Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 359/2018-T
Data da decisão: 2019-07-19  IRC  
Valor do pedido: € 288.053,57
Tema: IRC – Preços de Transferência. Princípio da Plena Concorrência. Artigo 63.º do CIRC. Tempestividade do Pedido.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dr. Gonçalo Cid Peixeiro e Dr. José Coutinho Pires (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 2 de outubro de 2018, acordam no seguinte:

 

I.  Relatório

 

  1. O sujeito passivo A..., S.A., pessoa coletiva ..., doravante "Requerente" ou "A...", com sede na Av. ..., n.º ..., ..., ..., apresentou, no dia 27 de julho de 2018, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1 e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante referida por "AT" ou "Requerida".
  2. A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade parcial da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2013 ... e correspondentes juros compensatórios, que resultou no valor global a pagar de € 323.124,69 (€ 284.303,62 de IRC e € 38.821,07 de juros), conforme demonstração de acerto de contas n.º 2013..., com referência ao exercício de 2009, da qual impugna o valor de € 288.053,57, mantida na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2015..., proferido pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRC (“DSIRC”), em 24 de abril de 2018, e notificado a 30 de abril de 2018. A Requerente pede a anulação de tais atos tributários com todas as consequências legais, incluindo a condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Junta 14 documentos e arrola uma testemunha.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de outubro de 2018.
  6. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi a AT notificada, na mesma data, para apresentar resposta.
  7. Por despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sequência de pedido de renúncia justificado de um dos árbitros vogais, foi determinada a respetiva substituição pelo Dr. José Coutinho Pires, aqui signatário, notificada a todos os intervenientes em 4 de outubro de 2018. 
  8. A AT apresentou, em 26 de outubro de 2018, um requerimento a solicitar a prorrogação por 30 dias do prazo para resposta, invocando a necessidade de obter mais informações sobre a situação em litígio, que foi deferido em 29 de outubro de 2018.
  9. A AT apresentou a sua resposta em 27 de novembro de 2018, acompanhada do Processo Administrativo (“PA”).
  10. Nessa resposta, além de suscitar matéria de exceção relativa à caducidade do direito de ação, a AT apresenta defesa por impugnação e pugna pela total improcedência do pedido da Requerente. Considera também que o requerimento de prova testemunhal deve ser indeferido por ser um ato inútil.
  11. Por despacho de 29 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada para exercício do contraditório relativamente à matéria de exceção e para indicar ao Tribunal os factos, ou o tema da prova a serem objeto de prova testemunhal.
  12. Em requerimento de 5 de dezembro de 2018 a Requerente tomou posição sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida; à cautela, clarificou o pedido no sentido de ele corresponder a uma impugnação tanto da liquidação como do indeferimento do Recurso Hierárquico; e indicou ainda os artigos do seu requerimento inicial que seriam objeto de prova pelo depoimento da testemunha por si arrolada.
  13. O Despacho Arbitral de 7 de dezembro de 2018 designou o dia 18 de janeiro de 2019 para realização da diligência de inquirição da testemunha.
  14. Em requerimento de 13 de dezembro de 2018, a Requerida solicitou que fosse inquirida uma testemunha adicional por si indicada para melhor exercício do contraditório, tendo o Tribunal deferido o aditamento e notificado a parte contrária para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 (cinco) dias, conforme despacho de 17 de dezembro.
  15. Em requerimento de 10 de janeiro de 2019 a Requerida solicitou a alteração da data da diligência de inquirição das testemunhas, por impossibilidade de comparência da testemunha por si arrolada.
  16. Em requerimentos de 29 de janeiro de 2019 e de 13 de fevereiro de 2019 a Requerente solicitou igualmente a alteração das datas da diligência de inquirição das testemunhas.
  17. Na sequência dos despachos arbitrais de 11 e 31 de janeiro e de 15 de fevereiro de 2019, a diligência foi definitivamente remarcada para o dia 11 de março de 2019.
  18. No dia 11 de março de 2019 teve lugar a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, B..., tendo a AT prescindido da testemunha por si indicada.
  19. No final da audiência as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas, com o prazo de 15 dias, e o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo referido no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, designando o dia 1 de junho de 2019 para prolação da decisão arbitral. A Requerente foi advertida de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data.
  20. A Requerente apresentou em 26 de março de 2019 as suas alegações escritas.
  21. A Requerida apresentou as suas contra-alegações em 24 de abril de 2019.
  22. Por despacho arbitral de 20 de maio de 2019, tendo em atenção a complexidade das questões suscitadas, foi prorrogado por dois meses adicionais o prazo de prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

* * *

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
  2. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  3. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  4. O processo não enferma de nulidades.

 

II. A Exceção de Intempestividade

 

A.  Posição das partes

 

  1. No articulado de resposta, a Requerida vem suscitar a questão de estar ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação deste ato tributário de liquidação, em concreto, em sede arbitral, na medida em que o pedido apenas tem por finalidade a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2013..., com todas as legais consequências, designadamente a sua anulação.
  2. Invoca que o pagamento da liquidação adicional teve lugar em 18 de dezembro de 2013 e que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 27 de julho de 2018, sendo, portanto, claramente intempestivo face ao preceituado no artigo 10.º do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), que estabelece um prazo de 90 dias. A Requerida convoca em apoio do seu entendimento abundante jurisprudência arbitral (Processos n.ºs 62/2012-T, 188/2013-T, 244/2013-T, 38/2015-T, 195/2015-T, 196/2015-T, 211/2015-T, 261/2015-T, 346/2015-T, todos do CAAD).
  3. Assim, segundo a Requerida, o pedido formulado de anulação do ato tributário deveria ser declarado improcedente por intempestivo, devendo daí decorrer a absolvição da instância, nos termos do artigo 278.º, n,º 1, alínea e) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, considerando que o Tribunal não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa.
  4. Por seu turno, a Requerente, em resposta à exceção, esclarece que, ao contrário do sugerido pela Requerida, o seu pedido não ataca apenas a liquidação de imposto (que constitui o objeto real e mediato do pedido arbitral), antes especificando de forma expressa o Recurso Hierárquico, cujo número de procedimento identifica, bem como a sua discordância com a decisão de indeferimento do mesmo, que é também objeto e fundamento do pedido.
  5. O ato de indeferimento do Recurso Hierárquico, proferido em 24 de abril de 2018 e notificado em 30 de abril de 2018, manteve administrativamente na ordem jurídica o ato de liquidação que a Requerente reputa de ilegal – e que contesta de forma continuada, primeiro através de Reclamação Graciosa e, depois, de Recurso Hierárquico; e agora, esgotados os meios de impugnação administrativa da liquidação, através da via arbitral.
  6. Sem prejuízo, a Requerente assume que o que pretende é que, em sede de consequências legais dessa contestação, seja indirectamente e a final atingida a liquidação que reputa de ilegal.
  7. Alega a Requerente que os dois objetos – imediato (atos de segundo grau) e mediato (atos de liquidação) – integram o conhecimento do tribunal arbitral, já que a pronúncia pela ilegalidade dos atos de liquidação stricto sensu implicará, necessariamente, ainda que porventura de forma implícita, a ilegalidade da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico.
  8. Acrescenta, por outro lado, que tal questão não contende diretamente com a determinação do prazo para efeitos de apresentação do pedido de pronúncia arbitral confundindo a Requerida o âmbito material da arbitragem (artigo 2.º do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10.º do RJAT), sendo este prazo, segundo o artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT, de “90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”, significando isso, portanto, que sempre que o contribuinte tenha apresentado Reclamação administrativa ou Recurso Hierárquico, o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral se conta a partir da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa ou do Recurso Hierárquico.
  9. A Requerente convoca, de igual modo, diversa jurisprudência antiformalista e "pro actione" do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) (Processos n.ºs 595/09, de 28 de outubro de 2009, 156/11, de 18 de maio de 2011, e 723/11, de 16 de novembro de 2011); do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) (Processo n.º 8998/15, de 17 de março de 2016) e dos Tribunais Arbitrais (Processos n.ºs 282/2013-T, 419/2014-T, 664/2014-T, 124/2015-T, 161/2015-T, 652/2015-T, 117/2016-T, 140/2016-T, 592/2016-T, 713/2016-T, todos do CAAD).
  10. No tocante às nove decisões arbitrais invocadas pela Requerida a Requerente manifesta que, na sua maioria, não sustentam o entendimento daquela. Duas delas não discutem qualquer exceção de caducidade (62/2012-T e 261/2015-T), outras três têm pressupostos diametralmente distintos (38/2015-T, 188/2013-T, 244/2013-T), uma (195/2015-T) teve um árbitro que adotou entendimento diverso em três decisões posteriores (652/2015-T, 117/2016-T e 140/2016-T) e outra (346/2015-T) acompanha o entendimento da Requerente.
  11. Por fim, considera a Requerente que o presente pedido de pronúncia arbitral não poderia ser julgado intempestivo sem que esta fosse, em momento anterior, convidada a clarificar o seu pedido nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, louvando-se, para tanto, nas decisões arbitrais n.ºs 419/2014-T, 207/2016-T e 592/2016-T.

 

B. Decisão Quanto à Exceção

 

  1. A questão prévia suscitada já foi objeto de múltiplas decisões arbitrais que, de forma aprofundada, a analisaram. Compulsamos neste âmbito a fundamentação da Decisão Arbitral do processo n.º 336/2018-T, à qual se adere, que versa sobre uma situação em tudo idêntica àquela em apreciação, transcrevendo-se o seguinte excerto autoexplicativo:

2.    Resulta do artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT que o prazo para impugnar, nas situações em que houve reclamação graciosa ou recurso hierárquico seguidos de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão, e não do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação.

