DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 2 de Abril de 2019, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., contribuinte nº..., moradora na..., nº..., ..., em ... (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 23 de Janeiro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente peticiona no pedido arbitral que este seja julgado procedente “(…) e, em consequência se declare ilegal o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e os actos de liquidação do Imposto Único de Circulação identificados, relativos aos anos 2015, 2016 e 2017, no valor total de 998,78 €”.
1.4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 24 de Janeiro de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.
1.5. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro, em 13 de Março de 2019, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.6. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2 de Abril de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.8. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.9. Em 13 de Maio de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo-se defendido por excepção e impugnação e concluído que “(…) deverão ser julgadas procedentes (…) as excepções invocadas” e “subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.
1.10. Por despacho arbitral datado de 14 de Maio de 2019, foram notificadas ambas as Partes de despacho arbitral com o seguinte teor:
“Na sequência da Resposta apresentada pela Requerida, em 13 de Maio de 2019 e das excepções aí suscitadas (…), notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida matéria de excepção.
Adicionalmente, (…) verificou este Tribunal Arbitral que (…). Com pertinência para o processo arbitral, é necessário aferir da (in)tempestividade da reclamação interposta contra as liquidações de IUC objecto do pedido (ano 2015, 2016 e 2017), estando em causa aqui saber se a liquidação deste tributo se configura como uma autoliquidação efectuada pela contribuinte ou como um acto tributário da competência dos serviços tributários, dado que os prazos para interposição da referida reclamação graciosa serão diferentes.
Nestes termos, tendo em consideração que as datas limite para pagamento das liquidações de IUC em crise foram, respectivamente, 30-11-2015, 30-11-2016 e 30-11-2017, no caso de se considerar que estamos perante actos de liquidação, o prazo previsto para interposição daquela reclamação estava, em 19-09-2018, amplamente ultrapassado para todas as liquidações de IUC objecto do pedido arbitral e não só para a liquidação de IUC de 2015. (…) Nestes termos, notifiquem-se ambas as Partes para, no mesmo prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o teor desta excepção. (…)”.
1.11. Em 16 de Maio de 2019, a Requerente apresentou requerimento no sentido de responder à matéria de excepção suscitada pela Requerida bem como quanto à questão da excepção da intempestividade do pedido, suscitada pelo Tribunal Arbitral no despacho de 14 de Maio de 2019.
1.12. Em 27 de Maio de 2019, a Requerida apresentou requerimento no sentido de responder à matéria de excepção suscitada pelo Tribunal Arbitral no despacho de 14 de Maio de 2019.
1.13. Por despacho arbitral datado de 28 de Maio de 2019, tendo em consideração “o facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, decidiu este Tribunal Arbitral “ao abrigo dos princípios da autonomia (…) na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, “dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT”, “determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias”, e “designar o dia 3 de Julho de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.
1.14. Adicionalmente, no referido despacho, e na sequência da notificação do despacho arbitral datado de 2 de Abril de 2019 (vide supra pontos 1.7. e 1.8.), mandou notificar-se de novo a Requerida para, no prazo de 5 dias, anexar aos autos cópia do processo administrativo.
1.15. Por último, o Tribunal Arbitral advertiu a Requerente para “(…) até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 25 de Junho de 2019).
1.16. Em 29 de Maio de 2019, a Requerente apresentou as requerimento (no prazo para alegações escritas), no sentido de “solicitar (…) a possibilidade de apresentar as seguintes considerações” (para além das já prestadas no requerimento de 16 de Maio de 2019 – vide supra ponto 1.11.) relativas ainda à questão da intempestividade oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral, tendo a Requerente enunciado o disposto no artigo 70º, nºs 4 e 5 do CPPT e referido, em síntese, que tendo em consideração aquelas disposições, “(…) a reclamação graciosa apresentada não foi intempestiva (…)” porquanto entende que só após a “(…) data da publicação do processo 507/2017-T do CAAD, tomou conhecimento de factos que puderam (…) dar sustentação à reclamação graciosa e (…) saber da possibilidade de solicitar pedido de pronúncia arbitral ao (…) CAAD”.
1.17. Em 30 de Maio de 2019, a Requerida apresentou requerimento no sentido de referir que “(…) o requerimento apresentado pela Requerente, por via do qual esta veio exercer novo contraditório” “(…) é absolutamente ilegal” porquanto entende a Requerida que “(…) o requerimento agora apresentado pela Requerente não tem qualquer suporte à luz do artigo 3.º/4 do Código de Processo Civil ou em qualquer norma-espelho do nosso ordenamento jurídico” e “(…) consubstancia ainda uma ilegal ampliação da causa de pedir (dado que vem alegar factualidade que nunca alegou anteriormente) (…)”, razão pela qual requer que seja o seu desentranhamento.
1.18. Em 31 de Maio de 2019, a Requerida apresentou requerimento no sentido de requerer a anexação aos autos do processo administrativo.
1.19. Por despacho arbitral de 19 de Junho de 2019, foi decidido por este Tribunal Arbitral que, relativamente ao requerimento apresentado pela Requerida, em 30 de Maio de 2019, peticionando o desentranhamento do articulado apresentado pela Requerente, em 28 de Maio de 2019, que o mesmo “diz respeito às suas alegações escritas, para as quais havia sido notificada por despacho arbitral de 28 de Maio de 2019 (…)” e que “no que diz respeito ao teor do alegado pela Requerente, este Tribunal Arbitral formará uma convicção, na decisão arbitral, quanto à matéria de facto provada tendo em consideração não só a livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e o teor dos documentos juntos (incluindo o processo administrativo), bem como todo o normativo legal aplicável”, indeferindo-se aquele pedido de desentranhamento.
1.20. A Requerida não apresentou, dentro do prazo concedido para o efeito, quaisquer alegações escritas.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente pretende com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral “(…) a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada e consequente anulação dos actos de liquidação de IUC, relativos aos anos de 2015, 2016 e 2017, no valor de 998,78 € (…)”.
