|
|
Versão em PDF |
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dr. Leonardo Marques dos Santos e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 20 de novembro de 2018, acordam no seguinte:
-
Relatório
A..., doravante designada por “Requerente”, titular do número de pessoa coletiva e de identificação fiscal em Portugal..., com sede em ..., Alemanha, apresentou, em 11 de setembro de 2018, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante "RJAT"), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 33 de março, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2018..., no valor de € 1.790.706,97, e da liquidação dos correspondentes juros compensatórios e moratórios n.º 2018..., no montante de € 17.775,42, ambos referentes ao período de janeiro de 2018, emitidos em resultado de uma ação de inspeção realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, da qual resultaram correções de IVA e de juros (compensatórios e moratórios) no montante global de € 5.782.406,76.
A Requerente pretende:
-
A declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos atos de liquidação de IVA (de € 1.790.706,97) e de juros compensatórios e moratórios (de € 17.775,42) por erro nos pressupostos de facto e de direito;
-
A restituição do montante de IVA, de € 3.986.076,81, inscrito nas declarações periódicas de IVA referentes aos meses de novembro de 2016, fevereiro, abril, maio, junho e agosto de 2017 e janeiro de 2018;
-
A devolução do montante de juros pagos correspondente a € 17.775,42;
-
A condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre as importâncias pagas, de imposto € 3.986.076,81, e de juros € 17.775,42, à taxa legal, até ao reembolso integral;
-
E, por fim, a condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, relativamente ao processo de execução fiscal respeitante à liquidação de IVA (de € 1.790.706,97).
Invoca, para tanto, que as correções impugnadas se alicerçam numa interpretação ilegal da AT quanto ao artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, com base no ponto 1 do Ofício-Circulado n.º 30073/2005, de 24 de março, da Direção de Serviços do IVA, no sentido de que um sujeito passivo que não tem sede, estabelecimento estável, domicílio ou representante fiscal em Portugal, mas com registo para efeitos de IVA no nosso país, deve liquidar IVA nas vendas localizadas em território nacional a adquirentes que sejam sujeitos passivos do imposto aqui estabelecidos e não aplicar o mecanismo de inversão do sujeito passivo previsto naquela norma.
Sustenta, ainda, que um tal entendimento da AT é incoerente com Informações Vinculativas por esta emanadas relativas à interpretação do artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do Código do IVA que se refere ao mesmo conceito, de “mero registo de IVA”, no sentido preconizado pela Requerente de que este não constitui conexão suficiente para localizar uma operação em Portugal, violando dessa forma o disposto no artigo 68.º-A da LGT e o princípio da segurança e da proteção da confiança, corolário do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição).
Acrescenta que a posição da AT viola a interpretação do conceito de “sujeito passivo não estabelecido no território do país” firmada pelo Tribunal de Justiça (“TJ”) no Acórdão Stoppelkamp, de 6 de outubro de 2011, processo C-421/10.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, notificando-se as partes dessa designação.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20 de novembro de 2018.
Nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi a Requerida notificada, em 21 de novembro de 2018, para apresentar Resposta, na qual invocou a exceção de incompetência material parcial do Tribunal Arbitral relativamente à pretensão deduzida pela Requerente referente à restituição do valor de € 3.986.076,81, que considera reportar-se à apreciação do pedido de indeferimento de reembolso de IVA.
No entender da Requerida, este pedido de restituição do valor de € 3.986.076,81 tem por objeto o ato de indeferimento do reembolso de IVA solicitado pela Requerente na declaração periódica de janeiro de 2018, o qual está fora da competência do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, por não consubstanciar um ato tributário, i.e., um ato de liquidação.
A Requerida defendeu-se ainda por impugnação.
Nesta sede, remete para a factualidade constante do Relatório de Inspeção Tributária e salienta que a Requerente liquidou IVA nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA nas vendas realizadas à empresa do grupo “B... SARL”, mas que para outros clientes, igualmente sedeados em território nacional, a Requerente efetuou as vendas com aplicação da regra da inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA (i.e., não liquidou este imposto).
Defende também que se a Requerente assumisse a natureza de sujeito passivo não residente, como alega, devia ter formulado o pedido de reembolso ao abrigo do artigo 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, que transpôs a Diretiva n.º 2008/9/CE, de 12 de fevereiro.
Considera não serem devidos juros indemnizatórios porque o processo arbitral visa um mero controlo de legalidade, pelo que não pode determinar que houve “erro imputável aos serviços” e que no caso em apreço esse erro não se verifica. A respeito da indemnização por garantia indevida sustenta que a Requerente não alegou nem provou encargos suportados para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar qualquer indemnização o que só poderá ser eventualmente efetuado em execução de julgados, caso a ação tenha provimento.
Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), por não provado, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos, com as legais consequências.
Em 14 de janeiro de 2019, a Requerente exerceu o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela AT.
Neste âmbito, a Requerente esclarece que o objeto da ação arbitral é apenas e só o ato tributário de liquidação adicional de IVA com o n.º 2018..., no montante de € 1.790.706,96, referente ao período de janeiro de 2018, e não o pedido de reembolso. A Requerente afirma que não solicitou ao Tribunal Arbitral que apreciasse ou anulasse a decisão de indeferimento do pedido de reembolso apesar de os fundamentos, seja do ato de liquidação, seja dessa decisão de indeferimento, serem os mesmos. O único pedido que formula a este propósito, além da anulação do ato de liquidação, é o da devolução pela AT dos montantes de IVA indevidamente retidos, por entender que essa é uma consequência natural da anulação do ato de liquidação.
Em 15 de janeiro de 2019, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT, sem oposição das Partes. Requerente e Requerida foram notificadas para apresentar alegações sucessivas e foi fixada a data limite de prolação da decisão arbitral, tendo a Requerente apresentado alegações no dia 1 de fevereiro de 2019, mantendo, na essência, os argumentos que constam do ppa e da resposta à exceção.
A Requerida não procedeu à junção do processo administrativo e optou por não alegar.
Por despacho arbitral de 6 de maio de 2019, tendo em atenção a complexidade das questões suscitadas, foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
***
Em face do exposto, importa delimitar as principais questões decidendas.
-
Em primeiro lugar, há que apreciar e decidir a questão prévia levantada pela Requerida sobre a incompetência material (parcial) e consequente falta de jurisdição arbitral para conhecer do pedido deduzido pela Requerente relativo ao reembolso do montante de IVA de € 3.986.076,81.
-
Cumpre ainda apreciar a questão de mérito relativamente ao ato de liquidação de IVA, de € 1.790.706,96, que é estritamente de direito e se centra na aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA às vendas locais, i.e., às transmissões de bens efetuadas em território português e aqui localizadas, realizadas por sujeitos passivos sem sede, estabelecimento estável, domicílio ou representante fiscal em território português, mas registados (apenas) para efeitos de IVA em Portugal.
