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DECISÃO ARBITRAL
RELATÓRIO
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A..., pessoa coletiva número ..., com sede na ..., ...-... ... (doravante, o “Requerente” ou “Município”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... e, consequentemente, o reconhecimento do crédito de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, “IVA”) no montante de €18.955,46.
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No dia 14 de maio de 2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de julho de 2018.
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Atendendo a que, no caso em apreço, não se verificavam as razões que tornam útil a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, foi dispensada a realização da reunião no dia 29 de outubro de 2018.
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O Requerente invoca, em síntese, que:
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É uma pessoa coletiva de direito público local, que prossegue as suas atribuições municipais, quer no âmbito dos seus poderes de autoridade, quer no âmbito de operações que não se enquadram no âmbito dos seus poderes de autoridade.
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Neste contexto, realiza operações tributadas, bem como operações isentas de IVA.
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No ano de 2014 deduziu o IVA suportado na aquisição de determinados recursos diretamente relacionados com a distribuição de águas aos munícipes com base na aplicação do método da afetação real.
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Na sequência de uma revisão interna de procedimentos ao ano de 2014, e atendendo ao disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA, constatou que limitou indevidamente o seu direito à dedução e, por isso, tinha direito a ser reembolsado do imposto entregue.
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Verificou, ainda, que havia limitado indevidamente o seu direito à dedução de IVA incorrido em determinados recursos afetos integralmente à realização de operações tributadas, tendo apurado um IVA a deduzir adicionalmente pelo método da afetação real de €4.003,70.
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Ao abrigo dos artigos 22.º e 98.º do Código do IVA, realizou, em 2016, a dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços relacionados com os recursos “comuns”, bem como na aquisição de bens e serviços diretamente afetos a operações tributadas.
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No dia 4 de outubro de 2016, submeteu uma declaração periódica de substituição respeitante ao 4.º trimestre de 2014, tendo apurado um crédito de IVA no valor de €18.955,46.
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A fim de confirmar o valor do crédito contactou, quer pelo e-balcão, quer por telefone, a AT, que esclareceu que o crédito não seria disponibilizado na sua conta corrente uma vez que a declaração de substituição respeitava a um período objeto de inspeção tributária.
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A ação inspetiva abrangeu os anos de 2011 a 2015 e dela resultou um reembolso de IVA no montante de €130.000,00. No âmbito da referida ação foram apuradas correções no valor de €95.484,08.
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Sem prejuízo de ter aceitado a generalidade das correções efetuadas no âmbito da referida ação inspetiva, apresentou, no dia 11 de maio de 2016, reclamação graciosa contra as correções efetuadas pela Requerida relativas aos autoconsumos de água do Município.
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Daí resultaram liquidações adicionais de IVA no valor de €25.601,35.
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No dia 31 de janeiro de 2017, apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de ... a pedir esclarecimentos quanto ao valor do crédito existente a seu favor e como poderia o valor em causa ser utilizado como compensação de pagamentos futuros.
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A Requerida convolou o requerimento em reclamação graciosa, tendo comunicado o indeferimento da sua pretensão no dia 12 de março de 2018.
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Relativamente ao não reconhecimento do crédito de IVA pela AT, essa circunstância está relacionada com o prazo e o momento em que o Município exerceu o seu direito à dedução, entendendo, contudo, que a recuperação do IVA suportado em excesso foi efetuada dentro do prazo legal e nos termos do disposto nos artigos 20.º a 23.º do Código do IVA.
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O incumprimento pela AT do dever de fundamentação das decisões em matéria tributária que afetem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conforme estatuído nos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), 77.º da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”) e 125.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) na medida em que da falta de fundamentação resulta obscuridade, contradição e insuficiência quanto à motivação do ato praticado.
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Através da fundamentação deve ser revelado o iter cognoscitivo que levou à prática daquele ato, tomando o contribuinte conhecimento das razões de facto e de direito que lhe subjazem. Contudo, na sua decisão, a AT limitou-se a transcrever a norma do artigo 23.º do Código do IVA e a concluir que “deixa de ser leg[í]timo o pedido da reclamante, de ver reconhecido o crédito de IVA (…) apurado no âmbito da entrega da DP de substituição relativa ao quarto trimestre de 2014, uma vez que a mesma se refere a uma alteração do método adotado para a dedução do imposto nos bens de utilização mista e não apenas uma correção decorrente do cálculo provisório efetuado nos termos do artigo 23.º do CIVA.”.
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Compreende o porquê de não ser aplicável ao caso concreto o artigo 23.º do Código do IVA, mas considera que fica por esclarecer o porquê de não ser autorizada a alteração do método de dedução e qual a base legal para sustentar essa posição.
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Quanto ao momento e ao prazo para o exercício do direito à dedução, cumpriu a lei defendendo ainda que a interpretação da AT não assenta em qualquer base legal.
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No acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) n.º 489/2017-T, de 1 de fevereiro de 2018, em tudo semelhante ao presente caso, o tribunal pronunciou-se no sentido de que “erros na dedução do IVA não constituem erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de enquadramento ou erros de direito e, nessa medida, não lhes é aplicável o regime vertido no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. Consequentemente, atenta a inaplicabilidade daquela norma ou de qualquer outra disposição especial, no caso de erro de direito na dedução do IVA deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos contados do nascimento do direito à dedução, constante do artigo 98.º do Código do IVA”.
