conceder uma vantagem económica injustificada ao sujeito passivo e assegurar uma correspondência entre a dedução do imposto a montante e a cobrança do imposto a jusante.
O artigo 18.º, alínea c) da Diretiva IVA estatui que os Estados-Membros podem equiparar a transmissões de bens efetuadas a título oneroso a detenção de bens no caso de cessação da sua atividade económica tributável do sujeito passivo, quando esses bens tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA no momento da respetiva aquisição. Para a Requerida, essa equiparação foi feita pelo legislador nacional através da sua inserção no regime de regularizações que consta do artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA, o qual é aplicável independentemente da qualificação como bens móveis ou imóveis, ao abrigo do referido artigo 18.º, alínea c) da Diretiva IVA e do teor do acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-229/15 supra referenciado.
No que toca ao alegado erro de qualificação de obras e equipamentos incorporados na instalação do lagar como “bens imóveis”, a Requerida apoia-se no artigo 204.º, n.º 1 do Código Civil para concluir de forma diversa, dispondo esta norma que “[é] parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência”. Na situação vertente, a Requerida sustenta que a ligação material ao edificado também se revela do ponto de vista da afetação económica, que se prende com o destino da coisa móvel ao serviço e utilidade do prédio e que os três grupos de ativos listados no RIT permitem deduzir que os equipamentos e obras em causa ficaram acoplados ao solo com caráter de permanência. A Requerida refere ainda que a invocação do Regulamento de Execução n.º 1942/2013 pela AT não constituiu o fundamento da qualificação daqueles como bens imóveis, a qual se alicerçou no artigo 204.º, n.º 1 do Código Civil, mas apenas um reforço desta, para além de que a norma do Regulamento se limitou a reunir o que vinha entendendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em concreto no processo C-428/02, Fonden Marselisborg, de 3 de março de 2005, e no processo C-275/01, Sinclair Collis, de 12 de junho de 2001.
O facto de os bens poderem ser desencastrados não compromete esta qualificação [de bens imóveis], para além de que não resulta da ulterior escritura de venda dos equipamentos que as partes integrantes do lagar tenham sido destacadas do imóvel a que estavam acopladas.
Segundo a Requerida, competia à Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, não tendo esta feito essa demonstração.
Sobre a alegação de o RIT não ter elementos de prova suficientes, designadamente de não juntar cópias das faturas, a Requerida nota que o Relatório contém, em anexo, 22 mapas, nos quais se discriminam o ano de emissão da fatura, o número de lançamento contabilístico e do documento, a data da fatura, o nome e o NIF do fornecedor, a descrição sucinta, transcrita das faturas, a conta do POC/SNC em que a compra foi registada, o valor da base tributável (de aquisição), bem como o valor do IVA deduzido, informações que foram recolhidas e se apoiam na contabilidade da Requerente e cujo valor probatório resulta do preceituado no artigo 76.º, n.º 1 da LGT.
Por fim, quanto à alegada dissonância do entendimento perfilhado no Acórdão do STA, processo n.º 1328/17, de 4 de novembro de 2018, a Requerida considera que tal divergência não existe. Em seu entender, este aresto acolhe a ideia de que cada aerogerador, que pode ser considerado como um bem móvel por natureza, acaba por ser parte integrante no prédio onde é instalado, e por isso, no seu todo, considerado como parte integrante daquele bem imóvel.
A Requerida conclui pela improcedência e consequente absolvição do pedido na parte não abrangida pela exceção de incompetência material por si suscitada.
Por despacho de 28 de janeiro de 2019, foi a Requerente notificada para exercício do contraditório sobre a matéria de exceção e dada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, solicitando-se a junção do processo administrativo (“PA”), o que foi satisfeito em 5 de fevereiro de 2019. Na mesma data, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a substituição do árbitro adjunto Dr. José Ramos Alexandre, por renúncia justificada, pelo Dr. Ricardo Rodrigues Pereira, a qual foi notificada aos intervenientes processuais.
Em 6 de fevereiro de 2019, a Requerente pronunciou-se sobre a exceção de incompetência material deduzida pela parte contrária, e defende que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer a totalidade do pedido relativo à liquidação de IVA no valor de € 908.400,14.
Ambas as partes, notificadas para alegações facultativas, mantiveram as posições assumidas.
Por despachos de 2 de maio e 14 de junho de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a complexidade da matéria.
II. SANEAMENTO
1. QUESTÃO PRÉVIA DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
A Requerida suscita a exceção de incompetência material parcial, por entender que os Tribunais Arbitrais não são competentes para conhecer pretensões relativas a atos de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA, pois a análise e decisão de pedidos de reembolsos não comportam a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.
Deste modo, não se subsumindo a apreciação de um reembolso de IVA à apreciação da legalidade de um ato de liquidação, a Requerida conclui que a questão trazida à demanda relativa à anulação do crédito de imposto no valor de € 658.429,85 não cabe nas competências da jurisdição arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação).
Efetivamente, a jurisprudência nacional, nomeadamente o Acórdão do STA, de 11 de junho de 2008, lavrado no âmbito do processo n.º 115/08, e o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, no âmbito do processo n.º 239/16, de 21 de fevereiro de 2018, reúne consenso relativamente à conclusão de que as decisões (administrativas) de pedidos de reembolsos não conhecem a natureza de atos de liquidação, sendo estranhas a estes.
De igual modo, não oferece dúvidas que o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, na sua atual redação, só admite a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e de “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Afigura-se, porém, que apesar de nada haver a apontar em abstrato à tese da Requerida, segundo a qual os Tribunais Arbitrais não podem conhecer de um ato de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, tese com a qual se concorda e que em geral é reconhecida em diversos acórdãos arbitrais (e.g., processo n.º 137/2017-T, de 29 de janeiro de 2018; processo n.º 48/2015-T, de 3 de outubro de 2015; e processo n.º 238/2013-T, de 4 de abril de 2014), o pedido deduzido pela Requerente e a questão submetida à apreciação deste Tribunal não respeitam à apreciação de um ato de indeferimento de reembolso de IVA.
Desde logo, a formulação do pedido arbitral não tem por objeto (parcial) o indeferimento do pedido de reembolso de IVA, mas, de forma expressa, a liquidação realizada pela AT de IVA relativo a regularizações no valor total de € 908.400,14, resultante das correções efetuadas no procedimento inspetivo tributário. A Requerente esclarece a este respeito que a liquidação de IVA se concretizou por duas vias: (i) pela emissão de um ato de liquidação de IVA autónomo, no montante de € 249.970,29, acompanhado da liquidação adicional dos correspondentes juros compensatórios; e (ii) pela anulação do crédito de IVA, de € 658.429,85 que havia sido reportado na Declaração Periódica de IVA da Requerente no período em análise.
Neste contexto, entende este Tribunal assistir razão à Requerente. Na verdade, sem prejuízo do efeito que uma decisão favorável possa ter relativamente ao reembolso do IVA, o que está em causa nos presentes autos é a discussão de legalidade de um ato de liquidação deste imposto no valor total de € 908.400,14.
Repare-se que existe uma questão jurídica prévia que, não obstante ter, naturalmente, efeitos no reembolso do IVA, se assume como logicamente anterior e que respeita à necessidade, ou não, de liquidar IVA por regularizações devidas a favor do Estado nos termos do artigo 26.º, n.º 3 do Código deste imposto.
Com efeito, na sequência da ação inspetiva que a AT levou a efeito, para apreciação dos pressupostos do reembolso de IVA solicitado pela Requerente, aquela identificou imposto em falta que, na sua perspetiva, devia ter sido liquidado e não o foi, relativo a regularizações de IVA associadas à cessação de atividade. Este imposto que alegadamente devia ter sido liquidado pela Requerente, e não o foi, ascende a € 908.400,14, conforme resulta do RIT.
A liquidação da quantia em apreço devia ter dado origem a um ato de liquidação formal notificado à Requerente relativamente ao qual esta pudesse exercer os seus direitos de defesa. No entanto, esta apenas recebeu tal notificação relativamente a uma parte desse valor (€ 249.970,29). Quanto ao montante remanescente (€ 658.429,85), a AT procedeu à compensação com o valor do crédito de IVA cujo reembolso a Requerente tinha pedido, extinguindo-o, constando dos autos tão-só a notificação do indeferimento do reembolso por “insuficiência do crédito em conta-corrente”.
Porém, não é contra esse indeferimento que a Requerente vem reagir, mas contra a prévia liquidação do imposto que “consumiu” o crédito de IVA da Requerente.
Tem, assim, razão a Requerente ao afirmar que subsequentemente ao Relatório de Inspeção ocorreu uma operação de liquidação que abrange todo o imposto que a AT se propôs corrigir. Ato de liquidação que, por produzir uma modificação na situação jurídico-tributária e patrimonial da Requerente (pois alterou o valor do IVA liquidado e devido que, segundo a AT, aquela devia ter declarado), lhe devia ter sido notificado e não apenas, como adquirido nos autos, notificada a sua consequência, i.e., a anulação do crédito de IVA que a Requerente tinha na sua esfera.
Convém notar que se não fosse esta liquidação adicional de IVA devido por regularizações não teria existido obstáculo ao deferimento do pedido de reembolso, pois a validade material do exercício do direito à dedução do IVA que gerou o crédito de imposto não foi questionada na ação inspetiva que analisou especificamente os seus pressupostos e os validou.
As correções realizadas prendem-se com razão distinta, referente ao mecanismo de regularizações a favor do Estado.
Ora, a falta ou omissão de IVA não regularizado pela Requerente nas suas declarações periódicas só pode ser corrigida por um ato de liquidação substitutivo, cuja existência é necessária para produzir efeitos jurídicos na esfera da Requerente, pois na ausência desse ato tributário [de liquidação] inexistiria qualquer título jurídico válido que produzisse esses efeitos passível de fundar a subsequente anulação do crédito tributário de € 658.429,87 de que a Requerente era titular e o consequente indeferimento do pedido de reembolso. É esse ato de liquidação adicional subjacente à anulação do crédito tributário que a Requerente vem desafiar.
