DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Professor Doutor Manuel Pires e Dr. Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa colectiva n.°..., com sede na Rua ..., n.° ..., ..., ...-... Lisboa, notificada, através de Ofício datado de 2 de julho de 2018, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, do Despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de junho de 2018, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") n.° 2017..., praticado em 20 de março de 2017, pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao exercício de 2014, do qual resultou o valor a pagar de € 1.420.559,76, o acto de liquidação de Juros Compensatórios n.° 2017... (no valor de € 94.849,34) e o acto de liquidação de Juros de Mora n.° 2017 ... (no valor de € 2.315,51), a que corresponde a Demonstração de Acerto de Contas n.° 2017 ... (Compensação n.° 2017...), da qual resultou o valor a pagar de € 1.420.559,76, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 2.° e dos artigos 10.0 e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ("RJAT"), em conjugação com o número 1 do artigo 102.° do Código do Procedimento e Processo Tributário ("CPPIT"), aplicável por força do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 10.° do RJAT, contra o referido Despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de junho de 2018, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada, e contra os atos de liquidação de IRC, de Juros Compensatórios e de Juros Moratórios, referentes ao exercício de 2014, veio apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral peticionando a anulação dos supra referidos actos tributários com fundamento no seguinte:
a) Falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC e de Juros compensatórios;
b) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito no que se refere à não aceitação como gasto do valor das comissões pagas à B... por reunirem os pressupostos legais para serem aceites como gastos nos termos previstos no artigo 23.º -A, n.º 1, alínea r) do CIRC;
c) Erro sobre os pressupostos de direito e de facto ao determinar a aplicação da taxa de 35% a título de tributação autónoma sobre as comissões pagas pela Requerente;
d) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito e insuficiente fundamentação para efeitos do disposto no artigo 77.º da LGT ao não aceitar a perda por imparidade dos lotes de terreno de ... em causa nos autos;
e) Violação do procedimento de inspeção tributária por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material;
f) Preterição de formalidade legal essencial relativamente às liquidações de juros compensatórios; ilegalidade da liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e da liquidação de juros de mora.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-10-2018.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (de ora em diante RJAT), na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, a Requerente designou como árbitro o Senhor Dr. Henrique Nogueira Nunes e a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante AT ou Requerida) indicou como árbitro, nos termos do disposto na já mencionada alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Senhor Professor Doutor Manuel Pires, tendo sido designado por ambos, como terceiro árbitro (e árbitro presidente), nos termos do disposto na referida alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 6 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, a Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs.
Em 12-12-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-01-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e notificada para o efeito, de acordo com o disposto no artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), apresentou, em 06-02-2019, Resposta.
A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que deverá concluir-se que ficou inequivocamente demonstrado nos presentes autos, quer através da junção dos contratos celebrados com a B..., quer através da prova produzida, que a angariação de clientes chineses para o empreendimento “...” foi bem sucedida, ou seja, que o resultado venda foi efetivamente alcançado, preenchendo, pois, o primeiro dos requisitos legais previstos no artigo 23.º-A, nº 1, alínea r), do CIRC.
Do mesmo, sustenta que ficou demonstrado nos autos que o pagamento de comissões como contrapartida da venda de um imóvel é uma forma generalizada de remuneração do sucesso da angariação de clientes para imóveis, não havendo, pois, qualquer particularidade neste caso que invalidade a aceitação deste encargo como normal, tanto mais que os mesmos estão suportados em contratos e foram pagos como contrapartida de faturas devidamente identificadas no próprio Relatório de Inspeção Tributária.
Entende, por fim, que as comissões pagas à B... preenchem, ainda, o requisito do não exagero na justa medida em que embora as comissões ascendam a 15% ou até mesmo a mais, as mesmas apenas foram aceites pela Requerente no contexto de grave crise económica que se refletiu gravemente na atividade de promoção imobiliária da Requerente que se viu confrontada com a necessidade de angariar mais clientes, perante a diminuta procura interna, manifestamente insuficiente para fazer face aos seus compromissos junto da banca, cuja dívida ascendia, em 2014, a cerca de 35 milhões, sendo que apenas o aumento das vendas permitiria à Requerente manter a sua atividade e evitar a insolvência.
E que ficou provado que o pagamento de comissões de 15% ou superiores pagos à B... não pode ser comparado com as comissões suportadas pelas empresas de mediação imobiliária nacionais, pois alega que a B..., à semelhança das demais empresas que angariavam clientes no mercado chinês assegurava um serviço personalizado de acompanhamento dos clientes desde a China, o que implicava custos de divulgação dos imóveis, viagens, estadias, alimentação, sendo que nenhuma daquelas despesas era suportada pela Requerente, o que demonstra que os imóveis transmitidos através da B... asseguraram um valor líquido idêntico aquele que era obtido na venda a clientes nacionais já que estes obtinham descontos em torno dos 20% sobre o valor de tabela dos referidos imóveis.
Conclui, assim, que o valor das comissões pagas à B... também assume, para efeitos do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do CIRC, um caráter não anormal e um montante não exagerado, pelo que a correção aos gastos com as comissões pagas à B... é manifestamente ilegal, assentando em erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito, pelo que deverá ser determinada a sua anulação, em consonância, aliás, com a vasta jurisprudência existente sobre esta matéria que identifica nos autos.
No que respeita à correção relativa às perdas por imparidade dos lotes de terreno de ..., entende que foi confirmado pela prova produzida que o valor contabilístico daqueles lotes estava completamente desfasado do seu valor de mercado e até mesmo do seu Valor Patrimonial Tributário, valor esse que tem vindo a decrescer, fixando-se, em 2014, em apenas € 1.691.930, o que demonstra, no seu entendimento, que a própria Administração Tributária e Aduaneira reconhecia à desvalorização daqueles lotes de terreno.
Por outro lado, entende que ficou demonstrado nos presentes autos que embora a C... tenha avaliado os referidos lotes de terreno, para efeitos contabilísticos, em € 1.233.000, para efeitos fiscais, apenas considerou o Valor Patrimonial Tributário de € 1.691.930, valor este que é muito superior à avaliação realizada pela C... .
Não obstante, alega que os fundamentos enunciados no Relatório de Inspeção Tributária para retirar validade e idoneidade ao valor da avaliação dos referidos terrenos apurados pela C... não poderá ser aceite, porquanto o Código do IRC determina, no seu artigo 26.º, n.º 4, que se considera preço de venda o constante de i) elementos oficiais ou os ii) os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo e, por último, em caso de impossibilidade de recurso aos primeiros critérios, iii) aqueles que no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.