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O entendimento da AT condena à inexistência de qualquer efeito prático a entrega de declarações de substituição dos sujeitos passivos.
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A lei prevê a possibilidade de os sujeitos passivos recuperarem o imposto suportado através dos métodos de dedução expressamente disciplinados na lei e dentro dos prazos estabelecidos.
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Quanto ao momento do exercício do direito à dedução, os artigos 23.º e 24.º do Código do IVA determinam o momento de regularização do IVA e não a sua dedução.
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O caso em análise não trata de uma situação de regularização de imposto resultante do cálculo da percentagem de dedução definitiva, mas de uma dedução de IVA não realizada no momento do registo da fatura que suporta esse direito.
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O artigo 22.º, n.º 2 do Código do IVA determina que “a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou do período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas (…)”.
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Do preceito resulta que o sujeito passivo pode deduzir o IVA no período de receção das faturas e em períodos posteriores.
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Os sujeitos passivos podem, assim, deduzir o IVA incorrido em momento posterior ao da receção e contabilização das faturas.
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O momento para exercer o direito à dedução tem como limite o prazo de caducidade do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, ou seja, um prazo de 4 anos.
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O artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA abrange situações em que o sujeito passivo não deduziu o imposto no momento em que este se tornou exigível e as situações em que o sujeito passivo exerceu o seu direito à dedução de forma incompleta e que, posteriormente, o corrige ou modifica.
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Exerceu o direito à dedução no prazo de 2 anos, portanto, dentro do prazo de 4 anos previsto na lei.
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Contrariamente ao sustentado pela AT na decisão de indeferimento, não exerceu a opção de não deduzir o IVA suportado, simplesmente não o fez porque incorreu em erro na qualificação das operações realizadas.
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Se um sujeito passivo comete um erro de direito tem de ter legitimidade para o corrigir.
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Uma situação em que não fosse possível corrigir erros de direito seria desconforme com o princípio da neutralidade fiscal.
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O artigo 23.º do Código do IVA determina que os sujeitos passivos mistos têm de optar pelo método segundo o qual vão efetuar a dedução do IVA incorrido, ou seja, afetação real ou pro rata.
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Contudo, a lei não nega o direito de rever a opção quanto ao método em relação a cada custo.
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Tem o direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, pois entende que ocorreu erro imputável aos serviços.
Ainda, em sede de alegações, o Requerente – em resposta ao invocado pela AT – veio esclarecer que:
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Não solicita a este Tribunal que se pronuncie sobre a falta de fundamentação apresentada pela AT em sede de reclamação graciosa;
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O pedido formulado na petição inicial foi a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na qual se analisou a declaração de IVA referente ao período 2014/12T e não o reconhecimento de um direito, tratando-se o crédito, por parte da AT, de um efeito que se encontra numa relação de prejudicialidade, surgindo como consequência dessa declaração de ilegalidade. Ou seja, o “reconhecimento de um direito” surge como uma consequência e não como objeto do pedido em análise.
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Por outro lado, a AT sustenta que:
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O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público que realiza, no âmbito das suas atribuições, operações sujeitas, não sujeitas e isentas a IVA.
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Na sequência de ação inspetiva ao exercício de 2014 (procedimento inspetivo n.º OI2015...), resultaram correções ao IVA no montante de €39.614,44.
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Durante a ação inspetiva, o Requerente informou que havia adotado o método de dedução da afetação real, tendo deduzido a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos ao sector de captação e de distribuição de água.
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Em 12 de fevereiro de 2016, o Requerente apresentou uma declaração de alterações na qual indicou ser sujeito passivo misto com afetação real de parte dos bens, bem como um pro rata de 30%.
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Em 4 de outubro de 2016, o Requerente apresentou uma declaração periódica de substituição, na qual apurou um crédito de IVA de €15.539,23, porque entendeu, na sequência de uma alteração interna de procedimentos em sede de IVA, que a dedução do imposto foi inferior à que tinha direito.
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Com efeito, o sujeito passivo registou os documentos de custos relacionados com a atividade desenvolvida e procedeu ao seu enquadramento para efeitos de IVA, deduzindo o imposto a que entendeu ter direito.
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No entanto, esse procedimento havia sido verificado e corrigido em sede inspetiva, em dezembro de 2015.
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Dado que da declaração periódica de substituição resultava uma situação mais favorável ao Requerente do que aquela que havia sido corrigida através da ação inspetiva, a declaração apresentada foi convolada em reclamação graciosa que foi analisada pela Direção de Finanças de ... .
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Na reclamação graciosa, o Requerente invocava que havia procedido a alterações no cálculo do imposto dedutível relativo a inputs de utilização mista, passando a implementar o critério de dedução do pro rata.
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Em março de 2018, a Direção de Finanças de ... notificou o Requerente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, fundamentando a sua decisão no seguinte: “(…) A reclamante definiu como critério a utilizar o método da afetação real de todos os bens que lhe permite deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, mediante imputação a cada setor de atividade, passando neste caso a poder deduzir apenas o imposto suportado na aquisição de bens e serviços utilizados para a prática das atividades que conferem direito à dedução, conforme declarado na DP entregue em 2015-02-16.
