DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
Em 19 de dezembro de 2018, a SOCIEDADE A..., SA, com o NIPC ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que teve por objeto os atos de liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) referentes aos anos de 2014 e de 2015 e ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., ... e ..., concelho de Oeiras, sob o artigo ..., de que é proprietária, bem como das referidas liquidações, no valor global de € 29 513,10 (vinte e nove mil, quinhentos e treze euros e dez cêntimos), cuja anulação requer.
Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
Síntese da posição das Partes
a. Da Requerente:
Como fundamentos do pedido de pronúncia arbitral, alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
O prédio urbano a que respeitam as liquidações impugnadas encontra-se inscrito na matriz como “terreno para construção”; porém, a mera inscrição matricial dos prédios como “terreno para construção”, não legitima, por si só, a aplicação da verba 28, da TGIS.
Embora a Verba 28.1, da TGIS, na sua última redação, preveja a tributação de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1 000 000,00, a mesma não terá lugar nas situações em que não tenha sido autorizada ou prevista a efetiva edificação do “terreno” e que essa edificação se destine a “habitação”, sendo sempre necessária a existência de todo o processo administrativo associado à construção e, finalmente, uma licença ou autorização de construção válidas, assim como um projeto aprovado e que o mesmo se deva destinar a “habitação”.
É que o facto de um terreno para construção se localizar na área abrangida pelo Plano Diretor Municipal não atribui só por si o direito de o seu proprietário nele construir, sem a necessária autorização administrativa, como é o caso do prédio a que respeitam as liquidações impugnadas.
No caso concreto, não existia nem no ano de 2014 nem no de 2015, uma edificação, autorizada ou prevista, para habitação, a realizar no prédio em causa, como é exigido pela verba 28.1, da TGIS, apresentando-se as liquidações impugnadas como ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser prontamente anuladas.
Conforme resultou da intervenção do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, na origem da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que, entre outras alterações ao Código do Imposto do Selo, aditou a verba 28 à TGIS, através desta norma o Governo introduziu uma tributação especial que visou a promoção de “um sistema fiscal mais equitativo”, em que os contribuintes “são chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva”.
No entanto, os imóveis de propriedade da Requerente, adquiridos na sua generalidade por dação em cumprimento, não representam uma sua capacidade contributiva acrescida, pois não configuram bens de investimento, destinando-se apenas a ser revendidos para ressarcimento das dívidas dos clientes incumpridores, no âmbito da sua atividade creditícia.
Subsidiariamente, invoca a Requerente a inconstitucionalidade da verba 28.1, da TGIS, quando interpretada como sendo aplicável automaticamente a terrenos para construção, por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, no que respeita à tributação do património.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, por exceção e por impugnação.
Por exceção, invoca a Requerida a incompetência do tribunal arbitral para decidir do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba 28, da TGIS, formulado pela Requerente a título subsidiário, face à fixação expressa da competência dos tribunais arbitrais, expressa pelo legislador no n.º 1 do artigo 2.º, do RJAT, em que se não compreende a apreciação da conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas.
E que, configurando a incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, deverá a Requerida ser absolvida da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.
Por impugnação, aduz a Requerida os seguintes fundamentos:
De acordo com a Decisão Sumária n.º 214/2017, do Tribunal Constitucional, “o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais ativos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)»”.
Da consulta à certidão do teor do prédio urbano de que tratam os autos, bem como da respetiva caderneta predial, conclui-se que lhe foi atribuída a afetação habitacional no âmbito da respetiva avaliação, constando tal afetação da respectiva matriz e encontrando-se, por isso, sujeito a Imposto do Selo.
O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação (cfr. o artigo 41.º, do CIMI), que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
Não existindo, em sede de Imposto do Selo, definição do que se entende por “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afectação habitacional”, é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.
O n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, integra no conceito de prédio urbano os “terrenos para construção”, como sendo os «…terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…».
Por seu turno, a noção de “prédio urbano” encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel é incorporar-lhe valor, constituindo um fator de distinção determinante – coeficiente – para efeitos de avaliação.
Na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, devendo levar-se em consideração todos os coeficientes, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no artigo 41.º, do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do artigo 45.º, do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.
Assim, não se pode duvidar de que estamos face a “terreno para construção”, mais concretamente perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, sendo patente a afectação habitacional do edifício.
Desde logo, porque o legislador não refere “prédio destinado a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.
Na interpretação da lei, para além do elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico), designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretada (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma.