Assim, a posição da Requerida na Resposta não pode ser acolhida. Desde logo, porque de acordo com o pedido e causa de pedir formulados pela Requerente está em discussão a legalidade da liquidação do IVA relativo a regularizações de imposto deduzido (em anos anteriores) relativo a bens imóveis, cujos fundamentos e proposta de correção constam do Relatório elaborado na sequência da ação inspetiva, e não ato consequente de indeferimento do reembolso de IVA por “insuficiência de crédito [de IVA] em conta-corrente”.
Mais se afigura que o entendimento adotado pela Requerida na Resposta é contraditório com a conclusão externada no RIT no seguinte segmento da fundamentação:
“Em conclusão, a aferição da legitimidade de um qualquer pedido de reembolso de IVA sequencia a aferição da legitimidade dos valores declarados que originaram os créditos que o possibilitaram e, a subsequente aferição da legitimidade dos valores que foram declarados em sede de IVA, mesmo quando no âmbito da apreciação de um qualquer pedido de reembolso, não obsta a que aqueles valores sejam, eventualmente, passíveis de correção, sendo que essa possibilidade, reitera-se, resultará, ou da prática de atos de liquidação, leia-se, da promoção de correções aos valores que foram declarados por um qualquer sujeito passivo em períodos de imposto relativamente aos quais ainda não ocorreu a caducidade, ou, em caso contrário, na desconsideração, total ou parcial, do valor dos créditos gerados em períodos em que aquela caducidade já tenha ocorrido. (sublinhado nosso)
Não estando em causa a segunda hipótese, de caducidade da liquidação das regularizações de IVA, e como a própria AT afirma no segmento transcrito, a correção não pode deixar de resultar “da prática de atos de liquidação”, como forma de “promoção de correções aos valores declarados”.
Acresce que, in casu, a deficiente identificação e a não notificação autónoma do ato de liquidação de IVA que sustenta a anulação do crédito deste imposto são imputáveis à Requerida, que ilegalmente as omitiu, não podendo esta prevalecer-se de tal circunstância para, numa interpretação formalista e contra factum proprium, coartar e restringir os direitos de defesa da Requerente com base na alegação equívoca de que esta visa atacar o indeferimento do reembolso de IVA (pretensão que, reitera-se, não é formulada nos presentes autos) e não o ato de liquidação de regularizações de IVA, sindicável (por ser um ato de liquidação, e disso não temos dúvidas) na jurisdição arbitral, de acordo com o preceituado no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
A decisão do indeferimento do pedido de reembolso da Requerente é a consequência de um ato de liquidação adicional de IVA respeitante a regularizações. É aquela liquidação e não a decisão de indeferimento que vem discutida nos presentes autos.
Ou seja, face aos elementos disponíveis, foi efetivamente liquidado IVA referente a regularizações, ao abrigo do artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA, liquidação reconduzível à previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, suscetível de ser apreciada pelo presente Tribunal na medida em que se enquadra, diretamente, no âmbito das suas competências, pelo que a invocada exceção de incompetência deve ser considerada improcedente.
Em sentido similar, se pronuncia também o acórdão arbitral n.º 660/2017-T, de 12 de março de 2019, que refere que em “sede de IVA, a liquidação tem por base o sistema declarativo (autoliquidação), sendo um ato complexo só plenamente entendível se considerado em sentido amplo” ou seja “só entendível tendo em conta o «mecanismo do crédito e o encadeamento da liquidação-dedução» que, como refere Sérgio Vasques, servem para «assegurar a neutralidade típica do IVA, prevenindo o efeito cumulativo e garantindo que o imposto é suportado em definitivo pelo consumidor final»”.
Acrescenta ainda o referido Acórdão, com relevância para os presentes autos, que decorre, “da estrutura do próprio CIVA, estarmos perante uma noção ampla de liquidação, a qual abrange as deduções e as regularizações de imposto (artigos 19.º a 26.º do CIVA), bem como liquidações administrativas decorrentes de atos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto (Capítulo VI do CIVA).
182. É assim o caso das liquidações adicionais reguladas pelo art.º 87.º do CIVA, relativo ao «momento e modalidades do exercício do direito à dedução». No n.º 1 deste artigo, estipula-se que, sem prejuízo do caso das liquidações com base em presunções e métodos indiretos, a efetuar nos termos da LGT, a AT «procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos, quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença».
183. E no nº 5 deste mesmo artigo, diz-se que se «passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250, este pode solicitar o seu reembolso». Este surge assim, ao lado da dedução por subtração e do reporte, como modalidade de exercício do direito à dedução e, consequentemente, pode ser visto como elemento integrante da própria liquidação de imposto, distinguindo-se claramente de formas de devolução do imposto, como, vg., a restituição do IVA já pago aos partidos políticos ou à Igreja.
184. É nesse o sentido que deve entender-se a posição de José Xavier de Basto e Gonçalo Avelãs Nunes, quando afirmam que «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse ato da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte, a liquidação do imposto.»
185. De facto estamos, nestes casos, perante uma simples mudança da forma da liquidação: uma autoliquidação converte-se em liquidação administrativa adicional. O facto de, no plano contabilístico, tal facto se pressupor um acerto de contas não altera a natureza jurídica do ato.”.
Desta feita, também por força da latitude que preside ao entendimento do que se assume como uma liquidação para efeitos de IVA, se deve considerar que o recurso, nos presentes autos, à jurisdição arbitral, não merece censura, julgando-se improcedente a exceção de incompetência material invocada pela Requerida.
No tocante à posição da Requerida de que interpretação distinta é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição, de acordo com os artigos 20.º e 268.º da Constituição, convém assinalar que, estando em causa atos de liquidação de IVA, relativos a regularizações a favor do Estado, a faculdade da sua submissão à jurisdição arbitral foi expressamente determinada pelo legislador ordinário (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT). Neste âmbito, não se alcançam os fundamentos da arguida violação da Constituição, nomeadamente dos princípios do livre acesso aos tribunais, porquanto os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais previstas na Constituição (artigo 209.º, n.º 2) e a configuração do regime de recursos (duplo grau de decisão) se insere na margem de conformação legislativa, desde que sejam acautelados os princípios fundamentais da jurisdição, como se afigura ser o caso, desde logo à face do disposto nos artigos 25.º a 28.º do RJAT.
2. DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, cujo objeto social consiste no exercício de atividades de “Cultura, produção, sementeira, transformação e comercialização de oleaginosas em geral. Produção, cultura e transformação de azeitona, azeite e derivados e óleos alimentares. Lagar de azeite e serviços associados. Produção bio-energética e por biomassa. Prestação de serviços associados.” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e com o PA.
B. Desde 2011 que a atividade principal declarada pela Requerente é a produção de azeite, a que corresponde o CAE 10412, tendo, a título secundário, a atividade de comércio por grosso de cereais, sementes, leguminosas e de outras matérias-primas para a agricultura, a que corresponde o CAE 46214 – cf. RIT.
C. A Requerente está enquadrada no regime normal de IVA e tem cumprido a obrigação de apresentação das declarações periódicas de IVA – cf. RIT.
D. No exercício da sua atividade a Requerente adquiriu serviços de construção civil e diversos equipamentos e maquinaria para o lagar de azeite, de entre os quais se destacam, com relevo para a situação em análise, 3 grupos constituídos no total por 22 ativos que de seguida se discriminam, relativamente aos quais deduziu o IVA incorrido quando da respetiva aquisição:
GRUPO 1 – ATIVOS FIXOS – RESULTANTES DE ATOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
ITEM 1 – OBRA ...
Descrição: Atos/serviços de construção civil consubstanciados na execução material da obra de “Reconstrução e adaptação de lagar e sua envolvente em ... –...”, descrita nas faturas como “Empreitada de construção do lagar”, envolvendo quer atos construtivos, quer reconstrutivos
Custo total líquido de IVA: € 470.000,00; IVA incorrido/deduzido: € 94.000,00
Fornecedor: C..., Lda., NIF ...
Data das faturas: 2009
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a respetiva depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2010
ITEM 2 – PRODER 2ª FASE (€ 287.414,66 + € 11.885,21)
Descrição: Atos/serviços de construção civil consubstanciados na execução material da “Empreitada construção lagar” e aquisição de duas básculas, uma de 35 e outra de 60 toneladas
Custo total líquido de IVA: € 299.299,87; IVA incorrido/deduzido: € 62.331,17
Fornecedor: C..., Lda., NIF...; D..., Lda., NIF...; e E..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2010
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2010 (no valor de € 287.414,68) e do exercício de 2011 (no valor de € 11,885,21)
ITEM 3 – INSTALAÇÃO ELÉTRICA / PÁTIO LIMPEZA
Descrição: Aquisições dos automatismos de ligação à instalação elétrica do lagar, para controlo de passagem nos tegões de armazenamento aos moinhos, fornecimento de quadros elétricos e respetiva instalação
Custo total líquido de IVA: € 62.865,66; IVA incorrido/deduzido: € 12.573,13
Fornecedor: F..., Lda., NIF ...
Data das faturas: 2009 e 2010
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – De água, eletricidade, ar comprimido, refrigeração, e telefónicas (instalações interiores), tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 10%, a partir do exercício de 2010
ITEM 4 – PRODER 2ª FASE (OBRA ...)
Descrição: Aquisições de materiais de construção civil incluindo canalizações, inertes e outros materiais; aquisições de serviços de construção civil, nomeadamente serviços de abertura de valas para tubagens do lagar, serviços de construção da portaria e refeitório, serviços de construção da balsa, do sistema de tratamento de águas, do laboratório, da estação de tratamento, de maciço, e serviços de montagem; e aquisições de tout venant
Custo total líquido de IVA: € 274.736,51; IVA incorrido/deduzido: € 61.727,61
Fornecedor: G..., S.A. (...), NIF...; H..., S.A., NIF...; I..., Lda., NIF...; C..., Lda., NIF...; J..., NIF...; K..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 5 – EDIFICAÇÕES REVESTIMENTO L...
