DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), Isaque Marcos Ramos e José Nunes Barata (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., SA, a seguir designada por Requerente, veio requerer, em 21 de Dezembro de 2018, a constituição de tribunal arbitral colectivo em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto–Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).
A. Constituição do Tribunal Arbitral
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 21/12/2018 e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 08/02/2019, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros.
3. Nesta conformidade, o Tribunal foi constituído em 28/02/2019, nos termos do preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o que foi notificado às Partes nessa data.
B. Pretensão
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à anulação parcial do acto de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2018..., concretizado através do documento de cobrança n.º 2018... e, em consequência:
a) Lhe sejam restituídas as quantias pagas a título de AIMI referentes à parte anulada da liquidação em apreço, no montante total de €.230.442, 11;
b) Seja a Requerida condenada a pagar à Requerente, sobre esta quantia, juros indemnizatórios previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
C. Tramitação do Processo
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 28/02/2019, seguiram-se os posteriores termos processuais do seguinte modo:
Em 28/02/2019, a Requerida foi notificada para nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica;
Em 29/03/2019 a Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas seus representantes, tendo sido, de tudo, notificado o Requerente em 01/04/2019;
Em 11/04/2019 a Requerente apresentou um requerimento no sentido de ser mantido o valor da causa em 230 442,51 euros, conforme pedido de pronúncia arbitral, e não 523 502,27 euros, como pretendia a Requerida na sua Resposta;
Em 16/04/2019 o Tribunal proferiu um despacho em que:
a) Dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, salvo oposição expressa e fundamentada de qualquer uma das Partes no prazo de cinco dias;
b) Manteve o valor atribuído pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral como valor da causa; e
c) Julgou inútil a diligência de inquirição das testemunhas arroladas, salvo oposição expressa e fundamentada no prazo de cinco dias, por considerar inexistir controvérsia relativamente aos factos essenciais para a decisão da causa, sendo suficiente a prova documental não impugnada;
O Tribunal determinou, assim, o prosseguimento do processo mediante a notificação das Partes para apresentarem alegações escritas, facultativas, no prazo simultâneo de vinte dias.
O Tribunal fixou como data previsível para a prolação da decisão arbitral o dia 30 de Junho de 2019.
Em 13/05/2019, Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas.
D. Pretensão da Requerente e seus fundamentos
i. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
ii. A Requerente tem por objecto social, entre outras actividades, a actividade imobiliária, i.e., a compra e venda de imóveis.
iii. Em 14 de agosto de 2018, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI n.º 2018..., respeitante ao ano de 2018, do qual resultou um valor a pagar de €.523.502,27, dos quais €.230.442,51 dizem respeito a terrenos para construção que não têm afetação habitacional.
iv. A Requerente considera que o acto de liquidação de AIMI identificado supra enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, pelos fundamentos que adiante se apresentarão.
v. A Requerente é proprietária dos terrenos para construção correspondentes aos artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-.., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... da freguesia do ... e aos artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... da freguesia de ..., do concelho de Lisboa.
vi. Os terrenos para construção de que a Requerente é proprietária têm mais do que uma afetação (habitação, comércio ou serviços), pelo que o seu valor patrimonial tributário foi determinado tendo em conta afetação associada às construções finais projetadas para cada um deles.
vii. Na liquidação de AIMI identificada supra, a Requerente constatou que se encontram a ser considerados para efeitos de incidência do AIMI a totalidade dos terrenos para construção, independentemente da respetiva afetação.
viii. Ora, tendo em consideração a legislação aplicável à data dos factos, a Requerente considera que a liquidação se encontra incorretamente apurada, na medida em que a mesma deveria ter sido de apenas €.293.059,76, ou seja, o correspondente apenas à componente habitacional do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
ix. Como tal, a Requerente pagou indevidamente a título de AIMI o valor de €.230.442,51, por referência a terrenos para construção cuja afetação associada à construção final projetada para cada um deles era «comercial, industrial ou para serviços».
x. A incidência objetiva do AIMI encontra-se prevista no artigo 135.º-B do Código do IMI, o qual estabelece, no seu n.º 1, que «[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular».
xi. Ora, o n.º 2 do mesmo artigo exclui da incidência do AIMI «[…] os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código».
xii. Nestes termos, conclui-se que apenas se encontram abrangidos pelo regime do AIMI os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no referido artigo 6.º do Código do IMI.
xiii. Ora, a Requerente considera que apenas deverão ser sujeitos a AIMI os terrenos para construção cuja afetação seja «habitação», estando excluídos da incidência de AIMI os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção cuja afetação seja «comercial, industrial ou para serviços».