3.     Dado que a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico se reportam à própria liquidação impugnada, a reação à decisão de indeferimento na reclamação ou no recurso toma esta decisão por objeto imediato, mas o objeto mediato é, necessariamente, a própria liquidação.

4.     Não é descabido que, por cautela, sejam expressamente impugnados, em simultâneo, ambos os atos, o de liquidação (mediatamente) e o de indeferimento (imediatamente). Mas não se afigura que isso seja indispensável, ou sequer necessário.

5.     Lembremos que, em rigor, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações e recursos.

6.     Em contrapartida, não se impõe que a via arbitral deva ser a primeira forma de reação à ilegalidade de uma liquidação, excluindo a via administrativa; e, pelo contrário, a via arbitral configura-se como um meio adequado de reação ao esgotamento da via administrativa, num plano paralelo ao da via jurisdicional de reação contenciosa, que também ela assenta no esgotamento da via administrativa, pressupondo-o explicitamente.

7.     Assim, ao apreciar o indeferimento de um recurso hierárquico que manteve uma liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação, em relação à qual aquele indeferimento se apresenta como ato de segundo (ou terceiro) grau.

8.     Do que se trata é de conferir uma tutela jurisdicional efetiva aos direitos do impugnante (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição), não a condicionando em função da primeira escolha que o impugnante tenha feito – nomeadamente, não prejudicando a impugnação da liquidação pelo facto de o impugnante ter começado pela via administrativa, reservando para mais tarde o recurso à via arbitral, para a hipótese de insucesso na via administrativa – como faria com o recurso à via jurisdicional.

9.     O facto de tanto a reclamação graciosa como o recurso hierárquico terem por objeto a liquidação impugnada é que lhes confere o carácter de atos de segundo grau, face ao ato primário da liquidação.

10.   E por isso a reação aos atos de segundo grau implica que é o ato primário que se pretende impugnar ainda – quando isso não seja porventura explicitado na própria reação.

11.   E, inversamente, a reação ao ato primário, na sequência dos atos de segundo (ou terceiro) grau, implica que estes são igualmente visados e devem ser removidos da ordem jurídica porque os vícios do ato primário, por eles confirmados, os “contaminam” – mesmo quando isso não seja porventura explicitado naquela reação.

12.   Daí que uma interpretação favorável ao acesso ao Direito (artigo 7.º do CPTA) e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição) – favorável, portanto, à apreciação do mérito das questões e não enredada em formalismos procedimentais e processuais –, deva incluir o indeferimento expresso de uma reclamação graciosa ou de um recurso hierárquico no objeto do processo, como expressão de uma reação tempestiva à ilegalidade do ato primário.

13.   Entender de outro modo seria forçar o impugnante a uma opção exclusiva entre a via administrativa e a via arbitral, dentro do prazo para a impugnação da liquidação; mas isso contende com a arquitetura básica que presidiu ao estabelecimento da via arbitral em sede tributária – que em parte nenhuma coloca, como condição de acesso, a inexistência de uma via administrativa precedente, ou mais especificamente a inexistência de atos confirmativos que tivessem mantido, na ordem jurídica, []o ato primário.

14.   Mais ainda, na medida em que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD só têm competência para apreciar a legalidade de atos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou de reclamações graciosas, poderíamos chegar à conclusão de que, tendo havido impugnação administrativa de atos de liquidação, e ultrapassando-se com isso o prazo de impugnação direta da liquidação, a via arbitral estaria vedada – não fosse o caso de o artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT explicitar, pelo contrário, que a notificação da decisão de indeferimento na via administrativa serve como termo inicial, afastando, assim, um tal entendimento.

15.   O artigo 10.º do RJAT não confere, pois, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo (ou terceiro) grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

16.   A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses atos de segundo (ou terceiro) grau, embora a materialidade do litígio se reporte a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar.

17.   Logo, em bom rigor, a Requerente não teria sequer de impugnar separadamente os indeferimentos na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico, se não encontrasse neles vícios próprios (já que como meros atos confirmativos eles são irrecorríveis) – bastando porventura tornar mais explícito que reagia a esses atos para mero efeito da tempestividade da reação ao ato de primeiro grau, a liquidação.

18.   Tendo a Requerente referido, expressamente, que deduzia o pedido de pronúncia arbitral para apreciação do ato tributário de liquidação de IRC, na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico e que não poderia conformar-se com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico (intróito e artigos 177.º a 179.º do pedido de pronúncia arbitral), por direta aplicação do artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT se concluirá que o prazo para esse pedido se iniciou no […] dia seguinte ao da notificação do indeferimento do Recurso Hierárquico […].

19.   O que faz com que tenha que entender-se que a apresentação do pedido […] foi tempestiva.

20.   Não se julga, por isso, sequer necessário solicitar à Requerente uma clarificação, correção ou aperfeiçoamento do seu pedido de pronúncia arbitral, hipótese aventada pela Requerente nos n.ºs 101 a 106 do seu Requerimento […]

  1. Que a ação impugnatória tem por objeto o ato de liquidação tem sido, aliás, reiteradamente afirmado pela jurisprudência do STA, como resulta do recente Acórdão de 3 de julho de 2019, no processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise[1], entendimento que é de aplicar no processo arbitral concebido como alternativa ao meio processual da impugnação judicial.
  2. Transpondo o raciocínio expendido para a situação vertente, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT começou a contar-se a partir da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico que se verificou em 30 de abril de 2018 (iniciando-se no dia seguinte, 1 de maio de 2018).
  3. Deste modo, em 27 de julho de 2018, data em que foi apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral no CAAD, ainda não tinha decorrido o mencionado prazo de 90 dias, concluindo-se, deste modo, pela tempestividade do pedido e pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida.

 

III.  Fundamentação. Matéria de Facto

 

A. Factos que se consideram provados com relevância para a decisão

 