IV.6. Desta forma, deixa de ser legítimo o pedido da reclamante, de ver reconhecido o crédito de IVA no valor de €18.955,46, apurado no âmbito da entrega da DP de substituição relativa ao quarto trimestre de 2014, uma vez que a mesma se refere a uma alteração do método adotado para a dedução do imposto nos bens de utilização mista e não apenas uma correção decorrente do cálculo provisório efetuado nos termos do art.º 23.º do CIVA. (…)
(…) procedeu à dedução do IVA no momento do registo das faturas que suportam aquele direito, de acordo com uma opção sua efetuada nos termos previstos na lei. Assim sendo, parece-nos estar perante uma situação de reclamação da autoliquidação, que resulta de um pedido de alteração do método adotado para a dedução do imposto nos bens de utilização mista efetuada em 2016-02-12 através de entrega de declaração de alteração de atividade, submetida via portal das finanças. (…) Tendo a reclamante entregue a declaração de alteração de atividade apenas em 2016-02-12, apenas poderá deduzir o IVA de acordo com o requerido através da presente reclamação a partir do exercício de 2016.”.
A AT defende ainda:
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A incompetência material e parcial do Tribunal Arbitral visto que este não tem competência para apreciar da pretensa falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pois essa matéria extravasa as suas competências.
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A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
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A pretensa falta de fundamentação invocada pelo Requerente redunda num vício próprio da reclamação graciosa e não num vício de primeiro grau.
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À luz do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT encontra-se excluída da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de questões relativas a vícios próprios de atos de segundo grau ou de terceiro grau sob pena de violação da lei.
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Conclui-se, portanto, que o Requerente deveria ter lançado mão do meio processual adequado para sindicar a falta de fundamentação da reclamação graciosa e não o presente meio – PPA.
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Estando em causa a incompetência material do Tribunal Arbitral a Requerida deve ser absolvida da instância uma vez que a exceção dilatória obsta ao conhecimento do mérito da causa conforme o disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”) aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
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Resulta do artigo 18.º do PPA e do pedido apresentado pelo Requerente “(…) que seja declarada ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2017... e, consequentemente, que seja reconhecido o crédito de IVA de € 18.955,46.”.
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Assim, no PPA não é identificado qualquer ato de liquidação relativo ao ano de 2014, é mencionado, apenas, o ano em que terá ocorrido a ilegalidade que se pretende reparar, pretendendo-se que, em relação a esse ano, seja reconhecido o direito à dedução do imposto que, na perspetiva do Requerente, por erro, terá sido deduzido por defeito, dada a sua natureza de sujeito passivo misto.
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Além de se desconhecer o ato de liquidação que se pretende impugnar, também se desconhecem os vícios que, em concreto, o Requerente imputa.
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Assim, a inexistência de objeto sindicável em sede arbitral obsta igualmente ao conhecimento do mérito da causa nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, al. a) do CPC aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
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Ainda assim, o pedido formulado seria improcedente visto que a condenação da Requerida ao reconhecimento do crédito de imposto se encontra fora do âmbito material da arbitragem tributária – reconhecimento de um crédito de IVA de € 18.955,46.
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O RJAT não contempla a apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.
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Este entendimento resulta do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, bem como do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (lei de autorização legislativa), ao abrigo da qual foi aprovado aquele regime: “[o] processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”.
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A ser procedente, o pedido formulado deveria ter recaído sobre um ou vários atos de liquidação.
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Mesmo que não se entenda que o Tribunal é incompetente, impugna-se o alegado pelo Requerente.
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A pretensão do Requerente consubstancia uma alteração ou substituição retroativa da opção do método de dedução da afetação real por referência ao ano de 2014.
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O mecanismo das deduções do IVA encontra-se previsto nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA.
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Conforme o disposto no artigo 19.º, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi faturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos, mencionado em faturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser refletida na declaração periódica a que se refere o artigo 29.º, n.º 1, al. c) do Código do IVA.
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A dedução adicional de IVA resultou da aplicação do critério da percentagem de dedução pro rata relativamente a inputs de utilização mista, e a outros afetos integralmente à realização de operações tributadas, determinado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA.
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O artigo 23.º do Código do IVA dispõe que:
“Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 – Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
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tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
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sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.
(…)
6 – A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita”.
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A regularização só pode ser realizada com fundamento nesta norma e não ao abrigo de qualquer outra.
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A dedução visada pelo Requerente deveria ter sido realizada mensal ou trimestralmente com base num pro rata provisório, a regularizar na declaração periódica de dezembro de cada ano.
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A alteração do método de dedução do imposto e a aplicação retroativa de um método de dedução não dispõe de suporte legal, a escolha pelo método de dedução só pode ser efetuada no momento em que se constitui o direito à dedução nos termos dos artigos 20.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e 23.º do Código do IVA.
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Relativamente à aplicabilidade do prazo de quatro anos para proceder à correção do IVA liquidado em excesso, importa referir o artigo 98.º, n.º 1 do Código do IVA no qual se estabelece que “quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.”.