xiv. De facto, essa é a única interpretação que se afigura coerente com a opção legislativa, plasmada no n.º 2 do referido artigo 135.º-B do Código do IMI, que exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços».
xv. Nesta conformidade, a Requerente entende que deve ser feita uma interpretação extensiva da norma exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, no sentido de excluir da incidência de AIMI também os terrenos destinados à construção de prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços».
xvi. Uma interpretação contrária à defendida pela Requerente mostra-se materialmente inconstitucional, por não ser compaginável com o princípio da igualdade ao considerar como facto tributável a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a comércio, indústria e serviços e não a titularidade de prédios neles construídos.
xvii. Como tal, a Requerente considera que os terrenos para construção com afetação comercial, industrial ou serviços não se encontram abrangidos pelo disposto no artigo 135.º-A do Código do IMI e, consequentemente, não são sujeitos a AIMI.
xviii. Isto porque, atendendo ao fundamento de natureza axiológica do AIMI, «[…] a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos […]», mas «[…] não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de atividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança», conforme resulta das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 669/2017-T e 8/2018-T.
xix. Neste sentido, deve concluir-se, na senda da Decisão Arbitral proferida no CAAD no processo n.º 8/2018-T, que «[…] terá fundamento constitucionalmente aceitável a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, que veio a ser consagrada na redação para o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, na interpretação que atrás se adoptou».
xx. O entendimento da Requerente expresso no presente pedido de pronúncia arbitral é corroborado por inúmera jurisprudência arbitral, nomeadamente pelas Decisões Arbitrais proferidas no CAAD nos processos n.ºs 668/2017-T, 669/2017-T, 675-2017-T, 677/2017-T, 679/2017-T, 681/2017-T, 686/2017-T, 687/2017-T, 688/2017-T, 694/2017-T e 8/2018-T.
xxi. Face ao exposto, conclui a Requerente que a liquidação do AIMI enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, na parte em que considera sujeito a AIMI a componente do valor patrimonial tributável dos terrenos para construção que tenham sido determinados tendo por base as potenciais afetações futuras de «serviços» e «comércio».
xxii. Ora, tendo sido paga, na totalidade, a liquidação de AIMI identificada supra, e uma vez que houve erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária na liquidação do tributo, do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, a Requerente peticiona o direito ao recebimento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento do respetivo reembolso, nos termos do artigo 43.º da LGT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do CPPT.
E. Resposta da Requerida e seus fundamentos
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
i. O objecto do pedido consubstancia-se na liquidação de AIMI referente ao ano de 2018, identificada pelo n.º 201..., no montante de €.523 502,27.
ii. O valor da causa deverá, pois, corresponder ao valor do acto impugnado, não sendo o valor assinalado a final de €.523 502,27, o qual deverá ser corrigido em conformidade, pelo que requer a sua correcção.
iii. A 01/01/2018, de acordo com o n.º 4 do artigoº 8.º, por remissão do n.º 3 do artigo 135.º-A CIMI, a Requerente era proprietária dos imóveis em apreço.
iv. O apuramento do VPT foi realizado de acordo com o inscrito na matriz, conforme n.ºs 1 e 2 do artigo 135.º-C do CIMI.
v. Os imóveis não se encontravam abrangidos pelas exclusões previstas no n.º 2 do artigo 135.º-B, nem pelo n.º 3 do artigo 135.º-C do CIMI.
vi. O AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção — independentemente da sua afetação potencial (atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI) — na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência.
vii. Atento o exposto, pode pois afirmar-se que, no que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas colectivas e estruturas equiparadas (n.º 2 do artigo 135.º-A do CIMI) o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.
viii. Deste modo, no que respeita às pessoas colectivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação real, reflectindo desta forma a ideia de que os elementos integrantes do património imobiliário detido por estas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.
ix. O legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.
x. Ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”, ao contrário do que é dito pela Requerente.
xi. Acresce que o carácter progressivo do AIMI apenas tem manifestação no âmbito dos sujeitos passivos - pessoas singulares e não quando os sujeitos passivos sejam pessoas colectivas ou estruturas jurídicas equiparadas por conseguinte, ao salientar-se que se trata de um imposto sobre a “riqueza imobiliária” é necessário reconduzir esta expressão à sua real dimensão económica, tanto mais que o conceito de “riqueza” ou “fortuna” se revela adequado quando se reporta a pessoas singulares e não a pessoas colectivas.