  1. A sociedade Requerente, A..., S.A., também referida por A..., iniciou a sua atividade em 5 de dezembro de 2007, sob a denominação de C..., S.A., com o capital social de € 1.000.000,00 detido, à data dos factos (2009), em partes iguais pelas sociedades do grupo D... SGPS, S.A. (“D...”) e E... SGPS, S.A. (“E... SGPS”) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
  2. A Requerente tem por objeto social a produção e comercialização de energia, montagem e exploração de centrais elétricas e termoelétricas, desenvolvimento de energias renováveis e alternativas e está inscrita no cadastro das finanças pela atividade de produção de eletricidade de origem térmica, com o código 2704 correspondente ao CAE 35112. Investe em energias renováveis – eólica, fotovoltaica, biomassa e mini-hídricas – em Portugal e no estrangeiro – cf. RIT.
  3. No dia 20 de dezembro de 2008, a E... SGPS e a D..., SGPS, S.A. celebraram um Acordo de Parceria Estratégica, no qual assumem ter constituído a A..., sociedade aqui Requerente, como veículo de investimento especializado na área de produção e comercialização de energia, desenvolvimento de energias renováveis e alternativas, e acordam na faculdade de participarem ou investirem de forma conjunta nos projetos da área da energia, seja através da Requerente, seja por si próprias diretamente, com (ou sem) a criação de sociedades veículo de fins específicos – cf. Documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e RIT.
  4. O referido Acordo de Parceria Estratégica estabelece ainda que a E... SGPS e a D... desenvolveriam os seus melhores esforços no sentido de, quando fosse caso disso, dotarem a Requerente do capital necessário à execução dos projetos (cláusula terceira), estipulando, na sua cláusula quarta que “As Empresas Parceiras [E... SGPS e D...] permitem-se desde já, reciprocamente, ceder, transferir e alienar, pelo respetivo valor nominal ou por preço e condições que melhor entenderem, as posições de capital que em cada momento detenham em cada NOVA SOCIEDADE VEÍCULO, desde que o façam ou no seio das referidas SOCIEDADES VEÍCULOS das parcerias em que ambas participem ou a favor de sociedades suas participadas ou que com elas estejam em situação de domínio ou de grupo.” – cf. Documento 5 junto com o ppa e RIT.
  5. Em 31 de outubro de 2009, foi celebrado um Acordo Parassocial entre a Requerente, a E... SGPS, a D..., a F..., Lda., G..., H... e I..., nos termos do qual, considerando um anterior Contrato de Parceria celebrado em 28 de março de 2008, se obrigaram a constituir uma sociedade veículo denominada J..., S.A. (“J...”), com o objetivo de desenvolvimento e exploração do projeto do Parque Fotovoltaico do ..., e regularam as suas relações enquanto acionistas desta sociedade a constituir – cf. RIT, Anexo 5.
  6. Em conformidade com o mencionado Acordo Parassocial, estabeleceu-se, nomeadamente:
  1. A obrigação de as Partes reforçarem o capital da sociedade a constituir em função do necessário para o investimento projetado, na proporção das suas participações, até um valor igual a 20% do investimento total do projeto;
  2. A autorização da entrada na sociedade de novos parceiros, designadamente financeiros, permitindo à Requerente ceder a estes parte da sua participação social na J..., até ao limite de 30% do respetivo capital social (o que veio a acontecer, como se verá adiante, com a entrada da K... SGPS, S.A.);
  3. A colocação pela Requerente à disposição da F..., dos “meios financeiros indispensáveis para que esta possa realizar o capital social inicial da nova sociedade e, bem assim, os meios financeiros indispensáveis a prover eventuais futuros aumentos de capital ou a realizar, por qualquer outra forma que seja deliberada, os fundos próprios necessários a aportar ao projeto, de acordo com a participação que a F..., Lda. detém na sociedade.” – cf. RIT, Anexo 5, Artigo Terceiro.
  1. Na sequência do Acordo de Parceria Estratégica e do Acordo Parassocial supra mencionados, foi constituída em 31 de outubro de 2009 a sociedade J... com o capital social de € 50.000,00, representado por 10.000 ações nominativas ordinárias, com valor nominal de € 5,00, subscrito pelas seguintes entidades:
    1. € 25,500,00 (51%) – F..., Lda. (“F...”);
    2. € 10.000,00 (20%) – A... (Requerente);
    3. € 4.000,00 (8%) – D...;
    4. € 4.000,00 (8%) – H...;
    5. € 4.000,00 (8%) – I... (“I...”);
    6. € 2.000,00 (4%) – E... SGPS;
    7. € 500,00 (1%) – G...– cf. RIT, Anexo 2.
  2. No exercício de 2009, a A... detinha participações sociais em diversas entidades, designadamente:
    1. Uma participação direta de 51% no capital da F...;
    2. Uma participação direta de 31% no capital da L..., S.A. (“L...”) e uma participação indireta de 26%, via  F... (que detinha 51% da L...);
    3. Uma participação direta de 20% no capital da J..., S.A. (“J...”) e uma participação indireta de 26%, via F... (que detinha 51% da L...) – cf. RIT.
  3. O Modelo Financeiro do Parque Fotovoltaico do ... previa que o último reembolso, pela J..., de Fundos Próprios (Prestações Acessórias + Suprimentos) ocorreria no 2.º semestre de 2016, correspondente a um reembolso, em termos médios, de € 155.000,00 por semestre, tendo a tarifa bonificada sido concedida pelo prazo de 15 anos – cf. Documento n.º 6 junto com o ppa e corroborado pelo depoimento prestado.
  4. Os meios financeiros usados pela Requerente para dotar a sociedade J... de fundos para desenvolver o projeto do Parque Fotovoltaico do ..., do qual esta sociedade ficou detentora da licença de exploração em 21 de outubro de 2010, provieram na sua maioria da D... e da E... SGPS, não tendo a Requerente utilizado de forma significativa fundos próprios para este efeito – cf. RIT, Anexo 5, Artigo Terceiro, e depoimento prestado.
  5. Em 29 de dezembro de 2009, a Requerente cedeu, pelo valor nominal, 7,5% do capital social da J... à sociedade D..., recebendo € 3.750,00; e 11,5%, também pelo valor nominal, à E... SGPS, recebendo € 5.750,00. Globalmente, as duas cessões perfizeram 19% das ações representativas do capital da J..., pelo preço agregado de € 9.500,00 – cf. RIT, Anexo 3.
  6. Em consequência destas vendas, a Requerente ficou com uma participação direta de apenas 1% na J..., ficando o capital social desta repartido pelas seguintes entidades:
    1. € 25,500,00 (51%) – F..., Lda. (“F...”);
    2. € 7.750,00 (15,5%) –D...;
    3. € 7.750,00 (15,5%) – E... SGPS;
    4. € 4.000,00 (8%) – H...;
    5. € 4.000,00 (8%) – I...;
    6. € 500,00 (1%) – A... (Requerente);
    7. € 500,00 (1%) – G...– cf. RIT.
  7. Quando a Requerente alienou a sua participação de 19% no capital social da J..., manteve o direito ao recebimento de uma remuneração ou “fee” no valor de € 1.200.000,00 relativo ao desenvolvimento do Projeto Fotovoltaico do ..., que foi contabilizado como proveito, em 2010, na sua esfera [da Requerente] – cf. RIT.
  8. Como derivava do Acordo Parassocial supra, a A..., ora Requerente, para reforço da capacidade financeira da sociedade veículo –J...– podia ceder a sua participação nesta a um novo parceiro. Este parceiro foi a K... SGPS, S.A. (“K...”) – cf. RIT.
  9. Em 5 de abril de 2010, a K..., na qualidade de parceiro financeiro, adquiriu 30% do capital da J..., nos seguintes moldes:
  1. 14,5% à E... SGPS pelo preço de € 535.000,00 (sendo o valor nominal de € 7.250,00);
  2. 14,5% à D... pelo preço de € 535.000,00 (sendo o valor nominal de € 7.250,00);
  3. 1% a G... pelo preço de € 70.000,00 (sendo o valor nominal de € 500,00) – cf. RIT, Anexos 8 a 10.
  1. Foi celebrado em 8 de julho de 2010 o Acordo de Realização de Fundos Próprios, entre a J..., os Bancos Financiadores (M... e N...), e os Acionistas daquela (K..., A... [Requerente], D..., E... SGPS), nos termos do qual a Requerente e a K..., que se tornou acionista da J... em 5 de abril de 2010, como referido no ponto anterior, assumiram a obrigação, em nome de todos os acionistas, de realizar os suprimentos e prestações acessórias acordados para o projeto até ao limite de € 2.025.000,00. Dando cumprimento ao estipulado, foram realizadas prestações acessórias e suprimentos no valor de € 1.116.151,00 no ano de 2010 – cf. RIT, Anexo 7.
  2. Na declaração anual de informação contabilística e fiscal respeitante ao exercício de 2009 da Requerente não consta qualquer referência à existência de operações entre a D..., a E... SGPS e a Requerente apesar desta ser detida em partes iguais (de 50%) por cada uma daquelas entidades – cf. RIT.  
  3. A A..., aqui Requerente, passou a partir de 22 de junho de 2012 a designar-se por A..., S.A. (anteriormente C..., S.A.) – cf. RIT.
  4. A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa aos exercícios de 2009 e 2010, iniciada em 6 de dezembro de 2012, com base na Ordem de Serviço n.º OI..., para aferir o grau de cumprimento das obrigações fiscais em IRC. A ação inspetiva, inicialmente de âmbito parcial, foi alargada ao IVA e teve duas ampliações de prazo, ao abrigo do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”) – cf. RIT.
  5. Nesse contexto, foi a Requerente notificada do Projeto de Conclusões para, querendo, exercer o direito de audição, pelo ofício n.º..., de 9 de outubro de 2009, não tendo exercido tal faculdade, pelo que este se convolou em definitivo – cf. RIT e PA.
  6. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária com as seguintes propostas de correções à matéria coletável de IRC, no exercício de 2009:
  1. Acréscimo à matéria tributável decorrente da alegada violação do princípio de plena concorrência, no valor de € 940.500,00;
  2. Acréscimo à matéria tributável decorrente do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, no valor de € 1.640,01;
  3. Não aceitação de encargos deduzidos fiscalmente, no montante de € 1.596,22;
  4. Acréscimo decorrente do não reinvestimento de mais-valias fiscais, no montante de € 167.500,50 – cf. RIT.
  1. A Requerente conformou-se com as correções referidas em b), c) e d) do ponto anterior, discordando, porém, da alínea a), no montante de € 940.500,00, que resultou da análise da operação de alienação pelo valor nominal, em 29 de dezembro de 2009, das ações que a Requerente detinha na J... (19% do capital), a favor das sociedades D... e E... SGPS, com fundamento no regime de preços de transferência constante do artigo 63.º do Código do IRC, por a AT ter considerado que o princípio de plena concorrência não foi respeitado pela Requerente – cf. RIT e teor do ppa e da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico constantes do PA.
  2. Retiram-se do RIT os seguintes excertos relevantes da fundamentação da referida correção:

III-1.2 DESCRIÇÃO DAS RELAÇÕES ESPECIAIS – ENQUADRAMENTO EM SEDE DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

III.1.2.1 – Descrição dos negócios jurídicos celebrados e sua relevância fiscal

Os negócios jurídicos celebrados que estão em causa são a venda de 19% de ações, de que a A... era titular na empresa J... S.A., ocorrida e, 29-12-2009, às sociedades D... e E..., pelo preço global de € 9.500,00.

De acordo com o contrato de compra e venda de ações a A... cedeu, pelo valor nominal: - 7,5%, correspondente a 750 ações, pelo preço de € 3.750,00, à empresa D...; - 11,5%, correspondente a 1.150 ações, pelo preço de € 5.750,00, à empresa E... .

Os motivos invocados naquele contrato foram:

  1. A J... ser uma Sociedade Veículo constituída para construir e explorar um Parque Fotovoltaico de 6 MW no ...,  ..., que deverá estar concluído até outubro de 2010;
  2. A J... realizar um investimento de cerca de 18 milhões de Euros, tendo negociado o seu financiamento em regime de «Project Finance»;
  3. Os acionistas da J... terem de aportar Fundos Próprios até ao montante de 3.000.000,00 € (três milhões de Euros);
  4. A A... ser sócia maioritária da F... e ir adquirir a totalidade do seu capital na J..., após a entrada em funcionamento do Parque Fotovoltaico;
  5. A A... ter Licenças para outros Projetos de energias renováveis, que pretende construir a curto prazo, para as quais se torna necessário aportar Fundos Próprios de valor significativo;
  6. As D... e E... pretenderem reforçar a sua posição acionista dentro da J..., comprometendo-se a aportar os Fundos Próprios que a Sociedade necessite para a concretização do Projeto.