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No artigo 98.º, n.º 2 dispõe-se que “[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.”.
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Não apenas o Requerente não apresentou qualquer pedido de revisão oficiosa, como a possibilidade de recurso a este procedimento não prejudica as especificidades inerentes ao funcionamento do IVA.
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Apesar de a norma estabelecer que o direito à dedução pode ser exercido até ao limite de quatro anos, o sujeito passivo de IVA não tem liberdade para determinar o momento de exercício desse direito, limitando-se aquela norma a fixar, apenas, um limite máximo de caráter geral a partir do qual o direito já não pode mais ser exercido.
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O Requerente pretende que lhe seja reconhecida retroativamente a possibilidade de modificar o método de dedução utilizado na qualidade de sujeito passivo misto.
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Além disso, o artigo 98.º acima referido implica que se verifique erro imputável aos serviços, porém, o Requerente não invoca nem demonstra a existência de erro.
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Também não demonstra o Requerente a que aquisições de bens ou serviços se refere nem qual o imposto suportado que não foi abrangido pela aplicação do método da afetação real no apuramento realizado no decurso da ação inspetiva, ou seja, qual o imposto que não foi deduzido “correctamente” como alega.
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O Requerente não pode eximir-se à aplicação do artigo 23.º do Código do IVA, invocando o estipulado no artigo 98.º do mesmo Código.
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Uma vez que foi adotado um dos métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA, o Requerente deveria ter demonstrado em que medida incorreu em erro ou em que ponto reside a incorreção da sua aplicação.
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Relativamente à factualidade exposta o Requerente não juntou cópias das faturas emitidas nos períodos em causa.
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O artigo 74.º, n.º 1 da LGT determina que “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” (no mesmo sentido, aponta o artigo 342.º do Código Civil).
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Com efeito, não basta que o Requerente alegue, tem de demonstrar em concreto que foi liquidado IVA em excesso no período em causa e nos termos do artigo 52.º do Código do IVA os sujeitos passivos devem guardar todos os documentos de suporte da contabilidade por um período de dez anos – o Município em momento algum apresentou cópia das faturas - pelo que o incumprimento deste ónus deve-se a culpa do Requerente.
MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral, para efeitos de IVA, com a atividade principal de “Administração local” – CAE 084113.
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No âmbito da sua atividade, o Requerente realiza operações tributadas em sede de IVA, operações não sujeitas e operações isentas de imposto.
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Assim, realiza operações que não conferem o direito à dedução do IVA em virtude de serem realizadas no âmbito dos seus poderes de autoridade e outras que não estando a coberto desses poderes conferem direito à dedução.
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A Requerente submeteu a sua declaração de IVA relativa ao 4.º trimestre de 2014 (DP n.º ...) no dia 16 de fevereiro de 2015.
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O Requerente foi objeto de várias inspeções tributárias.
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O Requerente optou pelo método de dedução da afetação real.
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O Requerente submeteu, no dia 4 de outubro de 2016, declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2014, apurando um crédito de IVA no valor de €18.955,46.
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O Requerente apresentou, no dia 31 de janeiro de 2017, um requerimento, dirigido ao Diretor de Finanças de ..., tendo em vista a confirmação do valor do crédito existente a favor do Município.
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O referido requerimento foi convolado em reclamação graciosa pela Direção de Finanças de ... .
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A Direção de Finanças de ... decidiu pelo indeferimento expresso do pedido constante da reclamação graciosa.
A.2. Factos dados como não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, de ora em diante “CPPT”, e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
DO DIREITO
A.1 Questão prévia: exceção da competência do Tribunal Arbitral
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De acordo com o disposto no artigo 608.º do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 29.º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
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Nestes termos, torna-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, as questões prévias de exceção, começando-se pelas atinentes à competência do Tribunal, conforme preceituado pelo artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
A.2. Da competência do Tribunal para decidir sobre a falta de fundamentação da decisão da Reclamação Graciosa
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A este respeito importa começar por referir que o Requerente clarificou nas suas alegações que não solicitou a este Tribunal que se pronuncie sobre a falta de fundamentação da AT em sede de decisão da reclamação graciosa.
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Neste contexto, estando clarificada a desnecessidade de pronúncia sobre este ponto, face ao invocado pelo Requerente, não será necessário abordar a competência deste Tribunal a respeito da possibilidade de tomar conhecimento quanto a essa questão.
A.3. Da deficiente identificação do objeto do pedido de pronúncia arbitral: a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa
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Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT: “1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” (negrito e sublinhado nossos).
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No pedido formulado pelo Requerente é referido que “[n]estes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá este Ilustre Tribunal Arbitral anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., e, consequentemente, condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reconhecer o crédito de IVA de € 18.955,46 a favor do Município, bem como a pagar [de] juros indemnizatórios devidos ao Município de ... .”.
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Com efeito, no pedido não é feita referência a uma autoliquidação de IVA nem à sua ilegalidade.
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No entanto, não obstante o Requerente não ter indicado expressamente no seu pedido que pretende ver anulada uma autoliquidação de IVA, esta pretensão parece, ainda assim, resultar de outros elementos carreados para os autos.