xii. A exclusão da tributação dos prédios urbanos com fins “industriais, comerciais e serviços” e “outros”, traduz claramente a intenção de mitigar o impacto do AIMI sobre as actividades económicas mas não leva às últimas consequências a alegada intenção de eliminar todo e qualquer impacto do imposto.
xiii. A opção legislativa consagrada nos artigos 135.º-A e 135.º-B, de qualificar como sujeitos passivos pessoas singulares e pessoas colectivas e quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português com a classificação como “terrenos para construção” ou de “edifícios ou construções para fins habitacionais”, trouxe, inevitavelmente, para o campo da tributação, entidades que prosseguem actividades económicas.
xiv. Portanto, nada na letra da lei autoriza a concluir que a intenção do legislador do AIMI tenha sido a de excluir de tributação os “prédios urbanos que se encontrem afectos ao exercício de uma actividade económica”, pois o único critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objectiva é, tão-só, a tipologia de classificação dos prédios urbanos prevista no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, para a qual remete expressamente o n.º 2 do artigo 135.º-B.
xv. O AIMI incidente sobre as pessoas colectivas e estruturas equiparadas reveste a natureza de um imposto real sobre o património imobiliário constituído por prédios urbanos que preenchem os tipos visados pelo n.º 2 do artigo 135.º-B, independentemente das classes do activo em que se encontram inscritos – inventários, activo fixo tangível ou activo não corrente detido para venda –, pelo que a Requerente encontra-se sujeita ao AIMI pelos prédios urbanos de que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias que preencham as condições enunciadas naquele preceito do Código do IMI.
xvi. O legislador optou por excluir da incidência objectiva deste Adicional os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e “outros" nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código, conforme disposto no n.º 2 do artigo 135º-B.
xvii. O legislador promoveu a adoção de um novo imposto (AIMI) que incide sobre proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados em território português, a 1 de janeiro do ano a que o tributo respeita, excluindo-se empresas municipais e cooperativas de habitação e construção de habitação social, nos termos do artigo 135. °-A do Código do IMI.
xviii. E, foi exactamente nestes termos, que a AT procedeu às liquidações de AIMI impugnadas, o que não foi contraditado no pedido arbitral.
xix. Consideram a Requerente que a AT, na aplicação que fez da norma, incorreu em violação do artigo 135º-B, n.º 2, do Código do IMI, por interpretação inconstitucional da mesma.
xx. A letra da lei não permite que a Requerente impute à AT erro na sua interpretação.
xxi. Se atentar na redacção do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, acima citado, decorre que o legislador, especificamente, apenas excluiu da tributação em AIMI os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.
xxii. O legislador optou por formular a restrição atendendo à classificação dos prédios, não existindo na letra da lei nada que indicie que tal exclusão possa ampliar-se, nomeadamente estender-se aos demais prédios aí não incluídos quando estejam afectos a determinada actividade económica do sujeito passivo de imposto.
xxiii. A AT não procedeu a qualquer interpretação inconstitucional da norma, pois não é a AT quem decide incluir na tributação em AIMI os prédios urbanos afectos a actividades económicas, mas sim, porque é o que resulta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, apenas não são tributados os prédios urbanos classificados como industriais, comerciais ou para serviços e outros.
xxiv. A Requerente pretende uma interpretação ab-rogante da norma, introduzindo-lhe um sentido que não foi consagrado pelo legislador na letra da lei, ampliando, assim, o âmbito da exclusão de tributação de forma a abranger a totalidade dos prédios detidos pelas mesmas, contrariando a delimitação contida no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, onde apenas se referencia prédios com determinado tipo de classificação prevista no artigo 6.º do Código do IMI.
xxv. O legislador no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI não excluiu expressamente da tributação outros prédios urbanos que não os «classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.
xxvi. A teleologia do AIMI visa, primeiramente, atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), independentemente de estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos, pelo que se crê ser este o propósito do n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
xxvii. O legislador optou no n.º 2 daquele preceito por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades.
xxviii. Para o efeito, recorreu a um critério que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtracção ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respectivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito.
xxix. O universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º: prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
xxx. Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios.
xxxi. A diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.
xxxii. Está-se perante uma norma de incidência objectiva de carácter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito.
xxxiii. Em causa está apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.
xxxiv. O critério escolhido pelo legislador – a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – o foi exactamente em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios.
xxxv. A delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objectiva e não, na incidência subjectiva.
xxxvi. O legislador afastou da incidência os prédios urbanos utilizados para fins “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, mas optou por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, ou seja, não garantiu em todos os casos que “os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI”.
