Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 46/2019-T
Data da decisão: 2019-07-08  IMI  
Valor do pedido: € 123.107,48
Tema: AIMI – Sujeição; Terrenos para construção; Constitucionalidade
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), António Alberto Franco e Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Janeiro de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede no ..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos acto de liquidação do Adicional ao Imposto sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no valor de €124.137,16, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., que teve aquele acto de liquidação como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. a ilegalidade do acto de liquidação, por considerar que, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como industriais, comerciais e para serviços, de modo a abranger os terrenos para construção destinados àqueles fins;
  2. subsidiariamente, a inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, na medida em que se aplique a todos os “terrenos para construção”, por contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 13.º e no artigo 104.º, n.º 3 daquela Lei Fundamental.

 

  1. No dia 22-01-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 13-03-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 02-04-2019.

 

  1. No dia 13-05-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerida, que veio dar conta do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, bem como de outra jurisprudência arbitral.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente foi notificada da liquidação do AIMI n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no valor de €124.137,16.
  2. Para efeitos do cálculo do valor tributável do AIMI, a AT considerou, entre outros, os seguintes prédios:

 

Freguesia

Artigo

Matricial

Coeficientes de localização e afetação

 

VPT

Coleta de AIMI

Freguesia do ..., concelho de ...

    U-...

Serviços

4.134.660,25€

16.538,64€

Freguesia do ..., concelho de ...

U-...

Serviços

2.762.682,53

11.050,73€

Freguesia do ..., concelho de ...

U-...

Serviços

1.905.490,51€

7.621,96€

Freguesia do ..., concelho de ...

U-...

Serviços

6.436.535,25€

25.746,14€

Freguesia do..., concelho de ...

U-...

Serviços

1.719.027,00€

6.687,11€

Freguesia do ..., concelho de ...

U-...

Serviços

13.818.474,00

55.273,90€

Total

30.776.869,54€

123.107,48€

 

 

  1. Os prédios urbanos supra identificados estão classificados como “terrenos para construção”.
  2. De acordo com o Plano de Pormenor aprovado pela Câmara Municipal de ..., para a zona do ..., onde se situam aqueles terrenos apenas é permitida a edificação de estabelecimentos hoteleiros.
  3. Em 29-09-2017, a Requerente procedeu ao pagamento integral da liquidação de AIMI n.º 2017... .
  4. A Requerente apresentou reclamação graciosa identificada com o n.º ...2018..., tendo por objecto a referida liquidação.
  5. A reclamação graciosa foi indeferida.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

A principal questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral, prende-se com a determinação do âmbito de sujeição do “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) introduziu, e que entrou em vigor a 1 de Janeiro daquele mesmo ano.

A regulamentação do AIMI foi incluída numa secção específica aditada ao Código do IMI, compreendendo os artigos 135.º-A a 135.º-K.

            Para o que ora interessa, estabelecem os n.ºs 1 e 3 do artigo 135.º-A do Código do IMI que, são sujeitos passivos do AIMI “as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português” a 1 de Janeiro do ano a que o Adicional respeita.

O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que: “são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal”.

O AIMI incide, de acordo com o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” – sendo que, a esta soma, deverá ser deduzida a quantia de € 600.000,00 sempre que o sujeito passivo seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa (cfr. n.º 2 do artigo 135.º C deste mesmo Código).

            Foram excluídos da incidência objectiva deste Adicional “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”, conforme disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo.

A taxa aplicável é de 0,4% para pessoas colectivas e de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas, sempre que o valor tributável não seja superior a € 1.000.000,00, nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-F do Código do IMI, sendo que, nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000,00, é aplicável uma taxa de 1%, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular (cfr. n.º 2 do mesmo artigo).

Nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 135.º-G e do artigo 135.º-H, ambos do Código do IMI, o adicional de imposto em causa é liquidado anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano, devendo o mesmo ser pago até ao final do mês de Setembro.