Descrição: Fornecimento das coberturas das edificações existentes no lagar
Custo total líquido de IVA: € 62.760,00; IVA incorrido/deduzido: € 14.434,80
Fornecedor: L..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 6 – ESCAVAÇÃO FOSSA / POÇOS
Descrição: Serviços de escavação de fossa e de poços e serviços de compactação e drenagem de fossa
Custo total líquido de IVA: € 425.282,25; IVA incorrido/deduzido: € 97.814,62
Fornecedor: C..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 7 – INSTALAÇÃO ELÉTRICA / PÁTIO LIMPEZA
Descrição: Serviços de reparação de danos da instalação elétrica provocados pela queda das cintas; serviços de ligações elétricas dos quadros da linha do lagar e respetiva manutenção e limpeza; serviços de instalação de rede para comando dos quadros de linha; serviços de instalação e mecanização das linhas móveis dos tegões; e serviços de instalação de detetores e de fins de curso nos giratórios
Custo total líquido de IVA: € 30.809,39; IVA incorrido/deduzido: € 4.556,16
Fornecedor: F..., Lda., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – De água, eletricidade, ar comprimido, refrigeração, e telefónicas (instalações interiores), tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 10%, a partir do exercício de 2011
ITEM 8 – REVESTIMENTO CHARCA PARA LAGAR AZEITE
Descrição: Aquisições de serviços de revestimento de charca, com fornecimento de material, montagem de bomba e vedação da charca
Custo total líquido de IVA: € 25.571,50; IVA incorrido/deduzido: € 5.881,45
Fornecedor: M..., Lda., NIF...; J..., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 9 – PRODER 2ª FASE
Descrição: Serviços de proteção do posto de transformação e aquisição dos respetivos materiais, incluindo colocação de terra, de consolas e de cablagem elétrica
Custo total líquido de IVA: € 46.284,07; IVA incorrido/deduzido: € 10.645,34
Fornecedor: N... , NIF ...
Data das faturas: 2012
Escrituração: Ativo fixo não identificado no mapa de depreciações
ITEM 10 – PRODER 3ª FASE
Descrição: Aquisição intracomunitária de serviços de construção de um armazém; serviços de construção civil relativos a esgotos e maciços, muros em volta dos maciços, assentamento de grelha nos maciços e no lagar, instalação de canalizações para águas no local de descarga das azeitonas, colocação de chão nos maciços e de reboco dos seus muros, construção das caixas dos esgotos, preparação dos fixos para os casões, construção do canil, de fossas e de montagem de depósitos; aquisição de materiais de construção como cimento, cantoneiras, barras, varões, areão e tout venant
Custo total líquido de IVA: € 80.181,54; IVA incorrido/deduzido: € 18.441,75
Fornecedor: O..., SL, NIF ES-...; J..., NIF...; I..., Lda., NIF...; K..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2012 (data de aquisição)
Escrituração: Ativo fixo não identificado no mapa de depreciações
ITEM 11 – TRANSFORMADOR AZEITE 15/30 KV
Descrição: Aquisição intracomunitária de um transformador elétrico
Custo total líquido de IVA: € 165.279,00; IVA incorrido/deduzido: € 38.014,17
Fornecedor: P..., NIF ES – ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B – Outras indústrias de alimentação – De moagem, descasque e polimento de arroz e refinação de óleos vegetais, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2011
ITEM 12 – QUADRO ELÉTRICO LAGAR
Descrição: Aquisição de um quadro elétrico de comando e proteção do lagar
Custo total líquido de IVA: € 13.450,00; IVA incorrido/deduzido: € 3.083,50
Fornecedor: N..., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – De água, eletricidade, ar comprimido, refrigeração, e telefónicas (instalações interiores), tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 10%, a partir do exercício de 2011
ITEM 13 – ESTRUTURAS METÁLICAS / ...
Descrição: Aquisição intracomunitária da estrutura (armazém) na qual se encontram instalados depósitos de armazenagem de azeite que foram fixados à base de cimento edificada, bem como os demais elementos de ligação como quadros elétricos, cablagens e tubagens
Custo total líquido de IVA: € 245.794,50; IVA incorrido/deduzido: € 51.616,85
Fornecedor: Q..., SL, NIF ES – ...
Data das faturas: 2010
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B – Outras indústrias de alimentação – De moagem, descasque e polimento de arroz e refinação de óleos vegetais, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2010
GRUPO 2 – ATIVOS FIXOS – EQUIPAMENTOS DE LINHA DE RECEÇÃO E EXTRAÇÃO DE AZEITE
ITEM 14 – LINHA LIMPEZA, PESAGEM E QUADRO ELÉTRICO
Descrição: Aquisição de uma linha de limpeza de azeitona, constituída por uma lavadora-pesadora e quadro elétrico para as toldas, tendo ficado fisicamente ligada ao edificado
Custo total líquido de IVA: € 40.000,00; IVA incorrido/deduzido: € 8.000,00
Fornecedor: R..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2008
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 2 – Instalações – Lagares e prensas, tendo-se iniciado a respetiva depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2010
ITEM 15 – LINHA TRATAMENTO AZEITONA
Descrição: Aquisição intracomunitária da maquinaria existente na zona de receção de azeitona, constituída por várias linhas, constituídas por separadores de polpa, por caixas de receção da azeitona, por cintas transportadoras e respetivos suportes, por tulhas, por lavadoras e pesadoras, equipamento este de grande dimensão e assente na infraestrutura edificada, com uma extensa área de pavimento betonado, tendo sido fixada à laje betonada, com os principais pontos de apoio embutidos, para permitir a segurança estrutural de todo o equipamento
Custo total líquido de IVA: € 687.470,00; IVA incorrido/deduzido: € 144.368,70
Fornecedor: S..., S.A., NIF ES – ...
Data das faturas: 2010
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B – Outras indústrias de alimentação – De moagem, descasque e polimento de arroz e refinação de óleos vegetais, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2010
ITEM 16 – LINHA EXTRAÇÃO AZEITE
Descrição: Aquisição intracomunitária de três linhas de extração de azeite, constituídas por maquinaria que trabalha de forma integrada nas sucessivas fases de transformação da azeitona em azeite e que está ligada a todas a infraestrutura edificada, seja pelo seu assentamento/fixação ao chão, seja por todas as ligações acopladas, designadamente cablagens elétricas, condutas e tubagens
Custo total líquido de IVA: € 950.000,00; IVA incorrido/deduzido: € 218.500,00
Fornecedor: T..., NIF ES – ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B – Outras indústrias de alimentação – De moagem, descasque e polimento de arroz e refinação de óleos vegetais, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2011
ITEM 17 – LINHA EXTRAÇÃO AZEITE
Descrição: Aquisição intracomunitária de serviços relativos à instalação das tubagens de ligação às fossas, incluindo o fornecimento de válvulas e de bombas de pistão
Custo total líquido de IVA: € 50.000,00; IVA incorrido/deduzido: € 11.500,00
Fornecedor: T..., NIF ES – ...
Data das faturas: 2013
Escrituração: Ativo fixo que apesar de constar no mapa de depreciações do exercício de 2013, não foi objeto de depreciação nesse exercício ou nos seguintes
ITEM 18 – LINHA EXTRAÇÃO AZEITE
Descrição: Aquisição intracomunitária dos serviços relativos aos trabalhos de montagem das supra descritas linhas de extração de azeite
Custo total líquido de IVA: € 913.711,85; IVA incorrido/deduzido: € 182.742,37
Fornecedor: T..., NIF ES – ...
Data das faturas: 2009, 2010
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B – Outras indústrias de alimentação – De moagem, descasque e polimento de arroz e refinação de óleos vegetais, tendo-se iniciado a depreciação, à taxa anual de 5%, a partir do exercício de 2010
GRUPO 3 – ATIVOS FIXOS – CONSTITUÍDOS POR DEPÓSITOS
ITEM 19 – DEPÓSITOS AZEITE
Descrição: Aquisição intracomunitária de 73 depósitos, com cinco diferentes capacidades (entre 5.000 litros e 87.300 litros), que se encontram ligados ao solo por via das tubagens e pelo assentamento e ligação entre cada um dos depósitos. Os depósitos estão instalados numa edificação a que corresponde o ativo fixo “Estruturas Metálicas /...” e pela qual passam, e estão instalados, quadros elétricos, tubagens e cablagens
Custo total líquido de IVA: € 627.300,00; IVA incorrido/deduzido: € 126.668,00
Fornecedor: U..., NIF ES – ...
Data das faturas: 2009, 2010 (aquisição em 2010)
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B) Outras indústrias de alimentação – Depósitos – De metal, tendo-se iniciado a respetiva depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2010
ITEM 20 – DEPÓSITO ÁGUA
Descrição: Aquisição de um conjunto destinado ao tratamento da água a ser utilizada no lagar. É constituído por dois depósitos circulares, assentes num pavimento de cimento, e junto a estes encontra-se uma cobertura na zona em que estão os equipamentos de monitorização e controlo e onde estão as respetivas tubagens e cablagens, com a fixação ao pavimento contíguo dessas tubagens e equipamentos
Custo total líquido de IVA: € 12.000,00; IVA incorrido/deduzido: € 2.760,00
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B) Outras indústrias de alimentação – Depósitos – De metal, tendo-se iniciado a respetiva depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 21 – DEPÓSITOS AÇO V... / INOX
Descrição: Aquisição de depósitos e fornecimento e montagem de componentes associados à instalação dos depósitos de azeite, tais como, tubos e acessórios, bombas para possibilitar a circulação do azeite e tubagem de escoamento de águas russas, bem como serviços de ligação das centrífugas às tubagens
Custo total líquido de IVA: € 161.277,81; IVA incorrido/deduzido: € 37.093,90
Fornecedor: V..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2011
Escrituração: Ativo fixo codificado com o n.º ... – Grupo 1 – De alimentação, bebidas e tabaco – B) Outras indústrias de alimentação – Depósitos – De metal, tendo-se iniciado a respetiva depreciação, à taxa anual de 3,57%, a partir do exercício de 2011
ITEM 22 – DEPÓSITOS AÇO/INOX – V...
Descrição: Aquisição de depósitos de azeite
Custo total líquido de IVA: € 188.699,19; IVA incorrido/deduzido: € 43.400,81
Fornecedor: V..., S.A., NIF ...