xxxvii. Pelo que é mais consentânea com a letra e com o espírito da lei presente no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a conclusão de que a ratio legis que esteve na génese de exclusão da incidência objectiva, aí consagrada, se orientou pelo objectivo de afastar da sujeição ao imposto, sobretudo, os imóveis que dão suporte ao desenvolvimento de actividades económicas, ou seja, que são detidos para utilização ou fornecimento de bens ou serviços ou para fins administrativos, não cuidando assim, de, com carácter geral, “não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social.”
xxxviii. Os bens em causa e especialmente os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da actividade, ao contrário, integram a actividade económica, são o objecto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda.
xxxix. Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.
xl. E ainda que os prédios aqui em dissídio que foram tributados possam revelar-se instrumentais das suas atividades, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquelas pessoas coletivas são titulares de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.
xli. Atenta a formulação objectiva consagrada no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, foi inquestionavelmente afastada pelo legislador a opção casuística defendida pela Requerente, na qual se trata de invocar elementos de consistência económica muitíssimo variável e contingente, que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos activos patrimoniais detidos, tudo impedindo a configuração de qualquer base uniforme capaz de conduzir à afirmação de que a solução normativa objecto do AIMI conduz a uma discriminação negativa injustificada dessas empresas, tanto mais quando estão em causa componentes prediais limitadas do património do sujeito passivo.
xlii. O legislador ao alargar o âmbito de incidência a entidades cujo objecto social coincide com o exercício de actividades económicas demonstrou que não era sua intenção deixar fora do alcance do AIMI todos os imóveis cuja titularidade pertence a tais entidades, sob pena de criar um incentivo fiscal à transferência dos imóveis por parte de pessoas singulares.
xliii. Para fundar a sua posição, a Requerida invoca doutrina e jurisprudência várias.
xliv. No entender da Requerida, a interpretação da Requerente, claramente ab-rogante da lei, viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. artigos 202.º e 203.º da CRP) e, bem assim, do princípio da legalidade formulado no n.º 2 do art.º 103.º, alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º todos da CRP.
xlv. As únicas e exclusivas espécies de prédios existentes no nosso ordenamento jurídico são aqueles que vêm plasmados no artigo 6.º do Código do IMI:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
xlvi. Não podendo, nem a Requerente, nem o julgador, criar uma nova espécie de prédio sob pena de violarem frontalmente os mais basilares princípios constitucionais da separação e interdependência de poderes e da legalidade.
xlvii. Os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP e n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.
xlviii. Pelo que, e em suma, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.
xlix. Fundado em doutrina e jurisprudência que invoca, entende a Requerida que que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
l. A capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património, conforme consagra o n.º 1 do artigo 4.° da LGT.
li. As escolhas subjacentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI, efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”, não constituem uma lesão do princípio da igualdade, pelo facto de sujeitos passivos com igual capacidade contributiva poderem ser desigualmente afectados pelo imposto em razão do diferente peso que os prédios urbanos para fins habitacionais e os terrenos para construção podem representar nos respectivos patrimónios globais.
lii. O AIMI visa, num primeiro momento, atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), independentemente do mesmo estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos, pelo que crê ser este o propósito do n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
liii. Vindo depois o legislador, num segundo momento, delimitar negativamente a incidência do imposto, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades.
liv. O legislador recorreu a um critério que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtracção ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respectivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito.
lv. Pelo que, o universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º: prédios urbanos habitacionais e também terrenos para construção.
lvi. O critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios.
lvii. Trata-se, pois, de uma norma de incidência objectiva de carácter geral e abstracto, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respectivos pressupostos de facto e de direito.
lviii. O legislador definiu um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para alcançar o desiderato de tributação de realidades particularmente reveladoras de riqueza e a legitimar, por conseguinte, uma contribuição complementar para a consolidação orçamental.
lix. O AIMI respeita uma tributação parcelar do património sem visar especificamente empresas ou um tipo de empresas específico, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares.
lx. É manifesto que entre os interesses claramente protegidos pela Constituição se encontra a cobrança dos impostos em ordem à satisfação das necessidades públicas (cfr. artigo 103.º, n.º 1 da CRP), pelo que o dever de contribuir para os gastos públicos por via dos impostos é um limite imanente aos direitos de propriedade e de liberdade de iniciativa económica.
lxi. Inexiste qualquer influência significativa sobre a titularidade de prédios por empresas que se dediquem à comercialização dos mesmos, dado que o AIMI não possui alcance geral, mas tem o seu âmbito de aplicação restringido aos prédios urbanos sitos em Portugal independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário.
