Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2019-T
Data da decisão: 2019-07-05  IRC  
Valor do pedido: € 164.417,93
Tema: IRC - 2014 e 2015 - Retenções na fonte - Revogação dos atos de liquidação – Extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                I Relatório

                Nestes autos de pronúncia arbitral em que é Requerente A..., SA (em liquidação), a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 11-4-2019, veio comunicar a este Tribunal que, por despacho proferido em 11 de abril de 2019, revogara as liquidações adicionais objeto deste processo.

                Em 15-4-2019, foram ambas as partes notificadas de despacho do Presidente do CAAD a solicitar que, “(face ao circunstancialismo previsto no artigo 13º, nº 2, do RJAT” (...) informe o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do processo (...)”.

                Na sequência ou em consequência deste despacho, nada de útil foi requerido por qualquer das partes.

                Seguindo o processo arbitral os seus trâmites normais e regulamentares, veio a ser constituído o Tribunal Arbitral Coletivo em 14-5-2019.

                Em 17-5-2019 foi proferido o despacho inicial previsto no artigo 17º, do RJAT e notificada a AT para apresentar resposta e cópia do processo administrativo.

                Em 17-6-2019, a Requerente alegando ter sido então notificada da anulação total das liquidações objeto do pedido arbitral, com o reembolso efetivo do imposto previamente liquidado e pago no montante global de €164.417,93, veio declarar não se opor à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide “(...) desistindo, para o efeito, do pedido de juros indemnizatórios apresentado, por o mesmo não ter à data da restituição um valor material (...)”, devendo as custas do processo ser suportadas integralmente pela AT.

                Notificada a AT para se pronunciar sobre este requerimento, veio exercer esse direito em 25/6/2019, limitando a oposição à extinção da instância apenas no que concerne à condenação nas custas que, em seu entender, deveriam ficar a cargo da Requerente, alegando, designadamente que a revogação dos atos tributários sindicados ocorrera antes de esgotado o prazo de 30 dias previsto no artigo 13º, do RJAT  e, consequentemente, o facto de ter sido constituído o Tribunal Arbitral, não lhe seria imputável.

               

                Saneamento do processo

                Este Tribunal é competente.

                O processo é o próprio e as partes são legítimas e detêm personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias.

                Não há exceções ou nulidade

                Cumpre então apreciar e decidir da extinção da instância.

 

 

 

                II Fundamentação

 

                Segundo Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” – Cfr “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento segue Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.

 

                Subsumindo:

                Analisados os autos, obviamente que visando o pedido de pronúncia arbitral a anulação, por ilegalidade, das liquidações adicionais de IRC nºs 2018... e 2018..., relativas aos períodos de tributação de 2014 e 2015, o sobredito despacho de revogação dessas liquidações, esvazia totalmente de objeto este processo arbitral.

                Ou seja: destruídos os atos tributários sindicados por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como mesmo impossível, por falta de objeto da lide.

 

                A questão das custas

                Coloca-se então a questão de saber quem, na circunstância, deve suportar as custas.

                O princípio-regra nesta matéria é o de que suporta as custas quem dá causa à extinção da instância, tornando-a inútil ou impossível (cfr artigos 527 e 536º-3 e 4, do CPC, ex vi artigo 29º, do RJAT).

                Ora dos autos resulta que a AT foi informada da entrada no CAAD deste processo em 1 de março de 2019 e, em 7 de março de 2019, foi notificada da apresentação do pedido, notificação que se mostra confirmada pela AT nesta mesma data, sendo os juristas designados por despacho de 11-3-2019, comunicado ao CAAD em 15-3-2019.

                Ulteriormente, em 11-4-2019, é comunicada ao CAAD a revogação dos atos tributários, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, do RJAT e, em 15-4-2019, é junto o respetivo despacho.

                Nesta mesma data, são as partes notificadas do despacho do presidente do CAAD do seguinte teor: “(...) na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13º, nº 1 [do RJAT] (...) solicita-se a V Exa. que face ao circunstancialismo previsto no artigo 13º, nº 2 [do RJAT], se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento (...)”.

                Nada de útil foi informado ou requerido, tendo o processo prosseguido a sua normal tramitação e, constituído o Tribunal Coletivo em 14/5/2019, por despacho de 17-5-2019, foi a AT notificada para apresentar resposta e juntar processo administrativo, nos termos do artigo 17º, do RJAT.

                Vem então a Requerente apresentar, em 17-6-2019, o sobredito requerimento, nele declarando não se opor à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide “(...) desistindo, para o efeito, do pedido de juros indemnizatórios apresentado, por o mesmo não ter à data da restituição um valor material (...)”, devendo as custas do processo ser suportadas integralmente pela AT.

                A AT veio opor-se, como se viu supra, a que as custas ficassem a seu cargo.

               

               

                Tudo visto:

                Do exposto resulta evidenciado que a AT revogou integralmente os atos objeto do pedido de pronúncia arbitral e que o fez e comunicou ao CAAD, como se verá infra, dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 13º-1, do RJAT, essa decisão.

                Junta aos autos pela AT, em 15-4-2019, cópia da decisão de revogação, foi proferido pelo presidente do CAAD o despacho a que se fez referência supra, notificado na mesma data (15-4-2019) a ambas as partes.

                Na sequência desse despacho ou em qualquer outro momento anterior ao da constituição do Tribunal em 14-5-2019, não veio qualquer das partes requerer a cessação do respetivo procedimento em consequência da sobredita revogação dos atos tributários sindicando, só o vindo a fazer a demandante em 17-6-2019, pelas razões que então invoca.