Data das faturas: 2012
Escrituração: Ativo fixo que apesar de constar no mapa de depreciações do exercício de 2012, não foi objeto de depreciação nesse exercício ou nos seguintes
– cf. RIT.
E. A Requerente, no âmbito do processo de insolvência de que foi alvo encerrou o seu estabelecimento, nos termos do artigo 65.º, n.º 3 do CIRE, e declarou a cessação de atividade em 17 de agosto de 2016, ou seja, no período trimestral [3.º trimestre] que terminou em 30 de setembro desse ano [2016] – cf. RIT.
F. Na declaração periódica de IVA referente a esse trimestre – 2016/09T – a Requerente apurou um crédito de IVA a seu favor na importância de € 658.429,87, tendo solicitado o reembolso deste imposto – cf. cópia da declaração periódica junta com o ppa e RIT.
G. A Requerente não reportou nessa declaração periódica de IVA referente ao último período de atividade – 2016/09T – regularizações de IVA a favor do Estado – cf. RIT.
H. Em 14 de setembro de 2017, teve início uma ação inspetiva de natureza externa à Requerente, pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., ao abrigo da Ordem de serviço n.º OI2017..., com a finalidade de aferir a legitimidade do pedido de reembolso de IVA, formulado pela Requerente, com referência ao período de 201609T, no valor de € 658.429,85 – cf. RIT.
I. Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT concluiu serem devidas a favor do Estado regularizações do IVA deduzido na aquisição (em anos anteriores) de bens e serviços relativos a bens imóveis, no valor total de € 908.400,14, em decorrência da cessação de atividade, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 26.º, n.º 3 e 24.º, n.º 5 do Código do IVA – cf. RIT.
J. A Requerente exerceu o direito de audição, no qual manifestou a sua discordância da posição da AT, que subsequentemente emitiu o Relatório Definitivo, de 7 de dezembro de 2017, notificado pelo ofício n.º..., datado de 12 de dezembro de 2017, mantendo as correções de IVA preconizadas no Projeto, no valor de € 908.400,14 – cf. RIT.
K. Consta do RIT a seguinte fundamentação:
“
[…] CAPÍTULO III – DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Para os sucessivos créditos de IVA, que resultaram dos valores declarados pelo sujeito passivo nas declarações periódicas de IVA por si submetidas, resumidos em anexo, concorreram, entre outras, as deduções relativas a imposto suportado em aquisições de ativos fixos tangíveis (imobilizado corpóreo), as quais compreenderam aquisições de realidades tipificadas como bens móveis, e imóveis, sendo que, neste último caso, ocorreram, quer aquisições de efetivos bens imóveis, quer aquisições de bens imóveis por acessão física e funcional, ou seja, de bens que, pela sua ligação duradoura ao solo e/ou às edificações que resultaram do adquiridos atos de construção civil, ou que, pela sua relevância funcional para com aquelas edificações, sendo qualificáveis como móveis, antes da sua aquisição/instalação, adquiriram aquela natureza, por acessão física, em razão da referida ligação duradoura, e/ou por acessão funcional, no caso, industrial.
Esta distinção assume particular relevância na apreciação da legitimidade do identificado pedido de reembolso de IVA em apreço, porquanto o sujeito passivo declarou à AT ter cessado em 2016-08-17, nos termos do nº 3 do artigo 34º do Código do IVA, e nos termos do nº 3 do artigo 65º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a atividade tributada em sede de IVA, que vinha exercendo até então.
Com efeito, no artigo 26º do Código do IVA, intitulado «Regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais» constam as seguintes normas: […]
Ou seja, resulta quanto a todos os montantes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, que foram suportados, e deduzidos pelo sujeito passivo, em aquisições de bens imóveis, que aquela cessação de atividade, impõe a obrigação, não cumprida pelo sujeito passivo, estatuída no transcrito nº 3 do artigo 26º do Código do IVA, de proceder à regularização a favor do Estado, daquelas declaradas deduções, nos seguintes termos:
O valor da regularização corresponderá, por cada ativo fixo imóvel, a parte da soma aritmética de todas as declaradas deduções, conexas com a sua aquisição/construção/produção, parte essa que corresponderá à exata proporção do número de anos que faltam, para que se complete o referido período de 20 anos, sobre esses mesmos 20 anos, como impõe o transcrito nº 5 do artigo 24º do Código do IVA
O referido período de 20 anos, é contado:
Ou a partir do ano do início da depreciação dos adquiridos ativos fixos, constituído por bens imóveis, ou seja, contado a partir da sua efetiva utilização no âmbito da atividade tributada, o que significa, no particular caso dos ativos fixos em curso cuja efetiva utilização tenha ocorrido, e em que a conclusão dos mesmos tenha sido precedida da sucessiva declaração de deduções, relativas aos montantes de imposto suportados nas correspondentes aquisições que foram realizadas ao longo de um determinado período de tempo, abrangendo, portanto, sucessivos períodos de imposto, que a contagem do referido período de regularização é iniciada, não a partir do ano, ou anos, após o período de um ano completo, em que ocorreram aquelas deduções, mas sim a partir, após um ano completo, do ano de início da utilização do ativo fixo, tal como decorre do estatuído no nº 4 do referido artigo 24º, no qual consta a menção de «(…) no ano do início da sua utilização (…)»;
Ou, no caso dos ativos fixos constituídos por bens imóveis, cuja utilização não chegou a ocorrer, como previsto no transcrito nº 1 do artigo 26º («A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto»), a partir do ano da aquisição desses mesmos ativos, como decorre do transcrito nº 2 do artigo 24, para o qual remete o referido nº 1 do artigo 26º, ambos do Código do IVA, no qual consta a menção de «(…)apurada no ano da aquisição (…)».
A aferição do número de anos que faltam para se completar o referido período de regularização de 20 anos, é feita, considerando que o número de anos daquele período de regularização que já decorreu, corresponde à contagem do número de anos completos a partir da data de início de utilização, ou da data de aquisição, até à data de cessação da atividade em sede de IVA, ocorrida em 2016-08-17, uma vez que o transcrito nº 3 do artigo 26º do Código do IVA se refere a «(…)anos civis completos (…)».
A declaração do valor do imposto a regularizar nos termos do transcrito nº 3 do artigo 26º, deveria, no caso, constar do Campo 41 da declaração periódica vigente para o período 201609T, tal como decorre do nº 8 do referido artigo 24º, no qual consta que «8- As regularizações previstas nos números anteriores devem constar da declaração do último período do ano a que respeita.».
Não se mostra devida qualquer regularização, quando o valor de cada um dos bens imóveis em causa, for de valor inferior a € 2.500,00, como decorre do disposto no nº 7 do mesmo artigo 24º.
Porque a transcrita legislação respeita à regularização das deduções relativas a imposto suportado na aquisição de ativos fixos, quando sejam os mesmos qualificáveis como imóveis, importa, por conseguinte, concretizar a definição e alcance do que é um bem imóvel.
Nos termos previstos na alínea d) do artigo 2º da Lei Geral Tributária, para aferição dos contornos dessa qualificação, é legítimo o recurso ao artigo 204º do Código Civil, em cujo número 3 se dispõe, quanto à definição do que é um bem imóvel, que «É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com caráter de permanência.».
Ou seja, constitui condição para a consideração de um bem móvel, como imóvel que, para além da constatada ligação física a um prédio (ao solo ou a uma edificação), é ainda necessário, que a mesma seja permanente, no sentido em que a sua remoção, por um lado, seja um ato não expectável no momento da instalação do bem, e, por outro, seja um ato futuro em que, sem prejuízo da probabilidade do mesmo vir a ocorrer, essa probabilidade é de tal forma diminuta, quer por força das características do próprio bem, quer pela forma como o bem foi instalado, que essa remoção implicará dificuldades, quer de natureza logística, quer financeira, as quais traduzirão um custo de oportunidade que não é equiparável às situações de normal remoção de um qualquer bem móvel.
Ou seja, só quando, pelas suas características físicas, e em que apesar da sua eventual permanente ligação ao solo, ou às paredes de uma qualquer edificação, a remoção de um qualquer bem móvel não apresente dificuldades inusitadas, no sentido em que, quer por força do reduzido tamanho do bem, quer por força dos diminutos danos causados pela sua remoção, será legítima a qualificação desse bem como móvel.
Ao contrário, quando a forma de ligação ao solo ou às edificações resultantes dos adquiridos atos de construção civil, e sobretudo, quando a instalação ou montagem desse bem, foi precedida desses atos de construção civil, os quais foram realizados com o expresso propósito de possibilitar a instalação do bem, e em que é da conjugação desses dois elementos (os atos de construção civil, e o bem, ou bens, instalados), que nasce a realidade passível de utilização na atividade tributada, estar-se-á, quanto a ambos, em presença de um efetivo bem imóvel, por mútua incorporação física, e funcional.
Dada a exposta legislação, resulta da factualidade verificada no local das instalações do sujeito passivo, e verificada junto dos recolhidos elementos contabilísticos, que foram identificados três grandes conjuntos de ativos fixos, cuja aquisição sequenciou a declaração, por parte do sujeito passivo, a título de IVA dedutível, dos correspondentes montantes de IVA suportados, a saber.
1- Grupo 1 – Ativos fixos, constituídos pelas edificações resultantes dos atos de construção civil, que foram adquiridos a fornecedores:
[…]
2- Grupo 2 – Ativos fixos, constituídos pelos equipamentos de linha de receção e extração de azeite:
[…]
3- Grupo 3 – Ativos fixos, constituídos por depósitos:
[…]
As acima enunciadas quantificações, resultam da qualificação destes 22 bens do ativo fixo como imóveis, qualificação essa que decorre do conceito existente na transcrita norma do Código Civil.
Contudo, encontra-se também definido, no Regulamento de Execução (UE) 1042/2013, de 07/10, que entrou em vigor em todos os estados-membros da União Europeia em 1 de janeiro de 2015, e em que, o seu artigo 13º-B, relativo à aplicação das regras conexas com a localização das prestações de serviços realizadas sobre bens imóveis, tendo entrado em vigor a partir de 1 de janeiro de 2017, tem por objetivo «Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE (…)», a explicitação das realidades passíveis de ser consideradas «(…)bens imóveis», para efeitos de IVA.