E que deve concluir-se que o Relatório da C... foi elaborado tendo em conta a legislação nacional que determina os critérios de avaliação dos imóveis detidos por entidades sujeitas a supervisão da CMVM - Fundos de Investimento Imobiliário - e publicações de entidades internacionais independentes, pelo que é manifesto que o “Presumível Valor de Transação” de € 1.233.000,00 é não só considerado um valor idóneo para efeitos do disposto no artigo 26.º, n.º 4, do Código do IRC, como também é de controlo inequívoco, ou seja, o valor de mercado é suscetível de validação, quer porque o seu valor é idóneo como também é de controlo inequívoco.
Em face do exposto, entende que esta correção assenta, não só em errados pressupostos, quer de facto, quer de direito, como numa insuficiente fundamentação para efeitos do disposto no artigo 77.º da LGT, pelo que deverá ser determinada a sua anulação.
A AT, por seu turno, vem defender-se por impugnação. Sustenta, em síntese, que não basta a existência de contrato, faturas ou transferências bancárias, e que nem mesmo a troca de correspondência enviada após a consumação dos contratos promessa de compra e venda e, em alguns casos, após as respetivas escrituras de compra e venda é prova bastante da substância e efetividade do serviço executado. É necessário, no seu entendimento, da evidência de todo um conjunto de realização de ações, atuações ou campanhas concretas de divulgação dos imóveis em causa para a obtenção da respetiva comissão de venda, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, sem os quais fundadas dúvidas ficam acerca da efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular. Em suma, alega que não existe evidência da realização material da prestação de serviços de marketing e promoção por parte do prestador sediado em Hong Kong.
No que diz respeito ao carácter anormal e ao montante exagerado, alega que é excessivo o preço praticado de comissões a oscilar entre os 15% e os 20%, quando o valor normal de mercado será 5%. Neste contexto, conclui que, não tendo a Requerente produzido qualquer prova de que não existe exagero no montante das comissões pagas à B..., considera que este requisito também não se encontra cumprido, pois no seu entendimento caberia à Requerente demonstrar, em primeiro lugar, que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal, tais como contratos, faturas e transferências bancárias; e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, prova que entende que não foi feita.
No que se refere à correção relativa à perda por imparidade dos lotes de terreno localizados em ..., entende que apesar de não colocar em causa a credibilidade da avaliação efectuada, entende que não estão reunidas as condições para a aceitação do valor de mercado obtido, porquanto a Requerente não reveste a natureza jurídica de Fundos de Investimento, não tendo sido demonstrado ou justificado, ao longo do Relatório de Avaliação elaborado, a sua conexão para o caso em concreto.
Entende que não estarão reunidas as condições para a aceitação do “presumível valor de transação” proposto, uma vez que os valores calculados não poderão ser considerados idóneos ou de controlo inequívoco, porquanto têm como ponto de partida estimativas efetuadas pela sociedade avaliadora, com base em médias apuradas nos preços praticados por empresas do ramo imobiliário e que poderão divergir, de entidade para entidade, pois bastará alterar uma das componentes do preço ou até o método de avaliação, para obter valores distintos. Não são baseados em dados concretos, oficiais, previamente determinados a nível global e de caráter preciso, não sendo possível para a AT aferir do seu controlo inequívoco.
Conclui, já em sede de Resposta, que existindo uma portaria, nomeadamente a portaria 280/2014 que publica dados oficiais relativamente ao valor por m2 dos imóveis e estabelecendo o legislador a referência, conforme consta do artigo 26.°, n.° 4, pelos valores oficiais, entende que deveriam no mínimo terem sido confrontados os valores apurados com os derivados desta portaria.
No dia 01-03-2019 foi proferido despacho arbitral, a designar a data de 29-03-2019 para realizar reunião do Tribunal com as partes, para os fins do art.º 18.º do RJAT, e depois proceder à produção de prova testemunhal arrolada pelas partes.
Na audiência de discussão e julgamento, foram produzidas duas declarações de parte (D... e E...) e inquiridas três testemunhas arroladas e apresentadas pela Requerente (F...; G... e H...). A Requerida prescindiu das testemunhas que arrolou na sua Resposta.
Foi decidido que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.
Apenas a Requerente apresentou alegações, reforçando a sua posição.
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 03/07/2019.
II. MATÉRIA DE FACTO
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente iniciou atividade em 1 de março de 1983 e encontra-se inscrita no sistema informático de gestão de registo de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira como prosseguindo a atividade principal de "Promoção imobiliária (desenvolvimento projetos edifícios)", correspondente ao Código de Atividade Económica (CAE) 41100. (cfr. RIT anexo ao PA).
b) No âmbito da sua atividade principal é promotora e proprietária do "Empreendimento ...", em Lisboa, vocacionado sobretudo para fins habitacionais. (cfr. RIT anexo ao PA).
c) Em 2014 o volume de negócios da Requerente aumentou em cerca de 31% resultante da alienação de 60 imóveis que integram o projecto imobiliário da Urbanização ... (cfr. RIT anexo ao PA).
d) Em 2014 cerca de 80% das vendas efectuadas pela Requerente destinaram-se a cidadãos residentes em países terceiros, nomeadamente da República Popular da China (cfr. RIT anexo ao PA).
e) A Requerente tomou conhecimento do regime dos "Vistos Gold" instituídos pela Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 29/2012, de 9 de agosto. (cfr. RIT anexo ao PA).
f) Estabelece o referido regime jurídico dos "Golden Visa" que a autorização de residência é atribuída aos cidadãos que a requeiram, uma vez reunidos os seguintes requisitos:
- Adquiram imóveis de valor igual ou superior a € 500.000,00;
- Realizem uma transferência de capitais num montante igual ou superior a € 1.000.000,00;
- Realizem um investimento que conduza à criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.
(cfr. RIT anexo ao PA e depoimento de parte de D...);
g) A actividade da Requerente ressentiu-se no ano da correção fiscal em causa nos autos no contexto de constrangimento financeiro que se vivia então, quer pela dificuldade de aceder ao crédito bancário e de honrar os seus compromissos perante a banca, quer pela grande dificuldade na venda dos imóveis que integram os empreendimentos por si promovidos no mercado nacional. (cfr. Depoimento da parte de D...).
h) Em 31 de dezembro de 2002, a ora Requerente tinha para com o I..., seu principal banco financiador, uma dívida de juros vencidos que ascendia a € 2.993.000,00 e cuja liquidação deveria acontecer durante o ano de 2013 (cfr. Depoimento de parte de D...).
i) A Requerente recorreu a entidades angariadoras dos países de residência dos seus clientes-alvo, nomeadamente, da República Popular da China e do Médio Oriente, para, através destas empresas angariadoras locais, dar a conhecer a estes clientes os seus imóveis (cfr. Depoimento de parte de D... e de E...).
j) Neste contexto tomou conhecimento da empresa B... (cfr. Depoimento de parte de D... e de E...).