lxii. Ou seja, o único dado que pode relevar centra-se na aferição da propriedade de um prédio urbano sito em Portugal
lxiii. Não será, pois, a circunstância de outros contribuintes detentores de património imobiliário identicamente valioso ficarem isentos do tributo, que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância.
lxiv. Os terrenos para construção não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.
lxv. Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.
lxvi. E ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da actividade económica, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa colectiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.
lxvii. Ou seja, a circunstância de um dado bem valer, como “factor de produção de riqueza" não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar capacidade contributiva e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental.
lxviii. Apenas seria possível entender-se de modo diverso caso a específica qualidade do sujeito passivo e/ou a sua natureza estivesse projectada no critério normativo em sindicância.
lxix. Os imóveis, incluindo terrenos para construção, são bens em sentido económico, porque a sua utilidade e escassez permite atribuir-lhes um preço de mercado.
lxx. O legislador dentro da sua margem de liberdade de conformação das realidades fáctico-jurídicas que constituem a base da incidência do AIMI, denota a preocupação de abranger apenas os prédios urbanos classificados como edifícios para fins habitacionais detidos para venda, no mesmo estado em que são adquiridos ou após uma transformação, afectos ao arrendamento ou objecto de outra forma de exploração e, bem ainda, os terrenos para construção detidos para venda ou para neles serem erigidas construções, sendo que estas realidades podem integrar, com maior ou menor peso, o património de pessoas singulares ou de pessoas colectivas e de outras estruturas equiparadas.
lxxi. A Requerida entende que é inconstitucional o artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI, quando interpretado no sentido de que exclusão de tributação aí prevista estão também os prédios classificados como terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitacional, pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. artigos 202.º e 203.º da CRP), bem como do princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da legalidade formulado nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da CRP, o que aqui se deduz para todos os efeitos legais.
lxxii. No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios, por tudo quanto alegou, entende a Requerida que os mesmos não são devidos se se concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, pois na qualidade de órgão da Administração Pública não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.
lxxiii. Em conclusão, a Requerida requer que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.
lxxiv. E, caso assim não se entenda, requer, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público do acórdão arbitral que venha a ser proferido.
E. Questões a decidir
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
a) A legalidade da liquidação em apreço, na parte de €.230.442,51, respeitante à incidência de AIMI sobre os terrenos para construção com potenciais afetações futuras de «serviços» e «comércio»;
b) Existência, ou não, do direito a juros, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso das importâncias peticionadas, que teriam sido indevidamente pagas, à taxa legal e até efectiva restituição;
c) Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
F. Pressupostos Processuais
O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 2.º, do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas nos termos dos artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
II. MATÉRIA DE FACTO
§.1. Factos Provados
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal.
2. A Requerente tem por objecto social, entre outras actividades, a actividade imobiliária, i.e., a compra e venda de imóveis.
3. A 14 de agosto de 2018, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI n.º 2018..., respeitante ao ano de 2018, do qual resultou um valor a pagar de €.523.502,27, dos quais €.230.442,51 dizem respeito a terrenos para construção que não têm afetação habitacional.
4. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado.
5. A Requerente, na prossecução do seu objecto social, é proprietária dos terrenos para construção correspondentes aos artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... da freguesia do … e aos artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... U-..., U-..., U-... e U-... da freguesia de ..., do concelho de Lisboa.
6. Os terrenos para construção de que a Requerente é proprietária têm mais do que uma afetação (habitação, comércio ou serviços), pelo que o seu valor patrimonial tributário foi determinado pela Autoridade Tributária e Aduaneira tendo em conta a afetação associada às construções finais projetadas para cada um deles (habitação, comércio ou serviços).
7. Na liquidação de AIMI em apreço, foi considerada, para efeitos de incidência do AIMI, a totalidade dos terrenos para construção, independentemente da respetiva afetação.
8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 29/10/2018.
§.2. Fundamentação dos Factos Provados
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
§.3. Factos não provados
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a decidir.
III. MATÉRIA DE DIREITO
1. Do alegado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito
Como resulta das alegações da Requerente, são duas as questões de natureza jurídica a que este Tribunal deve responder. A primeira, passa por saber se o acto de liquidação de AIMI identificado supra enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
A segunda, em aferir se entendimento contrário é, ou não, inconstitucional por violação do princípio da igualdade.
Vejamos, antes de mais, a legislação aplicável.
O Adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.
A incidência subjectiva do imposto encontra-se definida no n.º 1 do artigo 135.º-A nos termos do qual:
“1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”.
Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objetiva, estatuindo o seguinte:
“1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”
Por seu turno, e com relevo para os presentes autos, determina o artigo 6.º do Código do IMI:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” – negrito nosso.
A primeira questão que se coloca é se, face ao referido normativo, foi intenção do legislador isentar os prédios da categoria “terrenos para construção” desde que estes se destinem à construção de prédios afectos a fins “comerciais, industriais ou para serviços”.
Noutros termos, pergunta-se se será de interpretar de forma extensiva a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
A resposta, adiantamo-la desde já, é negativa e decorre dos princípios gerais da hermenêutica jurídica vertidos no artigo 9.º do Código Civil aplicáveis ao Direito Tributário ex vi n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.
Vejamos:
Segundo o n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Como refere Francesco Ferrara , para interpretar o sentido da lei, o intérprete socorre-se de vários meios: “Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”
E prossegue: “Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica” .
Socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, o intérprete acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
No que se refere, em especial, à interpretação extensiva aplica-se quando "o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei".
Subsumindo os referidos princípios ao caso em apreço, dir-se-á, desde logo, o que o elemento literal que decorre dos artigos 135.º-A, n.º 1 e 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código do IMI é claro e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Ao remeter, no n.º 1 do artigo 135.º-B, para as alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do mesmo compêndio legal, deixando fora da norma de exclusão a alínea c) é manifesto que foi sua intenção tributar estes “prédios” independentemente da respectiva afectação.
Acresce que o elemento literal não é de somenos importância. Na verdade, a letra da lei, ou elemento gramatical é o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).
De referir ainda que esta conclusão não é colocada em causa pelos restantes elementos interpretativos.
Com efeito, o imposto em análise foi aditado ao ordenamento jurídico pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2017). No Relatório que acompanha a referida Lei pode ler-se a propósito do AIMI:
“Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.”
Este racional encontrava coerência na versão constante da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado que, para o n.º 2 do artigo 135.º - B do Código do IMI, previa a seguinte redacção:
“2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.”
Sucede que a versão final do diploma aprovada pela Assembleia da República foi diferente e alargou a isenção a prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” eliminando a referência à actividade turística.
Mais. O preceito procede à classificação dos prédios por expressa referência ao artigo 6.º do Código do IMI que, como é sabido, se refere apenas à respectiva afectação que, por sua vez, depende de um requisito de forma que é o seu licenciamento .
Como se escreveu na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 664/2017-T:
“A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.
O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.”
Nada, pois, no elemento teleológico, leva a concluir que foi intenção do legislador excluir da incidência do AIMI os terrenos para construção, independentemente da respectiva afectação.
O mesmo se diga quanto ao elemento sistemático. Com efeito, analisado o AIMI no quadro geral do IMI, com o qual se encontra umbilicalmente interligado, tem-se entendido que, para a determinação do VPT dos terrenos para construção é irrelevante a afectação da construção projectada. Sobre esta matéria pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão datado de 20/04/2016, e proferido no processo 0824/15 (Fonseca Carvalho) em que se escreveu:
"Decorre desta norma que a fórmula acima transcrita apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados, ou seja, àqueles que já edificados são para habitação, comércio, indústria e serviços.
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece."
E, mais adiante, no mesmo aresto:
"Mas tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios uma regra específica – a constante do artigo 45 onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42. Tendo em conta o projecto de construção aprovado e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I.
O que significa que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38 do CIMI.
(…)
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados."
Como se escreveu no Acórdão daquele mesmo Tribunal datado de 16/05/2018 e proferido no âmbito do processo 0986/16 (Ascensão Lopes) tal conclusão “faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.
Em sede de AIMI, face ao quanto já se expôs quanto à natureza desta tributação (enquanto adicional ao IMI), não existirão justificações para divergir de tal critério, ou seja, para considerar que a detenção de "terrenos para construção" com edifícios projectados de finalidades distintas, sinalize diferentes capacidades contributivas – cfr. neste sentido, também a Decisão do CAAD datada de 06/09/2018 e proferida no âmbito do processo 690/2017-T (José Pedro Carvalho).
Neste sentido, e do ponto de vista sistemático, não choca também o tratamento distinto concedido a terrenos para construção (com determinada afectação) dos prédios urbanos já edificados.
O mesmo se diga quanto ao elemento histórico. Compulsadas as propostas de alteração apresentadas em sede de debate parlamentar verifica-se que a proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, aprovada, deu lugar à redacção final, refere, na exposição de motivos:
“Alterações ao Adicional do IMI decorrentes do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais” .