As operações financeiras supra descritas foram praticadas com entidades com quem a A... está em situação de relações especiais, das do tipo referido na alínea a) e c) do nº 4 do artigo 63º do CIRC, ou seja:

«…4 Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

  1. Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;»

De acordo com aquele normativo, existem relações especiais entre a A... e a E... e a A... e a D... porque, tanto a E... como a D... têm o poder de exercer, diretamente, influência significativa nas decisões de gestão da A... [a E... e a D... individualmente detêm, em 2009, uma participação de 50% no capital da A... e, por outro lado, faziam parte do conselho de administração daquelas sociedades O... e B...].

Apesar de na declaração anual de informação contabilística e fiscal respeitante ao exercício de 2009, da A..., não constar qualquer referência à existência de operações com entidades relacionadas, facto é que elas existem [entre a A... e as E... e D...].

Consequentemente, o s.p. A... deveria manter organizada, conforme estipula o nº6 do artigo 63º do CIRC para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121º do CIRC, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência.

III.1.2.2 – Identificação das obrigações incumpridas pelo s.p.

Efetivamente, a A... estava dispensada, nos termos do nº6 do art.º 63º do CIRC e do nº 3 do artº13º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21.12 – uma vez que, no exercício anterior ao verificado, tinha um volume anual de vendas líquidas e outros proveitos inferior a € 3.000.000,00 – de manter organizado o processo de documentação fiscal respeitante à política adotada na determinação dos preços de transferência.

Do mesmo modo estava dispensada de manter, de forma organizada, elementos suficientes, o bastante para provar [ver nº 1 do artigo 13º da portaria]:

  1. A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas;
  2. A seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações ou séries de operações efetuadas com outras substancialmente idênticas realizadas.

Contudo, está-se perante operações financeiras efetuadas entre sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento – A..., D... e E...–, com a qual existem relações especiais e, a A..., não possui nos seus documentos de contabilidade, elementos que demonstrem e assegurem o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ocorridas em 29-12-2009 – a venda de 19% de ações, de que a A... era titular na empresa J..., S.A., às sociedades D... e E..., pelo preço global de € 9.500,00 – e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais.

Consequentemente, há incumprimento das obrigações estatuídas na lei para essa situação, designadamente o artigo 63º do CIRC e Portaria 1446-C/2001, de 21.12. […]”.

  1. Quanto ao método para determinar o preço de plena concorrência escolheram os Serviços de Inspeção Tributária, face às características das operações e à informação disponível, o Método do Preço Comparável de Mercado (“MPCM”), ao abrigo do previsto no artigo 4.º, n.º 2 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro – cf. RIT.
  2. Refere a este respeito o RIT o seguinte:

“III.1.2.4 – Descrição dos negócios ou atos de substância económica semelhantes aos efetivamente celebrados ou praticados

Nos pontos seguintes identificam-se os preços de venda das ações, em situações equivalentes, sendo que, umas foram contratadas entre entidades independentes e outras por entidades relacionadas.

E... SGPS, D... SGPS e G... vendem no total, 30% das participações no capital da J..., S.A.

No dia 05-04-2010, a empresa K... adquire 30% do capital da J..., da seguinte forma:

  • Aquisição de 14,5% das ações à empresa E...– Anexo 8;
  • Aquisição de 14,5% das ações à empresa D...– Anexo 9;
  • Aquisição de 1% das ações a G...– Anexo 10;

O negócio correspondente à venda de 30% do capital da J... foi de € 1.140.000,00, repartido conforme valores constantes do quadro seguinte:

Acionistas

n.º ações

vendidas

% do capital

Preço

por

ação

valor

nominal

 

Preço por

ação

valor venda

E... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

D... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

G...

100

1,00%

€ 5,00

€ 500,00

 

€ 700,00

€ 70.000,00

 

3.000

30,00%

 

€ 15.000,00

 

€ 380,00

€ 1.140.000,00

Ou seja,

  • A E... vendeu à K..., 14,5% das ações que detinha na J..., com um valor nominal de € 7.250,00 pelo preço de € 535.000,00 sendo que:
    • 11,5%, corresponde a 750 ações, com um valor nominal de € 3.750,00, haviam sido adquiridas à A... em 29-12-2009;
    • 3%, correspondente a 300 ações, com um valor nominal de € 1.500,00 que entraram na propriedade da E... em 31-10-2009 aquando da constituição da sociedade J... .
  • A D... vendeu à K..., 14,5% das ações que detinha na J..., com um valor nominal de € 7.250,00 pelo preço de € 535.000,00 sendo que:
    • 7,5%, corresponde a 750 ações, com um valor nominal de € 3.750,00, haviam sido adquiridas à A... em 29-12-2009;
    • 7%, correspondente a 700 ações, com um valor nominal de € 3.500,00 que entraram na propriedade da D... em 31-10-2009 aquando da constituição da sociedade J... .
  • O s.p. G... vendeu à K..., 1% das ações que detinha na J..., com um valor nominal de € 500,00 pelo preço de € 70.000,00.

Nos três contratos de compra e venda daquelas ações, consta como justificação para a valorização feita às mesmas o seguinte:

«…8º- A presente venda é feita com todos os direitos e obrigações inerentes às ações, nomeadamente o direito aos dividendos. Para valorização da participação agora adquirida, foi tido em conta que a K... SGPS, S.A. prescinde de partilhar o fee de desenvolvimento do Projeto do ..., tal como consta na ficha técnica apresentada pelo Banco, reconhecendo que o mesmo cabe, na sua totalidade, à C... S.A., pelos esforços realizados para o desenvolvimento e concretização do projeto, assim se disponibilizando para deliberar em conformidade no Conselho de Administração da J... SA..»

O «fee» de desenvolvimento referido, estará relacionado com o contrato que foi celebrado em 08-07-2010, entre as empresas A... e J..., S.A., no valor de € 1.200.000,00 cujos proveitos foram contabilizados na A... em 2010. A fatura foi liquidada pela J..., S.A. através de transferência bancária realizada em 02-08-2010.

Depreende-se do descrito naquele ponto, e [à] semelhança de outros acordos celebrados, que a K... prescinde de 30% de € 1.200.000,00, ou seja, prescinde de € 360.000,00. Por esse facto, o preço pago pelas ações em questão estão deduzidas daquela importância. Ou seja, o preço normal correspondente à aquisição dos 30% das ações adquiridas, seriam de € 1.500.000,00 [€ 1.140.000,00 + € 360.000,00]:

Acionistas

nº ações

vendidas

% do capital

Preço por

ação

valor

nominal

 

Preço por

Ação

valor venda

Ponto 8 do

contrato

Venda

Valor de venda

corrigido

Preço por ação

E... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

€ 174.000,00

709.000,00 €

€ 488,97

D... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

€ 174.000,00

709.000,00 €

€ 488,97

G...

100

1,00%

€ 5,00

€ 500,00

 

€ 700,00

€ 70.000,00

€ 12.000,00

82.000,00 €

€ 820,00

 

3.000

30,00%

 

€ 15.000,00

 

€ 76,00

€ 1.140.000,00

€ 360.000,00

1.500.000,00 €

€ 500,00

Em termos declarativos, e por força do disposto nos artigos 138º do CIRS e artigo 129º do CIRC, todas as entidades suprarreferidas estavam obrigadas a entregar, nos 30 dias subsequentes à realização das operações sobre aqueles valores mobiliários as declarações Modelo 04. Essas declarações foram entregues nas seguintes datas:

[…]

As operações com a K..., são operações entre entidades independentes pois nem a E... ou a D... ou G... exercem influência significativa nas decisões de gestão da K... nem esta exerce essa influência naquelas, atendendo à informação disponível relacionada com a estrutura acionista e os órgãos sociais assim como às diversas alíneas do disposto no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC.

Respeitam ao mesmo investimento – parque fotovoltaico do ... com uma potência de 6 MW, logo as características do ativo subjacente à operação são as mesmas assim como os riscos assumidos e o enquadramento económico.

Nesta operação existe um elevado grau de comparabilidade sendo suscetível de ser utilizada como padrão para efeitos de avaliação dos termos e condições das transações efetuadas.

[…]

“III.1.2.5 – Conclusões

 Pelos elementos anteriormente expostos, verifica-se que se encontram cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no nº3 do artigo 77º da LGT. Com efeito, está-se perante operações financeiras, efetuadas entre dois sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento, com a qual está em situação de relações especiais e onde há incumprimento das obrigações estatuídas na lei para essa situação, designadamente o artigo 63º do CIRC e Portaria 1446-C/2001, de 21.12.

Assim, a determinação da matéria coletável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar, em face do referido no nº 3 do Artigo 77º da LGT, os seguintes requisitos:

«a) Descrição das relações especiais;

b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;

c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a AT utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados suscetíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;

d) Quantificação dos respetivos efeitos.»

Efetivamente:

  1. As operações em análise estão relacionadas com a venda de 19% de ações, de que a A... era titular na empresa J..., S.A., ocorrida em 29-12-2009, às sociedades D... e E..., pelo preço global de € 9.500,00.

De acordo com o contrato de compra e venda de ações, a A... cedeu, pelo valor nominal:

  • 7,5%, correspondente a 750 ações, pelo preço de € 3.750,00, à D...;
  • 11,5%, correspondente a 1.150 ações, pelo preço de € 5.750,00, à E... .
  1. A A..., D... e E... são por isso designadas, conforme define a alínea d) do n.º3 do artigo 1º da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, «entidades relacionadas» e as operações realizadas entre elas designam-se, nos termos da alínea a) e b) do n.º3 do artigo 1º da referida Portaria, «operações vinculadas».
  2. Nas operações realizadas entre sujeitos passivos de IRC, que estejam em situações de relações especiais, de acordo com o legalmente definido no n.º1 do artigo 63º do CIRC e n.º1 do artigo 1º da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. Assim, a A... encontrava-se obrigada a cumprir este princípio da plena concorrência, nas operações efetuadas com as D... e E... .