k) A Requerente celebrou, em 10 de janeiro de 2014, um Acordo com a B..., sociedade residente em Hong Kong, com vista à angariação de clientes no mercado chinês (cfr. Anexo 7, do RIT).
l) Em complemento daquele Acordo a ora Requerente celebrou, em 24 de março de 2014, um Contrato-Quadro com a referida sociedade com vista à angariação dos clientes naquele mercado (cfr. Anexo 7, do RIT).
m) Estes contratos e acordo foram facultados aos Serviços de Inspeção Tributária durante a Inspecção Tributária, demonstrando os serviços de angariação de clientes, no mercado chinês, que seriam prestados pela referida sociedade em contrapartida dos quais (e unicamente em caso de sucesso), a contrapartida pecuniária seria calculada sobre o valor da venda das unidades habitacionais (cfr. Anexo 7, do RIT).
n) Como contrapartida dos serviços de angariação prestados pela sociedade B...— angariação de clientes no mercado chinês para os imóveis da Requerente sitos no "empreendimento ..." — a Requerente suportou comissões, as quais foram reconhecidas contabilisticamente na conta 62253 — Comissões - Marketing Consulting - Internacional, e pagas nos termos seguintes, o que foi reconhecido pelos Serviços de Inspecção Tributária (cfr. RIT, pág. 21/423):
Documento n." Data Fracção Valor de Venda
(a) Data da
Escritura Data do Contrato Promessa de Compra e Venda Comissões
Conta 62253
(b) IVA
liquidado
pela A... (a) %
(c) = (b) / (a) Comprador
.../2014 02-04-2014 L e K €770.400,00 09-05-2014 13-01-2014 € I15.560,00 €26.578,80 15,00% S...
.../2014 11-07-2014 AH € 648.000,00 11-06-2014 14-04-2014 € 111.525,61 € 25.650,89 17,21% T-...
.../2014 29-07-2014 BE € 639.800,00 25-07-2014 26-02-2014 € 95.970,00 € 22.073,10 15,00% U..., V... e W...
.../2014 25-08-2014 AG € 658.000,00 19-08-2014 13-06-2014 € 118.292,68 € 27.207,32 17,98% X...
.../2014 16-09-2014 AP € 670.000,00 08-09-2014 17-07-2014 € 129.536.99 € 29.793,51 19,33% Y...
.../2014 16-09-2014 AL € 660.00000 11-09-2014 25-07-2014 € 120.531,30 € 27.722,20 18,26% Z...
.../2014 29-09-2014 AE c AZ € 6 000,00 € 1.380,00 Cancelamento de reserva de AA... e BB...
.../2014 16-10-2014 AE € 648.000,00 10-10-2014 21-08-2014 € 111 .526,00
€ 25.650,98 17,21% CC...
.../2014 29-10-2014 AM € 668.000.00 23-10-2014 28-07-2014 € 128.665,31 € 29.593,02 19,26% DD...
.../2014 07-11-2014 AO € 677.910,00 31-10-2014 08-08-2014 € 134.277,63 €30.883,85 19,81% EE...
.../2014 07-11-2014 AK €670.000,00 31-10-2014 12-09-2014 € 126.929,78 €29.193,85 18,94% FF...
.../2014 14-11-2014 AJ €670.000,00 19-12-2014 04-08-2014 € 125.154.55 €28.785,55 18,68% GG…,
HH…
II...
.../2014 14-11-2014 AI €670.000,00 19-12-2014 04-08-2014 € 125.154,55 €28 85.55 18,68% GG...;
HH... e
II...
.../2014 28-11-2014 AR €680.000,00 14-11-2014 15-09-2014 € 135.322,63 €31.124,20 19.90% JJ...
.../2015 08-01-2015 O €654.000,00 30-12-2014 25-11-2014 €116.028,46 €26.686,55 17.74% KK...
Total € 1.700.475,49 € 391.109,36
o) Os elementos de prova, designadamente os Acordos e Contrato-Quadro facultados pela Requerente aos Serviços de Inspeção Tributária permitiram que esta tomasse conhecimento por referência a cada uma das faturas apresentadas pela Requerente e emitidas pela empresa B... da:
- fração a que se reporta cada fatura;
- valor de transmissão de cada uma das frações;
- data de cada uma das escrituras de compra e venda e do contrato promessa;
- Comissões cobradas pela B...;
- Percentagem a que corresponde cada uma das comissões liquidadas pela B...;
- Identificação de cada um dos adquirentes dos imóveis.
(Cfr. Documentos que constam do RIT).
p) De acordo com o considerando A. do acordo celebrado entre a Requerente e a B..., "O Agente Fiduciário é o proprietário registado de 42 fracções de habitação situadas no Lote ... da Urbanização do ..., Ruas ... registadas na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia de ... e inscritas na matriz predial do concelho de Lisboa, freguesia de ... sob o artigo ..., as quais fazem parte de um empreendimento imobiliário designado por "Empreendimento do ..." (cfr. Anexo 7 ao RIT).
q) Em contrapartida pelos serviços de angariação prestados, a B... receberia uma comissão ("taxa de assistência") no montante correspondente a 15% do preço de venda das unidades habitacionais, líquido de impostos e taxas (cfr. cláusula 13.a, a), do Acordo, - Documento n.° 8 junto pela Requerente e RIT anexo aos autos).
r) Nos termos da cláusula 15.) do referido Acordo: "As Taxas de Assistência definidas na cláusula 13) serão pagas ao Prestador de Serviços logo que o Cliente / Advogado transfira 50% (cinquenta por cento) do preço da venda para a conta bancária do Agente Fiduciário. O Prestador de Serviços facturará os respectivos montantes e, após a autorização do pagamento recebida na sua conta bancária, o Agente Fiduciário procederá ao pagamento devido ao Prestador de Serviços no prazo de 5 (cinco) dias úteis. É acordada uma taxa de pagamento tardio de 0,02% (zero vírgula zero dois por cento) por cada dia de atraso." (cfr. Cláusula 15., a), do Acordo - Documento n.º 4 junto pela Requerente).
s) A referida "taxa de assistência" consubstancia uma taxa de sucesso, sendo apenas paga se os clientes angariados celebrassem contratos de compra e venda (adquirissem) os imóveis pertencentes à Requerente e que integravam o "Empreendimento ..." e alicerçava-se no valor de venda – 15% do preço de venda - das unidades habitacionais, líquido de impostos e taxas, só sendo paga em caso de sucesso da angariação. (cfr. Acordo junto aos autos).
t) Caso a venda não seja alcançada não será devida qualquer compensação à empresa B..., independentemente dos esforços envidados e dos encargos suportados por esta entidade na angariação de potenciais clientes. (cfr. Acordo junto nos autos).