 

*

Conforme se viu já, suscita a Requerente as seguintes questões:

  1. a ilegalidade do acto de liquidação, por considerar que, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como industriais, comerciais e para serviços, de modo a abranger os terrenos para construção destinados àqueles fins;
  2. subsidiariamente, a inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, na medida em que se aplique a todos os “terrenos para construção”, por contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 13.º e no artigo 104.º, n.º 3 daquela Lei Fundamental.

As questões que se colocam nos presentes autos de processo arbitral foram já objecto de várias decisões arbitrais, em algumas partes de sentido diverso, podendo consultar-se, a este propósito e entre outros, os acórdãos arbitrais proferidos nos processos 668/2017-T, 675/2017-T, 686/2017-T, 692/2017-T, 681/2017-T, 688/2017-T, 664/2017-T, 677/2017-T, 603/2017-T, 694/2017-T, 687/2017-T, 683/2017-T, 676/2017-T, 666/2017-T, 682/2017-T, 696/2017-T, e 6/2018-T e mais recentemente 438/2018-T, 342/2018-T, 291/2018-T, 521/2018 e 631/2018-T[1].

Vejamos, então.

 

**

a.

            Considera a Requerente que ao instituir o AIMI o legislador visou a “criação de um imposto sobre o património imobiliário de elevado valor, afecto a fins habitacionais, enquanto manifestação de riqueza acrescida”.

            Mais refere a Requerente que na criação do AIMI mantinha-se “a preocupação da maioria dos grupos parlamentares em garantir que a actividade económica não seria por ele afectada”.

            Para a Requerente “a letra do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI não faz jus ao seu espírito ao abarcar na incidência objectiva do AIMI os terrenos para construção, quando afectos a uma actividade industrial, comercial ou de serviços”, considerando que “se num primeiro momento esteve previsto um agravamento da carga fiscal no que concerne aos sujeitos passivos titulares de prédios industriais, comerciais, de serviços e outros, a final houve um claro retrocesso nessa opção de política fiscal, ao se excluir expressamente da incidência objectiva do AIMI esses prédios, para que os agentes económicos deles titulares e a respectiva actividade económica não fossem afectados”.

            Aponta ainda a Requerente que “não se pretendendo prejudicar a actividade económica com a criação do AIMI, não é plausível que o legislador quisesse isolar e punir fiscalmente um activo que, paradoxalmente, não gera receita – e portanto não produz riqueza – e que pode ser um instrumento fundamental para o exercício de actividades livres de imposto, como são as que explorem imóveis edificados já afectos a comércio, serviços, agricultura e indústria”. Continua a Requerente, “inexiste qualquer justificação racional para defender que um prédio afecto a um fim comercial, industrial, ou de serviços não é sujeito ao AIMI para que não saia prejudicada a actividade económica dos seus titulares, e ao mesmo tempo, para propugnar que um terreno para construção desses prédios deve ser tributado e que tal não afecta a actividade económica”.

Assim, conclui a Requerente, “de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como industriais, comerciais e para serviços como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos para construção desses prédios”, pelo que requer “a anulação da liquidação de AIMI, na parte contestada, no valor de €123.107,48, por vício de violação de lei”.

 

*

            No que concerne a este pedido, pretende a Requerente, em suma, o alargamento das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.

            No que diz respeito a esta questão, ora apresentada pela Requerente, a jurisprudência arbitral tem-se dividido.

            Assim, por exemplo, a decisão proferida no processo 686/2017-T, concluiu ser de excluir da tributação em sede de AIMI os “terrenos para construção” sem afectação habitacional, ou seja, com fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.

            Esta decisão, tendo por base a unidade do sistema jurídico, defende a possibilidade de interpretação extensiva da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135-B do CIMI, no caso desses autos, relativamente aos prédios urbanos classificados como “para serviços”, “como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios”.

            Para o referido Tribunal Arbitral, “Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado….”, seria uma falta de coerência não aplicar o AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, tanto mais que o valor dos terrenos é incorporado no valor dos edifícios.