Conforme exposto nos pontos anteriores verificou-se o incumprimento do princípio de plena concorrência, definido no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC e no nº1 do artº1º da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, pois:

A A... não demonstrou o cumprimento do princípio da plena concorrência nas operações vinculadas, realizadas no ano 2009 com as D... e E..., relativas à venda da participação social que a primeira detinha na empresa J..., S.A..

Assim, na presente ação inspetiva, foram efetuadas análises com o objetivo de verificar a paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados na venda daquelas ações.

Os elementos obtidos permitiram demonstrar que foram praticadas condições diferentes daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, pelo que é devida uma correção positiva ao lucro tributável, nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC e n.º2 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, por forma a que este não seja diferente do que seria apurado na ausência de relações especiais.

Tendo em conta que se demonstrou que entre entidades independentes a venda das ações teria sido efetuada por montantes bastantes superiores, é devido um ajustamento aos proveitos para o valor apurado nas condições de plena concorrência.

III.1.2.6 – Correções propostas

Resultou das análises efetuadas que, o melhor comparável respeita às operações de abril de 2010, realizadas entre as D..., E... e G... pois aquelas mostraram ser as mais adequadas para a valorização das operações vinculadas de dezembro de 2009 uma vez que respeitam ao mesmo investimento – parque fotovoltaico do ... 6 MW. As características do ativo subjacente à operação são as mesmas.

O mesmo não sucede se se utilizar o preço das ações praticado em operação independente que tenha por ativo subjacente o parque do ... [associado à L...]. Este parque é de 2 MW.

Como tal, para determinação do valor de mercado propõe-se utilizar o preço médio das ações, em 05-04-2010, obtido na venda à K..., de 30% do capital da J..., corrigido do «fee» de desenvolvimento, uma vez que o preço pago pelas ações em questão foi deduzido da importância correspondente àquele. Ou seja, o preço normal correspondente à aquisição dos 30% das ações adquiridas, seriam de € 1.500.000,00 [€ 1.140.000,00 + € 360.000,00], resultando um preço médio de mercado, por ação, de € 500,00:

29-12-2009                                                    05-04-2010

Acionistas

nº ações

vendidas

% do capital

Preço por

ação

valor

nominal

 

Preço por

Ação

valor venda

Ponto 8 do

contrato

Venda

Valor de venda

corrigido

Preço por ação

E... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

€ 174.000,00

709.000,00 €

€ 488,97

D... SGPS

1.450

14,50%

€ 5,00

€ 7.250,00

 

€ 368,97

€ 535.000,00

€ 174.000,00

709.000,00 €

€ 488,97

G...

100

1,00%

€ 5,00

€ 500,00

 

€ 700,00

€ 70.000,00

€ 12.000,00

82.000,00 €

€ 820,00

 

3.000

30,00%

 

€ 15.000,00

 

€ 76,00

€ 1.140.000,00

€ 360.000,00

1.500.000,00 €

€ 500,00

Cada ação, que tinha um valor nominal de €5,00, passou a valer € 500,00. Este é o preço de mercado a utilizar para efeitos de ajustamento, conforme apurado no quadro seguinte:

CÁLCULO DO VALOR DE MERCADO EM 29-12-2009, DE 19% DA PARTICIPAÇÃO DETIDA PELA A... NO

CAPITAL DA J...

ADQUIRENTES

nº ações

vendidas

% do capital

Preço por

ação

 

Valor de mercado

Valor

nominal

Valor ajustamento

 

a)

 

b)

 

c)=a) * b)

d)

e) = c) – d)

D... SGPS

750

7,50%

€ 500,00

 

€ 375.000,00

€ 3.750,00

€ 371.250,00

E... SGPS

1.150

11,50%

€ 500,00

 

€ 575.000,00

€ 5.750,00

€ 569.250,00

 

1.900

19,00%

 

 

€ 950.000,00

€ 9.500,00

€ 940.500,00

Resulta dos cálculos apresentados e nos termos do nº 8 do artigo 63º do CIRC e nº2 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, que é devida uma correção positiva ao lucro tributável de 2009 no valor de € 940.500,00.

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2013..., de 11 de novembro de 2013, a qual teve origem na referida ação inspetiva externa ao exercício de 2009, com valor a pagar de € 323.124,69, dos quais € 38.821,07 relativos a juros compensatórios (liquidação n.º 2013...) – cf. Documentos n.ºs 1 e 2 junto com o ppa.
  2. Tal liquidação resultou na respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2013..., de 13 de novembro de 2013, com a importância a pagar de € 323.124,69, e prazo limite de pagamento fixado em 13 de janeiro de 2014 – cf. Documento n.º 2 junto com o ppa.
  3. A Requerente, conformada com uma parte das correções efetuadas procedeu ao pagamento de € 35.071,12, em 18 de dezembro de 2013 – cf. Documento n.º 3 junto com o ppa.
  4. Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2014..., para cobrança da dívida referente a IRC e acrescidos – de € 285.049,40 – ao qual foi apenso o processo n.º ...2014... no valor de € 10.856,66, tendo a Requerente oferecido garantia bancária e requerido a sua suspensão em 30 de setembro de 2014 – cf. Documento n.º 13 junto com o ppa.  
  5. A Requerente tem vindo a suportar diversos encargos com a prestação de garantia bancária (comissões e imposto do selo) que, até 24 de julho de 2018, perfaziam o montante de € 33.619,30 – cf. Documento n.º 14 junto com o ppa.  
  6. Por discordar da correção, no valor de € 288.053,57 (IRC e juros compensatórios), referente a preços de transferência, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 11 de abril de 2014, contra o ato de liquidação em crise – cf. Documento n.º 7 junto com o ppa e PA.
  7. A Requerente foi notificada do Projeto de Decisão de indeferimento em 4 de setembro de 2014, tendo exercido o direito de audição – cf. Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o ppa e PA.
  8. A Reclamação Graciosa foi indeferida, por despacho de 28 de outubro de 2014 do Diretor de Finanças, notificado a 6 de novembro de 2014, não tendo acolhido os argumentos da Requerente – cf. Documento n.º 10 junto com o ppa e PA.
  9. A Requerente apresentou, em 4 de dezembro de 2014, Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, o qual foi indeferido por despacho proferido a 24 de abril de 2018, notificado à Requerente no dia 30 de abril de 2018 – cf. Documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o ppa e PA.
  10. Assim, em 27 de julho de 2018, cumprindo o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, a) e 10.º do RJAT, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

B. Factos que se consideram não provados

 

  1. Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
  2. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

C. Motivação da decisão da matéria de facto

 

  1. No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, atendendo, de igual modo, às posições assumidas pelas partes.

 

  1. O depoimento de B..., apesar de revelar conhecimento direto e pessoal dos factos relatados e de os contextualizar com elevado detalhe, não acrescentou elementos significativos, encontrando-se os factos que corroborou provados por documentos. Acresce que, apesar de ter sido indicado como testemunha, era, à data dos factos, administrador da Requerente, pelo que o Tribunal ponderou o seu interesse no resultado da demanda.  

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de Direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT.

 

IV.  Posições e Argumentos das Partes

 

A. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente começa por invocar que apesar de a D..., a E... SGPS e ela própria serem partes relacionadas, qualificação que não discute, a AT não demonstrou que o preço praticado nas operações de venda de 19% do capital social da J... àquelas entidades foi diferente do que seria usado em operação comparável realizada entre entidades não relacionadas, i.e., que tal preço não foi razoável ou de mercado, pelo que não satisfez o ónus da prova que sobre si recaía, ao abrigo do disposto no artigo 74.º da LGT, tendo-se limitado a sustentar que a Requerente não possuía “nos seus documentos de contabilidade elementos que demonstrem e assegurem o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações”.
  2. Neste âmbito, invoca diversa jurisprudência do STA no sentido de que a prova dos pressupostos constitutivos do direito às correções de preços de transferência impende sobre a AT.
  3. Por outro lado, entende a Requerente que a AT não poderia ter aplicado o Método do Preço Comparável de Mercado (“MPCM”), sem assegurar o requisito de comparabilidade das operações, que alega não se verificar no caso concreto.
  4. Argumenta a Requerente que as características económicas e financeiras das operações teriam de ter um elevado grau de comparabilidade, como previsto nos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro e das recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”), referentes à determinação do preço de plena concorrência (“Guidelines”).
  5. Concluindo que as operações não são comparáveis, atendendo a um conjunto de fatores que foram ignorados pela AT. Refere a este respeito que a AT não realizou uma análise funcional, o que remete para um processo de exame de identificação do valor económico dos bens comparáveis e obriga à análise dos compromissos contratuais assumidos. Porém, neste âmbito, não foram tidos em conta os riscos (inerentes ao financiamento do projeto), nem os compromissos contratuais assumidos pelas partes, e momento em que o foram, e que estiveram na origem da transação das participações sociais da J..., bastando isso para bloquear a comparabilidade.
  6. Por isso entende a Requerente que a AT não podia ter assumido como operações comparáveis as realizadas entre a Requerente a D... e a E... SGPS, por um lado, e as realizadas pela E... SGPS, D... e G... com a K..., por outro.
  7. Acrescenta que, atendendo à enorme disparidade das características das operações em análise, seria praticamente impossível efetuar os necessários ajustamentos tendentes à eliminação dos efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
  8. Por fim, à cautela, a Requerente considera que o preço de plena concorrência determinado pela AT está desajustado da realidade, pois aplicando o critério de produtividade do projeto (do ...), em comparação com o de ..., seria inferior, para além de que não poderia ter sido acrescido de um fee virtual de € 360.000,00, que não existiu e que deriva de um raciocínio erróneo da AT, pois a K... prescindiu deste fee em benefício da Requerente e o negócio que serve de base ao preço de plena concorrência convocado pela AT foi celebrado por outras entidades, pelo que não teve influência no preço por estas praticado. E ainda que pudesse ter influência reflexamente, por a E... SGPS e a D... serem detentoras do capital social da Requerente, ficaria por explicar o seu impacto na venda realizada por G... .
  9. Solicita a anulação total dos juros compensatórios, quer quanto à parte impugnada, quer quanto à aceite e paga, neste último caso por estes terem sido perdoados ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, dado ter procedido ao pagamento das correções de imposto aceites, no valor de € 35.071,12.