-
Questão Prévia. Da Incompetência Material do Tribunal
A Requerida vem defender a incompetência material parcial deste Tribunal, invocando para tal os argumentos que seguidamente se sumariam:
-
A Requerente, ao formular o ppa, designadamente nos artigos 16.º a 19.º 27.º e no petitório, para além da ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de IVA e de juros [cujo valor se cifra em € 1.808.482,39, sendo € 1.790.706,97 de IVA e € 17.775,42 de juros compensatórios e moratórios], requer a condenação da AT à restituição do montante (adicional) de € 3.986.076,81 em decorrência daquela anulação, sendo que esse valor corresponde ao crédito de IVA cujo pedido de reembolso foi solicitado na declaração periódica de janeiro de 2018 e que foi indeferido;
-
Defende a AT, que a presente instância arbitral se mostra materialmente incompetente para conhecer de tal pedido (recorrendo a diversos acórdãos para demostrar a sua posição, e.g., Acórdãos Arbitrais de 29 de janeiro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 137/2017-T; de 3 de outubro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 48/2015-T; de 4 de abril de 2014, proferido no processo n.º 238/2013-T; bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) de 28 de abril de 2016, proferido no processo n.º 9286/16, e do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 12 de julho de 2007, proferido no processo n.º 303/07);
-
O direito ao reembolso de IVA não assume o carácter de um verdadeiro direito potestativo que se imponha, sem mais, de forma inelutável, a quem o deve prestar;
-
Há um dado fundamental, que diz respeito à aferição da legitimidade do reembolso face aos sujeitos passivos do imposto e essa legitimidade só se afere, nomeadamente, em função da legitimidade do exercício do direito à dedução, para efeitos de IVA;
-
No caso dos presentes autos, a aferição da legitimidade do reembolso foi realizada através do procedimento inspetivo, efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2018..., tendo-se determinado pela sua ilegitimidade total, no montante de € 3.986.076,81;
-
De acordo com a vontade expressa do legislador no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, a jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão da Requerente, relativamente ao pedido que formula, já que o ato de indeferimento de um pedido de reembolso não traduz um ato tributário de liquidação;
-
Da jurisprudência nacional (nomeadamente do Acórdão do STA, de 6 de novembro de 2008, lavrado no âmbito do processo n.º 115/08) infere-se que as decisões de pedidos de reembolsos não conhecem a natureza de atos de liquidação, sendo estranhas a estes. Assim, a análise e decisão dos pedidos de reembolsos não encerra a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta suscetível de ser apreciado pela jurisdição arbitral;
-
Não se subsumindo a apreciação de um reembolso de IVA à apreciação da legalidade de um ato de liquidação, a questão trazida à presente demanda não cabe nas competências deste Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação), sob pena de violação do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição;
-
Em sede arbitral, não existe o recurso de direito e de facto, em regra, a interpor para o Tribunal Central Administrativo competente, dado as Partes envolvidas terem, neste ponto específico, expressamente renunciado ao auxílio dos Tribunais superiores. Contudo, tal renúncia aconteceu quanto às matérias da competência do CAAD, de onde não consta a apreciação de atos administrativos-tributários que não implicam a apreciação da legalidade da liquidação de tributos, como acontece com os indeferimentos de reembolsos. Assim, sujeitar os indeferimentos de pedidos de reembolsos à competência do CAAD, mais não é que sentenciar tais matérias à insusceptibilidade de serem revistas em 2.ª instância, através do recurso ordinário previsto no artigo 280.º do CPPT;
-
Uma interpretação normativa contrária à ora explanada viola frontalmente o princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do duplo grau de decisão, decorrentes dos artigos 20.º e 268.º da Constituição.
Respondendo à matéria de exceção, a Requerente invocou, em suma, que:
-
O objeto da presente ação é, apenas e só, o ato tributário de liquidação adicional de IVA com o n.º 2018..., no montante de € 1.790.706,97, e o ato tributário de liquidação de juros compensatórios e moratórios n.º 2018..., no montante de € 17.775,42, ambos referentes ao período de tributação de janeiro de 2018;
-
Sem prejuízo, a Requerente peticiona também a condenação da AT à restituição do montante do reembolso de IVA solicitado e que foi indeferido, no valor de € 3.986.076,81, considerando-o como consequência natural do deferimento do pedido anulatório;
-
Condenação essa que considera apenas ser concretizada em sede de execução espontânea ou judicial da decisão arbitral que vier a ser proferida;
-
Entende que em momento algum incluiu no âmbito do objeto do presente pedido a apreciação daquele pedido de reembolso de IVA, pois, tal como muito bem nota a AT, essa avaliação foi feita em sede inspetiva e constitui um ato administrativo não sindicável perante os tribunais arbitrais;
-
Sem prejuízo, subjacente à emissão do ato de liquidação de IVA em crise, esteve um procedimento inspetivo, no qual os competentes serviços da AT formularam conclusões e invocaram fundamentos que determinaram o indeferimento do pedido de reembolso, mas também, e na mesma medida, a emissão desse ato de liquidação;
-
Por esse motivo, o Tribunal Arbitral não pode deixar de se pronunciar sobre a validade e/ou a legalidade das correções que se encontram plasmadas no Relatório de Inspeção elaborado no âmbito daquela ação inspetiva, pois as mesmas consubstanciam a própria fundamentação do ato tributário objeto do presente pedido;
-
Não se trata de reapreciar o pedido de reembolso de IVA formulado, trata-se outrossim de se pronunciar sobre as correções efetuadas pela AT e que geraram, por um lado, o indeferimento desse pedido e, por outro lado, e no que importa para o caso vertente, a emissão de um ato de liquidação adicional de IVA, sindicável nos termos da referida norma do RJAT;
-
Ou seja, os fundamentos invocados pela AT em sede inspetiva – ainda que os mesmos se estendam também ao próprio pedido de reembolso – terão que ser apreciados nesta sede pelo Tribunal, pois só conhecendo desses fundamentos será possível proferir uma decisão de mérito quanto ao ato de liquidação de IVA sindicado.
Tendo em consideração a argumentação acima descrita, entende este Tribunal assistir razão à Requerida, em linha com a jurisprudência por esta referenciada.
Na verdade, atenta a norma de delimitação de competência constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT[1], os Tribunais Arbitrais podem apreciar pretensões relativas à declaração de ilegalidade de “atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, ficando excluídas as demais, nas quais se insere a reação contenciosa contra o indeferimento de um pedido de reembolso de IVA.
Isto sem prejuízo de o Código do IVA determinar excecionalmente no artigo 22.º, n.º 13 que do indeferimento de um pedido de reembolso - apesar de este não envolver a apreciação da legalidade de um ato da liquidação - cabe impugnação judicial e não, como resultaria, em princípio, do teor do artigo 97.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), recurso contencioso [leia-se ação administrativa], meio processual adequado à discussão dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
É que apesar de o processo arbitral ter sido conceptualizado na Lei de Autorização Legislativa da arbitragem em matéria tributária (cf. artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril) como meio processual alternativo à impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, a opção do legislador foi mais restritiva. Com efeito, não só foi prescindida a competência equiparada à ação para reconhecimento de um direito[2], como o recorte das matérias abrangidas pelo processo arbitral em matéria impugnatória acabou por ser concretizado através da fixação “com rigor” das “matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”, como refere o preâmbulo do RJAT, sem se ter optado pela referência ou remissão para o meio processual da impugnação judicial com a abrangência fixada no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.
A questão central é a de que a apreciação do indeferimento do pedido de reembolso de IVA na importância de € 3.986.076,81, consubstancia o conhecimento de um ato administrativo em matéria tributária que não implica a apreciação da legalidade da liquidação do imposto, pelo que inequivocamente está fora das matérias passíveis de serem objeto de uma pronúncia arbitral. Por outro lado, o pedido de condenação da AT à devolução desta importância, não estando alicerçado na anulação de um ato de liquidação de IVA, sempre seria consequência da apreciação de uma pretensão que ao Tribunal Arbitral é vedado conhecer.