Referiu ainda o mesmo Tribunal que, se assim não decidisse, concluiria pela inconstitucionalidade material da norma que prevê tal tributação.

            Já nas decisões proferidas nos processos n.º 676/2017-T e n.º 664/2017-T (o primeiro diz respeito a Fundos de Investimento Imobiliário e o segundo a uma instituição de crédito), decidiram-se desfavoravelmente as pretensões dos aí requerentes, no sentido de afastar a tributação dos “terrenos para construção”, mesmo que a construção prevista seja para fins “comerciais, industriais ou serviços”.

Relativamente à tributação dos terrenos para construção com fins não habitacionais, ambas as referidas decisões convergem, podendo ler-se, na primeira, o seguinte:

Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica”.

Não se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)).

            Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer.

            Do mesmo modo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu.

Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher.

Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão.

De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha[2], o propósito de não onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos de construção não se encontram em tal situação.

Conforme, de resto, o próprio Tribunal Constitucional já reconheceu, existem diferenças fundamentais e relevantes entre um prédio construído e um terreno para construção.

Nas palavras daquele alto Tribunal[3]:

“Para efeitos fiscais, os prédios (...) distinguem-se claramente dos terrenos para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo a primeira daquelas categorias constituída por edifícios ou construções já existentes (...), enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.

Assim, enquanto que os edifícios (...) correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.

Ou seja, a tributação de prédios (...) incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais.

Dir-se-á, com acerto, que tanto uns como outros correspondem a património imobiliário (...). E que, pelo seu valor imobiliário, ambos são aptos a traduzir uma certa forma de riqueza. Mas as comparações terminam aí, porque, precisamente, a diferente natureza destes bens não permite fazer equivaler a capacidade contributiva dos respetivos proprietários, atuais ou futuros, apenas com base na sua afetação e no seu valor patrimonial tributário (VPT).”

Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada a tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação.

Os terrenos para construção, por outro lado, distinguem-se dos restantes terrenos, num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção - cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr.2.º paragrafo do art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos.

Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia.

Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos).

Acresce, ainda, que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica uma vez que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização.

Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.

Afirma a Requerente a propósito da sujeição dos terrenos para construção em causa ao AIMI que “será porventura mais penalizador para a actividade económica onerar fiscalmente os terrenos para construção, que, enquanto tal, ainda não geram rendimentos para os seus proprietários, mas que são plataformas essenciais para futuros projectos e criação de emprego, contribuindo-se para a erosão de capitais no momento crucial da concepção ou arranque do investimento”.

Ora, à luz da teleologia surpreendida à norma interpretada, atrás exposta, o certo é que tal impacto até poderá ser positivo, na medida em que a tributação dos terrenos para construção poderá constituir um incentivo à sua edificação, acelerando-se, assim, a efectiva utilização dos imóveis em actividades produtivas.

Tudo o que se expôs, julga-se, justificará uma distinção de tratamento, em linha com o regime legalmente consagrado, e em contralinha com a extensão da cláusula de não sujeição objectiva por via da extensão interpretativa.

 

*

            Não obstante, sempre se acrescerá que uma compreensão abrangente do AIMI no quadro do regime do IMI, apontará, justamente, no sentido do real propósito do legislador sujeitar ao primeiro todos os terrenos para construção, e não meramente os destinados a habitação.

Senão vejamos.

No desenho do AIMI, e na sequência do que foi a evolução da tributação em sede da verba 28.1 do CIS, o legislador deixou bem claro (por força, desde logo da nomenclatura e sistemática da tributação criada, bem como da remissão expressa para a normação do IMI relevante) a sua intenção de que as categorias relevantes para a tributação em questão se delineassem de acordo com os critérios próprios do CIMI.

            E, nos termos deste Código, os terrenos - que é a categoria que agora nos ocupa - podem integrar as categorias de:

  1. rústicos; ou
  2. urbanos;
    1. "para construção" de edifícios destinados a habitação, comércio, serviços ou indústria;
    2. destinados a "outros" fins.