 

B. Posição da Requerida

 

  1. A Requerida mantém o entendimento de que a liquidação controvertida consubstancia uma correta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício.
  2. Começa por recordar que a Requerente está em situação de relações especiais, enquadrando-se, portanto, no regime de preços de transferência do artigo 63.º do Código do IRC.
  3. Efetuada a análise das operações pela AT ressaltaram diferenças muito significativas dos preços unitários praticados, quando comparados com operações sobre os mesmos ativos realizadas entre partes independentes, apenas 3 meses decorridos após as operações em análise.
  4. Segundo a Requerida, a explicação para as diferenças não reside em qualquer alteração relacionada com o negócio da J..., nem com circunstâncias prevalecentes no mercado, pelo que prima facie só podem ser atribuídas ao facto de as primeiras operações serem operações vinculadas.
  5. Entende a Requerida que cabe à Requerente o ónus da prova, na ausência do dossier de preços de transferência, apesar de reconhecer que esta se encontra dispensada de tal obrigação ao abrigo do artigo 13.º, n.º 3 da Portaria n.º 1446-C/2001.
  6. O Acordo de Parceria Estratégica não justifica a alienação das ações da J... à margem das regras de preços de transferência, nem sequer impõe que esta seja feita a valor nominal. Aponta também o facto de a Requerente ter reconhecido que o preço da operação vinculada, fixado em cumprimento do Acordo de Parceria em dezembro de 2008, é “forçosamente distinto de um preço definido entre entidades independentes em abril de 2010”.
  7. Sustenta a AT que a alienação das ações ao preço que veio a ser praticado na venda subsequente realizada pela D... e pela E... SGPS teria permitido à Requerente obter meios financeiros para desenvolver o projeto do ..., mal compreendendo por que razão um negócio desse tipo seria ruinoso para estas ou para outra entidade nas suas condições.
  8. As circunstâncias económicas, financeiras e contratuais específicas das operações invocadas pela Requerente inscrevem-se em compromissos assumidos no interior do grupo, em momento anterior à própria constituição da J... e têm de passar o teste do mercado. Para a realização deste teste, surge como operação de referência a alienação das ações da J... a uma entidade independente, a K..., num momento próximo à operação sob análise.
  9. A Requerente não demonstrou que, em condições normais de mercado alienaria as ações da J... pelo valor nominal e não deu nota de acontecimentos relevantes que pudessem influenciar a valorização registada na venda ulterior à K..., concluindo pela inobservância do princípio de plena concorrência enunciado no artigo 63.º, n.º 1 do Código do IRC.
  10. A Requerida conclui ainda pela validade de seleção do método e das operações comparadas, cujo objeto é idêntico ao das operações vinculadas, não fazendo por essa razão sentido qualquer análise funcional, porquanto se trata exatamente do mesmo objeto – as ações da J... .
  11. Por outro lado, quanto aos compromissos contratuais assumidos considera que os mesmos se inscrevem no quadro das relações internas do grupo, não podendo projetar-se nem influenciar a determinação dos termos e condições praticados nas operações realizadas no mercado entre entidades independentes, sob pena de esvaziarem a aplicação do princípio de plena concorrência. Relativamente ao risco, considera as incertezas a considerar são comuns a todos os investidores, precisamente por se tratar de ações da mesma entidade, pelo que não há que ponderar qualquer fator distintivo.
  12. Por fim, quanto ao erro no apuramento do preço, considera:
    1. Não ter ficado devidamente explicado se a renúncia ao fee pela K... em benefício da Requerente não foi refletida na formação do preço de venda das ações; e
    2. Que o alegado desajustamento da realidade, não foi comprovado, pois o argumento baseado na metodologia de avaliação das licenças, por comparação com ..., não tem efeito útil, dadas as diferentes capacidades de produção e localização dos projetos.
  13. Em Contra-Alegações, a Requerida mantém os argumentos aduzidos na Resposta e acrescenta que (depreende que) a Requerente pretende dizer que a AT deveria ter avaliado a sociedade J... pelos valores das demonstrações financeiras, por forma a efetuar a avaliação de ativos pelo método, por exemplo, dos cash-flows atualizados. Sobre este ponto, salienta não ter sido disponibilizada, no decurso do procedimento inspetivo, documentação relacionada com o projeto de investimento que permitisse a avaliação da entidade (J...), e, apesar de estarem em causa ações não cotadas em mercado regulamentado, reitera estarem preenchidas e justificadas as condições (de comparabilidade) para a aplicação do MPCM.
  14. A Requerida considera que, estando em causa averiguar se o preço praticado na operação em análise foi razoável ou de mercado, cabia à Requerente, em primeira linha, o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, na ausência do dossier de preços de transferência e perante a inexistência de ajustamento ao lucro tributável à luz do artigo 63.º do Código do IRC, não tendo esta demonstrado que esse preço observava o princípio de plena concorrência.

 

V.  Fundamentação. Matéria de Direito

 

A. Enquadramento Geral

 

  1. Como salientado na Decisão Arbitral n.º 336/2018-T, o regime dos preços de transferência enquadra-se na área das normas tributárias anti-abuso. “Trata-se de evitar que o credor de imposto fique refém de ponderações que podem fazer sentido nas relações internas entre empresas interdependentes, mas que têm o efeito externo indesejado de atentarem contra o princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas.
  2. No entanto, não é necessário apurar-se um intuito evasivo ou fraudatório: basta reconhecer-se que na formação de um determinado facto tributário intervieram ponderações e equilíbrios que não teriam tido relevância num contexto aberto de mercado; e que, portanto, esse facto foi distorcido relativamente à «normalidade»”.
  3. Na situação em apreço não vem controvertido que a operação que gerou o ajustamento à matéria tributável da Requerente por parte da AT teve como intervenientes entidades em situação de relações especiais, de acordo com os critérios definidos no artigo 63.º, n.º 3 do Código do IRC, pois quer a D..., quer a E... SGPS – a quem a Requerente alienou participações sociais da J...– são detentoras de uma participação social (direta) de 50% na Requerente.
  4. Tal operação é assim abrangida pela previsão do artigo 63.º, n.º 1 do Código do IRC, que consagra o princípio de plena concorrência ou “arm’s length” e pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, na sequência das orientações ou Guidelines que têm sido adotadas pela OCDE, no âmbito das relações entre empresas multinacionais com operações plurilocalizadas que, há longa data, suscitam problemas de repartição de competências tributárias dos Estados e de erosão das respetivas bases tributáveis[2].
  5. A própria Portaria aconselha a consulta dos Relatórios produzidos pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, sob a designação “OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”, cuja adoção é objeto de recomendações aprovadas pelo Conselho da OCDE (soft law). Estas orientações constituem um importante parâmetro interpretativo para a adequada apreensão e aplicação da disciplina dos preços de transferência[3].
  6. A consagração legal do “arm´s length principle” tal como é formulado pela OCDE visa colocar empresas relacionadas e empresas independentes em igualdade de circunstâncias para efeitos fiscais, servir como princípio geral de igualdade e neutralidade, evitar distorções de concorrência e promover a troca internacional e o investimento, afastando razões fiscais de decisões económicas[4].
  7. Daí que a lei estabeleça uma disposição específica anti-abuso para as situações em que, havendo relações especiais entre contribuintes, as operações por eles realizadas não respeitem as condições de mercado, provocando aumentos ou reduções “anómalas” da matéria coletável – determinando que em tais casos a AT possa proceder à correção do preço para o seu valor “justo”, no sentido de valor objetivamente adequado às condições de mercado com as quais “normalmente” se determina a matéria coletável (artigos 77.°, n.º 3 da LGT e 63.º do Código do IRC)[5].
  8. Em traços gerais, o regime português segue as Guidelines da OCDE e pressupõe o preenchimento cumulativo de três requisitos: i) que existam relações especiais entre o contribuinte e uma outra entidade, sujeita ou não ao regime de IRC; ii) que em virtude dessas relações sejam estabelecidas condições substancialmente diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes; iii) que essas condições tenham conduzido ao apuramento de uma base tributária distinta da que seria apurada na ausência de tais relações.
  9. Uma vez que se conclua pela verificação dos referidos pressupostos, importa determinar o preço de plena concorrência, de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo direito interno, que postula a comparabilidade das transações utilizadas como referencial (ou termo) de comparação com as operações efetuadas pelas entidades relacionadas. É fundamental que a realidade comparada e a comparável comunguem de idênticas propriedades ou “fatores de comparabilidade”, ou no caso de essa comparabilidade ser parcial, que seja viável realizar os ajustamentos necessários em ordem a assegurá-la.
  10. Neste âmbito, compulsa-se o artigo 63.º do Código do IRC, na redação aplicável em 2009 (anterior à dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), que dispõe o seguinte:

Artigo 63.º

Preços de transferência

 1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 – Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 – Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

  1. Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

[…]

13 – A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.”