u) De acordo com a cláusula quarta do contrato-quadro assinado entre a Requerente e a B...:
"A SEGUNDA CONTRAENTE compromete-se a:
1) Alcançar os seguintes objetivos mensais:
‘2. 3 (três) contratos de reserva ou promessa de compra e venda até ao último dia do primeiro mês de vigência do presente contrato;
b. 7 (sete) contratos de reserva ou promessa de compra e venda, até ao último dia do segundo mês de vigência do presente contrato;
c. 11 (onze) contratos de reserva ou promessa de compra e venda, até ao último dia do terceiro mês de vigência do presente contrato;
I. 15 (quinze) contratos de reserva ou promessa de compra e venda, até ao último dia do quarto mês de vigência do presente contrato;
e. 20 (vinte) contratos de reserva ou promessa de compra e venda, até ao último dia do quarto mês de vigência do presente contrato; " (cfr. contrato-quadro, constante do anexo 7 do RIT e do Documento n.° 8 junto pela Requerente).
v) De acordo com a cláusula terceira do referido contrato, "A SEGUNDA CONTRAENTE compromete-se a manter atualizado o registo de potenciais compradores por e-mail enviado para a PRIMEIRA CONTRAENTE, fornecendo os seus nomes e números de passaporte no momento da comunicação do registo e indicando também o seu representante legal em Portugal." (cfr. contrato-quadro, constante do anexo 7 do RIT e do Documento n.° 8 junto pela Requerente).
w) Nos termos do disposto nos contratos celebrados entre a Recorrente e a sociedade B..., e, bem assim, das faturas emitidas pela B..., resulta que as comissões acordadas foram sempre pagas como contrapartida dos resultados alcançados, ou seja, da celebração de contratos promessa e escrituras de compra e venda dos imóveis da Requerente (cfr. Documento nr. 8 junto pela Requerente, e anexos 5 e 7 do RIT).
x) Os Serviços de Inspeção Tributária reconhecem no Relatório de Inspeção Tributária que os serviços de angariação da sociedade B... foram efetivamente prestados e que as contrapartidas foram pagas a título de sucesso (venda dos imóveis), uma vez que na descrição dos factos referem que a Requerente apresentou os seguintes documentos por referência a cada uma das vendas (cfr. quadro resumo da pág. 21/423 do RIT que integram o anexo 7 do referido RIT):
i) Faturas emitidas pela sociedade B...;
ii) Data em que as mesmas foram emitidas;
iii) O artigo e fração objeto da transmissão;
iv) Valor de venda de cada um dos imóveis;
v) Data da escritura (as quais também foram apresentadas) e a data dos contratos promessa;
vi) O valor das comissões pagas como contrapartida e o respetivo valor percentual; e
vii) Identificação dos compradores de cada um dos imóveis.
y) A inscrição das comissões pagas à B... na "subconta 62253 - Comissões - Marketing Consulting — Internacional" teve como finalidade a sua distinção relativamente às comissões pagas a entidades nacionais. (cfr. depoimento da testemunha F...).
z) No contrato assinado entre a Requerente e a B..., está estipulado que "As inspecções às Unidades Imobiliárias só podem ser levadas a cabo depois de ser marcada e confirmada uma visita com o Agende Fiduciário. O Agente Fiduciário fornecerá os serviços de um consultor imobiliário para acompanhar o potencial comprador (Cliente) nas visitas aos projectos e Unidades Imobiliárias" (cfr. cláusula 2) do contrato celebrado em 10 de janeiro de 2014 - Documento n.° 8 junto pela Requerente e RIT anexo aos autos).
aa) O controlo das visitas por parte da Requerente era, ainda, efetuado através do "(...) registo das visitas com potenciais compradores (Clientes) deve ser feito com o Agente Fiduciário através de fax ou e-mail. Da discrição devem constar os nomes e números de passaporte dos Clientes." (cfr. cláusula 3) do contrato celebrado em 10 de janeiro de 2014, anexo 7 do RIT e Documento n.° 8 junto pela Requerente.
bb) Em 2014 foram feitas mais de 200 visitas por parte de potenciais clientes chineses a apartamentos da Requerente e trazidos pela B..., ficando esta responsável pelas inerentes despesas com a aquisição de bilhetes de avião, despesas de alojamento em hotéis, refeições, custos de deslocação desses potenciais clientes que se deslocaram a Portugal, não apresentado quaisquer destes custos à Requerente para pagamento (cfr. depoimento de parte de D... e de E...).
cc) Todas as visitas de potenciais clientes chineses angariados pela B... aos apartamentos da Requerente eram acompanhadas por vendedoras que à época trabalhavam para a Requerente havendo o respectivo registo dessas visitas (cfr. depoimento das testemunhas G... e de H...).
dd) Os serviços de angariação prestados pela B... à Requerente oscilaram, na situação em causa nos autos, entre um mínimo de 15% e um máximo de 20% sobre o valor de venda. (cfr. RIT e depoimento de parte de D...).
ee) Esta condicionante, associada aos custos muito mais avultados do procedimento de angariação de clientes na China implicava a fixação de uma percentagem que poderia atingir valores entre 15% e 20% sobre o valor de venda. (cfr. depoimento de parte de D...).
ff) As comissões no mercado nacional por empresas estabelecidas em Portugal não excedem, em regra, os 5 % sobre o valor de venda (cfr. RIT).
gg) Resulta do quadro constante de fls. 16/423 do Relatório de Inspeção Tributária que a Requerente, não obstante as comissões que pagou para alienar os imóveis que integravam o "Empreendimento ..." logrou, sempre, obter uma margem positiva e, consequentemente, lucro líquido (cfr. fls. 16/423 do RIT e Documento n.º 8 junto pela Requerente).
hh) Os Serviços de Inspeção Tributária aceitaram como gasto as comissões de intermediação pagas pela Requerente à empresa J..., Lda., que igualmente trabalhava o mercado chinês e que colaborava com a Requerente nos anos de 2013 e que se situava nos 15% (cf. pág. 18/423 do RIT - Documento n.° 8 junto pela Requerente e depoimento de parte de D...).
ii) Em 2014 a Requerente deixou de ter exclusividade com a empresa J..., Lda., e passou a trabalhar com a B... de quem tinha boas informações sobre a sua capacidade de trabalhar o mercado chinês (cfr. Depoimento de parte de D... e da testemunha...).
jj) As comissões pagas às empresas K... e L...para o mercado internacional atinente à angariação de potenciais clientes eram de 15% (cfr. depoimento de parte de D...).
kk) O Passivo da Requerente melhorou substancialmente em 2013 e 2014 como resultado do aumento das suas vendas (cfr. Depoimento da testemunha F...).