Nada há de mais lógico que, pela necessidade de corrigir o défice orçamental, sem descurar a justiça do sistema fiscal, «…promover o alargamento da base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados…».
Acresce que fundadas razões também com assento constitucional, justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva, que se mantém integralmente válida e legal, concluindo-se pela legalidade das liquidações impugnadas, que não enfermam de qualquer erro, de facto ou de direito.
Motivo pelo qual deve improceder, também, o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por não se verificarem os respetivos pressupostos legais.
*
Pelo despacho arbitral de 8 de abril de 2019, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, pelo prazo de dez dias, como início na Requerente que ficou notificada para, no mesmo prazo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida. Mais se fixou a data de 7 de junho de 2019 para prolação da decisão final, advertindo-se a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Requerente não se pronunciou sobre a matéria de exceção e nenhuma das Partes apresentou alegações.
II. SANEAMENTO
1. O tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 28 de fevereiro de 2019, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. No que respeita à apreciação da exceção da incompetência do tribunal arbitral em função da matéria, no que respeita à apreciação da legalidade das liquidações impugnadas com fundamento na inconstitucionalidade da norma de incidência, pedido formulado pela Requerente a título subsidiário:
a. Sob a epígrafe de “Apreciação da inconstitucionalidade”, dispõe o artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa, que “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados”.
b. A referida norma impõe aos tribunais o dever de exame dos atos normativos eventualmente aplicáveis a um caso concreto, o que se traduz na “garantia de uma decisão judicial em conformidade com a constituição” . Consagra-se, assim, um sistema de fiscalização difusa da constitucionalidade das normas, da competência dos tribunais (de todos os tribunais – “incluindo os tribunais arbitrais” , que têm no artigo 209.º, n.º 2, da CRP, um suporte constitucional explícito).
c. Por outro lado, tem o Supremo tribunal Administrativo “vindo a decidir uniformemente que os atos que aplicam normas inconstitucionais (…) est[ão] submetidos ao regime geral das invalidades” , sendo, nessa medida, anuláveis.
d. Dá-se, por isso, como não verificada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida.
4. O processo não padece, assim, de vícios que o invalidem.
5. A cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, bem como a respetiva procedência, dependam da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso concreto, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
1.1 Factos provados:
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental oferecida pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (adiante, ppa), não contestada pela Requerida, fixa-se como segue:
a. A Requerente era, em 31/12/2014 e em 31/12/2015, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., ... e ..., concelho de Oeiras, distrito de Lisboa, sob o artigo ..., ali descrito como “terreno para construção” (Doc.s 1 e 8, juntos ao ppa);
b. Na avaliação do imóvel identificado, em 19/10/2005 (ficha n.º...), foi utilizado o coeficiente de afetação (Ca) 1,00 (Doc. 8, junto ao ppa);
c. O valor patrimonial tributário do prédio, determinado em 2013, é de € 1 475 654,90 (Doc. 8, junto ao ppa);
d. Em 2015, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) n.º 2015..., referente ao ano de 2014, emitida em 20/03/2015 pelo valor global de € 14 756,55 e pagável através das notas de cobrança n.º 2015..., de € 4 918,85, n.º 2015..., de € 4 918,85 e n.º 2015..., de € 4 918,85, nos meses de abril, julho e novembro de 2015, respetivamente (Docs. 1 a 4, juntos ao ppa);
e. Em 2016, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) n.º 2016..., emitida em 05/04/2016 pelo valor global de € 14 756,55, pagável através das notas de cobrança n.º 2016..., de € 4 918,85, n.º 2016..., de € 4 918,85 e n.º 2016..., de € 4 918,85, nos meses de abril, julho e novembro de 2016, respetivamente (Docs. 1 e 5 a 7, juntos ao ppa);
f. As liquidações identificadas nos pontos precedentes foram efetuadas ao abrigo da verba 28.1, da TGIS, e resultaram da aplicação da taxa de 1% ao valor patrimonial tributário de € 1 475 654,90 (Docs. 1 a 7, juntos ao ppa);
g. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo referente o ano de 2014, em 15/10/2015, no âmbito dos processos de execução fiscal (PEF) n.ºs ...2015... e ...2015... (1.ª e 2.ª prestações) e em 28/01/2016, no PEF ...2015... (3.ª Prestação), tendo pago a liquidação relativa a 2015 em 21/06/2016, no PEF ...016... (1.ª prestação), em 08/09/2016, no PEF ...2016... (2.ª prestação) e, voluntariamente, em 3/11/2016, a 3.ª prestação (Doc. 9, junto ao ppa);
h. Em 30/01/2017, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas (procedimento n.º ...2017...), cuja decisão de indeferimento lhe foi notificada em 04/10/2018, através de ofício da Direção de Finanças de Lisboa a coberto do registo dos CTT n.º RH ... PT (Doc. 1, junto ao ppa);
i. Consta da informação na base da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações em análise, além do mais, o seguinte:
“(…)
(ii) o prédio preenchia os requisitos de incidência objetiva, pois:
. tratava-se de um terreno para construção destinado a habitação (assim constava na matriz na referida data) tendo, portanto, cabimento na verba 28.1 da Tabela Geral do IS, na redação que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013, de 31/12;
. o valor patrimonial tributário em 31/12/2014 e em 31/12/2015 era de 1.475.654,90€, ou seja, era superior a 1.000.000,00€;
. tinha o prédio localização no território português (artigo 4.º, n.º 6, do código do IS).