Tratou-se de uma opção do legislador que, como referido, definiu o âmbito da jurisdição arbitral de forma mais restritiva. Contudo, se a opção tivesse sido diversa, no sentido de uma competência alargada do Tribunal Arbitral não se alcança a violação da Constituição suscitada pela Requerida (cf. artigos 212.º, n.º 3, 20.º e 268.º), nomeadamente dos princípios do livre acesso aos tribunais, porquanto os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais previstas na Constituição (artigo 209.º, n.º 2) e a configuração do regime de recursos se insere na margem de conformação legislativa, desde que sejam acautelados os princípios fundamentais da jurisdição, como se afigura ser o caso, desde logo à face do disposto nos artigos 25.º a 28.º do RJAT.
Convém notar que o ato de liquidação de IVA que vem impugnado nestes autos arbitrais, relativamente ao qual a Requerida não opõe qualquer exceção de incompetência, tem o valor de € 1.790.706,97, que a Requerente não pagou e relativamente ao qual prestou garantia bancária. A consequência da anulação deste ato será a da sua eliminação da ordem jurídica e o eventual dever de a AT indemnizar a Requerente por prestação de garantia indevida, se verificados os respetivos pressupostos, previstos no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Desta anulação não deriva, ao contrário do que a Requerente pretende, a restituição de um outro valor de IVA, de € 3.986.076,81, que foi declarado e suportado (no sentido de pago) pela Requerente e que não constitui objeto do referido ato de liquidação.
Conforme antecede, estamos perante duas realidades distintas, correspondentes a pedidos autónomos, sendo que este último, por não envolver, como se referiu, a apreciação de um ato tributário stricto sensu, não cabe nas competências deste Tribunal Arbitral. A esta conclusão não se opõe o facto de a causa de pedir nas duas situações ser a mesma, i.e., que a disciplina legal que invalida o ato tributário de liquidação de IVA [a inexistência do dever de liquidar IVA nas vendas a adquirentes estabelecidos em território nacional] seja, de igual modo, aplicável às operações subjacentes ao pedido de reembolso, e que, por essa razão, o despacho do seu indeferimento também deva ser invalidado. Porém, neste último caso, tal não resulta da invalidação de um ato de liquidação de IVA que lhe é alheio, mas de uma apreciação autónoma desse indeferimento, relativamente ao qual a AT não procedeu à emissão de um ato tributário (de liquidação de IVA), a ter lugar em sede própria, que, em fase contenciosa, não é a do presente processo arbitral.
Ou seja, no tocante ao pedido de condenação da AT À devolução de IVA no montante de € 3.986.076,81, não foi praticado um ato de liquidação pela AT, nem sequer no sentido amplo preconizado no Acórdão Arbitral de 12 de março de 2019[3], relativo ao processo n.º 660/2017-T, reconduzível à previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, suscetível de ser apreciada pelo presente Tribunal no âmbito das suas competências, pelo que a invocada exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria (parcial) deve ser considerada procedente.
-
Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é parcialmente competente, em razão da matéria, para conhecer dos atos de liquidação de IVA n.º 2018..., no valor de € 1.790.706,97, e de juros compensatórios e moratórios n.º 2018..., no montante de € 17.775,42, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT. Inserem-se, de igual modo, na competência deste Tribunal Arbitral os pedidos dependentes de condenação da AT à restituição das importâncias pagas (a título de juros compensatórios e de mora); ao pagamento de juros indemnizatórios e à indemnização por prestação de garantia indevida relativamente aos atos tributários identificados de liquidação de IVA e de juros.
Contudo, como acabou de se concluir supra, o Tribunal é incompetente para conhecer do pedido de condenação da AT à restituição do montante de IVA de € 3.986.076,81, correspondente ao reembolso não efetuado, e ao pagamento de juros indemnizatórios em relação a este montante.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir do facto previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
-
Matéria de Facto
-
Factos provados
Com relevância para a decisão, importa atender aos seguintes factos que o Tribunal julga provados:
-
A Requerente é uma sociedade comercial alemã que se encontra registada em Portugal apenas para efeitos de IVA, desde 20 de setembro de 2012, e está enquadrada no regime normal mensal (cf. cadastro fiscal junto pela Requerente como Doc. 3 do ppa e Relatório Final de Inspeção junto como Doc. 5 do ppa, doravante, “Relatório de Inspeção”).
-
A Requerente prossegue a atividade principal de “Comércio por grosso não especializado” – CAE 46900 e a atividade secundária de “Comércio por grosso de alimentos para animais” – CAE 46211 (cf. Doc. 3 do ppa e Relatório de Inspeção).
-
A Requerente não é residente, nem tem sede, estabelecimento estável ou representante nomeado em Portugal (cf. Doc. 3 do ppa e Relatório de Inspeção).
-
A Requerente adquire, em Portugal, cereais provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia, por via de aquisições intracomunitárias, e também de países terceiros, por via de importações (cf. Relatório de Inspeção).
-
Subsequentemente, a Requerente vende os referidos cereais, entre outros, a clientes estabelecidos em Portugal (vendas domésticas) (cf. Relatório de Inspeção).
-
A Requerente não liquidou IVA nas vendas locais efetuadas a clientes estabelecidos em Portugal, por aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA (cf. Relatório de Inspeção).
-
Nos períodos de setembro de 2016 a janeiro de 2018, a Requerente efetuou vendas no mercado nacional às seguintes entidades: C..., S.A. – NIF...; D... Lda. – NIF...; E..., S.A. – NIF ...; e F..., S.A. – NIF..., sem liquidação de IVA, com a menção de “Autoliquidação” nas faturas, por aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA (cf. ponto 3.2 do Relatório de Inspeção).
-
Estas empresas clientes da Requerente, perante a receção desses documentos, procederam à autoliquidação e dedução do IVA (cf. Relatório de Inspeção).
-
A Requerente emitiu faturas à sociedade do grupo B...– NIF..., por vendas no mercado nacional, no período de outubro de 2016, com liquidação de IVA à taxa reduzida por se tratar de cereais (cf. Relatório de Inspeção, não contradito pela Requerente).
-
Por ter acumulado crédito de IVA nos períodos entre setembro de 2016 e janeiro de 2018, a Requerente solicitou, com referência ao período de janeiro de 2018, o reembolso de IVA em crédito (a seu favor) no valor de € 3.986.076,81 (cf. Relatório de Inspeção).
-
Na sequência do pedido de reembolso, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção em IVA cujo objeto foi a análise do pedido de reembolso solicitado, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária sob a Ordem de Serviço n.º OI2018..., de 19 de fevereiro de 2018 (cf. Relatório de Inspeção).
-
A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, através do Ofício n.º..., de 18 de abril de 2018, em relação ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no âmbito do qual a AT propôs o indeferimento do pedido de reembolso solicitado pela Requerente na Declaração Periódica de janeiro de 2018. A Requerente não exerceu esse direito (cf. Doc. 4 do ppa).
-
Em 28 de maio de 2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção, que manteve o projetado indeferimento do pedido de reembolso no valor de € 3.986.076,81, e a proposta de liquidação adicional de IVA, no valor de € 1.796.331,95, perfazendo correções de IVA no valor global de € 5.782.408,76, por alegada falta de liquidação deste imposto na faturação emitida aos clientes, implicando o “indeferimento do presente pedido de reembolso [de € 3.986.076,81] e a consequente liquidação adicional de IVA de € 1.796.331,95” (cf. Relatório de Inspeção junto como Doc. 5 do ppa).