  1. A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro veio regulamentar o regime dos preços de transferência, na sequência da habilitação legal e, em observância do princípio de plena concorrência, detalhar os critérios de determinação dos métodos adequados ao apuramento do “preço de mercado” e os fatores de comparabilidade.
  2. Estabelece a Portaria de Regulamentação, com relevo para a situação sub iudice:

“Artigo 4.º

Determinação do método mais apropriado

1 – O sujeito passivo deve adotar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 – Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 – Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 – Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 – Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.”

Artigo 5.º

Fatores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes fatores:

  1. As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objeto de cada operação, são suscetíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de proteção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
  2. As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos;
  3. Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
  4. As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respetivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;
  5. A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspetos suscetíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da atividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
  6. Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 – A adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

[…]

Artigo 13.º

Processo de documentação fiscal

1 – O sujeito passivo deve dispor, nos termos do n.º 6 do artigo 58.º do Código do IRC, de informação e documentação respeitantes à política adotada na determinação dos preços de transferência e manter, de forma organizada, elementos aptos a provar:

[…]

3 — Fica dispensado do cumprimento do disposto no n.º 1 o sujeito passivo que, no exercício anterior, tenha atingido um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos inferior a € 3 000 000.”

  1. É este enquadramento que importa aplicar ao caso concreto, complementado pelas Guidelines da OCDE.
  2. É que, como acima se assinalou, no caso de entidades associadas, as condicionantes externas do mercado podem com facilidade ser distorcidas pela influência de outros vetores, como as relações comerciais e financeiras entre essas entidades. Dadas as relações especiais entre os intervenientes, a formação do preço pode não espelhar a verdadeira capacidade contributiva das empresas – o próprio alicerce de legitimação da tributação das empresas (artigo 4.º, n.º 1 da LGT, artigo 104.º, n.º 2 da Constituição).
  3. Para prevenir a desigualdade, a disciplina legal impõe a adoção de mecanismos de correção dos valores das operações vinculadas em ordem à sua equiparação quantitativa a operações não vinculadas que sejam comparáveis.

 

B. Análise Concreta: Repartição do Ónus da Prova

 

  1. A primeira questão que importa examinar prende-se com a alegação da Requerente de que a AT não demonstrou que foram praticados termos e condições diferentes do que seriam usados entre entidades independentes, entendendo que tal ónus recaía sobre a AT que não o satisfez.
  2. Em sentido oposto, a Requerida preconiza que, estando em causa averiguar se o preço da operação foi de mercado, cabia à Requerente, em primeira linha o ónus da prova, na ausência do dossier de preços de transferência e perante a inexistência de ajustamento ao lucro tributável à luz do artigo 63.º do Código do IRC. Invoca para este efeito o artigo 74.º, n.º 1 da LGT e conclui que a Requerente não logrou demonstrar que o preço das operações vinculadas respeitava o princípio de plena concorrência.
  3. Constitui jurisprudência consolidada que é à AT que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, de que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável – cf. Acórdãos do STA de 14 de maio de 2015, n.º 833/13; de 11 de março de 2015, n.º 145/14; de 1 de junho de 2005, n.º 228/05; de 12 de março de 2003, n.º 1508; e de 21 de janeiro de 2003, n.º 21240. Naturalmente, com a ressalva de que não estamos perante uma ciência exata, pelo que os aspetos quantitativos são alcançados de forma aproximativa, dentro de intervalos de razoabilidade.
  4. Assim, a regra de distribuição do ónus probatório é aquela que foi enunciada pela Requerente. Porém, isto não significa que a Requerida não logrou evidenciar (cumprindo o ónus que lhe cabia) que o preço praticado nas operações vinculadas não era de plena concorrência.
  5. Na verdade, conclui-se que o facto de, poucos meses depois da ocorrência das operações vinculadas relativas à alienação das ações da J... entre a Requerente, na qualidade de transmitente, e a E... SGPS e D..., como adquirentes, pelo valor nominal, se terem verificado outras operações de alienação do mesmo ativo [participações sociais da J...], entre partes independentes, por valores substancialmente superiores, num caso 140 vezes o valor nominal (ações vendidas por G...) e noutro quase 74 vezes o valor nominal (ações vendidas pela E... SGPS e pela D...), sendo adquirente a entidade não relacionada K..., patenteia que o preço substancialmente mais reduzido praticado nas primeiras operações se ficou a dever a relações especiais entre a Requerente e as entidades que detinham a totalidade do seu capital social (as mencionadas E... SGPS e D...).
  6. As diferenças de preços identificadas não foram explicadas com qualquer alteração relacionada com o negócio da J... nem com circunstâncias prevalecentes no mercado, circunstâncias que não foram alegadas, nem identificadas.
  7. Afigura-se, pois, que a AT demonstrou o primeiro pressuposto do ajustamento de preços de transferência que é o de que o preço praticado nas transações vinculadas não era de plena concorrência. 

 

C. Análise Concreta: Determinação do Valor de Mercado – Falta de Comparabilidade

 

  1. Não obstante o referido, o ónus da prova que recai sobre a AT compreende também os “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, além de descrever e quantificar o montante efetivo que serviu de base à correção” – cf., por todos, Acórdão do STA supra citado, de 11 de março de 2015, n.º 145/14.
  2. Para este efeito, a lei impõe a adoção de um método de determinação do respetivo preço (de mercado) suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações, e estabelece que os sujeitos passivos devem seguir um de três métodos (o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado), ou, na sua impossibilidade ou insuficiência, outros métodos (nomeadamente o método do fracionamento do lucro ou o método da margem líquida da operação, conforme preceitua o artigo 63.º, n.º 3, a) e b) do Código do IRC).
  3. Quanto à comparabilidade, estabelece o artigo 4.º, n.º 3 da Portaria nº 1446-C/2001, acima transcrito que as “operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”
  4. É o que sucede designadamente com as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos; os termos e condições contratuais, as circunstâncias económicas das entidades e a estratégia das empresas (estes e outros fatores de comparabilidade são enunciados pelo artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001).
  5. Considerações estas que advêm dos princípios estabelecidos no seio da OCDE, referindo-se no parágrafo § 1.33 das Guidelines: “Application of the arm’s length principle is generally based on a comparison of the conditions in a controlled transaction with the conditions in transactions between independent enterprises. In order for such comparisons to be useful, the economically relevant characteristics of the situations being compared must be sufficiently comparable. To be comparable means that none of the differences (if any) between the situations being compared could materially affect the condition being examined in the methodology (e.g. price or margin), or that reasonably accurate adjustments can be made to eliminate the effect of any such differences.”
  6. Aliás, o artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 limita-se a reproduzir os cinco factores que, de acordo com os parágrafos § 1.36 e seguintes das Guidelines da OCDE, podem determinar a comparabilidade dos preços (ou das margens) das operações: “Attributes or «comparability factors» that may be importante when determining comparability include the characteristics of the property or services transferred, the functions performed by the parties (taking into account assets used and risks assumed), the contractual terms, the economic circumstances of the parties, and the business strategies pursued by the parties.”
  7. Assim, todas as características que sejam suscetíveis de afetar o preço têm de ser semelhantes. No caso concreto, apesar de estarmos perante a venda do mesmo ativo [ações da J...] os compromissos contratuais assumidos entre as partes que estiveram na origem das operações vinculadas e o risco financeiro previamente assumido – objeto de comparação – não são despiciendos na definição do valor económico pelo qual as participações foram transmitidas. Circunstâncias que não estão presentes, pelo menos da mesma forma, nas transações não vinculadas que serviram de referencial à AT.
  8. É certo que não resulta do Acordo de Parceria Estratégica celebrado em dezembro de 2008 e que subjaz à criação da sociedade veículo J..., que as ações desta tivessem de ser forçosamente (como diz a Requerente) transacionadas intra-grupo pelo valor nominal, referindo a cláusula quarta “pelo respetivo valor nominal ou por preço e condições que melhor entenderem”. Aliás, mesmo que assim fosse, tal facto não ditaria o afastamento do regime de preços de transferência, que obviamente se aplica independentemente do que as partes relacionadas acordem quanto aos preços a praticar.
  9. No entanto, não é indiferente que a Requerente tenha subscrito o capital daquela entidade (J...) e financiado o desenvolvimento do projeto do Parque Fotovoltaico do ..., na parte em que este reclamava fundos próprios (não financiados pela Banca), com recurso praticamente exclusivo aos meios financeiros (de milhões de euros) disponibilizados pela E... SGPS e pela D..., conforme ficou vertido no Acordo Parassocial celebrado em 31 de outubro de 2009. O risco financeiro do projeto estava, pois, do lado destas duas entidades e não da Requerente, apesar desta ser a detentora formal da participação social.
  10. Se o financiamento do projeto da sociedade veículo J..., por banda da Requerente, estava a cargo das suas duas acionistas, desonerando-a de utilizar os seus fundos próprios, não se pode pretender que o preço de alienação das participações nestas circunstâncias (às suas acionistas) seria idêntico ao exigível a uma entidade na ausência de tais obrigações.
  11. Interessa recordar que o valor das participações sociais da J... dependia da viabilidade do projeto do ..., cujo desenvolvimento e operacionalização requeria avultado investimento financeiro, sem o qual não seria concretizável. Assumir o compromisso de assegurar o financiamento desse empreendimento e materializá-lo constitui uma circunstância (característica económica e financeira específica) de enorme relevância que não pode deixar de ser tida em conta na fixação de um preço de mercado “comparável”.
  12. Não colhe, neste âmbito, a posição da Requerida no sentido de que os compromissos assumidos no quadro de relações internas do grupo não podem projetar-se nem influenciar a determinação do pricing das operações realizadas no mercado entre entidades independentes. Efetivamente, determina a lei e as Guidelines da OCDE que os termos de comparação – operações vinculadas e não vinculadas – têm de possuir propriedades similares que garantam essa comparabilidade, pelo que não podem, por definição, ignorar-se os fatores relevantes (i.e., que possam influir na formação do preço) relativos a um dos termos comparados.
  13. Quanto à metodologia a adotar pelos sujeitos passivos para se assegurar essa comparabilidade, esclarece a Portaria nº 1446-C/2001, no seu artigo 4.º, n.º 2, que se considera “como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.”
  14. A opção, no caso vertente, pelo “método do preço comparável de mercado (MPCM) significa que a AT entendeu preenchido o requisito do “grau mais elevado de comparabilidade”, através da identificação de uma das situações que o aconselham: “Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares” (artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, a) da Portaria nº 1446-C/2001).
  15. Todavia, este entendimento da AT desconsidera os acima referidos fatores de comparabilidade, respeitantes aos compromissos contratuais assumidos pela E... SGPS e D... e à desoneração do risco financeiro associado à subscrição e detenção da participação social da J... por parte da Requerente. Afigura-se que efetivamente tais operações não são comparáveis, contextualizadas as condições em que foram realizadas, àquelas em que a E... SGPS, a D... e G... alienaram participações da J... a um terceiro independente, a K... .
  16. Desde logo, a disparidade de preços usada como referencial pela AT, põe em causa a adequação do próprio comparável (o preço “unitário” praticado por G... foi, no mesmo dia, consideravelmente superior). Importa não esquecer que a operação em causa é de transmissão de participações sociais e que a aplicação de um método desta natureza (MPCM) seria normalmente recomendada se existissem cotações em mercado regulamentado o que não é o caso.
  17. Por outro lado, não é pertinente que, nesta fase, a AT venha justificar que não utilizou um método que passasse pela avaliação do ativo (J...), nomeadamente com base nos cash-flows atualizados, por não lhe ter sido disponibilizada documentação relacionada com o projeto de investimento. Não existe qualquer indício de que tal documentação tenha sido solicitada ao sujeito passivo e que este tenha recusado a sua apresentação, nem é admissível fundamentação a posteriori.
  18. Convém ainda assinalar que apesar da alienação das participações sociais da J..., a Requerente manteve o direito a auferir desta um fee considerável, de € 1.200.000,00, cujo rendimento contabilizou em 2010, como remuneração pelo desenvolvimento do projeto da J... .
  19. Acresce que, atenta a dispensa legalmente prevista, não pode considerar-se que tenha sido violado ou incumprido o dever de colaboração que justifique uma inversão do ónus probatório.
  20. Cabia, deste modo, à Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus de demonstrar o preço de mercado, para efeitos de quantificação do ajustamento à matéria tributável da Requerente. O que não fez, aplicando um método (MPCM) desadequado ao tipo de transação (respeitante à venda de partes de capital sem cotação em mercado regulamentado), dado que o mesmo não permitia alcançar um elevado grau de comparabilidade das operações, cujas características não são suficientemente similares (afastando essa comparabilidade), em virtude de fatores da operação comparada – riscos suportados e condições contratuais previamente acordadas – que não se verificam na operação comparável e que não foram atendidos e ponderados pela AT.