ll) Apesar das facturas mencionarem “marketing e publicidade” eram na realidade comissões de venda (cfr. Depoimento da testemunha F...).
mm) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI2016..., emitida com data de 2016/09/27 e nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 2.° e na alínea b) do n.° 1 do artigo 14.°, ambos do RCPITA - Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, foi ordenado procedimento de inspeção externo à Requerente (cfr. RIT);
nn) Os gastos respeitantes a comissões, contabilizados na conta 62253, ascenderam a € 3.650.544,97 no exercício de 2014 tendo resultado, essencialmente, do somatório das facturas emitidas pelas seguintes entidades:
CONTA DESIGNAÇÃO NIF SEDE VALOR
LÍQUIDO IVA VALOR TOTAL
CONTABILIZADO
62252 - Comissões serviço vendas J... ... Portugal 1.313.417,86
302.086,11 1.615.503,97
62253 - Marketing Consulting – Internacional B… Limited ... Hong Kong 1.700.475,49 391.109,36 2.091.584,86
TOTAL 3.013.893,35 CONTALIZADO 693.195,47 3.707.088,83
Valores em Euros
(Cfr. RIT anexo pela Requerida).
oo) Relativamente a cada uma das entidades a AT no RIT apurou o seguinte:
“-J..., LDA.”
Trata-se de um sujeito passivo com sede em território português e enquadrado, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação. Em sede de IVA e no período em análise, encontra-se enquadrado no
regime normal de periodicidade trimestral. Exerce a atividade constante no CAE 70220 – Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão.
Verificou-se que a generalidade das faturas emitidas por esta entidade e que constam na contabilidade da A... identifica a descrição do serviço efetuado, bem como o imóvel respetivo (fração, lote, núcleo e andar), não se tendo detetado situações passíveis de correção.
Acrescenta-se ainda que, nas faturas emitidas pela sociedade “J..., Lda.” foi liquidado IVA à taxa legal em vigor, de acordo com o disposto no artigo 18.9 do CIVA, que a sociedade A... relevou numa conta de gastos, em virtude da impossibilidade de exercer o direito à dedução, nos termos do artigo 20.9 do CIVA, face à atividade exercida.”.
(Cfr. RIT anexo pela Requerida).
pp) Em resultado da análise às demonstrações financeiras da Requerente respeitantes a 2014, os Serviços de Inspecção detectaram a contabilização de montantes avultados a título de comissões com a venda de imóveis, destacando-se os gastos suportados relativos a faturas emitidas pela entidade “B...”, reconhecidos contabilisticamente na conta 62253 – Comissões - Marketing Consulting – Internacional, no valor de (sem IVA) € 1.700.475,49 – (Cfr. RIT anexo pela Requerida).
qq) Os Serviços de Inspecção detectaram a contabilização, nos inventários da Requerente, de 19 lotes de terreno para construção, localizados na freguesia de ..., concelho de ..., adquiridos por escritura datada de 2009/05/06, os quais beneficiaram de isenção de IMT, nos termos do artigo 7.º do CIMT por se destinarem a revenda – (Cfr. RIT anexo pela Requerida).
rr) Os mesmos encontravam-se reconhecidos contabilisticamente em subcontas da conta 32 – Mercadorias, pelo valor global de € 2.523.293,85 – (Cfr. RIT anexo pela Requerida).
ss) No decurso de 2014 a Requerente procedeu a uma revalorização dos referidos lotes, consubstanciada no Relatório de Avaliação efetuado em 2014/12/19 pela entidade “C..., Lda., tendo sido apurado um “presumível valor de transação” de € 1.233.000,00 – (Cfr. Anexo 8 do RIT anexo pela Requerida).
tt) Em resultado da avaliação efetuada, a Requerente efetuou o ajustamento contabilístico na importância de € 1.290.293,85, correspondente à diferença entre o respetivo valor contabilístico dos lotes e o valor da avaliação apurado pela C..., tendo reconhecido uma perda, a qual se encontra refletida contabilisticamente na conta 65201 – Perdas por imparidade – Lotes de terreno ... – (Cfr. RIT anexo pela Requerida).
uu) A Requerente acresceu no Quadro 07 da declaração Modelo 22, a importância de € 448.930,00, por entender que o ajustamento dedutível não poderia ser superior à diferença entre o valor contabilístico dos lotes e os respetivos valores patrimoniais – (Cfr. RIT anexo pela Requerida).
vv) A revalorização dos lotes de ... foi feita porquanto o seu valor não correspondia ao seu valor de mercado e estava desactualizado no balanço, tendo a Requerente considerado o valor patrimonial tributário como valor conservador (cfr. Depoimento de parte de D... e da testemunha F...).
ww) Na sequência da notificação do Projeto de Relatório de Inspecção, a Requerente entregou uma Declaração de substituição da Modelo 22 do IRC (declaração n.°...), o que motivou o arquivamento do procedimento de inspeção (cfr. Despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, datado de 5 de abril de 2017 e Anexo 11 do RIT, do qual consta a declaração de substituição da Modelo 22 do IRC).
xx) A Requerente deduziu, em 3 de maio de 2017, junto do Serviço de Finanças de Lisboa-..., reclamação graciosa contra os actos de liquidação (cfr. Documento n.º 5 junto com a PA).
yy) A Requerente foi notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa e para, querendo, e no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre o projeto de decisão de reclamação graciosa (cf. Documento n.° 6 junto com a PA).
zz) A Requerente exerceu o competente direito de audição (cfr. Documento n." 7 junto com a PA).
aaa) Através de Ofício de 2 de julho de 2018, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do Despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de junho de 2018, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação de IRC e os Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2014 (cfr. Documento n.° 1 junto com a PA).
bbb) A Requerente promoveu, em 4 de abril de 2017, o pagamento do imposto apurado de modo a evitar a instauração de um processo de execução fiscal (cfr. Documento n.° 4 junto com a PA).
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo e suportados nos depoimentos prestados na audiência pela parte
Requerente e testemunhas inquiridas, as quais confirmaram a generalidade dos factos alegados pela Requerente.
Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram, tendo convencido o Tribunal que depunham com isenção e verdade.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
III. MATÉRIA DE DIREITO
a) Falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC e de Juros compensatórios
Alega a Requerente que as liquidações não se encontram devidamente fundamentadas, pois, no seu juízo, não basta a remissão para o RIT, inexistindo sequer remissão para o mesmo, devendo os mesmos ser anulados em conformidade.
Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual”.
Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório e valorativo da AT.
No caso sub judice, é possível vislumbrar ao longo do relatório inspectivo um conjunto bastante descritivo e exaustivo de factos e, bem assim, de normas jurídicas que enquadram as correcções que foram efectuadas.
Razão pela qual entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para fundamentar a prática dos actos tributários em causa nos autos.