2.2. A Requerente começa por esclarecer que “no dia 24 de junho de 2015, (…) procedeu à compra e registo de um veículo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ...”, sendo que “o respetivo veículo foi adquirido pelo anterior proprietário no ano de 1999, num (…) EstadoMembro (Alemanha), tendo obtido matrícula nacional decorrente do processo de importação em 2009”.
2.3. Refere a Requerente que “(…) procedeu à liquidação de IUC nº 2015..., nº 2016 ... e nº 2017..., referentes ao respetivo veículo, ao qual foi atribuído o escalão B de IUC, num total de 998,78 €, relativos aos anos 2015, 2016 e 2017”.
2.4. Prossegue referindo que “a 19 de setembro de 2018, (…) apresentou reclamação graciosa para o Chefe do Serviço de Finanças, dos actos de liquidação (…) identificados” com os “(…) seguintes fundamentos”:
2.4.1. “O referido veículo, objeto de tributação, é minha propriedade desde o ano de 2015, tendo obtido matrícula nacional decorrente do processo de importação em 2009, sendo a primeira matrícula, obtida num (…) Estado-Membro (…)”, em 1999;
2.4.2. “O respetivo veículo classificado na categoria B de IUC, não se encontra em igualdade perante outros veículos da mesma marca, modelo, cilindrada, modo de combustão e antiguidade que sempre tiveram a mesma matrícula nacional e estejam classificados na categoria A de IUC”, daí resultando “(…) uma tributação superior sobre este veículo”.
2.5. Com efeito, segundo defende a Requerente, “(…) o veículo em questão é onerado num valor superior ao dobro do valor atribuído a veículos idênticos com primeira matrícula nacional”.
2.6. Entende a Requerente que “seria assim violador do direito sufragar o entendimento do Serviço de Finanças de que o que conta é a data de matrícula no Estado Português, pois se assim se entendesse, estaria o Estado Português a tratar de forma diferente veículos exatamente iguais, mas a diferenciá-los em função da nacionalidade da primeira data de matrícula”.
2.7. E, segundo a Requerente, “é também esse o entendimento que advém do despacho do tribunal de justiça, de 17 de abril de 2018, relacionado com o processo C-640/17, onde é declarado que o artigo 110.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro por força da qual o Imposto Único de Circulação fique estabelecido e cobrado sabre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse EstadoMembro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado-Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado-Membro ser superior à dos veículos não importados similares”.
2.8. Prossegue a Requerente referindo que foi notificada, a 8 de Janeiro de 2019 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de IUC identificadas, decisão com a qual não se conforma.
2.9. Com efeito, entende a Requerente estar comprovado e legitimado o “(…) pedido de anulação dos atos de liquidação do IUC dos anos 2015, 2016 e 2017 do veículo com matrícula ... (…)”, solicitando “(…) assim que tudo possa e seja corrigido por via do presente pedido e a bem da desejada Justiça, atribuindo-se a adequada Categoria A em sede de Imposto Único de Circulação”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
Por excepção
3.1. A Requerida, na Resposta apresentada, veio suscitar as seguintes excepções:
a) Da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária;
b) Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
c) Da impropriedade do meio processual empregue;
d) Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com vista a apreciar a liquidação de IUC do ano de 2015;
e) Da ineidoniedade do meio processual no que respeita à liquidação do ano de 2015;
f) Da anulação in totum das liquidações de IUC.
Da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária
3.2. Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) o pedido e a causa de pedir vertidos no pedido de pronúncia arbitral, tal como se encontra, configurados pela Requerente, contendem exclusivamente com a classificação do veículo nas Categorias de IUC” e, “(…) em face do pedido e da causa de pedir, implica que exista um premente interesse em agir (contradizer) por parte do Instituto da Mobilidade e Transportes, I.P. (IMT), no presente pleito, na medida em que apenas o IMT poderá dispor do conhecimento dos factos relativos à integração dos veículos nas diferentes categorias”.
3.3. E, ainda que reconheça a Requerida que “(…) cabe à entidade Requerida proceder à emissão das liquidações de IUC, todavia a questão tal como se encontra configurada pela Requerente não contente com a ilegalidade da liquidação, strito sensu, mas, sim, com o enquadramento do veículo em causa em sede de Categoria B”, reiterando “(…) desde logo que a entidade Requerida não possuiu quaisquer atribuições ou competências em matéria de classificação das várias categorias dos veículos automóveis”.
3.4. Assim, conclui a Requerida que “(…) não lhe poderá ser imputável o eventual erro na classificação da Categoria B do veículo em causa” mas, “(…) a subsistir o alegado erro esse, será sempre imputado ao IMT (…)” reiterando “(…) a ilegitimidade da (…) Requerida no que respeita ao pedido do enquadramento formulado pela Requerente”.
3.5. Caso assim não se entenda, a Requerida vem requerer “(…) a intervenção principal provocada do IMT com vista a contradizer o presente pedido de pronúncia arbitral no que respeita ao enquadramento do veículo na Categoria B”.
Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
3.6. Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) embora a Requerente suscite a ilegalidade das liquidações de IUC, o pedido e a causa de pedir contendem exclusivamente com o errado enquadramento do veículo em sede de categoria B”, “e, nesse desiderato, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para dirimir a pretensão aduzida pela Requerente, a legalidade ou ilegalidade do acto de enquadramento do veículo na Categoria B, ao invés da Categoria A”, atento “(…) o âmbito da jurisdição arbitral tributária (…) delimitado pelo disposto no Art.º 2.º do RJAT”.
3.7. E, “(…) sendo materialmente incompetente para apreciar, tal pedido (…)”, considera a Requerida que se está perante “(….) uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa (…)”.
Da impropriedade do meio processual empregue
3.8. Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) que não é fundamento da impugnação judicial ou do pedido de pronúncia arbitral, sindicar o errado enquadramento das Categorias automóveis para efeitos de IUC”, concluindo que “(…) o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio processual adequado com vista a sindicar a legalidade do enquadramento do veiculo na Categoria B”, concluindo que essa impropriedade do meio processual “(…) consubstancia uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância da entidade Requerida (…)”.
Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com vista a apreciar a liquidação de IUC do ano de 2015
3.9. Refere a Requerida que “(…) como resulta do indeferimento expresso da reclamação graciosa, no que respeita ao IUC do ano de 2015 a entidade Requerida pugnou pela sua intempestividade (…)”.
3.10. Assim, entende a Requerida que “(…) o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade da liquidação atinente ao ano de 2015, na medida em que a entidade Requerida nunca se pronunciou pela legalidade daquele acto, mas apenas e tão somente pela sua intempestividade”, “(…) o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa (…)”.
Da ineidoniedade do meio processual no que respeita à liquidação do ano de 2015
3.11. Nesta matéria, refere a Requerida que “(…) caso a Requerente não se conformasse com o indeferimento da reclamação graciosa, a qual julgou intempestiva a liquidação de 2015, poderia ter lançado mão da Acção Administrativa, com vista a apreciar a ilegalidade do indeferimento da liquidação de 2015, por intempestividade”.
3.12. Mas, “sendo certo, que a Requerente nunca reagiu ou esgrimiu qualquer linha argumentativa, com vista a refutar o indeferimento da reclamação graciosa no que respeita à liquidação de 2015 por intempestividade”, entende a Requerida que “(…) o pedido de pronúncia arbitral não configura o meio processual adequado, o que consubstancia uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância da entidade Requerida (…)”.
Da anulação in totum das liquidações de IUC
3.13. Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) a Requerente não pretende a anulação para os anos em causa das liquidações de IUC, pretendendo, sim, a anulação parcial em função do enquadramento do veículo em sede de categoria A” pelo que defende que “(…) caso esse tribunal pugne pela competência para dirimir o presente litígio em face do pedido tal como se encontra formulado pela Requerente, nunca poderá determinar a anulação in limine das liquidações de IUC para os anos em causa”.
Por impugnação
3.14. Neste âmbito refere a Requerida que “(…) resulta de forma óbvia que, aquando da introdução do veículo ao consumo em 2009 (…), o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é (…) sujeito passivo de imposto, sendo-lhe liquidado IUC com base na Categoria Automóvel que vier a ficar definida pelo IMT”.
3.15. E, sendo “(…) o facto gerador em sede de IUC (…) aferido nos termos do Art.º 6 do CIUC pela matrícula ou pelo registo em território nacional”, “a atribuição, aquando da importação do veículo de um país da UE e da emissão de um certificado de matrícula, consubstancia (…) o facto gerador do imposto sendo o mesmo registado em nome deste, e a partir dessa data encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, em face das Categoria determinada pelo IMT”.
3.16. “E isto, como decorre da lei, independentemente de os veículos terem sido matriculados em data anterior à vigência do CIUC no país importador”, “pois (…) o disposto no CIUC é aplicável a partir de 01.07.2007, não tendo consagrado o legislador tributário qualquer cláusula de salvaguarda para as situações em que os veículos importados e introduzidos ao consumo após a entrada em vigor do CIUC, mas que já tenham sido anteriormente matriculados, estejam isentos de imposto”.
3.17. Com efeito, reitera a Requerida que “das isenções estabelecidas pelo legislador tributário em sede de IUC no Art.º 5.º, não se recorta existir qualquer tipo de isenção para veículos importados da UE, após a entrada em vigor do CIUC(…) e que tenham sido introduzidos no consumo após essa data, não obstante o veículo ter sido matriculados no país de importação em data anterior”.
3.18. Entende assim a Requerida que “(…) as liquidações de IUC encontram-se em manifesta consonância com a lei (…) e com a observância em face do enquadramento do veículo na Categoria B operada pelo IMT”.
3.19. Assim sendo, conclui a Requerida que “(…) os actos tributários de liquidação de IUC não enfermam de qualquer ilegalidade, sendo a entidade Requerida manifestamente alheia ao enquadramento do veículo em sede de Categoria B, tendo os actos de liquidação sido emitidos em função da informação prestada pelo IMT”, improcedendo os argumentos apresentados pela Requerente.
3.20. Adicionalmente, refere a Requerida que “(…) não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios” (ainda que a Requerente não os peticione no pedido no pedido arbitral).
4. SANEADOR
4.1. O Tribunal é materialmente competente para apreciação dos pedidos no que diz respeito à apreciação da (i)legalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, bem como quanto à apreciação da (i)legalidade das liquidações de IUC relativas aos anos 2016 e 2017, encontrando-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT (vide análise da excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, suscitada pela Requerida, no Capítulo 6. - Questões prévias).
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando a Requerida devidamente representada e pleitando a Requerente em causa própria, nos termos do disposto no artigo 40º e artigo 42º do CPC, aplicável por força do artigo 29º do RJAT (vide análise da excepção da ilegitimidade passiva da Requerida, suscitada por esta, no Capítulo 6. - Questões prévias).
4.3. A cumulação de pedidos efectuada pela Requerente é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.4. O pedido de pronúncia arbitral é intempestivo (vide análise da excepção da intempestividade do pedido, suscitada oficiosamente pelo Tribunal Arbitral, no Capítulo 6. - Questões prévias).
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].
5.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
5.3. No dia 24 de Junho de 2015, a Requerente procedeu à compra e registo de um veículo usado automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ... .
5.4. O veículo identificado no ponto anterior foi pela primeira vez matriculado, em 1999, noutro Estado-Membro (Alemanha).
5.5. Na sequência de um processo de legalização, o referido veículo foi matriculado em Portugal, em 2009, pelo anterior proprietário.