-
Para fundamentar as suas correções, refere a AT que “9. Do exposto nos pontos anteriores, ou seja, salientamos o facto, de as vendas terem sido totalmente efetuadas no mercado nacional, no entanto o sujeito passivo sujeitou umas faturas a IVA, enquanto outras foram consideradas não sujeitas por aplicação do disposto no artigo 2º nº 1 alínea g) do CIVA. Ficou demonstrado nos pontos anteriores que os bens foram importados, e posteriormente vendidos no território nacional a empresas Nacionais. Assim todas as operações ativas efetuadas e declaradas pela empresa A... NIF..., tiveram lugar no mercado nacional logo reunindo todos os pressupostos para a sujeição a imposto nos termos do artigo 1º do CIVA, o que não se verificou” (cf. Relatório de Inspeção).
-
Neste âmbito invocou ainda a AT a aplicação do Ofício-Circulado n.º 30073/2005, de 24 de março, da Direção de Serviços do IVA, segundo o qual:
“[…]não obstante a inexistência de sede, estabelecimento estável ou domicílio, os sujeitos passivos não residentes estarão adstritos ao cumprimento das obrigações decorrentes do CIVA, caso aqui possuam um registo para efeitos de IVA, independentemente da possibilidade que lhe e dada de proceder à nomeação de um representante, sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado no território nacional, munido de procuração com poderes bastantes.
Nestes casos, ficam nomeadamente sujeitos ao cumprimento das obrigações do Código do IVA, designadamente as de liquidação e pagamento do imposto devido pelas operações realizadas no território nacional ficando esvaziada de conteúdo a disposição contida na alínea g) do nº 1 do artigo 2º do CIVA.
Assim, e do exposto anteriormente, o sujeito passivo «A... » NIF..., efetuou nos períodos em análise unicamente operações ativas sujeitas a IVA de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 1º do CIVA, não integradas nos pressupostos da aplicação a alínea g) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, com a consequente regra de inversão.” (cf. Relatório de Inspeção).
-
Em 2 de junho de 2018 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IVA da Requerente solicitado na Declaração Periódica referente ao mês/período de período de janeiro de 2018, o qual foi notificado à Requerente (cf. Doc. 6 do ppa).
-
Em junho de 2018, a AT emitiu o ato de liquidação adicional de IVA com o número n.º 2018..., no montante de € 1.790.706,97, derivado das correções que foram efetuadas à Requerente na ação inspetiva sequente ao pedido de reembolso de IVA, do período de janeiro de 2018, no valor total de € 5.782.406,76, o qual foi notificado à Requerente (cf. Docs. 1 e 9 do ppa e Relatório de Inspeção e por acordo).
-
Neste âmbito, a AT emitiu ainda o ato de liquidação de juros compensatórios e moratórios sob n.º 2018..., no montante de € 17.775,42, cujo pagamento foi efetuado em 28 de junho de 2018, e que tinha por data limite de pagamento 16 de julho de 2018 (cf. Doc. 1 do ppa).
-
Foi instaurado à Requerente o processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança coerciva do valor de IVA liquidado adicionalmente à Requerente de € 1.790.706,97, adicionado de custas de € 6.051,86 (cf. Doc. 7 do ppa).
-
A Requerente solicitou a suspensão do processo de execução fiscal junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., tendo para o efeito apresentado garantia bancária no valor do IVA em dívida e acrescido, até ao montante máximo de € 2.273.582,94 (cf. Doc. 8 do ppa).
-
Em 11 de setembro de 2018, a Requerente, em discordância com as correções de IVA de que foi alvo, apresentou no CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.
-
Factos não provados
Com relevo para a decisão não existe factualidade alegada que deva considerar-se não provada.
-
Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de Direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT.
A factualidade provada teve por base a análise crítica dos documentos acima discriminados e não impugnados pelas partes, bem como a posição por estas assumida em relação aos factos.
-
Do Mérito
-
Delimitação da Questão Decidenda
A questão fundamental a apreciar prende-se com a incidência subjetiva de IVA em transmissões de bens localizadas em Portugal, realizadas por sujeitos passivos apenas com registo de IVA em Portugal, i.e., sem sede, estabelecimento estável, domicílio ou representante fiscal neste país, a adquirentes que sejam sujeitos passivos deste imposto. Esta matéria foi objeto da Decisão Arbitral n.º 543/2018-T, de 6 de junho de 2019, cuja fundamentação, nesta matéria, se acompanha.
Segundo a posição da Requerente, neste caso, é aplicável a regra da inversão do sujeito passivo, por aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, o que significa que a liquidação e entrega do imposto ao Estado cabe ao adquirente, por via do mecanismo da autoliquidação, também denominado “reverse charge”.
Para a Requerida, é aplicável a regra geral de liquidação do imposto pelo fornecedor dos bens ou prestador de serviços, constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, cabendo assim ao respetivo fornecedor ou prestador a liquidação e entrega do imposto ao Estado.
-
Da (I)Legalidade da Liquidação de IVA
Quadro Normativo Nacional e Europeu
A disciplina cuja aplicação se discute na presente ação arbitral foi introduzida em Portugal, no Código do IVA, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto, na sequência da Lei de autorização legislativa n.º 16–A/2002, de 31 de maio, nos seguintes moldes:
“Artigo 15.º da Lei n.º 16–A/2002, de 31 de maio
Transposição da Diretiva n.º 2000/65/CE, do Conselho, de 17 de outubro
Fica o Governo autorizado a transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2000/65/CE, do Conselho de 17 de outubro, que altera a Diretiva n.º 77/388/CEE, no que diz respeito à determinação do devedor do IVA.
Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto
Alterações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
Os artigos 2.º, 7.º, 26.º, 29.º e 70.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394–B/84, de 26 de dezembro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
1 – São sujeitos passivos do imposto:
[…]
g) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a), que sejam adquirentes em transmissões de bens ou prestações de serviços efetuadas no território nacional por sujeitos passivos que aqui não tenham sede, estabelecimento estável ou domicílio nem disponham de representante nos termos do artigo 29.º [hoje, artigo 30.º].
Este regime veio introduzir uma exceção à regra geral que se extrai do cotejo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 29.º, n.º 1 do Código do IVA, segundo a qual o IVA deve ser liquidado pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços:
“Artigo 2.º do Código do IVA
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto:
-
As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC); [Redação dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2010]”
Artigo 29.º do Código do IVA
Obrigações em geral
1 – Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º devem, sem prejuízo do previsto em disposições especiais:
-
[…]
-
Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços;
-
Enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respetivo cálculo; […]”.
O regime especial que ficou consagrado na alínea g) deste artigo 2.º, n.º 1, alarga o âmbito de incidência subjetiva, conforme refere o preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto, “tornando sujeito passivo do imposto o próprio adquirente dos bens ou dos serviços, quando este, dispondo de sede, estabelecimento estável ou domicílio no território nacional, efetue no exercício de uma atividade sujeita a imposto, ainda que dele isenta, aquisições de bens ou serviços no território nacional a entidades não residentes, que nele não disponham de estabelecimento estável, nem tenham procedido à nomeação de representante fiscal”.
Como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 543/2018-T sobre questão idêntica do mesmo sujeito passivo:
“48. É sabido que o IVA é um imposto harmonizado pelo direito europeu, sendo o Código do IVA português([i]) o resultado da transposição da chamada «Sexta Diretiva», vigente à data da adesão de Portugal à, então, Comunidade Económica Europeia. A Sexta Diretiva foi revogada e substituída pela atual «Diretiva IVA»([ii]), em vigor desde 1 de janeiro de 2007, sem que, contudo, esta última, tenha introduzido alterações significativas, razão pela qual ficou conhecida por «Recast Directive» ou Diretiva de Reformulação, limitando-se, em geral, à reorganização sistemática das normas.