Aliás, tanto assim é, que a Requerente mostrou ter um perfeito conhecimento do quadro fáctico e legal em que se estribou a AT, e que motivou, de resto, uma exaustiva defesa apresentada em sede de procedimento tributário e agora em sede de processo arbitral.
Em suma, entende o tribunal que apesar das liquidações em causa não remeterem expressamente para o RIT, tal não é suficiente para se considerar padecerem do vício de falta de fundamentação, pois a Requerente revelou com a sua conduta um perfeito conhecimento do que lhe estava a ser imputável pela Requerida, pelo que neste ponto improcede o pedido da Requerente.
b) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito no que se refere à não aceitação como gasto do valor das comissões pagas à B... por reunirem os pressupostos legais para serem aceites como gastos nos termos previstos no artigo 23.º -A, n.º 1, alínea r) do CIRC
A principal questão em apreciação nos autos prende-se com a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC relativo aos pagamentos à sociedade B... .
Esta questão não é nova no CAAD e foi já objecto de várias decisões arbitrais que se pronunciaram sobre a mesma questão.
Seguiremos de muito perto as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais nos processos n.º 198/2017-T e 419/2017-T, que apreciaram questões em tudo similar à dos presentes autos e a cuja fundamentação e decisão este Tribunal Arbitral adere nas suas linhas fundamentais.
Da prova produzida nos autos resulta que a Requerente logrou provar, na perspectiva do Tribunal, quer a realização das operações, quer o facto de as mesmas não padecerem do vício que lhe é imputado pela AT do seu carácter anormal e/ou exagerado.
Resultou da prova produzida que a Requerente, para fazer face à crise que se sentia no mercado imobiliário nacional nos anos em causa nos autos, contratou com a sociedade B..., sociedade sediada em Hong Kong, a qual exercia uma actividade global de angariação de cidadãos chineses que pretendiam investir em imobiliário em Portugal, a angariação de clientes chineses para a compra de imóveis da Requerente, no referido ano de 2014.
Resultou, igualmente, da prova produzida que foi realizada pela sociedade B... uma actividade global de angariação de cidadãos chineses para compra de imóveis da Requerente, no ano de 2014 e que se consubstanciou, de resto, na venda de 15 apartamentos com angariação da referida empresa.
Essa actividade de angariação incluiu acções de publicidade e divulgação na China sobre as vantagens e benefícios da aquisição de imóveis em Portugal, pagamento das despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como outras despesas relacionadas coma sua estadia e visita aos imóveis da Requerente, acompanhamento nas visitas aos imóveis, contratação de motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, etc.
Face à prova carreada para os autos não se justificam dúvidas sobre a realização desta actividade, não só porque foi junta extensa documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B... (e a AT em momento algum questiona a falta de veracidade da mesma) relativa a essas actividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto directo com essas actividades.
Por outro lado não é controvertido o facto de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses, sendo esta uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação no mercado chinês, pois sem esta não se vislumbra como poderiam esses cidadãos chineses ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda em Portugal, considerando que esta última não tem qualquer presença nesse país.
Por outro lado, o facto de que a remuneração da B... só ser paga como consequência directa da concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente a referida actividade de angariação.
Provou-se, de igual modo, que em 2013 a Requerente colaborava com a empresa J..., empresa chinesa, pagando-lhe comissões de 15% sobre as vendas a cidadãos chineses que esta conseguisse angariar, situação em tudo idêntica à sociedade B..., sendo a única diferença o facto de esta última não ter à data constituído qualquer sociedade em Portugal para a referida actividade, ao contrário do que fez a J... . Por outro lado, relativamente às comissões pagas à J... a AT não viu qualquer ilegalidade ou incorrecção, o que não se compreende por absoluta dualidade de critérios e falta de coerência com a posição adoptada relativamente às comissões pagas à sociedade B... .
Por outro lado ficou igualmente provado que a Requerente pagava comissões de 15% a empresas de mediação imobiliária que operavam no mercado nacional, in casu, K... e L..., relativamente às vendas que estas conseguissem mediar para o mercado internacional e tal não foi questionado em momento algum pela AT.
Assim, é de considerar provado que os pagamentos efectuados pela Requerente correspondem a operações efectivamente realizadas.
No que se refere ao carácter anormal dos referidos gastos ou o seu montante exagerado, vício que imputa a AT, importa dizer como segue.
O território de Hong Kong estava (e ainda está) incluído, em 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Quando um determinado sujeito passivo faz pagamentos a uma entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado, tem de fazer a prova de que o pagamento efectivamente se realizou e que tem um carácter normal ou então que não é exagerado.
Neste conspecto, adere-se, igualmente, à posição expressa pelo Tribunal Arbitral, no processo n.º 198-2017, que apreciou um caso em tudo similar ao dos presentes autos e de que ora se transcreve o excerto relevante:
“No concerne à normalidade de pagamentos pela prestação de serviços de angariação de clientes para a aquisição de imóveis afigura-se evidente, pois trata-se de uma actividade de prestação de serviços regulamentada, precisamente no que concerne a imóveis (Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de Junho) e, como qualquer actividade de natureza profissional, é remunerada. O que consubstanciaria anormalidade seria a prestação de serviços gratuitos a Requerente, suportando a (….) as despesas da actividade.
Quanto ao montante das comissões, tem a ver com o requisito do «não exagero» e não com o de «não anormalidade» para efeitos daqueles artigos 65.º e 23.ºA do CIRC.
Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela (…) não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela (…) (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).
Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços. Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior.
Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crise económica e financeira que afectava Portugal.
(…)
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior. A razoabilidade dos pagamentos efectuados à (…) é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à (…) acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.”.
A aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.
Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o mesmo serviço por quantia inferior.
Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, face ao elevado stock de mercadoria acumulada, pois estava a suportar encargos com juros do empréstimo para a construção dos imóveis e, bem assim, despesas de manutenção dos referidos imóveis subjacentes à actividade prosseguida.
A prova produzida vai também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores no que se refere ao mercado chinês, pois as empresas de mediação imobiliária com quem colaborava no mercado nacional não lhe proporcionava clientes em quantidade suficiente para a venda rápida da grande quantidade de imóveis que detinha para venda e já em 2013 a Requerente pagava comissões de 15% à empresa J... precisamente versando o mercado chinês e que nunca foram questionadas pela AT.
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação (aliás, na sua natureza bem mais amplos do que os tradicionais serviços de mediação imobiliária prestados no mercado nacional como se provou) e não haver alternativa a preço inferior, para serviços com o mesmo volume e sobretudo com o mesmo resultado e elevada taxa de sucesso como ocorreu com a B... .
A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B... é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, apenas pagando quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si, assegurando assim a margem comercial definida para a venda.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B... não foram anormais nem exagerados.