                Ora se um processo judicial, qualquer que ele seja, é instaurado e se a causa de pedir se extingue ulteriormente por ato do réu em momento posterior ao da instauração ou entrada em juízo do processo, naturalmente que não podem ser imputadas se não à entidade demandada, não só a causa da demanda como também a da sua extinção: no primeiro caso, porque existia fundamento para a demanda e no segundo porque, reconhecendo-o a Ré o eliminou voluntariamente.

                Transpondo estes princípios básicos para o caso dos autos:

                Invocando a ilegalidade de atos tributários, veio a requerente pedir a constituição de Tribunal Arbitral pedindo a revogação desses atos.

                Todavia, na pendência dos procedimentos regulamentares para a constituição do Tribunal, veio a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), entidade demandada, notificar, em 11-4-2019, o presidente do CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º-1, do RJAT, de que procedera à revogação total dos atos tributários objeto do pedido, dando ainda conhecimento de que notificara o sujeito passivo dessa revogação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º-2, do RJAT. Ulteriormente, em 15-4-2019, completou, documentando, a informação prestada.

                Ora o facto de ter o CAAD conhecimento da revogação dos sobreditos atos não é, de per si, idóneo para suspender o procedimento com vista à constituição do Tribunal Arbitral, nem vai impedir que o Tribunal seja constituído sem que o demandante o requeira, designadamente para ser reembolsado da taxa de arbitragem paga, conforme previsto no artigo 3º-A, do RCPAT (Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

                Ou seja: não está previsto qualquer efeito cominatório para o demandante, designadamente em sede de pagamento de custas ou taxa de arbitragem, no caso de, notificado da revogação, não evitar a constituição do Tribunal arbitral.

                Assinale-se ainda que, como foi o caso, após notificação pela AT, da revogação dos atos de liquidação, o sujeito passivo e demandante, tem o prazo de 10 dias, para se pronunciar, querendo, prosseguindo o procedimento para constituição do Tribunal Arbitral, se nada disser (cfr citado artigo 13º-2).

                O que vai reforçar a conclusão, que se antecipa, de ausência de culpa da demandante na constituição do Tribunal e na extinção da instância.

                Na verdade, a comunicação da AT ao CAAD de revogação das liquidações ocorre, de forma completa, ou seja, com cópia dessa decisão, em 15-4-2019, após anterior simples comunicação, em 11-4-2019.

                Ora sendo do conhecimento da AT, desde 1-3-2019, a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, o prazo de 30 dias previsto no artigo 13º-1, citado, contado nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3º-A, do RJAT e 87º, do CPA, esgotou-se exatamente em 15-4-2019, ou seja, na data em que a AT apresentou ao CAAD cópia do despacho revogatório das liquidações.

                O que quer dizer que a Requerente, notificada não antes de 15-4-2019, dessa revogação, dispunha do prazo de 10 dias, para se pronunciar, se assim o entendesse, nos termos do sobredito artigo 13º, nº 2.

                O que leva à óbvia conclusão de que não pode ser imputada ao autor a constituição do Tribunal Arbitral nem a causa da extinção da instância; pelo contrário, são factos determinantes dessa extinção superveniente, em primeiro lugar ou num primeiro momento, a prática dos atos de liquidação causais do pedido de constituição do Tribunal e, num segundo momento, e já depois de formulado o pedido, a revogação desses atos pela entidade demandada, que assim deve suportar integralmente as custas.

               

                III Decisão

                À luz do exposto e ponderadas as posições de ambas as partes e o disposto nos artigos 277º-e), do CPC aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT, declara-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica, nos termos expostos supra, dos atos de liquidação objeto dos autos e determina-se o oportuno arquivamento do processo.

             Custas

                 Ficam as custas a cargo da AT na medida em que deu causa à extinção da instância (Cfr artigos 527º e 536º-3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em €3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e  4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

             Valor do processo

                Fixa-se o valor do processo em € 164.417,93 (cento e sessenta e quatro mil quatrocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

             Notifique-se.

 

 

Lisboa, 5 de julho de 2019

 

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Elisabete Flora Louro Martins

(vencida, nos termos da declaração de voto que junto)

(Árbitra Adjunta)

 

Pedro Miguel Bastos Rosado

 (Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto Vencido:

  

Nos termos do artigo 536.º n.º 3 do CPC (aplicável ex vi Artigo 29.º n.º 1 al. (e) do RJAT), nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade por custas fica a cargo do Autor ou Requerente, salvo se tal inutilidade for imputável ao Réu ou Requerida. O n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao Réu ou Requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do Autor ou Requerente.

 

No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão da Requerente foi satisfeita integral e voluntariamente pela Requerida, por esta ter revogado os atos tributários impugnados. No entanto, como ficou igualmente demonstrado, a Requerida procedeu à aludida revogação ainda antes da constituição deste Tribunal Arbitral (apesar de o ter feito fora do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT), sendo que o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), apesar da satisfação integral e voluntária por parte da Requerida dos pedidos formulados, só à Requerente pode ser imputável.

 

Com efeito, notificada por despacho do Presidente do CAAD (em 15/4/2019) para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, pela Requerida, a Requerente nada veio dizer/requerer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente, apenas por causa dela houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral. Efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se a Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que a Requerida revogou o ato tributário em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral.

As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerente.  

 

Elisabete Flora Louro Martins

(Árbitra Adjunta)