[…]
Decorre da qualificação como bens imóveis, dos 22 identificados ativos fixos, e das já quantificadas regularizações de Imposto sobre o Valor Acrescentado, nos termos do transcrito nº 3 do artigo 26º do Código do IVA, o apuramento do montante total de imposto a regularizar a favor do Estado de € 908.400,14, cuja declaração se mostra devida no Campo 41 da declaração periódica de IVA a reportar ao período de 201609T, conforme informação que consta no mapa resumo […]
Dado o valor da descrita correção, conexa com as devidas regularizações a favor do Estado nos termos do nº 3 do artigo 26º do Código do IVA com referência ao período de 201609T, e constando neste mesmo período de imposto, na conta corrente de IVA do sujeito passivo, a título de excesso a reportar provindo do período imediatamente anterior, o montante de € 658.429,85, resulta que se propõe, quanto ao pedido de reembolso de IVA com o valor desse excesso a reportar, identificado com o número..., processado em 2017-07-04 no Campo 95 da declaração periódica de IVA oficiosa, identificada com o número ..., o seu indeferimento, com fundamento na falta de regularização do montante de imposto a regularizar a favor do Estado de € 908.400,14, devida nos termos dos artigos 24º e 26º, ambos do Código do IVA, em razão da ocorrida cessação de atividade em 2016-08-17, e por ter sido deduzido imposto suportado na aquisição dos identificados ativos fixos tangíveis, constituídos por bens imóveis.
[…]
Em conclusão, a aferição da legitimidade de um qualquer pedido de reembolso de IVA sequencia a aferição da legitimidade dos valores declarados que originaram os créditos que o possibilitaram e, a subsequente aferição da legitimidade dos valores que foram declarados em sede de IVA, mesmo quando no âmbito da apreciação de um qualquer pedido de reembolso, não obsta a que aqueles valores sejam, eventualmente, passíveis de correção, sendo que essa possibilidade, reitera-se, resultará, ou da prática de atos de liquidação, leia-se, da promoção de correções aos valores que foram declarados por um qualquer sujeito passivo em períodos de imposto relativamente aos quais ainda não ocorreu a caducidade, ou, em caso contrário, na desconsideração, total ou parcial, do valor dos créditos gerados em períodos em que aquela caducidade já tenha ocorrido.
[…]
1 – Por via da sua própria natureza, os ativos fixos identificados com os números 1 a 13, posto que o denominador comum a todos eles, para além da sua inevitável ligação material ao solo e/ou às edificações já nele existentes, é a subsistência de um carater duradouro dessa mesma ligação, a qual resulta, quer da própria natureza dos adquiridos atos de construção civil, e dos respetivos materiais e bens aplicados. Aqui se incluem, para além das edificações que resultaram, entre outros, dos trabalhos realizados em cumprimento da empreitada principal, que foi celebrada com o fornecedor C..., SA, os adquiridos postos de transformação, as escavadas fossas, as adquiridas telhas, e, também, a denominada ... .
2 – Também por via da sua intrínseca natureza, mas também decorrendo da sua integração com a erigida realidade que constitui o lagar, resulta, quanto aos bens, descritos como linhas, identificados com os números 14 a 18, e bem assim, quanto aos bens, descritos como depósitos, identificados com os números 19 a 22, que, sem estes, a aquisição de todos os ativos fixos, identificados com os números 1 a 13, não teriam motivo para ter ocorrido, e em que estes, apenas foram adquiridos para permitir a instalação e funcionamento dos primeiros, ou seja, dada a realidade física em apreço, e salvo melhor opinião, resulta que, conjuntamente com a natureza das existentes ligações físicas entre estes ativos, sobressai o facto de todos eles, constituírem os elementos constitutivos de uma única edificação, que a completam, e para cuja utilização todos concorrem;
3 – Por fim, a correção proposta em sede de Projeto de Relatório, decorre da própria razão de ser do nº 3 do artigo 26º do Código do IVA, norma que corresponde ao artigo 187º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, razão de ser essa, que se encontra conexionada com o período de tempo exigível, quanto a certos bens, cuja aquisição sequenciou a dedução do imposto suportado, cuja natureza impõe a regularização de parte da praticada dedução, em função da ocorrência do não uso do bem na atividade tributada, no exigível período de tempo, que possibilitou aquela mesma dedução, sendo que, e salvo melhor opinião, atento à aduzida argumentação, o aludido artigo 13º - B do identificado regulamento de execução, não colide com qualquer um dos sentidos dominantes dados pela existente doutrina ao conceito de bem imóvel, existente no Código Civil português.
[…]
Pelo que se propõe:
1 –A manutenção das correções que foram propostas em sede de Projeto de Relatório […]” – cf. RIT.
L. A fundamentação constante do RIT e os mapas que do mesmo fazem parte integrante identificam os seguintes elementos, relativamente aos ativos cujo IVA deduzido a AT entende dever ser regularizado:
(i) descrição dos ativos;
(ii) ano de aquisição;
(iii) valor de aquisição líquido de IVA, IVA incorrido e IVA deduzido pela Requerente;
(iv) fornecedores e faturas dos fornecedores;
(v) classificação contabilística (ativo fixo) e código do ativo no mapa de depreciações (se aplicável);
(vi) período de vida útil/taxa de depreciação, valor de depreciação anual e ano de início da depreciação (se aplicável) – cf. RIT.
M. Estes elementos caracterizadores dos ativos foram extraídos da contabilidade e da documentação de suporte disponibilizados pela Requerente, que a AT considerou credíveis e conformes às normas contabilísticas e fiscais, não os tendo alterado/corrigido, tendo sido com base nesses elementos que a AT determinou e calculou as regularizações de IVA em causa – cf. RIT.
N. Sobre a fundamentação e conclusões do RIT recaiu despacho de concordância do Diretor de Finanças de ..., de 12 de dezembro de 2017, do seguinte teor: “Considerando os pareceres e a informação em anexo, bem como nos fundamentos da proposta de tributação, decorrentes de aplicação do estatuído no artº 87º do CIVA, que sanciono e dou aqui como reproduzidos, e considerando ainda que no exercício do direito de audição não logrou o sujeito passivo apresentar argumentos que justificassem as alterações propostas, antes as sustentou o IT considerando-as inalteráveis, o que se subscreve, determino a liquidação do imposto que deve ser regularizado, por indevidamente deduzido, de acordo com as regras dos artigos 24º nº 5 e 26º nº 3 do CIVA, na quantia de € 908 400,14 no exercício de 2016, por cessação da atividade, de conformidade com o capítulo III do relatório de inspeção tributária na presente OI2017... e o consequente indeferimento do pedido de reembolso que lhe é inferior” – cf. RIT.
O. Subsequentemente, a Requerente foi notificada:
i. Da demonstração de acerto de contas com a menção da liquidação de IVA n.º 2017..., datada de 21 de dezembro de 2017, referente ao período de 2016-07-01 a 2016-09-30, com o valor a pagar de € 249.970,29 e data limite de pagamento de 1 de fevereiro de 2018;
ii. Da demonstração de acerto de contas com a menção da liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., datada de 21 de dezembro de 2017, referente ao período de 2016-07-01 a 2016-09-30, com o valor a pagar de € 10.601,47 e data limite de pagamento de 1 de fevereiro de 2018;
iii. Do indeferimento do pedido de reembolso de IVA NR ... (no valor de € 658.429,85), por despacho de 20 de dezembro de 2017, notificado pelo ofício n.º ... com a mesma data, da Direção de Serviços de Reembolsos, com fundamento em “insuficiência de crédito em conta-corrente” – cf. Documento 2 junto com o ppa.
P. O ofício n.º ... da Direção de Serviços de Reembolsos que notificou o indeferimento do pedido de reembolso menciona: “Da decisão, ora notificada, poderá, recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 66.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário ou propor ação administrativa, no prazo de três meses, nos termos do artigo 58.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.” – cf. Documento 2 junto com o ppa.
Q. A Requerente procedeu ao pagamento do IVA de € 249.970,29 e dos juros compensatórios de € 10.601,47 em 29 de janeiro de 2018 – cf. Documento 2 junto com o ppa.
R. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa dirigida ao Diretor de Finanças de..., autuada sob o n.º ...2018..., contra a liquidação de IVA no valor global de € 908.400,14 e juros compensatórios conexos que considerou ser de qualificar como um ato tributário unitário, ainda que com duas componentes – liquidação autónoma e anulação do crédito de imposto. Esta Reclamação foi indeferida por despacho de 30 de maio de 2018 do Diretor de Finanças de ..., que sufragou o entendimento constante do RIT – cf. Documento 3 junto com o ppa.
S. A Requerente apresentou ainda Reclamação Graciosa contra o indeferimento do pedido de reembolso à Diretora de Serviços de Reembolsos do IVA que está pendente de decisão – cf. Documento 4 junto com o ppa.
T. O estabelecimento industrial da Requerente foi alienado à sociedade “W..., S.A.”, por escritura outorgada em 27 de junho de 2018, documento que não faz qualquer menção à incidência ou regime de IVA sobre essa operação. A transmissão envolveu os seguintes ativos:
(i) Prédios rústicos e mistos, incluindo aqueles onde se situam a “fábrica de desidratação e farinação de produtos vegetais, armazém de farinhas, escritório, instalações sanitárias e posto de transformação de energia elétrica”, “casa do guarda”, “lagar de azeite, casa da polpa, armazém de depósito de azeite, lavadouro, decantação, laboratórios, escritório, refeitório e tulhas”;
(ii) Veículos e semi-reboques;
(iii) Bens móveis, equipamentos, mercadorias, utensílios nos quais se incluem os [22] ativos fixos supra identificados sobre os quais a AT apurou regularizações de IVA em falta; e
(iv) Ativos intangíveis (marcas) – cf. Documento 5 junto com o ppa.
U. Em discordância com as liquidações de IVA [€ 249.970,29] e de juros compensatórios € 10.601,47] e com a anulação do crédito de IVA [€ 658.429,87] identificados supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 28 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.