49. Interessa salientar que o direito europeu, quer na Sexta Diretiva, quer na Diretiva IVA, procede a uma distinção relevante, não transposta pelo legislador doméstico, que separa o conceito de sujeito passivo do de devedor do imposto e que, porventura, pode auxiliar na compreensão das questões suscitadas.
50. No primeiro caso, trata-se da pessoa que reveste as propriedades que determinam a incidência subjetiva de IVA, independentemente da entidade sobre quem impende o dever de liquidação e pagamento do imposto, que pode ser distinta. A noção de sujeito passivo é recortada como «qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade» (cf. artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva IVA, equivalente ao artigo 4.º, n.º 1 da Sexta Diretiva, correspondente ao artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA).
51. Já o devedor do imposto é caracterizado como a pessoa sobre a qual recai a obrigação de liquidação e pagamento do IVA. A regra geral, de que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA faz eco, é a da coincidência entre o sujeito passivo – que transmite os bens e/ou presta os serviços – e o devedor do imposto. Assim, o IVA é devido pelos sujeitos passivos que efetuem as transmissões de bens ou prestações de serviços, conforme estabelecido pelo artigo 193.º da Diretiva IVA (antes artigo 21.º, n.º 1, alínea a) I parte da Sexta Diretiva), «com exceção dos casos em que o imposto é devido por outra pessoa, nos termos dos artigos 194.º a 199.º e 202.º».
52. Quando a referida coincidência entre o sujeito passivo transmitente/prestador dos bens/serviços e o devedor do IVA (este último, o obrigado tributário adstrito à sua liquidação e pagamento) não ocorre, estamos no domínio das exceções à regra geral aplicável às operações internas, materializadas na adoção do regime de inversão do sujeito passivo ou «reverse charge». Neste caso, passa a ser atribuída ao adquirente a obrigação de (auto)liquidação e pagamento do imposto que, em regra, seria do transmitente/prestador, num fenómeno de substituição tributária específico do IVA. Esta inversão pressupõe ou requer que o adquirente também seja um sujeito passivo do imposto, (numa simplificação anglo-saxónica, «Business to Business» – B2B), não operando quando este não revista essa qualidade («Business to Consumer» – B2C).
-
Uma ressalva para circunscrever o que acima vem referido às operações internas. Com efeito, no caso das operações transfronteiriças, desde 1993 para as operações intracomunitárias de bens, e 2010 para as prestações de serviços («Pacote IVA»), o regime-regra B2C é o da inversão do sujeito passivo, com autoliquidação pelo adquirente.
-
Contudo, como acima salientado, no regime interno do IVA, a inversão do sujeito passivo é conformada como uma exceção à regra-geral e a sua aplicação é facultativa por parte dos Estados-Membros, conforme postula o artigo 194.º da Diretiva IVA, em moldes semelhantes ao que já dispunha o seu antecessor, o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), II parte da Sexta Diretiva:
«Artigo 194.º da Diretiva IVA
-
Quando as entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis forem efetuadas por sujeitos passivos que não se encontrem estabelecidos no Estado-Membro em que o IVA é devido, os Estados-Membros podem estabelecer que o devedor do imposto é o destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços.
-
Os Estados-Membros determinam as condições de aplicação do disposto no n.º 1.».
-
Concede-se, assim, aos Estados-Membros a prerrogativa de escolherem outro «devedor do imposto», quando se verifiquem duas condições cumulativas. A primeira é que as operações sejam efetuadas por sujeitos passivos que não se encontrem estabelecidos no Estado-Membro onde a operação é localizada e, em consequência, o IVA devido (de acordo com os critérios de incidência espacial e de competência tributária dos Estados-Membros). A segunda é que o devedor do imposto seja o destinatário (adquirente) dessas operações.
-
Como atrás referido, idêntico regime resultava já do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), II parte da Sexta Diretiva, na redação vigente à data da alteração do artigo 2.º, n.º 1 do Código do IVA, quando foi introduzida a respetiva alínea g), em apreciação. Dispunha aquela norma comunitária, sob a epígrafe «Devedor do imposto à Fazenda Pública», que: «[n]o caso de as entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis serem efetuadas por um sujeito passivo que não se encontre estabelecido no território do país, os Estados-Membros podem prever, nas condições por eles fixadas, que o devedor do imposto é o destinatário das entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis;» [artigo 28.º–G da Sexta Diretiva, com as alterações introduzidas pela Diretiva n.º 2000/65/CE, do Conselho, de 17 de outubro de 2000([iii]) que alterou a determinação do devedor do IVA].
-
Deste modo, com a introdução da alínea g) ao n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, concretizada em 2002, o legislador nacional exerceu expressamente a liberdade de escolha – conferida pelo direito europeu – de selecionar um «devedor do imposto» distinto do sujeito passivo transmitente dos bens (ou prestador dos serviços). Pretende com isto dizer-se que se tratou de uma opção expressa do legislador nacional e não de um regime imperativo predeterminado de fonte europeia.
-
Esta liberdade de escolha tem limitações que a própria Diretiva IVA enuncia e que importa escrutinar, sem prejuízo da modelação pelo direito interno de condições não reguladas pelo direito europeu. Com efeito, por um lado, o mecanismo de inversão do sujeito passivo será aplicável se (e apenas se) o sujeito passivo fornecedor dos bens não se encontrar estabelecido em Portugal, país onde as operações de transmissão de bens em análise nos presentes autos arbitrais são localizadas; e, por outro lado, o «devedor do imposto» tem de ser o destinatário (adquirente) dos bens.
-
Afigura-se que o regime de inversão do sujeito passivo estabelecido no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA respeita tais parâmetros. Com efeito, a sua aplicação é determinada quando as transmissões de bens (ou prestações de serviços) sejam efetuadas (leia-se, localizadas) em território nacional por «sujeitos passivos que aqui não tenham sede, estabelecimento estável ou domicílio, nem disponham de representante» e designa como devedor do IVA os adquirentes que sejam sujeitos passivos deste imposto.
-
De notar que, de acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto, o legislador português pretendeu que a regra da inversão do sujeito passivo apenas se aplicasse quando o adquirente, sujeito passivo, tivesse sede, estabelecimento estável ou domicílio no território nacional. Esta restrição, no entanto, não ficou refletida na letra da lei, que não distingue entre adquirentes estabelecidos e não estabelecidos, parecendo viabilizar a interpretação de que abrange qualquer adquirente sujeito passivo de IVA – i.e., que se dedique ao exercício de uma atividade económica – independentemente do seu local de estabelecimento. Tal solução encerra, porém, dificuldades práticas significativas que nos conduzem a uma interpretação distinta que não interessa aqui aprofundar, pois a liquidação de IVA impugnada apenas tem por objeto transmissões de bens efetuadas a adquirentes estabelecidos em Portugal.
Análise Concreta: primeira condição - sujeitos passivos que não tenham sede ou estabelecimento estável, nem disponham de representante
-
A Requerente é uma sociedade de direito alemão que se dedica a uma atividade comercial, com inequívoca dimensão económica, sendo, portanto, enquadrável, como sujeito passivo de IVA. Resulta do quadro factológico que a Requerente não dispõe de sede, estabelecimento estável ou representante nomeado em Portugal. Obteve, no entanto, um número de identificação fiscal, apenas para efeitos de IVA, ou seja, encontra-se registada em território nacional para efeitos deste imposto.