5.6. Para efeitos de IUC, o referido veículo foi enquadrado na Categoria B do IUC.
5.7. A Requerente, relativamente aos anos de 2015, 2016 e 2017, efectuou o pagamento das seguintes liquidações de IUC respeitantes ao veículo supra identificado:
ANO LIQUIDAÇÃO Nº DATA LIMITE PAGAMENTO MONTANTE DATA DE PAGAMENTO
2015 2015 ... 30-11-2015 330,94 09-11-2015
2016 2016 ... 30-11-2016 332,59 09-11-2016
2017 2017 ... 30-11-2017 335,25 09-11-2017
TOTAL 998,78
5.8. Em 19 de Setembro de 2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...2018...) relativa aos actos de liquidação identificados no ponto anterior, com os seguintes fundamentos:
“(…). O respetivo veículo classificado na categoria B de IUC, não se encontra em igualdade perante outros veículos da mesma marca, modelo, cilindrada, modo de combustão e antiguidade que sempre tiveram a mesma matrícula nacional e estejam classificados na categoria A de IUC. Deste facto resulta assim uma tributação superior sobre este veículo. (…) Qualquer veículo de igual marca, modelo, cilindrada, modo de combustão e antiguidade, que sempre tenha tido matrícula nacional, e que por esse motivo está enquadrado na categoria A de IUC (…). Assim resulta que o veículo em questão é onerado num valor superior ao dobro do valor atribuído a veículos idênticos com primeira matrícula nacional”.
5.9. A Requerente foi notificada, a 7 de Novembro de 2018, através do Ofício nº 2018 ..., de 31 de Outubro de 2018, do projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, proferido com base na seguinte informação:
“No que se refere ao ano de 2015 (…), a reclamação graciosa é intempestiva”. No que diz respeito aos anos 2016 e 2017, “(…) sendo a data da matrícula em Portugal – 2009/12/02, o veículo encontra-se inserido na categoria B de tributação”, concluindo ser “(…) de manter as liquidações ora reclamadas, indeferindo-se a (…) reclamação graciosa”.
5.10. A Requerente, através do referido Ofício, foi ainda notificada para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia sobre a referida decisão de indeferimento.
5.11. A Requerente apresentou, em 7 de Novembro de 2018, no portal das finanças, recurso hierárquico mas “atendendo a que o prazo para decisão da reclamação graciosa não se encontrava decorrido, não podia a reclamante presumir o indeferimento tácito, pelo que, se nos afigura que a reclamante pretendia exercer o direito de audição para que havia sido notificada. Assim, foi o requerimento junto aos autos e analisado em sede de exercício de participação antes de ser proferido o despacho definitivo”.
5.12. No âmbito do direito de audição referido no ponto anterior, a Requerente veio reiterar que “não concorda com o despacho projetado”, referiu de novo “os acórdãos proferidos em processos do TJUE e do CAAD, onde foram avaliadas questões análogas, e se decidiu pela procedência do pedido” e referiu que “não pretende a atribuição do benefício previsto no artº. 5º do CIUC, mas sim o enquadramento na categoria A de tributação”.
5.13. A Requerente foi notificada, a 8 de Janeiro de 2019, através do Ofício nº 2018..., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com os seguintes fundamentos:
“(…) não havendo factos ou elementos novos suscetíveis de alterar o sentido do projeto de despacho e atendendo a que se encontram reunidos os pressupostos para o enquadramento do veículo na categoria B de tributação, indefiro o requerido”.
Motivação quanto à matéria de facto
5.14. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos, por ambas as Partes, aos autos, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.
Dos factos não provados
5.15. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.
6.2. Nos autos, os pedidos formulados pela Requerente são no sentido de ser anulado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de IUC identificadas, no montante total de EUR 998,78, bem como a anulação das referidas liquidações de imposto pelo facto das mesmas serem alegadamente ilegais.
Questões prévias
6.3. Preliminarmente, tendo em consideração o facto de a Requerida ter suscitado, na Resposta, diversas excepções e este Tribunal Arbitral ter oficiosamente suscitado a excepção da intempestividade do pedido, torna-se necessário começar por analisar as mesmas porquanto a procedência de alguma destas excepções terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral.
6.4. No caso, recorde-se, a Requerida veio, na Resposta, suscitar as seguintes excepções:
a) Da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária;
b) Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
c) Da impropriedade do meio processual empregue;
d) Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com vista a apreciar a liquidação de IUC do ano de 2015;
e) Da ineidoniedade do meio processual no que respeita à liquidação do ano de 2015;
f) Da anulação in totum das liquidações de IUC.
6.5. De acordo com o disposto no artigo 576º, 1 do CPC, “as exceções são dilatórias ou perentórias”, sendo que nos termos do seu nº 2 “as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal” e nos termos do seu nº 3 “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.
6.6. O artigo 577º do CPC refere que “são dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
a) A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal;
b) A nulidade de todo o processo;
c) A falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes;
d) A falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;
e) A ilegitimidade de alguma das partes;
f) A coligação de autores ou réus, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 36.º;
g) A pluralidade subjetiva subsidiária, fora dos casos previstos no artigo 39.º;
h) A falta de constituição de advogado por parte do autor, nos processos a que se refere o n.º 1 do artigo 40.º, e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação;
i) A litispendência ou o caso julgado”.
6.7. Os artigos 578º e 579º do CPC referem (respectivamente) que “o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104º” e “o tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado”.
6.8. Na anterior versão do CPC, o legislador impunha, no artigo 510º, que o conhecimento das excepções dilatórias devia ser efectuado de acordo com a ordem estabelecida no anterior artigo 288º (actual artigo 278º), ambos do CPC.
6.9. Ora, embora o legislador do CPC actualmente em vigor não tenha mantido expressamente essa ordem de conhecimento das excepções dilatórias, a verdade é que o conhecimento dos pressupostos processuais deve continuar a ser efectuado de acordo com uma determinada precedência lógica.
6.10. Assim, estando em causa várias excepções dilatórias que determinam a absolvição de instância, o Juiz deverá apreciar, em primeiro lugar, aquelas que digam respeito ao Tribunal (como é o caso da incompetência absoluta) e só depois aquelas que se reportem às partes, por ordem de “gravidade” das mesmas.