O legislador, no regime do AIMI criado, excluiu da sujeição àquele os terrenos qualificados como "rústicos", por via da sujeição exclusiva dos prédios urbanos no n.º 1 do artigo 135.º-A, e os terrenos qualificados como "urbanos" destinados a "outros" fins, por via da cláusula de exclusão do n.º 2 daquele referido artigo, sendo que a não exclusão dos terrenos "para construção" de edifícios com determinados destinos (designadamente comércio, serviços ou indústria), não se pode deixar de considerar suficientemente fundada em considerações de ordem material, como se viu já.

 

*

Por fim, revestir-se-á ainda de relevância nesta matéria o entendimento que o STA tem tido relativamente à determinação do VPT dos terrenos para construção, considerando irrelevante para esses efeitos a afectação da construção projectada.

Assim, no Ac. do STA de 20-04-2016, proferido no processo 0824/15[4], considerou-se que:

"Decorre desta norma que a fórmula acima transcrita apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados, ou seja, àqueles que já edificados são para habitação, comércio, indústria e serviços.

Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45º já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42º.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.".

E, mais adiante, no mesmo aresto:

"Mas tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios uma regra específica – a constante do artigo 45 onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42. Tendo em conta o projecto de construção aprovado e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I.

O que significa que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38 do CIMI.

E sendo assim os coeficientes de afectação e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir também não podem nem devem ser tidos em conta nessa avaliação.

Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados."

O referido entendimento foi sancionado por acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 21-09-2016, proferido no processo 01083/13[5], em cujo sumário se sintetiza que:

"III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

IV - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

V - O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto."

Deste modo, conclui-se que em sede de aferição do VPT no quadro do CIMI não releva o destino da construção projectada nos "terrenos para construção", não se distinguindo, do ponto de vista da tributação patrimonial e, consequentemente, da evidenciação da capacidade contributiva, os terrenos para construção de edifícios de habitação, dos terrenos para construção de edifícios de comércio, indústria ou serviços.

Pelo contrário, e em função da aplicação do coeficiente de afectação consagrado no artigo 41.º do CIMI, nos edifícios construídos, a destinação dos edifícios repercute-se no valor patrimonial, e consequentemente na capacidade contributiva, considerada para efeitos de tributação.

Em sede de AIMI, face ao quanto já se expôs quanto à natureza desta tributação (enquanto adicional ao IMI), não existirão justificações para divergir de tal critério, ou seja, para considerar que a detenção de "terrenos para construção" com edifícios projectados de finalidades distintas, sinalize diferentes capacidades contributivas.

            Face a tudo o quanto se expôs, considerando-se não ser de proceder ao alargamento, por via da interpretação extensiva, das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, deverá improceder esta parte do pedido arbitral.

 

***

b.

            A título subsidiário, entende a Requerente que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3, ambos da CRP, porquanto, no seu entender, o regime legal do AIMI, em concreto os respectivos artigos 135.º-A e 135.º-B, ambos do Código do IMI, e a tributação resultante do mesmo, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes.

            Assim, considera a Requerente “o artigo 135.º-B do CIMI mostra-se flagrantemente inconstitucional [d]esde logo porque, sendo animado por propósitos de não oneração da actividade económica, atinge precisamente aqueles terrenos que mais protecção pediriam”  e que “não é lícito, à margem de um critério axiológico extrínseco à técnica e mecânica do próprio imposto como é a capacidade contributiva e a tributação da manifestação de riqueza, excluir (em AIMI) o “mais” (o edifício construído afecto ao comércio ou a serviços) e tributar o “menos” (o terreno para construção de edifícios afectos ao comércio ou a serviços).”.

            A este propósito, como já se viu, existe uma diferença substancial entre os terrenos para construção e os edifícios já construídos, sendo que estes são susceptíveis de estar, ou de serem imediatamente, afectos às actividades a que se destinam, ao contrário daqueles, não se verificando a arguida violação do princípio da igualdade.