-
No âmbito das prestações de serviços, em que a localização dos sujeitos passivos é também fundamental para determinar a própria incidência espacial e tributação das operações (no caso que nos ocupa, de transmissões de bens, esse critério releva apenas para a determinação do devedor do imposto), o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011 («Regulamento»), JO n.º L 269/44, de 23 de março de 2011, veio clarificar que o facto de um sujeito passivo dispor de um número de identificação de IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que dispõe de um estabelecimento estável (artigo 11.º, n.º 3 do Regulamento).
-
Na aceção do IVA, um estabelecimento implica um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos (artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento). Ora, não se alcança qualquer razão para que, no âmbito de operações de transmissão de bens, como se verifica na situação vertente, estes conceitos apresentem outro recorte ou devam ser interpretados de forma distinta.
-
É assente que a Requerente dispõe de um “mero registo de IVA” em Portugal e não se encontra estabelecida neste Estado-Membro. Nestes termos, preenche os pressupostos de aplicação do regime de «reverse-charge» nas operações ativas – transmissões de bens – que efetua a outros sujeitos passivos de IVA em território nacional. Dito de outro modo, a regra de inversão do sujeito passivo é aplicável independentemente de o transmitente dos bens (ou prestador dos serviços, se for o caso) ter um «registo de IVA» em Portugal. Tanto pode ser um sujeito passivo registado, como não registado, desde que não esteja estabelecido no território nacional, nem aqui tenha designado representante.
-
Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA determina como condição negativa do regime de inversão do sujeito passivo, que o fornecedor tenha sede, estabelecimento ou representante local, não fazendo qualquer referência ao registo de IVA. Por outro lado, a fonte normativa de direito europeu, o artigo 194.º da Diretiva IVA também apela ao conceito de estabelecimento, que é, como vimos acima, inconfundível com o de registo de IVA.
-
Por outro lado, o registo de IVA é uma figura que existe desde 1993, tendo surgido com a implementação do regime intracomunitário de bens, pelo que em 2002 não constituía novidade suscetível de fundar uma incompletude não intencional do plano do legislador.
-
A Requerida preconiza, no Relatório de Inspeção acima reproduzido, que a Requerente não pode aplicar a regra da inversão prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, com amparo no Ofício-circulado n.º 30073/2005, da DSIVA, uma vez que, ainda que não tenha sede, estabelecimento estável ou representante fiscal em Portugal, possui um registo de IVA neste país, devendo assim liquidar imposto nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do citado Código «não tendo aplicação a alínea g) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, e consequente regra de inversão efetuada pelo sujeito passivo».
-
Considera este Tribunal que tal entendimento não só não tem correspondência com a letra da lei, como viola o seu espírito.
-
Em primeiro lugar, a condição de a alínea g), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA apenas ser aplicável nos casos em que os transmitentes de bens ou prestadores de serviços não possuem registo de IVA em Portugal, não resulta minimamente da littera legis – princípio basilar de interpretação jurídica, de harmonia com os artigos 9.º, n.º 1 do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária («LGT»). O legislador português, no âmbito da prerrogativa que lhe foi dada pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a) da então Sexta Diretiva (e agora artigo 194.º da Diretiva IVA), poderia ter imposto tal condição, o que não fez.
-
Em segundo lugar, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1 da LGT, em conjugação com o artigo 9.º do Código Civil, a interpretação da lei deve reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
-
Neste contexto, importa ter em conta as finalidades de um tal regime de exceção, que se desvia do paradigma de cobrança do IVA, imposto alicerçado num modelo originário de pré-financiamento (liquidação e cobrança pelo transmitente) e não de autoliquidação. Ben Terra chega a considerar assinalável que esta «exceção» se tenha mantido, após as preocupações manifestadas pela Comissão Europeia ainda nos anos 90 – B.J.M. Terra et al., Commentary – A Guide to the Recast VAT Directive (IBFD 2017), p. 3049.
-
Conforme salientado no Considerando 1 da Diretiva n.º 2000/65/CE do Conselho([iv]), cuja transposição originou o artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, para além do objetivo de simplificação das obrigações dos sujeitos passivos de menor dimensão, dispensando-os em múltiplos casos da obrigação de registo em IVA noutros Estados-Membros onde não se encontram estabelecidos, a inversão do sujeito passivo constitui um importante mecanismo antifraude e visa a cobrança fiável e correta do IVA por parte dos sujeitos passivos adquirentes de bens e serviços em Portugal – no fundo, combater possíveis situações de fraude e evasão fiscal([v]).
-
Em setores sensíveis à fraude ao IVA, como a construção civil ou os desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, o legislador português optou por aplicar o mecanismo de inversão do sujeito passivo. Na fraude carrossel interagem sujeitos passivos estabelecidos em diversos Estados-Membros, pelo que se afigura que o «reverse charge» da alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do Código, aqui em apreciação, é uma opção legislativa com marcada finalidade antiabuso.
-
Se se entendesse como a AT, bastava ao sujeito passivo não estabelecido registar-se para efeitos de IVA em Portugal para contornar o regime de inversão do sujeito passivo, com o que se frustraria a ratio legis e sairia favorecida a fraude. Nota-se que a inversão não traduz uma menor receita para o Estado, operando apenas uma modificação subjetiva do devedor, sendo que, no caso dos autos, os adquirentes da Requerente procederam à autoliquidação do IVA, pelo que não se suscita qualquer diminuição da receita fiscal.
-
Em terceiro lugar, se a alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA não condiciona a inversão ao facto de o transmitente dos bens ou prestador dos serviços ter (ou não) registo de IVA em Portugal, não cabe à AT introduzir esta restrição, fora da reserva de lei constitucionalmente exigida para a criação de impostos (cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP) e em clara violação do princípio da legalidade (cfr. artigo 103.º, n.º 2 da CRP).
-
Em quarto lugar, a regra de inversão é uma lex specialis em relação à regra geral de liquidação do IVA pelo transmitente dos bens e prestador dos serviços, pelo que, dentro do seu âmbito de aplicação, prevalece sobre o regime-regra.
-
Em quinto lugar, convém esclarecer que as medidas de simplificação em causa apenas se aplicam em operações realizadas com adquirentes sujeitos passivos de IVA, i.e., B2B, não sendo, no entanto, retirada a obrigação de registo no nosso país e de liquidação do imposto quando o mesmo operador efetua, em simultâneo, vendas locais a particulares ou a não sujeitos passivos de IVA, i.e., vendas B2C.
-
O que equivale a dizer que coexistem, para sujeitos passivos não estabelecidos e sem representante fiscal em Portugal, mas com registo de IVA no nosso país, situações de liquidação de imposto a par de situações em que se aplica a regra de inversão do sujeito passivo.
-
Neste contexto, cabe realçar que o entendimento veiculado pela AT no Ofício-Circulado n.º 30073/2005, ao determinar, de forma imperativa, a liquidação de IVA por parte dos «meros registos de IVA», parece querer equiparar um «mero registo de IVA em Portugal» a um estabelecimento, para efeitos IVA, no nosso país([vi]).
-
Equivalência que não tem, contudo, qualquer base fáctico-legal, como acima referido. Pelo contrário, é assumido por ambas as partes que a Requerente não dispõe de um estabelecimento estável no nosso país.
-
Na verdade, para a qualificação de uma dada realidade como estabelecimento estável na aceção do IVA, é necessária a demonstração, em Portugal, de um «qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica (…) caraterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento»([vii]-[viii]).
Segunda condição – o Adquirente é o “Devedor do IVA”
-
A segunda condição de aplicabilidade do regime de inversão também se encontra satisfeita na situação concreta, atento o facto de terem sido os clientes portugueses da Requerente – os adquirentes dos bens – a assumirem o cumprimento das obrigações declarativas e prestativas de IVA associadas às transmissões de bens realizadas pela Requerente, procedendo à devida autoliquidação do imposto.