6.11. Por outro lado, em consonância com o disposto no nº 2 do artigo 608º do CPC, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (sublinhado nosso).
6.12. Neste âmbito, vem sendo entendido que, nestas situações, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
6.13. Com efeito, as questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
6.14. Coisa diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 608º, nº 2 do CPC.
6.15. Atentas estas regras, analisemos em primeiro lugar a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.
Da excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
6.16. Neste âmbito, tal como sucedia no anterior CPC, a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, pela sua própria natureza, terá que necessariamente ser a primeira excepção dilatória a ser conhecida pois da sua apreciação decorre a própria competência do Tribunal para decidir a acção, em obediência aos critérios de especialização das matérias que o legislador entendeu merecerem especial configuração.
6.17. Com efeito, como é sabido, a excepção dilatória da incompetência material do tribunal, caso proceda, obsta a que este conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância [vide artigos 60º, nº 2, 96º, 97º, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), todos do CPC].
6.18. A competência do tribunal, como já vimos, constitui um pressuposto processual sendo, assim, um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.
6.19. A competência do tribunal, como qualquer outro pressuposto processual, é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor (pedido e causa de pedir), sendo que a competência em razão da matéria contende com as diversas espécies de tribunais, comuns ou especiais, estatuindo-se as normas delimitadoras da jurisdição desses tribunais de acordo com a matéria ou o objecto do litígio.
6.20. No pedido arbitral, a Requerente pretende que seja declarada a “(…) ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada e consequente anulação dos actos de liquidação de IUC, relativos aos anos de 2015, 2016 e 2017, no valor de 998,78 € (…)”.
6.21. Neste âmbito, recorde-se, fundamenta a Requerente a sua pretensão referindo que o veículo sobre o qual incidiram as liquidações de IUC ao ter sido “(…) classificado na categoria B de IUC, não se encontra em igualdade perante outros veículos da mesma marca, modelo, cilindrada, modo de combustão e antiguidade que sempre tiveram a mesma matrícula nacional e estejam classificados na categoria A de IUC”, daí resultando “(…) uma tributação superior sobre este veículo”.
6.22. E segundo a Requerente “seria assim violador do direito sufragar o entendimento do Serviço de Finanças de que o que conta é a data de matrícula no Estado Português, pois se assim se entendesse, estaria o Estado Português a tratar de forma diferente veículos exatamente iguais (…) a diferenciá-los em função da nacionalidade da primeira data de matrícula”.
6.23. A Requerida na Resposta veio invocar a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da pretensão jurídica formulada pelo Requerente porquanto alega que “(…) embora a Requerente suscite a ilegalidade das liquidações de IUC, o pedido e a causa de pedir contendem exclusivamente com o errado enquadramento do veículo em sede de categoria B”, “e, nesse desiderato, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para dirimir a pretensão aduzida pela Requerente (…)”, atento “(…) o âmbito da jurisdição arbitral tributária (…) delimitado pelo disposto no Art.º 2.º do RJAT” (sublinhado nosso).
6.24. Por outro lado, entende ainda a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, para apreciar a liquidação de IUC do ano de 2015 porquanto “(…) como resulta do indeferimento expresso da reclamação graciosa, no que respeita ao IUC do ano de 2015 a entidade Requerida pugnou pela sua intempestividade (…)” e, nestes termos, entende a Requerida que “(…) o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade da liquidação atinente ao ano de 2015, na medida em que a entidade Requerida nunca se pronunciou pela legalidade daquele acto, mas apenas e tão somente pela sua intempestividade”.
6.25. Em sede de defesa contra a excepção da incompetência suscitada pela Requerida, a Requerente veio referir, em síntese, que “sendo de imediata perceção que veículos da mesma marca, modelo, ano e modo de combustão, tendo utilização idêntica, produzirão idêntico custo ambiental e viário (…), não é aceitável que sejam tributados de maneira diferente, havendo distinção entre os veículos com primeira matrícula nacional e usados importados de outros estados membros. Haverá assim uma violação da lei, do artigo 1º do CIUC. Conforme art.º 99 do CPPT que estabelece os fundamentos para a impugnação judicial, em similitude que se estabelece entre a impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral, deve concluir-se a competência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria”.
6.26. Quanto à excepção suscitada pela Requerida de que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, com vista a apreciar a liquidação de IUC do ano de 2015, veio a Requerente referir, em síntese, que “(…) a Reclamação Graciosa foi apresentada contra (…) autoliquidações de IUC de 2015, 2016 e 2017” e tendo em consideração que “o artigo 48º nº 1 da Lei Geral Tributária define que as dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos, sendo (…) que o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de 4 anos se não for notificado o contribuinte nesse prazo”, “(…) a Requerente na posse no despacho do TJUE e sabendo que a lei permite a AT notificar os contribuintes até um prazo máximo de 4 anos, avançou com a reclamação graciosa contemplando as autoliquidações desde 2015 com base no referido prazo máximo de 4 anos, dado que, por questões de equidade e transparência, assumiu que prazo idêntico seja aplicado também aos contribuintes”.
6.27. Nesta matéria, quanto à análise da procedência da referida excepção refira-se que, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 97º do CPPT, “o processo judicial tributário compreende a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta” (sublinhado nosso).
6.28. E, como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Volume II, Áreas Editora, Nota 18 ao artigo 97º do CPPT, página 53 e seguintes), “(…). Deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação (…), o meio adequado é o processo de impugnação. (…)”.
6.29. Ora, no que diz respeito à competência dos Tribunais Arbitrais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, esta compreende, no que a este processo aproveita, “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)” (sublinhado nosso).
6.30. Adicionalmente, determina o artigo 95º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”, podendo ser lesivos, por força do respectivo nº 2, nomeadamente, “a liquidação de tributos (…)” (sublinhado nosso).
6.31. Assim, resulta do quadro normativo acima transcrito que, em termos gerais, a pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poderá ser objecto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral.