Conclui-se, assim, que os actos de liquidação adicional de imposto e juros em crise nos autos enfermam do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que não podem subsistir na ordem jurídica.
c) Erro sobre os pressupostos de direito e de facto ao determinar a aplicação da taxa de 35% a título de tributação autónoma sobre as comissões pagas pela Requerente.
Concluindo-se como se que concluiu supra que os actos de liquidação relativo ao exercício de 2014 enfermam de vício de violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea r), do CIRC, na parte respeitante à não dedutibilidade dos pagamentos efectuados à B..., no ano de 2014, no valor total de € 1.420.559,76, pelas mesmas razões impõe-se confirmar a ilegalidade da liquidação de tributação autónoma com base no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, no montante de € 595.166.42.
Pelo exposto, justifica-se a anulação da liquidação, no que concerne ao IRC na parte correspondente a esta correcção, bem como a tributação autónoma, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
d) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito e numa insuficiente fundamentação para efeitos do disposto no artigo 77.º da LGT ao não aceitar a perda por imparidade dos lotes de terreno de ... em causa nos autos
Conforme resulta da prova produzida, a revalorização dos lotes de ... foi feita porquanto o seu valor não correspondia ao seu valor de mercado e estava desactualizado no balanço, tendo a Requerente considerado o valor patrimonial tributário como valor conservador, ou seja que o ajustamento dedutível para efeitos fiscais não poderia (deveria) ser superior à diferença entre o valor contabilístico dos lotes e os respetivos valores patrimoniais dos lotes.
Quando o valor inicial dos inventários é superior ao seu valor realizável líquido, o contribuinte deve considerar uma perda por imparidade e reduzir o valor dos inventários para o seu valor realizável líquido, dado que os bens do activo não devem ser registados por quantias superiores em relação à quantia que se estima vir a receber com a sua venda. O valor da imparidade corresponde, assim, à diferença entre o custo dos inventários e o seu valor realizável líquido.
Em termos fiscais, a matéria referente aos inventários encontra-se prevista nos artigos 26.º a 28.º do Código do IRC e é muito semelhante, de resto, às regras utilizadas na normalização contabilística.
A AT no Relatório de Inspecção Tributária não vem negar que in casu ocorreu uma situação de desvalorização no balanço da Requerente em relação àqueles activos, ou seja, de que ocorreu uma efectiva desvalorização do valor pelo qual o activo estava registado no seu balanço.
A essa conclusão se chega facilmente confrontando o valor patrimonial tributário dos referidos lotes com o seu valor contabilístico, registando este último um valor muitíssimo superior àquele e num contexto de reconhecida crise no sector no ano em causa.
O que a AT vem dizer, e é nessa óptica que o Tribunal se pronunciará, é que apesar de não colocar em causa a credibilidade do relatório de avaliação da empresa C... que ditou o valor de mercado dos lotes de terreno, entende que o mesmo não cumpre com o disposto no artigo 26.º, n.º 4 do Código do IRC.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 26.º n.° 4, do Código do IRC, "Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.".
O legislador fiscal determina que se considera preço de venda o constante de i) elementos oficiais; ii) os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo e, por último, em caso de impossibilidade de recurso aos primeiros critérios, iii) aqueles que no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.
(Negrito e sublinhado do Tribunal)
A lei teve a preocupação de estabelecer, em alternativa, um conjunto de critérios para determinação do valor de mercado.
No que respeita ao primeiro dos critérios — os últimos valores constantes de elementos oficiais — o mesmo não existe, pois nem o Requerente nem a AT no relatório de inspecção tributária invocam qualquer fonte “oficial ” para apurar aquele valor.
Já em sede de Resposta a Requerida veio dizer que existindo uma portaria, nomeadamente a portaria 280/2014 que publica dados oficiais relativamente ao valor por m2 dos imóveis e estabelecendo o legislador a preferência, conforme consta do artigo 26.°, n.° 4, pelos valores oficiais, deveria a Requerente ter confrontado os valores apurados com os derivados desta portaria.
No entanto, a Portaria em causa determina o valor médio de construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, que por sua vez dispõe sobre o valor base dos prédios edificados. Ora in casu estão lotes de terreno para construção, com nenhum edificado erigido sobre os mesmos, pelo que se admite não ser esta Portaria aplicável, tanto assim, de resto, que a própria lei - artigo 26.º, n.º 4 do CIRC - não a manda aplicar e podia tê-lo feito facilmente se fosse essa a vontade do legislador.
No que respeita ao segundo critério - os últimos valores que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo - o recurso ao mesmo também não se revela possível, na justa medida em que a Requerente não transaccionou qualquer imóvel no concelho de ..., como é, de resto, reconhecido pela AT no RIT.
Resta assim o último dos critérios – o do valor de mercado – o qual, todavia, deve ser idóneo ou de controlo inequívoco.
Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que nos termos da lei o valor de mercado deverá ser idóneo ou de controlo inequívoco, ou seja, a lei estabelece expressamente uma alternativa entre a idoneidade e o controlo inequívoco.
Ora, no caso vertente entende o Tribunal que pelo menos o primeiro daqueles critérios - o da idoneidade – está preenchido, porquanto se trata de um valor resultante de uma avaliação por parte de uma entidade independente e terceira à Requerente, habituada a fazer avaliações de imóveis num contexto regulado (Fundos de Investimento Imobiliário) dispondo o artigo 15.° do seu regime jurídico que "A avaliação de um imóvel deve ser efectuada com o intuito de fornecer à entidade gestora e aos participantes informação objectiva e rigorosa relativamente ao melhor preço que poderia ser obtido, caso o imóvel fosse alienado no momento da avaliação, em condições normais de mercado." precisamente o que se pretendia obter.
Por outro lado o facto de a metodologia de avaliação ter implicado, como é reconhecida pela AT no próprio Relatório de Inspeção Tributária, que "A prospeção de mercado utilizado pela entidade avaliadora e patente no Relatório, incidiu sobre a análise do valor de mercado de 5 lotes de terreno, comercializado na mesma freguesia pelas empresas "M...", "N..." e "O...", bem como o valor de mercado de 5 moradias em banda, de tipologia T3, cujo valor de mercado foi calculado com recurso às entidades: "P...", "O...", "Q..." e "R...”., demonstra que o Relatório da empresa C... se baseou em dados fornecidos por diversas empresas do sector da mediação imobiliária, o que demonstra, no entendimento deste Tribunal, a solidez dos elementos recolhidos pelo Relatório da C... no esforço idóneo que fez para apurar o valor de mercado dos lotes de terreno em causa nos autos.
Acresce que os Serviços de Inspeção Tributária apesar de não colocarem em causa a credibilidade do trabalho efectuado, vieram negar o valor que a Requerente logrou apurar sem, todavia, propor um valor diferente ou uma metodologia alternativa e objectiva.