Sobre o Ofício-Circulado n.º 30073/2005
-
Em sexto lugar, cabe salientar que o Relatório de Inspeção baseia a liquidação de IVA aqui contestada em orientações administrativas veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30073/2005.
-
Como esclarece Casalta Nabais (Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, pág. 197) no que é hoje jurisprudência assente([ix]): «as chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc.» constituem «regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares). É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato».
-
Resulta do confronto direto entre o teor do Ofício-Circulado n.º 30073/2005 e a norma constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, que o primeiro materializa uma regulação inovatória em matéria de incidência fiscal, desprovida de suporte legal, para além de esvaziar de conteúdo a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo quando os transmitentes de bens ou prestadores de serviços possuam um «mero registo de IVA» em Portugal.
-
Conclui-se, pois, pelas razões expostas, que este Ofício-Circulado, não só carece de força vinculativa heterónoma para a Requerente e para este Tribunal, como é ilegal por vício de violação de lei.
-
A circunstância de a AT ficar vinculada às orientações genéricas constantes do Ofício-Circulado n.º 30073/2005, nos termos do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, não transforma o seu conteúdo em norma com eficácia externa, tanto mais quando o mesmo está em violação da lei.
-
Em sétimo e último lugar, uma referência para indicar que a interpretação adotada pela AT é apontada na doutrina como isolada de entre os Estados-Membros que optaram por transpor a prerrogativa concedida pelo atual artigo 194.º da Diretiva IVA, como é o caso de Espanha e França, conforme assinala Afonso Arnaldo (in op. cit. nota de rodapé 6).”
Quanto ao argumento da Requerida de que se a Requerente assumisse a natureza de sujeito passivo não residente, deveria ter formulado o seu pedido de reembolso ao abrigo do regime especial de reembolsos aplicável a sujeitos passivos não estabelecidos em território nacional o mesmo não procede, pois tal regime não é de aplicação universal a todos os sujeitos passivos não estabelecidos (que por simplificação a AT designa por não residentes, embora se trate de um conceito inaplicável em IVA).
Desde logo, esse regime de reembolsos é excecionado quando esses sujeitos passivos para além das operações em que aplicam o “reverse charge” (autoliquidação pelo adquirente) realizam outras operações em que liquidam o IVA nos termos gerais, por não estarem reunidos os pressupostos da autoliquidação, como sucedeu com as vendas no mercado nacional realizadas pela Requerente a uma sociedade do Grupo, em outubro de 2016, não enquadráveis na autoliquidação, na interpretação teleológica supra referida (conforme ao preâmbulo do Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto), que se reputa correta, de que a disciplina especial do artigo 2.º, n.º 1, alínea g) em apreciação visa os casos em que os adquirentes são sujeitos passivos de IVA estabelecidos em território nacional.
Assim, é a própria Diretiva 2008/9/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que define as modalidades de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-Membro de reembolso que, no seu artigo 3.º, estipula que apenas determinados sujeitos passivos não estabelecidos (no Estado-Membro de reembolso) são abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, em concreto aqueles que preencham as seguintes condições:
-
Durante o período de reembolso, não tenham tido, no Estado-Membro de reembolso, a sede da sua atividade económica, nem um estabelecimento estável a partir do qual tenham sido efetuadas operações, nem, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o seu domicílio ou a sua residência habitual;
-
Durante o período de reembolso, não tenham efetuado nenhuma entrega de bens nem prestação de serviços considerada efetuada no Estado-Membro de reembolso, com exceção das seguintes operações:
i) prestações de serviços de transporte e de serviços acessórios, isentos ao abrigo dos artigos 144.º, 146.º 148.º, 149.º, 151.º, 153.º, 159.º ou 160.º da Diretiva 2006/112/CE,
ii) entregas de bens e prestações de serviços pelos quais o destinatário seja o devedor do imposto nos termos dos artigos 194.º a 197.º e do artigo 199.º da Diretiva 2006/112/CE.
Diretiva que é secundada pelo artigo 5.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto que estabelece o Regime de Reembolso do IVA a Sujeitos Passivos não Estabelecidos no Estado-Membro de Reembolso e procede à sua transposição.
Conclui-se, deste modo, que a qualidade de sujeito passivo não estabelecido no território português, que assiste à Requerente não é incompatível ou contraditória com o procedimento usual de reembolso previsto no artigo 22.º do Código do IVA e legislação complementar aplicável à generalidade dos sujeitos passivos que estejam sujeitos à obrigação de apresentação de declarações periódicas de IVA, nos termos dos artigos 29.º, n.º 1, alínea c) e 41.º do Código deste imposto.
Em conclusão,
A Requerente, ao aplicar a regra de inversão do sujeito passivo nas vendas locais (transmissões de bens) a clientes estabelecidos em território nacional, não lhes liquidando IVA, mais não fez do que aplicar a lei e respeitar a vontade do legislador.
O facto de a Requerente ter liquidado IVA em vendas locais realizadas à empresa do Grupo, a B... SARL, NIF..., não é inconsistente com o anteriormente referido, pois o adquirente pode ser uma entidade não estabelecida em Portugal, como resulta do n.º de IVA que lhe foi atribuído, numa interpretação conforme ao preâmbulo do Decreto-Lei n.º 179/2002, de 3 de agosto, segundo a qual o regime de autoliquidação previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA só deve ser aplicado se os adquirentes forem sujeitos passivos estabelecidos em Portugal.
Acresce que a circunstância de a Requerente dispor de um “registo de IVA” em Portugal, não afasta a aplicação do regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, regra que coexiste com as situações em que é devida a aplicação da alínea a), do n.º 1, do mesmo artigo, sempre que se verifiquem os pressupostos de aplicação desta.
Deste modo, o ato de liquidação de IVA impugnado nestes autos arbitrais enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo ilegal e anulável, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
-
Juros Compensatórios e Moratórios
Dispõe o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, concluiu-se que a liquidação de IVA impugnada é inválida por vício de violação de lei por erro nos pressupostos gerador de anulabilidade. Assim, não se verifica o pressuposto constitutivo de qualquer obrigação de juros compensatórios, pois não foi retardada a liquidação de imposto (IVA) que fosse devido.
Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios correspondentes à referida correção deve ser anulada por vício de violação de lei.
Quanto aos juros moratórios, de acordo com o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, diploma que estabelece o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, os devedores podem impugnar a respetiva liquidação nos termos e com os fundamentos previstos atualmente no CPPT (à data vigorava o CPT), pelo que a forma processual própria para a discussão destes juros é a impugnação judicial, por ser aí que se discute a legalidade da dívida tributária sobre que recaem, como decidido pelo Acórdão do TCAS, de 26 de Junho de 2012, processo n.º 4704/11.
Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial, e o caráter acessório (e dependente) dos juros moratórios à prestação tributária, afigura-se caber nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais, a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros de mora quando estes respeitem a uma dívida tributária cuja legalidade esteja a ser discutida no processo arbitral.
Considerando que os juros de mora incidem sobre a dívida tributária e que, na situação sub iudice, esta dívida vai anulada nos termos e pelas razões acima expostas, os atos de liquidação de tais juros partilham, em consequência, dos mesmos vícios e, por isso, também devem ser anulados.
-
Restituição do Montante de Juros Compensatórios e Moratórios
Quanto à apreciação do pedido de restituição de IVA por este Tribunal, a mesma ficou excluída, por incompetência material.