6.32. Ora, aqui chegados, e face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que é competente, em termos gerais, para conhecer da pretensão formulada pela Requerente, ou seja, tem competência para avaliar e decidir se as liquidações de IUC, respeitantes ao veículo automóvel identificado nos autos, estão ou não feridas do vício de ilegalidade.
6.33. Nestes termos, face ao acima exposto, será de improceder a excepção dilatória da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, invocada pela Requerida, no que diz respeito ao pedido de apreciação da legalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada no que diz respeito às liquidações de IUC dos anos de 2016 e 2017, bem como quanto ao pedido de apreciação da legalidade das liquidações de IUC daqueles anos.
6.34. Contudo, a competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria ficará prejudicada no que diz respeito à apreciação da legalidade da liquidação de IUC do ano de 2015 porquanto, em sede de reclamação graciosa, a Requerida nunca se pronunciou sobre a legalidade daquele acto mas somente pela sua intempestividade.
6.35. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 97º, nº 2, alínea p) do CPPT, conforme escreve o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in obra citada (vide supra ponto 6.29.), “(…) a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação de um acto de liquidação. Se no acto praticado (…) não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento [como a intempestividade (…)], o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial (…), pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação” (sublinhado nosso).
6.36. Nestes termos, face ao acima exposto, o Tribunal Arbitral considera-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de apreciação da legalidade da liquidação de IUC do ano de 2015.
Da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária
6.37. Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) o pedido e a causa de pedir vertidos no pedido de pronúncia arbitral (…) contendem exclusivamente com a classificação do veículo nas Categorias de IUC” e, “(…) em face do pedido e da causa de pedir, implica que exista um premente interesse em agir (contradizer) por parte do Instituto da Mobilidade e Transportes, I.P. (IMT), no presente pleito, na medida em que apenas o IMT poderá dispor do conhecimento dos factos relativos à integração dos veículos nas diferentes categorias” sendo que “(…) a entidade Requerida não possuiu quaisquer atribuições ou competências em matéria de classificação das várias categorias dos veículos automóveis”, concluindo pela “(…) ilegitimidade da entidade Requerida no que respeita ao pedido do enquadramento formulado pela Requerente” (sublinhado nosso).
6.38. Ora, no direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo.
6.39. Como pressuposto processual (geral), ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, no direito adjectivo o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
6.40. Tal como no direito substantivo, haverá que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos nº 1 e 2 do artigo 30º do actual CPC, ou seja, em função do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu).
6.41. Ainda dentro da regra enunciada nos citados nº 1 e 2 do artigo 30º do actual CPC, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.
6.42. Dispõe o nº 3 do artigo 30º do actual CPC que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
6.43. De acordo com a tese prevalecente (como bem sintetizam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto), ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.
6.44. Feitos estes considerandos legais, há que analisar os pedidos formulados pela Requerente com o objectivo de aferir a legitimidade passiva da Requerida em cada um deles:
6.44.1. Declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
6.44.2. Declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IUC identificados no processo.
6.45. Neste âmbito, será importante dar resposta a algumas questões de modo a melhor definir quem tem interesse em ser demandado no processo, tendo em consideração os pedidos efectuados pela Requerente.
6.46. A Requerida tinha ou não legitimidade para proceder à liquidação de IUC dos anos em causa? E para proceder à sua anulação?
6.47. Quanto á legitimidade da Requerida para ser demandada relativamente aos pedidos referidos no ponto 6.44., supra, dando resposta afirmativa às questões formuladas no ponto anterior, cumpre analisar os argumentos que a seguir se apresentam.
6.48. De acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho (diploma que aprova o Código do IUC), “a competência relativa à administração do IUC cabe (…) à Direcção-Geral dos Impostos (…)”, tendo esta entidade, de acordo com o disposto no artigo 5º daquele diploma, “(…) celebrado protocolos com o IRN e o IMTT (…), com vista à troca de informação necessária à liquidação e fiscalização (…) do IUC”.
6.49. Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 16º, nº 1 do respectivo Código, “a competência para a liquidação do IUC é da Autoridade Tributária e Aduaneira (…)”.
6.50. Assim, no que diz respeito aos pedidos formulados (vide supra ponto 6.44.) pela Requerente, são afirmativas as respostas a dar às questões acima formuladas no ponto 6.46. de que a Requerida tinha legitimidade para proceder à liquidação de IUC dos anos em causa e, nestes termos, cabendo-lhe a competência de administrar o imposto, terá também legitimidade para proceder à anulação daquelas liquidações.
6.51. Deste modo, improcede a excepção da ilegitimidade passiva da Requerida quanto aos pedidos formulados pela Requerente, bem como o pedido de intervenção principal provocada do IMT.
Da excepção da intempestividade do pedido
6.52. Analisada a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, bem como a excepção da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributáriaa, ambas suscitadas pela Requerida, e não tendo nenhuma delas inviabilizado o conhecimento total do pedido arbitral, cumpre agora analisar a excepção da intempestividade do pedido, oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral.
6.53. Considerando que a extemporaneidade do pedido constitui uma excepção peremptória, nos termos do artigo 576º do CPC (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29º do RJAT), a qual a proceder implicará a absolvição (parcial ou total) da Requerida quanto ao pedido apresentado, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente, veio o Tribunal Arbitral suscitar oficiosamente aquela excepção, no despacho arbitral datado de 14 de Maio de 2019, porquanto entendeu que, atenta a factualidade subjacente ao pedido, “(…) com pertinência para o processo arbitral, [era] necessário aferir da (in)tempestividade da reclamação interposta contra as liquidações de IUC objecto do pedido (ano 2015, 2016 e 2017), estando em causa aqui saber se a liquidação deste tributo se configura como uma autoliquidação efectuada pela contribuinte ou como um acto tributário da competência dos serviços tributários, dado que os prazos para interposição da referida reclamação graciosa serão diferentes. Nestes termos, tendo em consideração que as datas limite para pagamento das liquidações de IUC em crise foram, respectivamente, 30-11-2015, 30-11-2016 e 30-11-2017, no caso de se considerar que estamos perante actos de liquidação, o prazo previsto para interposição daquela reclamação estava, em 19-09-2018, amplamente ultrapassado para todas as liquidações de IUC objecto do pedido arbitral e não só para a liquidação de IUC de 2015. (…)”.