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A título exemplificativo, nos artigos 10 e 11 do PPA são feitas referências à submissão de uma declaração periódica de substituição, sendo que nos artigos 5 e seguintes se descreve a limitação indevida do direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos comuns, bem como em recursos afetos integralmente à realização de operações tributadas no 4.º trimestre de 2014.
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Por outro lado, existem igualmente elementos de relevo para a presente análise na fase administrativa que antecedeu a apresentação do PPA e que, não apenas permitem um enquadramento do objeto da presente ação, como explicam, em parte, algumas das questões suscitadas quanto ao pedido.
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Naturalmente, uma vez que o ora Requerente apresentou originalmente um mero Requerimento, não tendo apresentado formalmente uma Reclamação Graciosa, tendo a configuração de Reclamação Graciosa resultado de um ato de convolação - por parte da AT -, o articulado não se afigura tão claro quanto ao objeto como seria de esperar numa defesa inicialmente configurada como Reclamação Graciosa.
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O tratamento do Requerimento apresentado pelo Requerente como Reclamação Graciosa, tornou, contudo, desnecessária (pelo menos aparentemente), a apresentação de uma defesa mais robusta com as vestes de Reclamação Graciosa o que, em princípio, tornaria mais clara a pretensão do particular de reagir contra a alegada ilegalidade da autoliquidação (tendo em vista o disposto nos artigos 70.º e 99.º do CPPT) e traria maior contexto a esta fase arbitral.
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Ainda, o tratamento do Requerimento - que inicialmente se destinava a confirmar o valor de um crédito de IVA -, como uma Reclamação Graciosa, torna igualmente mais difícil apurar quais os vícios que, em concreto, se imputam à autoliquidação (conforme desenvolveremos abaixo),
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Já que estes não foram particularmente desenvolvidos nessa fase (administrativa) e, face à argumentação utilizada pela AT para indeferir a Reclamação, tornou-se desnecessário proceder, igualmente, ao seu desenvolvimento pormenorizado no PPA.
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Contudo, repete-se, foi o facto de a AT ter considerado que o Requerimento apresentado pelo Requerente era, ou devia ser tratado como uma Reclamação Graciosa, que acabou por tornar inútil a apresentação de uma nova defesa (mais desenvolvida) para impugnação da autoliquidação de IVA relativa ao 4.º trimestre de 2014.
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Não se discute que o Requerimento apresentado é particularmente “enxuto” no que respeita à identificação do ato atacado, bem como na invocação dos vícios apontados à autoliquidação, em todo o caso, a AT não parece ter tido dúvidas quando ao objeto da “Reclamação” e não considerou existirem elementos em falta para a sua decisão.
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Com efeito, é a própria AT que aceita que o objeto da Reclamação Graciosa é a autoliquidação de IVA.
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Na decisão da Reclamação Graciosa é identificado como objeto a “Autoliquidação de IVA DP nº ..., submetida em 2015-02-16, no valor de €124.078,07 a favor do reclamante, relativa ao período de 201412T.” (cfr. ponto II.2 “Objeto” da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa).
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Ainda, na decisão da Reclamação Graciosa, a AT refere que: “parece-nos estar perante uma situação de reclamação da autoliquidação, que resulta de um pedido de alteração do método adotado para a dedução do imposto nos bens de utilização mista, efetuada em 2016-02-12 através de entrega de declaração de alteração de atividade, submetida via portal das finanças.” (cfr. ponto 4 da “INFORMAÇÃO” da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa).
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Ora, sendo o objeto da Reclamação Graciosa - que se assume como objeto imediato do presente PPA - a discussão da legalidade da autoliquidação de IVA relativa ao 4.º trimestre de 2014, também será essa autoliquidação o objeto mediado do presente PPA.
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Sem prejuízo de se admitir que o Requerente poderia ter formulado a sua pretensão de forma mais perfeita, entendemos que prevalecem os princípios “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae”.
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Entende, assim, este Tribunal, que a necessidade de tutelar as garantias dos contribuintes deve prevalecer sobre imperfeições formais, desde que seja possível compreender o objeto e os fundamentos do PPA e que aquele se inclua na competência deste Tribunal.
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Não obstante o Requerente, através da presente ação arbitral, reagir contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa (a título imediato), decorrendo esta pretensão do pedido do PPA, afigura-se claro a este Tribunal, que o objeto mediato é a autoliquidação de IVA,
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O que ainda se inclui no âmbito de competência deste Tribunal.
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Neste sentido, Carla Castelo Trindade sustenta que “[o] objecto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objecto da sua acção arbitral este (o acto de primeiro grau) ou o de segundo, isto sempre, desde que o segundo aprecie a (i)legalidade do acto de primeiro grau. Julga-se ainda que mesmo que o contribuinte no objecto da acção arbitral ou no pedido indique erradamente o segundo acto ao invés do primeiro, cabe ao tribunal corrigir oficiosamente desta incorrecção designadamente por imposição do princípio da boa fé processual e da cooperação a que se refere o artigo 16.º alínea f).” (Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária. Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, p. 71) (negrito e sublinhado nossos).