MOTIVAÇÃO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e na posição assumida pelas partes em relação aos mesmos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO
2.1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR
Está em discussão a aplicação do regime de regularizações por cessação de atividade, previsto no artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA, às deduções de IVA relativas a um conjunto de ativos qualificado pela AT como revestindo a natureza de “imóveis”, no decurso do período de regularizações de 20 anos. Neste âmbito, importa apreciar os vícios substantivos suscitados pela Requerente referentes a erro interpretação do quadro legal aplicável, designadamente do artigo 26.º do Código do IVA, e a erro na qualificação dos bens como “imóveis” para efeitos de IVA.
2.2. O REGIME DE REGULARIZAÇÕES NA DIRETIVA IVA E NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Capítulo 5 (Regularização das deduções) do Título X (Deduções) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”, contempla nos artigos 184.º a 192.º as regras referentes aos ajustamentos ao direito à dedução quando ocorram alterações dos pressupostos que determinaram o exercício e a medida desse direito.
O direito europeu estabelece um conjunto de parâmetros e vinculações que os Estados-Membros devem observar na legislação interna, sem prejuízo de alguma margem de liberdade quanto às modalidades de aplicação do regime de regularizações.
O artigo 184.º da Diretiva IVA começa por dispor, com marcado caráter imperativo, que a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização “quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”, nomeadamente “quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções”, de acordo com a explicitação do artigo 185.º da Diretiva, cabendo aos Estados-Membros determinar as respetivas normas de aplicação (artigo 186.º da Diretiva IVA).
No caso específico de bens de investimento, no qual se inscreve o objeto dos presentes autos arbitrais , o artigo 187.º, n.º 1 da Diretiva IVA prescreve que “a regularização deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos”, podendo, todavia, os Estados-Membros “tomar como base, no momento da regularização, um período de cinco anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão”. No que respeita aos bens de investimento imobiliário, os Estados-Membros podem prolongar esse período até vinte anos, prerrogativa de que o legislador português fez uso no seu limite máximo, de 20 anos .
Segundo o n.º 2 do referido artigo 187.º a regularização do IVA deduzido na aquisição de bens de investimento “é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez” e efetuada numa base anual “apenas sobre a quinta parte ou, caso o período de regularização tenha sido prolongado, sobre a fração correspondente do IVA que incidiu sobre os bens de investimento em questão“, ou seja, no caso de o período de regularização ser de vinte anos, a regularização anual, a ter lugar, incidirá sobre a vigésima parte (1/20) do IVA incorrido com a aquisição do bem de investimento.
Deste modo, uma primeira conclusão que se retira da regulação no plano europeu é a de que não visa a correção de quaisquer erros no exercício do direito à dedução contemporâneos desse exercício. O regime de regularizações do IVA deduzido nos bens de investimento pressupõe que o imposto foi corretamente deduzido no momento em que o foi. O que este regime pretende é considerar o impacto em anos posteriores de alterações supervenientes que se verifiquem na medida do direito à dedução do sujeito passivo.
Assim, o período de regularizações (no caso português de cinco anos, para bens móveis, ou de vinte anos, para bens imóveis) é um período de vigilância no decurso do qual a utilização dos bens de investimento fica sob escrutínio. Caso ocorram mudanças na afetação dos bens, designadamente se se constatar a sua não utilização em atividades económicas ou em operações que não confiram o direito à dedução, será devida a regularização anual de 1/5 (bens móveis) ou de 1/20 (bens imóveis) do valor do imposto inicialmente deduzido, enquanto tal circunstância persistir e até ao termo do período de regularização.
A Diretiva IVA prevê um regime de regularizações especial no caso de os bens de investimento serem transmitidos durante o período de regularização, cuja principal diferença relativamente ao acima referido reside no facto de a regularização ser, nessa situação, devida de uma única vez, e não faseada anualmente. Nesta matéria, o artigo 188.º da Diretiva IVA dispõe o seguinte:
“Artigo 188.º
1. No caso de entrega durante o período de regularização, os bens de investimento são considerados afetos a uma atividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de regularização.
Presume-se que essa atividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens de investimento for tributada.
Presume-se que a atividade económica está totalmente isenta nos casos em que a entrega de bens de investimento se encontrar isenta.
A regularização prevista no n.º 1 efetua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de regularização. Todavia, quando a entrega de bens de investimento estiver isenta, os Estados-Membros podem não exigir a regularização na medida em que o adquirente seja um sujeito passivo que utiliza os bens de investimento em questão exclusivamente para operações em relação às quais o IVA é dedutível.”
De acordo com o regime europeu, os Estados-Membros podem definir a noção de bens de investimento e considerar como tais serviços que tenham características idênticas às que são habitualmente atribuídas aos bens de investimento. Dentro da margem de liberdade salvaguardada ao legislador nacional pela Diretiva insere-se a possibilidade de “precisar qual o montante do IVA que deve ser tomado em consideração para a regularização”, de “adotar as disposições necessárias para garantir que as regularizações não implicam qualquer vantagem injustificada” e de “autorizar simplificações de ordem administrativa” (artigos 189.º e 190.º da Diretiva IVA).
É ainda conferida aos Estados-Membros a faculdade de equipararem a cessação da atividade económica de um sujeito passivo a uma operação de transmissão de bens realizada a título oneroso. Cessação que, dessa forma, será tributada em IVA como se se tratasse de uma verdadeira “venda” dos bens que ficaram na esfera do sujeito passivo sem estar afetos uma atividade. De facto, a Diretiva IVA, a propósito da delimitação do conceito de transmissão de bens, equipara a operações onerosas diversas situações de autoconsumos, como por exemplo, a prevista no artigo 16.º da Diretiva IVA respeitante à “afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA”.
Esta solução [de equiparação de autoconsumos externos a operações tributáveis] tem objetivos semelhantes aos que presidem ao regime de regularização das deduções, pois visa assegurar que os consumos resultantes da desafetação da atividade produtiva ou comercial não sejam desonerados do imposto, como consumos (efetivos ou presumidos) que são, e evitar a fuga ao IVA.
Assinala, neste contexto, XAVIER DE BASTO que “a assimilação da afetação a «entrega de bens» não constitui, nestes casos o único expediente técnico viável para fechar a porta à evasão, já que uma outra possibilidade se abre: a da regularização, ou ajustamento, da dedução efetuada”, não sendo a assimilação obrigatória para os Estados-Membros – cf. “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, CEF, Ministério das Finanças, 1991, p. 169.
Porém, a mencionada equiparação, que na situação específica de cessação de atividade é regida pelo artigo 18.º, alínea c) da Diretiva IVA , situa-se fora da temática das regularizações que nos ocupa, dado que a fundamentação do RIT para a liquidação do IVA é a regularização prevista no artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA e não uma operação de transmissão de bens.
Acresce salientar que o legislador nacional optou por não transpor a equiparação da cessação de atividade a uma transmissão de bens, pelo que não existe norma de incidência no Código do IVA português passível de fundar a liquidação de IVA nesses moldes. Embora prossigam finalidades similares as duas soluções (regularizações e equiparação a transmissão de bens) não se confundem, nem são propriamente fungíveis, porquanto se recortam em moldes distintos, com diferentes condições de aplicação e efeitos, seja quanto à base de incidência/cálculo, seja quanto à modalidade e periodicidade (anual ou de uma só vez) sob que operam.
A independência do regime das regularizações e da disciplina da transmissão de bens assimilada é afirmada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 16 de junho de 2016, processo C-229/15, Jan Mateusiak. O aresto admite a vigência simultânea das duas soluções, desde que a respetiva aplicação não gere dupla tributação e considera que a equiparação da cessação de atividade a uma transmissão de bens reveste caráter especial relativamente ao regime genericamente aplicável das regularizações . Porém, como acima referido, esta concorrência de soluções não tem de ser articulada no caso dos autos, pois o legislador português não procedeu à equiparação da cessação de atividade a uma transmissão de bens, vigorando apenas a obrigação de regularização das deduções (artigos 24.º a 26.º do Código do IVA em transposição dos artigos 187.º a 192.º da Diretiva IVA).
O Tribunal de Justiça tem-se pronunciado sobre diversas questões prejudiciais respeitantes à correta interpretação da Diretiva IVA em matéria de regularizações, com relevância para o caso.
No Acórdão proferido no processo C-487/01, Gemeente Leusden, de 29 de abril de 2004, interpretou o artigo 20.º da Sexta Diretiva , correspondente ao atual artigo 187.º da Diretiva IVA, no sentido de que o mesmo é meramente exemplificativo das hipóteses em que há lugar ao ajustamento das deduções, devendo ser considerada relevante para este efeito uma alteração legislativa que suprimiu a possibilidade de os sujeitos passivos tributarem (por opção ou por renúncia à isenção) a locação de bens imóveis, com a consequente regularização a favor do Estado do IVA deduzido, não violando esta interpretação os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica .
Dois anos depois, no processo C-184/05, Uudenkaupungin kaupunki, que constitui um caso paradigmático de regularizações, com Acórdão de 30 de março de 2006, o Tribunal de Justiça estabeleceu um conjunto de princípios orientadores de enorme importância.
Em primeiro lugar, confirma que o sistema de ajustamento das deduções, ou na terminologia do Código do IVA, de regularizações, tem caráter obrigatório para os Estados-Membros, ou seja, a Diretiva impõe que os Estados-Membros prevejam o ajustamento das deduções do IVA no que respeita aos bens de investimento, independentemente de alguma margem de conformação na sua transposição. Com efeito, no ponto 26 deste aresto (confirmado pelo ponto 35), o Tribunal esclarece que “o sistema de ajustamento das deduções constitui um elemento essencial do sistema instituído pela Sexta Diretiva na medida em que tem como objetivo assegurar a exatidão das deduções e, por conseguinte, a neutralidade da carga fiscal. Acresce que o artigo 20.º, n.º 2, da Sexta Diretiva [em vigor à data, com correspondência atual no artigo 187.º da Diretiva IVA], que se refere aos bens de investimento, em apreço no processo principal, está redigido em termos que não deixam qualquer dúvida sobre o seu carácter obrigatório.”