6.54 Notificada para se pronunciar sobre esta possível excepção, a Requerente veio referir, em Requerimento datado de 16 de Maio de 2019, que “sobre as liquidações de IUC 2016 e 2017 a própria AT, através do Ofício nº 2018... (…) refere que da análise dos requisitos de admissibilidade da reclamação graciosa, constata-se que (…) foi apresentada em tempo. Refere o mesmo ofício que, sobre o IUC 2015 à data da apresentação da reclamação, já o prazo de dois anos se encontrava decorrido. Contudo, como foi (…) citado, os artigos 48º nº.1 e 45º nº 1 da Lei Geral Tributária comtemplam a possibilidade da AT notificar sobre dívidas, nomeadamente de IUC, no prazo máximo de 4 anos. Nessa base, por se ter em consideração o princípio da equidade as liquidações de IUC de 2015 foram também referidas na reclamação graciosa, dado não ter sido ultrapassado o prazo de 4 anos”.
6.55. Através de requerimento datado de 27 de Maio de 2019, a Requerida veio responder à matéria de excepção suscitada pelo Tribunal Arbitral no despacho de 14 de Maio de 2019, referindo, em síntese, que “da factualidade vertida nos autos, extrai-se que a Requerente, em sede de reclamação graciosa, vem arguir a ilegalidade dos actos tributários de liquidação IUC n.º 2015..., 2016 ... e 2017 ... relativos aos anos de 2015, 2016 e 2017. (…) as liquidações em causa constituem indubitavelmente liquidações emitidas pela entidade Requerida, e não autoliquidações com apuramento de imposto efectuado pela Requerente. E, nesse desiderato, o prazo para apresentar reclamação dos actos liquidação subsume-se ao prazo geral de 120 dias, a que alude o disposto no Art.º 70.º do CPPT, e não ao prazo de 2 anos a que alude o disposto no Art.º 131.º do CPPT. (…) Pelo que, tendo a reclamação graciosa sido apresentada a 19.09.2018, afere-se que a mesma é claramente intempestiva e, nesse desiderato, fica irremediavelmente arredada a possibilidade de o Tribunal conhecer da sua legalidade. (…)” concluindo que “(…) deverá ser julgada procedente, por provada, a excepção de intempestividade (…)”.
6.56. Ora, no que diz respeito a aferir da eventual intempestividade do pedido arbitral, tendo em consideração que o objecto deste pedido diz respeito à declaração de ilegalidade do “(…) indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e os actos de liquidação do Imposto Único de Circulação identificados, relativos aos anos 2015, 2016 e 2017 (…)”, torna-se necessário analisar se a reclamação graciosa apresentada, em 19 de Setembro de 2018, contra as liquidações de IUC identificadas no processo, foi ou não tempestivamente apresentada.
6.57. Para efeitos do disposto no ponto anterior, importa previamente analisar e decidir se, em termos gerais, uma liquidação de IUC se deve configurar como uma “autoliquidação”, da responsabilidade do contribuinte (no caso, da Requerente) ou se deverá ser configurada como um acto tributário da competência da Requerida, ou seja, uma “liquidação”.
6.58. Neste âmbito, o artigo 16º, nº 1 do Código do IUC dispõe, como acima já foi referido que é da competência da Administração Fiscal a liquidação do imposto mas o seu nº 2 refere que “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas”.
6.59. Assim, no caso, estaremos perante operação de liquidação ou perante uma verdadeira operação de “autoliquidação”? Entendemos que, pelas razões a seguir apresentadas, se trata de uma operação de liquidação de imposto.
6.60. No caso do IUC, o procedimento de liquidação deste tributo assenta na utilização, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dos elementos constantes das bases de dados de veículos e da propriedade automóvel.
6.61. Por regra, a liquidação deste tributo opera-se por recurso à internet, através do Portal das Finanças, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas (artigo 16º, nº 2, do Código do IUC), sendo a utilização deste meio obrigatório para as pessoas coletivas, salvo nos casos em que, por carência de elementos, a liquidação não possa efetuar-se por via eletrónica (o que se verificará, nomeadamente, nos casos em que o veículo não conste daquelas bases de dados, por se não encontrar matriculado em território português ou sempre que exista erro ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da internet – vide artigo 16º, nº 3 do Código do IUC).
6.62. Ora, ressalvados os casos referidos no ponto anterior, e sempre que o sujeito passivo seja pessoa singular (como é o caso da Requerente), o recurso à liquidação através do portal das finanças (na internet) pode ser afastado, podendo a liquidação ser solicitada pelo sujeito passivo em qualquer serviço de finanças, em atendimento ao público (vide artigo 16º, nº 3 do Código do IUC).
6.63. Tomando como referência os elementos constantes da base de dados, relativos à identificação do veículo e características relevantes para a definição objectiva da incidência tributária e aplicação da correspondente taxa bem como da incidência subjetiva, a liquidação de IUC, previamente efetuada por meios informáticos, é passível de impressão, pelos mesmos meios, através da emissão do competente documento de cobrança do qual, para além de outros elementos relevantes para o pagamento, consta também a demonstração da respetiva liquidação (vide artigo 16º, nº 4 do Código do IUC).
6.64. Assim, em situações normais, é ao sujeito passivo que cabe a iniciativa de provocar a liquidação, através da internet, nos moldes acima referidos ou junto de qualquer serviço de finanças, se tal possibilidade se não mostrar viável em consequência de erro ou omissão da base de dados ou sempre que a utilização daquele meio não seja obrigatória.