            Alega, ainda, a Requerente a este respeito, invocando para o efeito a decisão do Tribunal Arbitral no Processo 507/2015-T do CAAD, que “[é] inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois  a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da atividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da atividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas”

            A este propósito, como também se viu já, a capacidade contributiva visada é a mesma do IMI, a que é adicionado o AIMI, sendo que o legislador optou por consagrar taxas de tributação mais ligeiras para as pessoas colectivas, em relação às pessoas singulares.

            Quanto à oneração fiscal do sector imobiliário, em relação a outros sectores, note-se, desde logo, que dentro do sector económico em causa, as sociedades são tratadas igualmente, e que se contém dentro do âmbito da liberdade de actuação do legislador, sendo, de resto, prática comum e aceite, a interferência nas actividades económicas, incentivando fiscalmente umas, e onerando fiscalmente outras.

Como se refere na Decisão Arbitral n.º 668/2017-T, “vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implicam que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.”.

            Acresce ainda que, no caso, ao contrário do que aponta a Requerente, não estamos perante uma oneração, mas perante uma não desoneração.

            É que, bem vistas as coisas, a estrutura normativa criada para o AIMI consiste numa regra de abrangência geral daquele[6], sobrepondo-se aos imóveis sujeitos a IMI, seguida de uma excepção da incidência relativamente a determinado tipo de prédios.

            Deste modo, não é a Requerente – ou os imóveis por si detidos e sobre os quais foi liquidado imposto – que se encontram, ao serem tributados, perante uma situação excepcional de oneração, mas antes a não oneração pretendida – por via da exclusão subjectiva ou objectiva – que, a reconhecer-se, se revestiria de carácter excepcional.

            No mais, a argumentação da Requerente em matéria de constitucionalidade acaba por reflectir alguma argumentação constante da jurisprudência constitucional relativa à, entretanto revogada, tributação em sede da verba 28.1 do Código do Imposto do Selo, designadamente da que foi condensada no Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, de 24 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 156/20, também invocado pela Requerente.

Ali refere-se, para além do mais, o seguinte, com correspondência nas questões ora suscitadas pela Requerente:

  • "a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.";
  • “se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.";
  • "a diferente realidade da tributação de terrenos para construção, que se repercute mais sobre a atividade económica desenvolvida pelo seu proprietário do que sobre o valor do bem em si mesmo. Com a agravante de que a respetiva carga fiscal, se não inviabilizar em definitivo aquela atividade, acabará por ser suportada pelo consumidor final dos produtos imobiliários que dela resultar, de cuja capacidade contributiva nada podemos presumir sem conhecer a respetiva tipologia edificatória e valor.".

E, mais adiante:

"Porque a verba 28.1, além do mais, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas coletivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas, ela incidirá indiscriminadamente, por exemplo, sobre uma moradia de luxo num empreendimento turístico do Algarve e sobre um terreno para construção de um edifício de habitação coletiva em regime cooperativo nos subúrbios metropolitanos de Lisboa ou do Porto."

Assim, do referido acórdão do Tribunal Constitucional, parece poder retirar-se o entendimento, sustentado pela Requerente, de que a não consideração da finalidade da detenção do imóvel e/ou da qualidade do sujeito que o detém, poderá gerar a inconstitucionalidade do tributo.

Não se subscreve, contudo, tal entendimento, na linha do voto de vencido lavrado no aresto em questão, pelo Ilustre Conselheiro Manuel da Costa Andrade.

Com efeito, as considerações apontadas serão, desde logo, e sem mais, directamente, transponíveis, para o IMI, para ISV, para o IUC, para os IECs, para o IS e mesmo, de alguma forma, para o IVA. Também aí os factos tributários abstraem, muitas vezes exactamente da mesma forma, senão de forma ainda mais pronunciada, da situação pessoal dos respectivos sujeitos passivos.