A própria AT já reconheceu que o método valorativo ou comparativo de mercado como potencialmente considerado, era admissível num caso em que estava em causa uma situação de imparidade em inventários tendo por objecto uma sociedade que tem como objecto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, situação idêntica à que está em causa nos autos, na Informação Vinculativa proferida no processo n.º 2019... quando no ponto 18 dessa mesma informação admite e citamos: “18. Segundo informa a sociedade “Dois outros imóveis, localizados no lado oposto da mesma rua, com caraterísticas semelhantes, em melhor estado de conservação e com condições de habitabilidade imediata, foram igualmente sendo colocados em venda, ambos pelo preço de € 85 000,00 (oitenta e cinco mil euros), conforme se verifica das fichas em anexo.” 19. Tudo leva a concluir que se está perante uma aquisição de um prédio por um valor acima do seu valor de mercado. 20. É admissível considerar-se que só no período de tributação de 2018 se tenham encetado as diligências no sentido de se vender o prédio uma vez que até agosto desse ano o prédio esteve ocupado pelo inquilino. Só após essa data, ou seja, após a desocupação, foi o prédio colocado à venda em agências de mediação imobiliária e se verificou a necessidade de reduzir o preço de venda de € 100 000,00 para € 85 000,00, sendo este o valor estimado de venda e corrente no mercado uma vez que, conforme refere a empresa, dois outros imóveis, localizados no lado oposto da mesma rua, com caraterísticas semelhantes, foram colocados à venda por este valor.”.
Cumpre esclarecer que na situação, e percorrendo a referida Informação Vinculativa, fica-se precisamente com a ideia de que esses outros dois imóveis não pertenciam a essa sociedade, mas nesse caso tal método foi considerado idóneo por parte da AT.
Face ao exposto procede o pedido da Requerente quanto a esta correcção.
Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por vício de violação de lei, que proporciona eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
Do pedido de juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação e sua anulação há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, na medida do pagamento indevido, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a determinar pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão
IV. DECISÃO
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Julgar ilegal o indeferimento da reclamação graciosa e, nesta sequência,
c) Determinar a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, valor que inclui os juros compensatórios liquidados de € 94.849,34 e os juros de mora de € 2.315,51;
d) Julgar procedente a restituição do valor pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios;
e) Julgar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.420.559,76.
Lisboa, 3 de Julho de 2019.
Fernanda Maçãs (Árbitro-Presidente)
Professor Doutor Manuel Pires
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Segundo o meu entendimento, a decisão deveria ser a improcedência do pedido, com as respectivas consequências. sendo a fundamentação a seguinte: 1. Por força do artigo 23º-A nº1, alínea r) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), o ónus de provar a inexistência do “montante exagerado” das comissões em causa incumbia iniludivelmente à Requerente e esta não conseguiu fazer a prova devida. O Tribunal deveria ser esclarecido sobre o nível não exagerado das comissões cobradas, dado tal não poder ser considerado nem despiciendo nem notório, mas objecto de controvérsia. Para tal, tornar-se-ia necessário algo que pudesse conduzir ao livre convencimento motivado, objectivo, controlável, suficiente, da justeza da procedência, exigência tanto maior quanto maior o impacto no decisum final, não bastando uma fundamentação global, macro considerada, mesmo a existir. O os depoimentos e as declarações de colaboradores da Requerente (aliás, atento o tempo decorrido, reveladores de memórias excelentes e coincidentes até em pormenores), todos , aplicando similitude, não at arm’s length , bem como circunstâncias prementes para actuação - a necessidade urgente de serviços mais amplos do que os usuais e com obtenção de resultados desejados - não satisfizeram o pretendido até por não se poder estabelecer causalidade necessária com os níveis concretos apresentados (15%-19,9%,líquidos de todos os impostos e taxas), mas unicamente que o circunstancialismo requeria níveis mais elevados face ao id plerumque fit, (3%a 5%), Não bastam também as meras afirmações de não terem sido encontrados níveis mais baixos ou de terem sido pagos a outros intermediários, 15% ( algo indicado, que poderia revestir-se de importância - uma invocada aceitação da taxa de 15% paga a outro agente -, não se encontra, inclusive no local assinalado). De igual modo, a repercussão da comissão no preço de venda é irrelevante para o pretendido, visto o carácter exagerado não deixar de o ser por essa circunstância, sendo a sua relevância unicamente no âmbito do peso do gasto para o pagador. Dado todo o escrito, não é possível a valoração positiva do apresentado, visto inexistir prova e, por maioria de razão, a chamada prova clara e convincente, conduzindo à verosimilhança objectiva, que deve conduzir à decisão, devendo eliminar a dúvida em grau suficientemente aceitável. O contrário sucedeu, como é patente, no caso. Deste modo, a plausibilidade não teve base demonstrada, a dúvida razoável não foi ultrapassada, não se tendo operado a denominada preponderância da prova face aos factos duvidosos ou incertos. A igualdade ou a semelhança verificadas com outras operações aceites do mesmo tipo e nas mesmas circunstâncias, se demonstrada, eliminaria a não aceitação de níveis muito elevados face ao normal, não podendo, repete-se, circunstâncias excepcionais conduzirem necessariamente a gerar certeza dos níveis concretos in habituais, dada a falência dos indispensáveis elementos quantitativos, e não meramente qualitativos, de comparação. Dada, pois, a inexistência de prova por parte do Requerente, atenta a ausência de elementos no sentido indicado, o invocado teria de ser considerado não provado, dada a inversão do ónus da prova. 2. O artigo 26º nº 4 do CIRC, por remissão do artigo 28º nº 2 do mesmo Código, estabelece os elementos a recorrer para a determinação do valor do terreno. Considerando-se o nele disposto, verifica-se, no caso agora julgado, nomeadamente, o não recurso, sem apresentar qualquer explicação e, a fortiori, justificação, aos “elementos oficiais” claros existentes, em legislação avulsa ou codificada, apoiando-se, ao invés, em elemento de carácter especial que não corresponde à natureza da entidade em causa, bem como a outro critério e ao apoio a elementos não compreendidos na citada norma, sendo evidente não se descortinar a necessidade de menção com especificação, pela norma remissiva, das normas aplicáveis. É objecto de comunhão geral não poder o disposto no direito cogente ser afastado, quer se o considere imperfeito, quer o resultado nele estabelecido seja próximo do resultado da aplicação de outro critério, posto que adequado, quer por qualquer outra razão que o aplicador julgue que lhe assiste, por entender dispor de elementos conduzindo a uma solução mais adaptada ao que se pretende resolver do que a estabelecida pela lei.
03 .07.2019
(Manuel Pires)