Segundo o Tribunal de Justiça, “O período de ajustamento das deduções previsto no artigo 20.° da Sexta Diretiva [leia-se artigo 187.º da Diretiva IVA] permite evitar inexatidões no cálculo das deduções e vantagens ou desvantagens injustificadas para o sujeito passivo quando, nomeadamente, se verificarem, posteriormente à declaração, alterações dos elementos inicialmente tomados em consideração para a determinação do montante das deduções. A probabilidade de alterações deste tipo é particularmente significativa no caso de bens de investimento que sejam frequentemente utilizados durante um período de vários anos, durante o qual a sua afetação pode variar. Por conseguinte, a Sexta Diretiva prevê um período de ajustamento de cinco anos que pode ser aumentado até vinte anos se estiverem em causa bens imóveis, período durante o qual pode existir uma sucessão de deduções variáveis” (ponto 25 do Acórdão).
A acrescer ao caráter obrigatório, o regime de regularizações deve ser aplicado “de forma análoga em todos os Estados Membros”, apenas sendo permitidas derrogações “nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva” – ponto 27 do Acórdão. (realce nosso)
Por fim, esta jurisprudência clarifica que o ajustamento das deduções se verifica em duas direções, tanto podendo ser a favor do Estado, como a favor do sujeito passivo, dependendo das circunstâncias, pelo que se o investimento foi inicialmente afetado a uma atividade que não conferia direito à dedução e só mais tarde é que vem a ser utilizado numa atividade sujeita a IVA, o sujeito passivo deve poder recuperar a parte proporcional do IVA que não deduziu, que corresponda ao período de regularização ainda não decorrido (ponto 42 do Acórdão).
Neste mesmo sentido se pronuncia o Tribunal de Justiça nos processos C-140/17, Gmina Ryjewo, com Acórdão de 25 de julho de 2018, e C-500/13, Gmina Międzyzdroje, com Acórdão de 5 de junho de 2014. Opõe-se, contudo, a que o ajustamento da dedução seja efetuado de uma só vez no decurso de um único exercício fiscal, como pretendia o sujeito passivo neste último caso (dado que era uma regularização a seu favor), entendimento que o Tribunal alicerça no disposto no artigo 187.º da Diretiva IVA que, com caráter imperativo, determina que as regularizações se efetuem no decurso do período de cinco anos ou noutro, se superior, conforme fixado pelos Estados-Membros (pontos 22 e 27). Preconiza o Tribunal de Justiça que “a exigência de um período mínimo de regularização de pelo menos cinco anos no tocante aos bens de investimento constitui um elemento essencial do sistema de regularização previsto pela Diretiva 2006/112, pois esse sistema permite evitar quer inexatidões no cálculo das deduções quer vantagens ou desvantagens injustificadas para o sujeito passivo, ao mesmo tempo que assegura a neutralidade da carga fiscal” (ponto 29).
2.3. AS REGULARIZAÇÕES POR CESSAÇÃO DE ATIVIDADE NO CÓDIGO DO IVA. ANÁLISE CONCRETA
O regime português de regularizações aplicável ao caso sob apreciação consta dos artigos 24.º e 26.º do Código do IVA. Dispõem estes preceitos o seguinte:
“Artigo 24.º
Regularizações das deduções relativas a bens do ativo imobilizado
1 - São regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto a bens não imóveis do ativo imobilizado se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano do início da utilização do bem e em cada um dos quatro anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano de aquisição houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
2 - São também regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto às despesas de investimento em bens imóveis se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano de ocupação do bem e em cada um dos 19 anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
3 - Para a regularização das deduções relativas a bens do ativo imobilizado, a que se referem os números anteriores, procede-se do seguinte modo:
a) No final do ano em que se iniciou a utilização ou ocupação e de cada um dos 4 ou 19 anos civis seguintes àquele, consoante o caso, calcula-se o montante da dedução que teria lugar na hipótese de a aquisição ou conclusão das obras em bens imóveis se ter verificado no ano em consideração, de acordo com a percentagem definitiva desse mesmo ano;
b) O montante assim obtido é subtraído à dedução efetuada no ano em que teve lugar a aquisição ou ao somatório das deduções efetuadas até ao ano da conclusão das obras em bens imóveis;
c) A diferença positiva ou negativa divide-se por 5 ou por 20, conforme o caso, sendo o resultado a quantia a pagar ou a dedução complementar a efetuar no respetivo ano.
4 - No caso de sujeitos passivos que determinem o direito à dedução nos termos do n.º 2 do artigo 23.º, a regularização das deduções relativas aos bens referidos nos n.ºs 1 e 2 tem lugar quando a diferença entre a afetação real do bem no ano do início da sua utilização e em cada um dos 4 ou 19 anos civis posteriores, respetivamente, representar uma alteração do IVA dedutível, para mais ou para menos, igual ou superior a (euro) 250, sendo aplicável o método de cálculo previsto no número anterior, com as devidas adaptações.
5 - Nos casos de transmissões de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização, esta é efetuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afetos a uma atividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.ºs 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, devendo no primeiro caso efetuar-se a regularização respetiva.
6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:
a) O sujeito passivo, devido a alteração da atividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;
b) O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.ºs 3 e 4 do artigo 55.º;
c) O imóvel passe a ser objeto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º
7 - As regularizações previstas nos n.os 3 e 4 não são aplicáveis aos bens do activo imobilizado de valor unitário inferior a (euro) 2500 nem aos que, nos termos do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, tenham um período de vida útil inferior a cinco anos.
8 - As regularizações previstas nos números anteriores deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”
“Artigo 26.º
Regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais
1 - A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
2 - A regularização anual prevista no número anterior é também aplicável no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando tais bens sejam afetos a uma das utilizações referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º.
3 - No caso de cessação da atividade durante o período de regularização, esta é efetuada nos termos do n.º 5 do artigo 24.º.
O legislador nacional previu de forma expressa a cessação de atividade como condição de exigibilidade de regularizações a favor do Estado relativamente ao IVA deduzido em imóveis. Esta disciplina enquadra-se na obrigação, consagrada na Diretiva IVA, de os Estados-Membros instituírem um regime de ajustamento das deduções, quando se verifiquem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, pelo que a sua validade é inequívoca à luz do direito europeu.
Na verdade, a cessação da atividade tributável é uma alteração relevante dos mencionados elementos, pois o direito à dedução está, conforme disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA, dependente da afetação dos bens e serviços adquiridos à realização de operações que confiram esse direito. Com a cessação de atividade o sujeito passivo deixa de praticar operações, pelo que desaparece o pressuposto substantivo do direito à dedução que é a conexão com operações tributáveis ativas do sujeito passivo.
Não pode, assim, colher a alegação da Requerente de que, em caso de cessação de atividade decorrente da insolvência do sujeito passivo e do consequente encerramento do estabelecimento, a regularização do IVA teria que aguardar pela transmissão do estabelecimento, ou dos seus ativos individualmente considerados. A cessação de atividade constitui um facto relevante que introduz modificações no direito à dedução, pelo que é, por si, um pressuposto idóneo para suscitar o mecanismo de regularizações.
Porém a metodologia de regularização, resultante da remissão do artigo 26.º, n.º 3, para o artigo 24.º, n.º 5, ambos do Código do IVA, segundo o qual a reposição de IVA é feita de uma vez só, calculada em função do período de regularização ainda não decorrido, não é consentânea com a estatuição do artigo 187.º da Diretiva IVA, que impõe que as regularizações se realizem pro rata temporis, i.e., que se repartam proporcionalmente pelo período de regularização que ainda falte decorrer, numa base anual.
A repartição da regularização por períodos anuais sucessivos (1/20 por cada ano no caso de imóveis), tem caráter obrigatório, conforme declarado pela jurisprudência supra citada (processo C-500/13 ), e comporta somente uma exceção instituída pelo artigo 188.º da Diretiva IVA, reportada às situações em que ocorra a transmissão dos bens de investimento. Só neste caso é que, de acordo com a previsão expressa do diploma europeu em norma especial (o dito artigo 188.º), a regularização se efetua de uma só vez, no ano em que se suscita o facto (transmissão) que a promove, como transposto pelo artigo 24.º, n.º 5 do Código do IVA.
Há que concluir, portanto, que de acordo com a disciplina prevista na Diretiva de IVA, a cessação de atividade da Requerente é passível de suscitar a regularização do IVA deduzido relativamente a imóveis. Porém, a remissão para o mecanismo de regularização aplicável à transmissão de bens de investimento, calculado e devido de uma só vez com referência a todo o período que ainda falte decorrer para se esgotar o prazo de vinte anos, é incompatível com o regime imperativo que foi previsto no artigo 187.º da Diretiva IVA, que postula que essa regularização se realize com periodicidade base anual.
Como salienta o Tribunal de Justiça, o regime de regularizações deve ser aplicado “de forma análoga em todos os Estados Membros” (Acórdão C-184/05) e “a exigência de um período mínimo de regularização de pelo menos cinco anos no tocante aos bens de investimento constitui um elemento essencial do sistema de regularização previsto pela Diretiva 2006/112” (Acórdão C-500/13).
A cessação de atividade e a transmissão de bens configuram realidades distintas não existindo fundamento legal para que, em face do exposto, seja confundido o seu tratamento para efeitos de IVA. Além do mais, o legislador português poderia ter ficcionado a equiparação da cessação de atividade a uma transmissão de bens efetuada a título oneroso, ao abrigo do artigo 18.º, c) da Diretiva IVA, que concede tal faculdade aos Estados-Membros. No entanto, essa opção não foi exercida, como também reconhece XAVIER DE BASTO, e o Código do IVA não contém norma de incidência que a corporize.
Salientou-se que se os dois regimes – de tributação do autoconsumo externo por equiparação a uma transmissão onerosa de bens e de regularização das deduções – prosseguem finalidades similares, que se reconduzem à tributação de um consumo externo relativamente a bens (de investimento) que de outra forma ficariam desonerados do correspondente imposto –, as suas condições de aplicação e consequências jurídicas não são idênticas, desde logo no tocante à base de incidência, cujo valor tributável ou regularizável obedece a regras diferentes, como explicitado pelo Tribunal de Justiça no processo C-229/15, Jan Mateusiak, em concordância com as conclusões da advogada-geral.