Trata-se, pois, de uma expressão vaga, sem conteúdo interpretativo relevante. Nada nos trabalhos preparatórios pode levar a concluir que foi intenção do legislador excluir de tributação em sede de AIMI os prédios da categoria “terrenos para construção” afectos a comércio ou serviços.
Face ao exposto, e em conclusão, entende-se que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende o recurso à necessidade de interpretação extensiva. Não se demonstra, em particular, que o legislador minus dixit quam voluit.
Ora, “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento .
No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.”
O teor verbal da lei é o limite, dentro do fim ou ratio que subjaz àquela e do sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete. Como refere Manuel de Andrade , “Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida”.
No caso em apreço, parece-nos que o teor literal não deixa margem para quaisquer dúvidas.
Como se escreveu na Decisão Arbitral datada de 26 de Junho de 2018 e proferida no processo n.º 664/2017-T (Carlos Fernandes Cadilha) a propósito do n.º 2 do artigo 135.º - B do Código do IMI: “Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto através de conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182) – negrito nosso.
E conclui:
“De facto, o artigo 135.º-B do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional ao imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efectuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.”
Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.
Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.
Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins” – negrito nosso.
No mesmo sentido, e para além dos arestos já invocados veja-se, por exemplo, 04 de Maio de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 675/2017 (Jorge Lopes de Sousa), de 16 de Julho de 2018, proferido no âmbito do processo 676/2017-Ta (Fernanda Maçãs).
2. Da alegada inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade
Considera ainda a Requerente que interpretação contrária à, por si, propugnada será materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, estribando a sua posição em jurisprudência arbitral que considera favorável à sua posição.
Diga-se, desde já, que não lhe assiste razão.
Na verdade, a questão subjacente aos presentes autos, foi recentemente apreciada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 299/2019, datado de 21 de Maio de 2019 e proferido no processo 752/2018 (Fernando Ventura).
Com relevância para os presentes autos, escreveu-se ali:
“21. Para além da crítica mais ampla à incidência objetiva do AIMI que se vem de apreciar, a recorrente problematiza especificamente a situação dos terrenos para construção. Aponta o facto de o sentido normativo impugnado comportar a tributação de terrenos para construção com afetação estabelecida a fins de comércio, indústria, serviços ou outros, quando a sujeição a AIMI é excluída relativamente aos prédios edificados para essas mesmas finalidades, independentemente da sua efetiva utilização. Considera que se está perante situações jurídico-subjetivas merecedoras do mesmo tratamento, sem que exista uma razão material que legitime constitucionalmente a diferença. Também neste ponto não lhe assiste razão, pois coloca em confronto realidades materialmente distintas, à luz do facto tributário e do pressuposto económico do AIMI.
Na verdade, a incidência do imposto sobre «terrenos para construção», tal como definidos no n.º 2 artigo 6.º do Código de IMI, decorre de nele se terem constituído direitos de construção ou de proceder a operações de loteamento, quer por via de por via de ato administrativo de concessão de licença ou autorização, quer pelo reconhecimento tácito resultante da admissão de comunicação prévia, quer, ainda, pela resposta favorável a pedido de informação prévia ou emissão de informação prévia favorável a operação de loteamento ou de construção. Acessoriamente, o legislador também acolheu, como critério de afetação à construção do terreno, que este seja adquirido expressamente para esse efeito e que possua viabilidade construtiva.
E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular. Como refere José Pires (Lições de Impostos sobre o Património..., p. 140):
«No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia. Mais importante que isso é um fator que lhe é extrínseco e que depende dos poderes público, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existem, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir.
O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.
Devemos ter em conta que no terreno ainda nada está construído, mas a mera constituição de um direito de nele se vir a construir faz aumentar imediatamente o seu valor. Para além disso, a medida desse valor depende também, sempre, do valor do prédio que nele virá a ser construído. É assim que funcionam os mecanismos de mercado e foi também assim que o legislador concebeu o modelo de avaliação de terrenos para construção».
O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e prédio construído não são realidades económicas equivalentes ou assimiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário urbano. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no já referido Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada:
«[É] claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins (...). Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.
As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência deixarão de ser aplicáveis».
Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.
22. A partir do disposto no artigo 41.º do Código do IMI, que estabelece os coeficientes de afetação para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário, a recorrente interroga sobre a razão por que o índice fixado pelo legislador para os imóveis comerciais e para serviços é superior ao dos prédios habitacionais (conclusão OOOO, a qual repete ipsis verbis a formulação e a nota aposta no artigo 123.º do corpo das alegações), após o que desenvolve argumentação votada a convencer que a afetação a comércio, indústria ou serviços «não é exclusiva dos prédios classificados como “comerciais, industriais e para serviços» e que o enunciado semântico do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI deverá ser interpretado no sentido de se aplicar a exclusão de incidência relativamente a «todos os “terrenos para construção” que tenham uma (potencial) afetação a comércio, indústria, serviços ou outros» (conclusões ZZZZ a WWWWW).