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Também o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0156/11, de 18/05/2011, defendeu que “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise. Como se disse, entre outros, no acórdão deste STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação». A impugnação não está, pois, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.” (disponível em www.dgsi.pt).
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Assim, o objeto e o pedido da ação arbitral é, em primeiro lugar, a (i)legalidade do ato de autoliquidação.
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Em suma, sem prejuízo de o Requerente solicitar a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., tendo em consideração a documentação e fundamentação carreada para os autos, entende este Tribunal ser claro que o Requerente peticiona ainda a anulação da autoliquidação de IVA relativa ao 4.º trimestre de 2014.
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Posto isto, o presente Tribunal decide pela improcedência da exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral suscitada pela Requerida.
A.4. Do pedido de reconhecimento de um crédito de IVA
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Quanto ao pedido de reconhecimento de um crédito de IVA, a AT suscitou a exceção da incompetência do tribunal arbitral por entender que essa matéria não se encontra abrangida no âmbito de competência deste Tribunal.
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Em todo o caso, conforme foi decidido no ponto A.3. supra, considera este Tribunal que, da documentação e fundamentação carreada para os autos resulta claro que o Requerente peticiona a anulação da autoliquidação de IVA relativa ao 4.º trimestre de 2014.
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Aliás, o próprio Requerente, nas suas alegações, clarifica que o pedido formulado na petição inicial foi a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na qual se analisou a declaração de IVA referente ao período 2014/12T e não o reconhecimento de um direito.
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Assim, não será necessário abordar a competência deste Tribunal a respeito da possibilidade de tomar conhecimento quanto a essa questão, já que, tendo sido clarificada a pretensão do Requerente, não é solicitada a análise deste Tribunal quando a esse ponto.
B. Do mérito
B.1. Da aplicação do artigo 98.º do Código do IVA
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Nos termos do artigo 19.º, n.º 1 do Código do IVA “[p]ara apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram:
a) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) o imposto devido pela importação de bens;
c) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º;
d) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado o imposto;
e) o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º.”.
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Com efeito, os sujeitos passivos gozam, em regra, da faculdade de deduzirem a totalidade do IVA suportado nas aquisições de bens e prestações de serviços sobre as operações tributáveis que realizaram,
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Sendo a dedução um dos princípios basilares do IVA.
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No que respeita aos sujeitos passivos mistos, estes têm direito à dedução parcial de IVA, através do método da afetação real ou do método do pro rata.
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O que está em causa nos presentes autos é, em parte, a admissibilidade de alteração do método de dedução inicialmente escolhido, com efeitos retroativos e a possibilidade de deduzir o IVA relativamente a períodos anteriores.
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Ora, começando pelo artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, esta norma determina que: “[a] correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.” (negritos e sublinhados nossos).
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A este respeito, já tivemos oportunidade de sustentar, em artigo assinado conjuntamente com Serena Cabrita Neto e Priscila Santos, que deverá “entender-se que o disposto no citado artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA é aplicável apenas nas situações em que se verifique existirem meros erros materiais ou de cálculo, ou seja, meros erro de escrita ou de transcrição de valores, bem como erros aritméticos no apuramento dos valores do imposto ou das operações que estiveram na sua base.” (Serena Cabrita Neto, Leonardo Marques dos Santos e Priscila Santos, A Regularização do IVA em Caso de Erro no Apuramento do pro rata: Questões Processuais, Cadernos de IVA 2015, Coimbra: Almedina, pp. 370) (negritos e sublinhados nossos).
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Contudo, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA “[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.” (negritos e sublinhados nossos).
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Diversamente do previsto no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, o erro de direito previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, decorre de um erro de enquadramento por parte do sujeito passivo que efetua uma errada interpretação da situação fáctica e, consequentemente, errada subsunção dos factos ao direito, levando a que deduza menos imposto suportado.
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No sentido de que o artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA se refere a um erro de direito, já tivemos igualmente a oportunidade de sustentar que “[a] distinção entre a aplicação do mecanismo do artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA e do artigo 98.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código reside, pois, na própria qualificação do erro subjacente: no primeiro mecanismo estamos perante a correção de um mero erro na declaração, ao passo que no segundo estamos perante um verdadeiro erro-vício (de vontade dos sujeitos passivos). E, enquanto que no erro na declaração existe uma mera divergência entre a vontade real e a declarada (aliud dizit, aliud voluit), no erro-vício ou erro-motivo existe um verdadeiro erro na formação da vontade decorrente da falsa representação da realidade ou da ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração, com reflexos, naturalmente, na imperfeição da vontade declarada.” (Serena Cabrita Neto, Leonardo Marques dos Santos e Priscila Santos, A Regularização do IVA em Caso de Erro no Apuramento do pro rata: Questões Processuais, Cadernos de IVA 2015, Coimbra: Almedina, pp. 371) (negritos e sublinhados nossos).
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Assim, sempre que ocorrer um erro de enquadramento ou de direito, os sujeitos passivos podem lançar mão do referido artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, no prazo geral e supletivo de quatro anos.
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Neste sentido, também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01427/14, de 28/06/2017, é afirmado que “[o] prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).