Em síntese, o artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA respeita a regularizações das deduções, como se depreende da sua inserção sistemática na Secção I do Capítulo V referente a “Deduções”, da sua própria epígrafe “Regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais” e, bem assim, do seu teor.
Não existe fundamento para considerar que a citada norma constitui a transposição do artigo 18.º, alínea c) da Diretiva IVA, que permite a equiparação da detenção de bens pelo sujeito passivo em caso de cessação de atividade a uma operação de transmissão de bens na aceção deste imposto.
Tratando-se, como se disse, de regularizações, e não ocorrendo uma transmissão de bens [de investimento], o mecanismo de regularizações e de reposição do IVA inicialmente deduzido opera obrigatoriamente com periodicidade anual, incidente sobre 1/20 do IVA em causa.
A remissão do artigo 26.º, n.º 3 do Código do IVA para o artigo 24.º, n.º 5 do mesmo diploma, ou seja, para um sistema de regularização do IVA de uma só vez, que a Diretiva apenas acolhe a título excecional se ocorrerem transmissões de bens (o que não sucede in casu ), viola o direito europeu e deve ser desaplicada, pelo que a regularização de IVA em causa terá de seguir o regime geral previsto no artigo 26.º, n.º 1 do Código do IVA, em harmonia com o disposto no artigo 187.º da Diretiva IVA, ou seja, limitar-se a uma “quota” anual de 1/20 da dedução efetuada.
Não se ignora que a periodicidade anual das regularizações no caso de cessação de atividade, facto de natureza disruptiva, pode levantar dificuldades práticas, pois o sujeito passivo, a partir desse momento [da cessação], deixa de (ter de) cumprir obrigações declarativas para efeitos de IVA, e a regularização terá(ia) de realizar-se mediante um pagamento anual ad hoc, enxertado, por via interpretativa, no artigo 27.º do Código do IVA, até ao esgotamento do período de regularização, ou até à retoma de uma atividade à qual sejam afetos os bens de investimento “regularizados”.
Neste âmbito, a consagração no Código do IVA do regime de equiparação a uma transmissão de bens, permitida pelo direito europeu nos termos do artigo 18.º, alínea c) da Diretiva, resolveria as mencionadas dificuldades. Contudo, como acima mencionado, esta não foi a opção do legislador português, não podendo tal solução, por se tratar de matéria de incidência, ser construída sem suporte legal.
Num caso concreto referente a operações imobiliárias, em que, com algum paralelismo, se constatou a contrariedade de uma parte do regime português de regularizações ao direito comunitário (precisamente ao artigo 187.º da Diretiva IVA, então artigo 20.º da Sexta Diretiva), o STA, alicerçado no princípio do primado do direito europeu, sufragou a decisão de desaplicar o normativo que colide com a Diretiva, com a “consequente remissão para as regras gerais de regularização” – cf. Acórdão do STA de 25 de novembro de 2009, processo n.º 486/09.
Na situação em apreço, a remissão para as regras gerais de regularização que constam do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA tem como corolário o preenchimento dos respetivos pressupostos constitutivos para que seja devida a regularização. Esta terá lugar quando ocorra a “não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos […]”.
Ora, no ano 2016 a cessação de atividade da Requerente apenas ocorreu com referência ao terceiro trimestre, mais concretamente em 17 de agosto, pelo que não tinha decorrido um ano civil completo. Aliás, nesse ano civil (2016) o período com atividade e, em consequência, com presumível manutenção do direito à dedução, excedeu manifestamente o período sem atividade (após cessação). Assim, de acordo com o regime geral de regularizações moldado pelo Código do IVA, em 2016 não estavam reunidas as condições necessárias para a emergência, na esfera da Requerente, da obrigação de regularizações. Estando em causa uma correção de IVA referente a 2016, é inútil perspetivar o que deveria suceder no ano 2017.
Convém, por fim, notar que na situação específica de encerramento de estabelecimento de sujeito passivo insolvente, como sucede com a Requerente, à cessação de atividade segue-se a alienação dos ativos, conjunta ou isoladamente, para satisfazer, com o produto da venda, as dívidas da massa insolvente e os demais créditos sobre a insolvência. Assim, não existe o risco de detenção dos bens para consumo “privado” do sujeito passivo insolvente ou desvio para outras finalidades.
Por outro lado, em regra os bens serão alienados no regime normal de tributação ou, como sucedeu na situação vertente, no âmbito de uma transmissão global dos ativos do estabelecimento [prédios, equipamentos industriais e marcas à sociedade W..., S.A.], neste último caso sob o regime de não sujeição enquadrável nos artigos 3.º, n.º 4 e 4.º, n.º 5 do Código do IVA, pelo que a solução que se preconiza não compromete a neutralidade do imposto. A perda de neutralidade resultaria sim da regularização nos moldes preconizados pela AT, que criaria imposto oculto irrecuperável que oneraria um conjunto de ativos que iriam ser subsequentemente afetos a atividades económicas produtivas na esfera de outras entidades.
À face do exposto, conclui este Tribunal Arbitral que não estão reunidos os pressupostos do regime geral de regularização das deduções relativas a bens imóveis não utilizados em fins empresariais, previsto no artigo 26.º do Código do IVA, relativamente ao ano 2016, pelo que os atos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios acima identificados, são anulados por erro de direito, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
Com efeito, dada a inaplicabilidade do regime de regularizações na origem das correções de IVA realizadas pela AT, por não estarem preenchidos os seus pressupostos constitutivos, com referência ao ano 2016, afigura-se inútil conhecer as questões suscitadas relativamente ao caráter, móvel ou imóvel, dos bens e serviços que fazem parte integrante dos 22 ativos cujo IVA deduzido foi objeto de regularização.
2.4. JUROS COMPENSATÓRIOS
Dispõe o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, concluiu-se que o ato tributário de liquidação de IVA que originou o valor de imposto a pagar de € 249.979,29 é inválido por vício de violação de lei por erro nos pressupostos gerador de anulabilidade. Assim, não se verifica o pressuposto constitutivo da obrigação de juros compensatórios incidentes sobre aquele valor, na importância de € 10.601,47, pois não foi retardada a liquidação de imposto (IVA) que fosse devido.
Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios correspondentes à referida correção deve ser anulada.
2.5. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (cf. artigo 22.º da Constituição) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que a liquidação de IVA em discussão padece de erros substantivos imputáveis à AT, para os quais a Requerente em nada contribuiu, pelo que a AT não deveria ter procedido à liquidação do IVA em causa, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços.
A jurisprudência arbitral do CAAD tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, que, havendo decisão a favor do sujeito passivo, postulam o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
Deste modo, a anulação da liquidação de IVA no valor global de € 908.400,14 é passível de constituir na esfera da Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação desta quantia pelo período de tempo em que perdurar.
Para este efeito e na situação concreta, importa distinguir as duas vias que corporizaram a liquidação da referida quantia de IVA.
A primeira via, através do ato de liquidação de IVA n.º 2017... – de € 249.970,29 – e dos juros compensatórios inerentes – de € 10.601,47, deu origem ao pagamento efetuado pela Requerente, conforme consta da matéria de facto assente. Assim, são sobre estas importâncias devidos juros indemnizatórios, até à sua integral devolução, de acordo com o preceituado no artigo 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e 61.º do CPPT.
A segunda via reconduziu-se à anulação indevida do crédito de imposto, no montante de € 658.429,85, que a Requerente tinha reportado nas suas declarações periódicas de IVA. Estando esta quantia pendente de reembolso, na sequência do pedido submetido pela Requerente, rege nesta matéria a norma especial prevista no artigo 22.º, n.º 8 do Código do IVA, segundo a qual:
“8 – Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária.”
Neste segmento, afigura-se que o pedido de juros indemnizatórios tem direta conexão com o pedido de reembolso de IVA que, sem prejuízo das implicações derivadas dos efeitos constitutivos da presente decisão arbitral, que naturalmente naquele terão repercussões, não é objeto de apreciação por este Tribunal Arbitral (nem o poderia ser, atenta a delimitação da competência material da jurisdição arbitral).
Pelo que se entende que a apreciação do pedido de juros indemnizatórios, na componente que incida sobre o valor de € 658.429,85, deve efetuada em sede própria que é a do procedimento de reembolso de IVA, cuja reabertura deriva da execução do presente aresto arbitral.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral:
(a) Em julgar improcedente a exceção de incompetência material parcial suscitada pela AT;
(b) Em julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, no valor total de € 919.001,61, com a invalidação consequente do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa que os confirmou;
(c) Em julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre as quantias pagas até integral reembolso.
* * *
V. VALOR
O artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) remete para o disposto no artigo 97.º-A do CPPT, em matéria de determinação do valor da causa em processo arbitral tributário. Segundo a norma do CPPT, quando sejam impugnados atos de liquidação, esse valor deve corresponder ao da importância cuja anulação se pretende (n.º 1, alínea a)).
A Requerente indicou como valor do processo a importância de € 908.400,14, que resulta do somatório do IVA que lhe foi liquidado adicionalmente (€ 249.970,29) e da anulação do crédito de IVA declarado (€ 658.429,87).
No entanto, para além do valor do IVA que lhe foi liquidado pela AT, que a Requerente contesta na totalidade, esta também se opõe aos juros compensatórios liquidados, no valor de € 10.601,47. Assim, o valor total que a Requerente pretende ver anulado é o da liquidação do IVA – € 908.400,14 – e, bem assim, o da liquidação de juros compensatórios – € 10.601,47 –, pelo que o valor total cuja anulação se pretende, expresso de forma cristalina no petitório, é o que resulta da soma das componentes de IVA e de juros compensatórios, que perfaz € 919.001,61.
Nestes termos, fixa-se ao processo o valor de € 919.001,61, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e em sintonia com a solução preconizada pelo artigo 31.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
A fixação do valor da causa em quantitativo diferente do indicado pela Requerente não tem, no caso concreto, qualquer implicação em matéria de custas, honorários dos árbitros ou recorribilidade da decisão.
VI. CUSTAS
Custas no montante de € 12.852,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 3 de setembro de 2019
Notifique-se.
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Cristiana Leitão Campos
Ricardo Rodrigues Pereira