Mostra-se patente que, nesse ponto do recurso, como noutros (cfr. último parágrafo do ponto 8, supra), estamos perante argumentação situada no plano infraconstitucional, votada a afirmar a verificação de erro de julgamento, por deficiente interpretação do direito ordinário, como decorre da titulação desse segmento do recurso – «a (ilegal) desconsideração do critério legal da afetação do prédio» - e da afirmação de que o entendimento acolhido é «contrário ao espírito da lei e à própria unidade do sistema jurídico, particularmente a unidade do regime jurídico-tributário do IMI». Ora, o Tribunal recorrido afastou a interpretação defendida pela recorrente, considerando-a sem «qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica», juízo que, repete-se, se impõe a este Tribunal como um dado.
Mas, para além dessa discussão sobre o direito ordinário, argumenta a recorrente que «constitui um tratamento discriminatório e arbitrário a tributação em AIMI de um “terreno para construção” com uma utilização potencial para [fins de comércio, indústria, serviços ou outros], enquanto não é tributado neste mesmo Adicional um prédio edificado com esta mesma utilização potencial», afirmação que radica na ponderação dos coeficientes de afetação (Ca) e de localização (Cl) tanto no cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios construídos, como dos terrenos para construção (artigo 45.º do Código do IMI),
Esta visão assenta no pressuposto, que já vimos incorreto, de que a ratio do imposto impõe que a incidência seja recortada em função de uma avaliação casuística da afetação do imóvel a uma atividade económica. Ao invés, o legislador mobilizou os mesmos critérios normativos objetivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma das espécies previstas no artigo 6.º do Código do IMI, para o que é irrelevante que o titular do prédio utilize em toda a sua latitude, ou não utilize de todo – por razões de oportunidade ou outros - a aptidão do mesmo para a finalidade para que está licenciado ou a que se destina normalmente. Uma tal ponderação seria relevante num outro modelo de tributação do património e de cálculo do respetivo valor, no qual fosse atendido o rendimento-produto, que não aquele que veio a ser positivado na reforma operada em 2003. Nesta, vingou o critério do valor real ou de mercado para apurar o respetivo valor, a partir das categorias rígidas previstas no artigo 6.º (sobre os vários modelos de tributação do património e a sua evolução em Portugal, cfr. CASALTA NABAIS, «A respeito do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis», cit., pp. 32-45; e JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património ..., pp.16-32, e O Adicional ao IMI..., pp. 29-38).
Os critérios específicos de cálculo do valor patrimonial tributário invocados pela recorrente não se colocam à margem desse paradigma, não pretendendo o coeficiente de afetação regulado no artigo 41.º refletir uma racionalidade diferente da subjacente à classificação do prédio ou à sua natureza. Mesmo que as normas dos artigos 38.º, 41.º, 42.º e 45.º do Código do IMI, pela sua maior concretização, possam suscitar dúvidas interpretativas (de que é exemplo a questão dirimida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, formação plenária, de 21 de setembro de 2016, processo n.º 01083/13, acessível em www.dgsi.pt), desde logo por aí se fazer previsão de outras tipologias, na aplicação dos referidos critérios «a classificação dos prédios contida no artigo 6.º do CIMI serve de instrumento de referência fundamental», enquanto «classificação estrutural e ontológica» (JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património..., pp.111 e ).
Por outro lado, é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.
Assim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas – a utilização potencial dos prédios urbanos – comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto – terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.» - negrito nosso.
Por tudo o quanto vai exposto, conclui-se pela improcedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações impugnadas.
III.2.2. Dos Juros indemnizatórios
Não se verificando a ilegalidade apontada pela Requerente aos actos tributários em apreço, o pedido de juros indemnizatórios por si formulado fica prejudicado.
IV. Decisão
Nestes termos e com a fundamentação supra, o tribunal decide,
a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações impugnadas e
b. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, foi já anteriormente, por despacho de 16-4-2019, fixado ao processo o valor de €.230.442,51.
VI. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €.4.284,00.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Junho de 2019.
Os árbitros,
José Poças Falcão (presidente)
Isaque Marcos Ramos (vogal)
José Nunes Barata (vogal)