6.65. Não obstante, a referência à circunstância de a liquidação ser feita pelo próprio sujeito passivo através da internet não implica que se esteja perante uma situação em que a liquidação do tributo em causa (apuramento do montante de imposto devido em função dos elementos relevantes para a respectiva quantificação) seja da competência do sujeito passivo, ainda que a liquidação do imposto seja, aparentemente, efectuada pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas (artigo 16º, nº 2 do Código do IUC).
6.66. Na verdade, no caso do IUC, o que se passa é que as operações de liquidação são efectuadas por meios informáticos geridos pela Administração Tributária e Aduaneira, não sendo permitido ao sujeito passivo alterar minimamente qualquer dos elementos que para elas relevam.
6.67. Contudo, a opção do legislador pela utilização intensiva de meios informáticos no procedimento de liquidação deste tributo, recorrendo não só à utilização de bases de dados relativas à matrícula e registo de propriedade dos veículos a ele sujeitos mas também à via eletrónica facultada aos sujeitos passivo como meio de cumprimento da obrigação, não deixaria de suscitar algumas dúvidas quanto à competência funcional para efectuar a liquidação, designadamente, no tocante às garantias dos contribuintes.
6.68. Mas, esta questão foi, desde logo, lapidarmente resolvida pelo disposto no nº 1 do artigo 16º do Código do IUC, nos termos do qual, repita-se, se estabelece que “a competência para a liquidação é da Autoridade Tributária e Aduaneira”.
6.69. E, para afastar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir, a referida norma viria, ainda, a ser objecto de clarificação, através da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, no sentido de que “para todos os efeitos legais, se considera o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo”.
6.70. Nestes termos, é a Autoridade Tributária que efectua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto apurado, tendo em consideração as datas para liquidação e pagamento do imposto (vide artigo 17º do Código do IUC), não fazendo o contribuinte qualquer operação de cálculo do imposto a pagar.
6.71. Com efeito, como refere José Casalta Nabais, citado pela Requerida no seu requerimento datado de 27-05-2019, “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante de imposto, compreende; 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação (strito sensu) traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta”.
6.72. Assim, não estamos no caso do IUC perante uma verdadeira “autoliquidação” de imposto, como acontece para efeitos de IVA ou de IRC (impostos nos quais o sujeito passivo procede a todas as operações conducentes ao apuramento do imposto a pagar ou do imposto a receber), limitando-se o sujeito passivo, no caso do IUC, a imprimir a nota de liquidação de imposto e a proceder ao pagamento dos valores de IUC previamente apurados pela Autoridade Tributária.
6.73. Ora, não se estando perante actos de “autoliquidação”, mas sim perante actos de liquidação da competência da Autoridade Tributária (Requerida), o prazo de reclamação graciosa é o previsto no artigo 70º, nº1 do CPPT, não sendo assim ao caso aplicável o prazo de 2 anos a que se refere o artigo 131º do mesmo Código, contrariamente ao referido na Informação anexa ao despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
6.74. Nestes termos, tratando-se de liquidações de imposto, o prazo que a Requerente tinha para apresentar a reclamação graciosa era de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68º, 70º e 102º do CPPT.
6.75. No caso, a Requerente apresentou, em 19 de Setembro de 2018, a reclamação graciosa n.º ...2018..., que abarcou as liquidações de IUC da viatura ... referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, tendo a mesma sido indeferida com os seguintes fundamentos:
“No que se refere ao ano de 2015 (…), a reclamação graciosa é intempestiva”. No que diz respeito aos anos 2016 e 2017, “(…) sendo a data da matrícula em Portugal – 2009/12/02, o veículo encontra-se inserido na categoria B de tributação”, concluindo ser “(…) de manter as liquidações ora reclamadas, indeferindo-se a (…) reclamação graciosa”.
6.76. Ora, dado que o termo do prazo para pagamento voluntário das referidas liquidações foi, respectivamente, 30-11-2015, 30-11-2016 e 30-11-2017, à data da interposição da reclamação graciosa acima identificada (19-09-2018), o prazo de 120 dias (contados nos termos do ponto 6.74., supra) que a Requerente tinha para reclamar graciosamente das referidas liquidações de IUC encontrava-se já ultrapassado, sendo por isso de considerar totalmente intempestiva a referida reclamação graciosa quanto a todas as liquidações de IUC (2015, 2016 e 2017) e não só quanto à liquidação de IUC de 2015.
6.77. Neste âmbito, tendo em consideração, nomeadamente, o teor do Acórdão do TCAN (processo nº 01584/09.3BEPRT), de 11-10-2017, no sentido que “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido”, bem como o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 07644/14), de 23-03-2017, no sentido que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, a intempestividade total da reclamação graciosa [não só quanto à liquidação de IUC de 2015 (como defende a Requerida no despacho de indeferimento da mesma) mas também quanto às liquidações de IUC de 2016 e 2017] terá repercussões no pedido arbitral de pronúncia arbitral (sublinhado nosso).
6.78. Com efeito, não pode defender-se e justificar-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de uma reclamação graciosa extemporânea pois, desde modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação.
6.79. Assim, contrariamente ao preconizado no despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada esta deveria ter sido considerada como intempestiva em relação à totalidade das liquidações de IUC objecto da mesma (2015, 2016 e 2017).
6.80. Do referido nos pontos anteriores decorre ser de declarar intempestivo o pedido arbitral apresentado pela Requerente referente às liquidações de IUC dos anos de 2015, 2016 e 2017.
6.81. Nestes termos, declara este Tribunal Arbitral procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a Requerida do pedido arbitral.
6.82. Em consequência do ponto anterior, fica prejudicado (porque se revelaria inútil) o conhecimento das demais excepções suscitadas pela Requerida.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.83. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.84. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.85. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:
7.1.1. Julgar totalmente procedente a excepção da intempestividade do pedido, oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral, absolvendo-se em consequência a Requerida do pedido arbitral.
7.1.2. Em consequência, condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 998,78.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Julho de 2019
O Árbitro,
Sílvia Oliveira