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Ainda neste sentido, veja-se o acórdão do CAAD proferido no processo n.º 489/2017-T, de 01/02/2018, em tudo semelhante ao caso sub judice: “[a]tenta a redação conferida ao n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, consideramos ser esta última a posição que se afigura correta, pois também nós entendemos que o legislador teve aqui em vista, apenas e tão-só, os lapsus calami na transposição dos elementos das faturas para a contabilidade e desta para as declarações periódicas. No mesmo sentido, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44) afirmam que «os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do acto de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes. Assim, estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material).» Sempre que da ocorrência de erros materiais ou de cálculo resultar uma regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos, estes podem promov[ê]-la no prazo de dois anos contados do momento em que o imposto se tornou exigível, como preceitua o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. Isto posto, entremos agora na análise do sobredito terceiro grupo de situações, aludindo aos erros de enquadramento ou erros de direito. Neste conspecto, será útil começarmos por definir o que deve ser entendido por erro de facto para, em face deste, delimitarmos o conceito de erro de direito. Assim, consideramos que estão abrangidas pelo erro de facto «as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)» (Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, loc. cit., pp. 45-46), sendo que «o erro de facto que não origine um consequente erro de direito, não terá qualquer relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a liquidar» (idem, ibidem). Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas «situações em que, não obstante a correcta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável» (idem, ibidem), ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos. Como enquadráveis nos erros de direito, temos, a título exemplificativo, «as situações em que há um incorrecto apuramento do pro rata, motivado por uma inexacta subsunção no normativo aplicável das operações que influenciam o cálculo, nomeadamente, no que concerne ao enquadramento de uma operação como tributada quando a mesma é isenta» (idem, ibidem), bem como aquelas situações «em que o sujeito passivo, desenvolvendo várias actividades, efectua a dedução por recurso ao pro rata num primeiro momento e passa a utilizar o método da afectação real para efectuar a dedução do imposto exclusivamente afecto a determinada actividade, pretendendo corrigir a dedução que efectuou no passado com base no método pro rata.» (idem, ibidem).” (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=32&id=3293) (negritos e sublinhados nossos).
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Ainda sobre a aplicação do artigo 98.º, veja-se o acórdão do CAAD proferido no processo n.º 117/2013-T, de 17/05/2013: “[e]stá em causa nos autos o exercício do direito à dedução de IVA, motivado por lapsos da Requerente, como se deu como provado na alínea f) e g) da matéria de facto fixada, que se traduziram na «utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista» e «não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela Requerente às suas participadas, com liquidação de IVA» (como a própria Requerente sintetizou no artigo 27.º do pedido de revisão oficiosa). O artigo 98.º do CIVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente». No entanto, o referido artigo 78.º, n.º 6, do CIVA estabelece que «a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado». Assim, este artigo 78.º, n.º 6, ao prever um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução, para exercício do respectivo direito, nas situações aí previstas, será uma das «disposições especiais» a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, mas sim de dois anos. Por isso, a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da possibilidade de enquadramento da situação dos autos neste artigo 78.º, n.º 6. Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas. A Requerente diz que, no caso em apreço, os erros que cometeu não foram erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de direito quanto à aplicação do regime de dedução de IVA, por «utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista» e «não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela Requerente às suas participadas, com liquidação de IVA». O artigo 95.º-A, n.º 2 fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso». A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir. Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou. O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética. Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso.” (negritos e sublinhados nossos).
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No caso sub judice, o Requerente considera ter aplicado erradamente os métodos de dedução regulados no artigo 23.º do Código do IVA.
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Dos erros alegadamente cometidos decorreu uma dedução de IVA inferior àquela a que o sujeito passivo teria direito.
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Conforme referido, consideramos não ser aplicável, nestes casos, o artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA nem outra norma que determine um prazo especial, pelo será possível recorrer ao prazo geral e supletivo acima indicado de quatro anos, previsto no artigo 98.º do Código do IVA,
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Podendo o Requerente alterar o método de dedução e deduzir o IVA suportado em excesso no prazo efetuado.
B.2. Quanto à ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA
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Invoca ainda a Requerida, em suma, que desconhece os vícios que, em concreto, o Requerente imputa, inexistindo um objeto sindicável em sede arbitral, acrescendo que o artigo 98.º do Código do IVA, acima referido, implica que se verifique erro imputável aos serviços, erro esse que não é invocado nem demonstrado pelo Requerente.
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Invoca ainda a Requerida, que o Requerente não identifica a que aquisições de bens ou serviços se refere, nem qual o imposto suportado que não foi abrangido pela aplicação do método da afetação real no apuramento realizado no decurso da ação inspetiva, ou seja, qual o imposto que não foi deduzido “correctamente”.
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Ora, salvo o devido respeito, não se pode acompanhar a argumentação da Requerida.
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Com efeito, conforme decorre da Decisão da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., a Reclamação Graciosa é o meio próprio para reagir contra qualquer ilegalidade (cfr. ponto II. 6 da Decisão da Reclamação Graciosa).