No entanto, importa decidir sobre a restituição dos juros compensatórios e moratórios que incidiram sobre a liquidação de IVA e que, conforme resulta do probatório, foram pagos. Sendo a liquidação anulada, o efeito repristinatório e constitutivo da pronúncia anulatória determina que sejam reembolsadas as quantias que não teriam sido cobradas se o ato ilegal não tivesse sido emitido, pelo que se conclui pela procedência deste pedido.
-
Juros Indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (cf. artigo 22.º da Constituição)[4] e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que a liquidação de IVA em discussão padece de erros substantivos imputáveis à AT, para os quais a Requerente em nada contribuiu, pelo que a AT não deveria ter procedido à liquidação do IVA em causa, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços que, ao contrário do que defende a Requerida, este Tribunal Arbitral não está impedido de conhecer.
A jurisprudência arbitral do CAAD tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, que postulam, em caso de decisão a favor do sujeito passivo, o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos, sendo imprescindível que a Requerente tenha suportado o “pagamento” da quantia relativamente à qual reclama a contagem de juros.
Na situação concreta, ocorreu o “pagamento” apenas do segmento dos juros compensatórios e de mora, pelo que é somente sobre este montante são devidos juros indemnizatórios, até à integral devolução da importância de € 17.775,42, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e 61.º do CPPT.
-
Indemnização por Prestação Indevida de Garantia
A Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, uma vez que prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia de IVA que lhe foi liquidada adicionalmente, para o que invoca o artigo 53.º da LGT.
Dispõe a este respeito o artigo 171.º do CPPT, relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida que a “indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” (n.º 1) e que a “indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência” (n.º 2).
É inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O processo arbitral constitui um meio alternativo da impugnação judicial, pelo que sendo essa a via contenciosa escolhida pelo sujeito passivo é nesse processo que é discutida a legalidade da dívida exequenda. Deste modo, como resulta de uma leitura material do teor do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT e da jurisprudência consolidada dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, relativamente aos atos tributários que dela sejam objeto, a ação arbitral é o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cf., por todas, as decisões arbitrais proferidas em 4 de novembro de 2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18 de maio de 2016, no processo n.º 695/2015-T, em 2 de janeiro de 2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28 de junho de 2017, no processo n.º 508/2016).
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
Cabe assinalar que, tratando-se de garantia mantida por período inferior a três anos, o n.º 2 da citada norma faz depender esse direito da imputação de erro aos serviços, pelo que tem de aquilatar-se o preenchimento deste pressuposto.
A propósito desta norma, foi vertido o seguinte no acórdão do STA, de 21 de novembro de 2007, processo n.º 633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.
Destarte, ocorrendo erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada, assiste à Requerente o direito a ser ressarcida dos custos incorridos com sua prestação e manutenção.
Convém relembrar que o ato de liquidação de IVA aqui impugnado foi da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído para que ele fosse praticado.
Por outro lado, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo executivo instaurado em razão da mencionada liquidação de IVA.
Não obstante, como assinala a Requerida, a Requerente não alegou, nem comprovou em concreto os encargos suportados. Deste modo, apesar da prestação da referida garantia bancária por parte da Requerente dever ser julgada indevida e, em consequência, ser procedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização por prestação da mesma, a respetiva fixação será efetuada em execução do presente acórdão, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, como a arguição pela Requerente da violação do artigo 68.º-A da LGT, do princípio da proteção da confiança e do artigo 2.º da Constituição.
VI. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo:
-
Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria (parcial) para conhecer do valor do reembolso de IVA não efetuado no montante de € 3.986.076,81 e, em consequência, do pedido dependente de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, com a consequente absolvição da AT da instância nesta parte;
-
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., no valor de € 1.790.706,97, e do ato de liquidação de juros compensatórios e moratórios n.º 2018..., no montante de € 17.775,42, ambos referentes ao período de janeiro de 2018;
-
Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia paga de € 17.775,42 até integral reembolso;
-
Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2018..., na quantia que for liquidada em execução do presente acórdão com a limitação estatuída no artigo 53.º, n.º 3 da LGT.
VII. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 5.782.406,76, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VIII. Custas
O montante das Custas é fixado em € 72.522,00, repartidas na proporção do decaimento, sendo € 50.040,18 a cargo da Requerente, e € 22.481,82 a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT e do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de julho de 2019
Os Árbitros,
(Alexandra Coelho Martins)
(Leonardo Marques dos Santos)
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Não estão aqui em causa as situações previstas na alínea b) do citado preceito, que respeitam à “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
[2] Aliás, a dado passo a Requerente configura um pedido similar, referindo no artigo 5.º do ppa que pretende “o reconhecimento da legalidade dos atos de autoliquidação praticados nas Declarações Periódicas do IVA”.
[3] Veja-se no ponto 186 deste Acórdão Arbitral que nesse caso existiam diversas referências a um ato de liquidação que inexiste na situação aqui em apreciação: “Assim, os documentos emanados da AT e notificados à Requerente dando conta da "demonstração de liquidação do IVA", do "número liquidação" e da "data liquidação" são, no plano jurídico, pertinentes e corretas”.
[4] Vide Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Atos Ilegais”, Áreas Editora, outubro de 2010 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, pp. 204 a 206.
“[i] Publicado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.
[ii] Diretiva n.º 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, JO n.º L 145, de 13 de junho de 1977 p. 0001, denominada “Sexta Diretiva”. Esta Diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, JO n.º L 347, de 11 de dezembro de 2006, p. 1–118, denominada “Diretiva IVA”.
[iii] Diretiva n.º 2000/65/CE do Conselho, de 17 de outubro de 2000, que altera a Diretiva n.º 77/388/CEE no que diz respeito à determinação do devedor do imposto sobre o valor acrescentado, JO n.º L 269, de 21 de outubro de 2000, p. 0044 – 0046.
[iv] Proposta de Diretiva do Conselho que altera a Diretiva n.º 77/388/CEE no que diz respeito à determinação do devedor do imposto sobre o valor acrescentado /* COM/98/0660 final - CNS 98/0312 */ JO n.º C 409, de 30 de dezembro de 1998, p. 0010.
[v] Linha de entendimento seguida pelo (então) Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no processo
C-421/10, Finanzamt Deggendorf v Markus Stoppelkamp, parágrafos 33 e 34.
[vi] Posição alias criticada pela doutrina, vide “O conceito de “estabelecimento estável” em sede de IVA, em particular nas regras gerais de localização de serviços, e o Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho”, Afonso Arnaldo, in Fiscalidade 46, p. 1-32. Neste artigo pode ler-se, na página 27 que “Em conclusão, a prática portuguesa tem aqui ignorado a distinção entre um estabelecimento estável e um mero registo de IVA de quem não tem no nosso território um estabelecimento”.
[vii] Nos termos do artigo 11.º do Regulamento n.º 282/2011, 15 de março, JO n.º L 77, de 23 de março de 2011.
[viii] Assim, por exemplo, os operadores que se registam para efeitos de IVA em Portugal para aqui realizarem vendas à distância a particulares, cobrarem o direito de acesso a conferências ocasionais aqui ocorridas ou porque aqui possuem um stock à consignação de um cliente, não possuem, tradicionalmente, estabelecimento estável para efeitos de IVA no nosso país.
[ix] Vide, a título de exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 583/2009 e 42/14, de 18 de novembro de 2009 e de 9 de dezembro de 2014, respetivamente, e Acórdãos do STA n.º 26638, de 16 de janeiro de 2002, e n.º 1784/03, de 7 de julho de 2004.
|
|