Assim, também em sede daqueles tributos, não se distingue, por regra, as manifestações de riqueza (capacidade contributiva) dos factores de produção dessa mesma riqueza (ou seja: um facto tributário sujeito a IMI, ISV, IUC, IECs, IS, abstrairá, por regra, da circunstância de o mesmo ter ocorrido no quadro do "consumo" [lato sensu] ou da "produção de riqueza"), sendo que a diferenciação ocorrerá, como no caso do AIMI, por via da consideração como custo do imposto suportado, em sede de imposto sobre o rendimento (cfr. art.º 23.º/2/f) do CIRC).

Quanto ao entendimento pugnado pela Requerente, alicerçado no Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, de 24 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 156/2016, será de notar que a verba 28.1 da TGIS, tal como foi concebida, em aditamento de aplicação aos terrenos para construção pela Lei n.º 83-C/2013, foi julgada inconstitucional, essencialmente pela falta de pessoalização do imposto, situação que com a criação do AIMI foi resolvida, sendo ainda de considerar a diferente estrutura jurídica (no IS não se remetia para o art.º 6.º do CIMI, e falava-se em “afectação habitacional”), bem como a diferente estrutura e ratio do imposto do selo e do “adicional ao IMI”, tudo o que apontará no sentido de que a questão da inconstitucionalidade esteja agora ultrapassada.

De resto, o próprio Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º 378/2018 veio entender que, afinal, não se verifica a inconstitucionalidade da Verba 28 da TGIS, considerando que, “o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais «independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos, ou consumo duradouro». Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respectivos sujeitos passivos por recuso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais”.

Assim, e o próprio Tribunal Constitucional evidencia isso mesmo, uma coisa é a tributação do rendimento, outra a do património, sendo que esta, por natureza, atenderá essencialmente ao valor patrimonial dos bens detidos, e não à situação pessoal do seu detentor, sendo, até em função das razões de praticabilidade, reduzidos os factores de pessoalização.

Esta linha de argumentação tem sido reforçada na mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, que ainda no seu Acórdão n.º 22/2019, de 9 de Janeiro de 2019, decidiu “Não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”.

Refere-se ainda no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, a propósito da Verba 28.1 da TGIS que “a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e a sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjectivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme (…). Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos sectores de actividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de actividade”.

Deste modo, conclui-se no sentido do defendido no Acórdão n.º 378/2018 do Tribunal Constitucional que “a mera probabilidade estatística de serem atingidas pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à promoção de variáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto do imposto nesse particular ramo de actividade comercial cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da actividade – não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o carácter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade”.

Acresce ainda que, no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, a propósito do AIMI, conclui-se que “(…) no âmbito da incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de um licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e acrescentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas (…), os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desidrato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Conclui o referido Acórdão que “Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador da capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado”.

Assim, e face ao exposto, julga-se que não será de retirar consequências da jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerente, em sede de constitucionalidade das normas do AIMI, aplicadas no caso, nomeadamente no que diz respeito à violação das normas da Constituição apontadas pela Requerente, sendo antes de aplicar a jurisprudência mais recente daquele Alto Tribunal, improcedendo por isso, também nesta parte, o pedido arbitral.

Face ao decidido, fica igualmente prejudicado o pedido acessório de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente, que está dependente, naturalmente, da procedência de algum dos restantes pedidos, o que não se verifica.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida do pedido;
  2. Manter na ordem jurídica os actos tributários objecto da presente acção arbitral; e
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 123.107,48, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Julho de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

 

(António Alberto Franco)

 

O Árbitro Vogal

 

(Ricardo Marques Candeias)

 

 

 



[2] Ressalvadas algumas situações marginais referentes a prédios afectos a serviços públicos, ou actividades não empresariais, abrangidos pela espécie “outros”.

[3] Cfr. Acórdão proferido no processo 250/2017, já citado.

[4] Disponível em www.dgsi.pt.

[5] Idem.

[6] Exceptuando-se, a partir de 2018, as empresas municipais; cfr. n.º 4 do artigo 135.º-A do CIMI.