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No contexto da análise desenvolvida no âmbito da decisão da Reclamação Graciosa, a AT, ao fixar a matéria de facto começa por reconhecer que a Requerente é um sujeito passivo misto, que solicitou a alteração do método de dedução para o método da afetação real parcial e que submeteu uma declaração de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2014, uma vez ter chegado à conclusão que beneficiaria de uma dedução superior à que tinha sido efetuada segundo o método pelo qual havia optado antes (cfr. pontos III.1. a III.5. da INFORMAÇÃO relativa à Reclamação Graciosa).
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Ou seja, a AT, reconhecendo que: (i) a Reclamação Graciosa é o meio apropriado para discutir a (i)legalidade da autoliquidação de IVA, (ii) sabendo o que estava subjacente à apresentação da declaração de substituição e, consequentemente, (iii) que a Requerente pretendia ver analisada a (i)legalidade da autoliquidação de IVA do 4.º trimestre de 2014, uma vez ter chegado à conclusão que beneficiaria de uma dedução superior à que tinha sido efetuada segundo o método pelo qual havia optado, podendo, inclusivamente, aceder a toda a documentação que lhe permitiria confirmar da idoneidade da dedução operada, nada referiu quanto ao alegado pelo Município no sentido de ter suportado IVA em excesso durante o ano de 2014.
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Repare-se que a AT começa precisamente por analisar os casos em que o IVA pode ser dedutível e os métodos de dedução relativos a bens de utilização mista (cfr. pontos 1. a 3. da INFORMAÇÃO relativa à Reclamação Graciosa),
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Pelo que a possibilidade de o IVA em excesso poder ser, ou não, deduzido, não foi esquecida pela AT.
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Em todo o caso, a única objeção formulada pela AT a respeito da pretensão da Requerente respeitou à ilegitimidade de ver reconhecido o crédito de IVA tendo em conta o momento em que esta manifestou intenção de alterar o método de dedução.
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A AT refere, aliás, que a “omissão de dedução de imposto suportado com custos comuns, não configura um erro, mas sim uma opção ou prática legítima e comum entre sujeitos passivos mistos, aos quais assiste o direito ao abrigo da autonomia de atuação dos operadores económicos (ainda que se tratem de entidades de direito público), de optarem por não deduzir o imposto suportado com custos comuns, direito esse que a AT não pode por em crise, substituindo-se ao sujeito passivo. A reclamante definiu como critério a utilizar o método da afetação real de todos os bens que lhe permite deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, mediante imputação a cada setor de atividade, passando neste caso, a poder deduzir apenas o imposto suportado na aquisição de bens e serviços utilizados para a prática das atividades que conferem direito à dedução, conforme declarado na DP entregue em 2015-02-16.” (cfr. ponto IV.5. da INFORMAÇÃO relativa à Reclamação Graciosa).
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Ou seja, a AT não apresentou qualquer observação quando à possibilidade de recuperação do IVA do ponto de vista material, sustentando o seu indeferimento apenas no momento a partir do qual esse direito pode ser exercido e na data de produção de efeitos da respetiva opção.
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Decorre da Decisão da Reclamação Graciosa que “[t]endo a reclamante entregue a declaração de alteração de atividade apenas em 2016-02-12, apenas poderá passar a deduzir o IVA de acordo com o requerido através da presente reclamação a partir do exercício de 2016.” (cfr. ponto 5 da INFORMAÇÃO relativa à Reclamação Graciosa).
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Por outras palavras, o indeferimento da Reclamação Graciosa baseou-se apenas num argumento que, conforme resulta do exposto supra, este Tribunal não considera procedente.
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Assim sendo, o ato de indeferimento da aludida Reclamação Graciosa padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação do artigo 98.º, n.º 2, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, 23.º, n.º 6, e 78.º, n.º 6, todos do Código do IVA,
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Devendo anular-se a autoliquidação de IVA DP n.º..., submetida em 2015-02-16, com as devidas consequências legais.
C. Dos juros indemnizatórios
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Segundo o disposto no artigo 24.º, al. b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação judicial vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação.
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Esta interpretação tem cabimento com o artigo 100.º da LGT ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT que determina: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
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Embora o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT faça referência apenas a “declaração de ilegalidade” de atos de liquidação, dever-se-á entender que a competência dos tribunais arbitrais abrange igualmente decisões condenatórias.
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O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT em que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
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O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nas decisões arbitrais decorre desde logo do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT do qual decorre que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
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No caso sub judice, ocorrendo a anulação do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por aplicação dos artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, a fim de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
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Além disso, o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
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Em suma, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva, contados até integral reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do CPPT, e artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, que fixa em 4% a taxa dos juros legais.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência do tribunal quanto à inexistência de objeto sindicável em sede arbitral, por falta de um ato de liquidação em concreto;
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Julgar procedente o pedido de anulação do Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017... e de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IVA DP n.º..., submetida em 2015-02-16, referente ao 4.º trimestre do exercício de 2014, com os devidos efeitos legais, na parte em que não reconhece a dedução de €18.955,46, em conformidade com a declaração periódica de IVA de substituição n.º..., submetida em 2016-10-04.
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 18.955,46, nos termos do artigo 97.º-A, do CPPT, aplicável por força das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de julho de 2019
O Árbitro,
(Leonardo Marques dos Santos)
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