 

D. Juros Compensatórios

 

  1. Dispõe o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
  2. Ora, na situação vertente, concluiu-se que a correção de preços de transferência impugnada é inválida por vício de violação de lei por erro nos pressupostos gerador de anulabilidade. Assim, não se verifica o pressuposto constitutivo de qualquer obrigação de juros compensatórios, pois não foi retardada a liquidação de imposto (IRC) que fosse devido.
  3. Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios correspondentes à referida correção deve ser anulada por vício de violação de lei.
  4. Quanto aos juros compensatórios derivados de outros ajustamentos à matéria tributável de IRC da Requerente que foram aceites e não impugnados, tais juros já foram, conforme salienta a Requerente, perdoados ao abrigo do RERD, não cabendo sobre os mesmos, por esse facto, qualquer pronúncia deste Tribunal, nem os mesmos respeitam à correção que constitui objeto do presente litígio.

 

E. Indemnização por Prestação de Garantia

 

  1. A Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, uma vez que prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia de IRC e juros compensatórios que lhe foi liquidada adicionalmente, para o que invoca o artigo 53.º da LGT. 
  2. Dispõe o artigo 171.º do CPPT, relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida que a “indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” (n.º 1) e que a “indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência” (n.º 2).
  3. É inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
  4. O processo arbitral constitui um meio alternativo da impugnação judicial, pelo que sendo essa a via contenciosa escolhida pelo sujeito passivo é nesse processo que é discutida a legalidade da dívida exequenda. Deste modo, como resulta de uma leitura material do teor do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, deve também ser o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
  5. Constitui jurisprudência consolidada dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD que, relativamente aos atos tributários que dela sejam objeto, a ação arbitral é o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cf., por todas, as decisões arbitrais proferidas em 4 de novembro de 2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18 de maio de 2016, no processo n.º 695/2015-T, em 2 de janeiro de 2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28 de junho de 2017, no processo n.º 508/2016).
  6. O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

  1. A propósito desta norma, foi vertido o seguinte no acórdão do STA, de 21 de novembro de 2007, processo n.º 633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.
  2. Destarte, ocorrendo erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada por aquele ato tributário, assiste à Requerente o direito a ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia.
  3. Convém relembrar que os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios aqui impugnados foram da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído para que eles fossem praticados.
  4. Por outro lado, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo executivo instaurado e que, relativamente à mesma, suportou encargos que, até 24 de julho de 2018, perfaziam o montante de € 33.619,30.
  5. Nesta conformidade, a prestação da referida garantia bancária por parte da Requerente é julgada indevida e, consequentemente, há que considerar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por prestação da mesma, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT.

 

F. Conclusão

 

  1. À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IRC supra identificado, referente ao exercício de 2009, na parte impugnada, relativa a correções de preços de transferência, e a liquidação de juros compensatórios correspondentes, são anuláveis por vício de violação de lei, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
  2. Na aplicação do mecanismo de correção do valor da operação vinculada, a quantificação levada a efeito pela AT desconsiderou fatores de comparabilidade relevantes e assentou em operações não comparáveis, em violação do disposto no artigo 63.º, n.º 2 do Código do IRC e dos artigos 4.º a 6.º da respetiva Portaria de regulamentação.
  3. Ilegal é também o indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico sucessivamente deduzidos contra o mencionado ato tributário (na parte relativa a preços de transferência) e que o confirmaram. 

 

* * *

 

  1. Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente as relativas a erros no apuramento do valor de mercado.

 

VI.  Decisão

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

  1. Julgar improcedente a questão prévia de intempestividade da ação suscitada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular parcialmente o ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., em relação às correções de preços de transferência incluindo os juros compensatórios correspondentes (liquidação n.º 2013...), relativos ao exercício de 2009, implicando a anulação das decisões dos atos de segundo grau que nessa parte os confirmaram;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária, a liquidar em execução do presente acórdão, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT; 
  4. Condenar a Requerida nas custas processuais,

 

tudo com as legais consequências.

 

VII.  Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 288.053,57, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VIII.  Custas

 

Custas a cargo da Requerida, dado que o presente pedido foi julgado procedente, no montante de € 5.202,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 19 de julho de 2019

 

Os Árbitros

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Gonçalo Cid Peixeiro

 

 

 

José Coutinho Pires

 

 

 



[1] É, para este efeito, irrelevante que o ato de segundo grau seja a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico, pois em ambos os casos o seu objeto é o ato de liquidação cuja invalidação se pretende.

[2] O princípio de plena concorrência consta do artigo 9.º, n.º do Modelo de Convenção da OCDE destinado a eliminar a dupla tributação internacional nos impostos sobre o rendimento e foi transposto pelo artigo 63.º do Código do IRC. Para além das situações transfronteiriças visadas pelo Modelo de Convenção, o IRC acolhe tal princípio também com aplicabilidade às situações e operações puramente internas em que todos os intervenientes e critérios de conexão relevantes se situam em Portugal.

[3] Uma vez que a liquidação de IRC vertente respeita ao exercício de 2009, as remissões são feitas para a versão das Guidelines de 1984.

[4] Todavia, desde a publicação do Base Erosion and Profit Shifting Project (“BEPS”) que a OCDE veio, pela primeira vez, a admitir que o atual sistema de preços de transferência, assente no princípio do preço pleno de concorrência, é insuficiente na resposta a vários problemas de abuso e erosão fiscal.

[5] Não se trata, no regime de preços de transferência, da aplicação de métodos indiretos (artigos 87.º e seguintes da LGT), pois não se visa a “determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha” (artigo 83.°, n.º 2 da LGT).