(…)”.
1.2. Factos não provados
Não se provou que em qualquer dos anos de 2014 e de 2015 o prédio identificado nos autos tivesse qualquer projeto aprovado para a construção ou que nele estivesse prevista a construção para a habitação.
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
1.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração os documentos indicados em cada uma das alíneas do probatório supra, consideram-se como provados os factos acima enunciados.
Quanto ao facto não provado, funda-se o mesmo na omissão de qualquer suporte documental comprovativo de que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas incidiram sobre prédio com projeto aprovado para a construção de edifícios destinados a habitação.
III.2 DO DIREITO
1. Questões a decidir:
A Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo referentes aos anos de 2014 e de 2015 e ao terreno para construção identificado, com fundamentos em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, subsidiariamente, por inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por violação por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade tributária.
São, portanto, as seguintes as questões a decidir nos presentes autos:
a. A de saber se o prédio a que respeitam as liquidações impugnadas é um terreno para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, com enquadramento na previsão da norma de incidência em análise;
b. Em caso afirmativo, a de apreciar da conformidade constitucional da verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na interpretação de que o facto tributário a que a mesma se reporta se traduz numa mera expetativa de que a construção a edificar seja para habitação, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, e;
c. Se, em caso de procedência do pedido, se verificam os pressupostos para condenação da Requerida no pagamento dos peticionados juros indemnizatórios.
2. Do mérito das liquidações impugnadas
O aditamento da verba 28 à TGIS, pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, veio introduzir uma tributação especial sobre o património, pela qual passaram a ficar sujeitos a Imposto do Selo a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, sendo os prédios “com afetação habitacional” tributados à taxa de 1% (28.1).
Não contendo o Código do Imposto do Selo a definição de “prédios com afetação habitacional”, a remissão contida no n.º 2 do seu artigo 67.º, aditado pela mesma Lei, para o Código do IMI, levou a jurisprudência a entender que tais seriam os prédios destinados a habitação, ou seja, “os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.
Cite-se, a título exemplificativo, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 23/04/2014, no processo n.º 0270/14, 2.ª Secção, de acordo com cujo sumário “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”.
A nova redação dada à verba 28.1, da TGIS, pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, veio tornar inequívoco que, para o futuro, aquela norma de incidência abrangeria, para além dos prédios urbanos habitacionais (destinados a habitação), os “terreno[s] para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
A questão centra-se, agora, em saber o que deve entender-se por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, atendendo à classificação dos prédios contida no artigo 6.º, deste Código, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”:
“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”.
Entende a Requerida que, para que um terreno para construção integre a previsão normativa da verba 28.1, da TGIS, bastará a sua inscrição e descrição matricial como terreno para construção com os coeficientes de localização e de afetação relativos a habitação, atribuídos aquando da sua avaliação, desde que de tal avaliação tenha resultado um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00.
Não contesta a Requerente o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel, mas tão só a sua destinação efetiva, requisitos cumulativos da incidência do Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS.
De facto, nem todos os terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário se enquadre no limite definido pela verba 28.1, da TGIS, se destinam a ser edificados para fins habitacionais e, mesmo os que se encontrem inscritos na matriz sob aquela classificação, poderão deixar de reunir condições para tal, como bem esclarecem António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, em anotação ao n.º 3 do artigo 6.º, do Código do IMI, quando escrevem que “Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do aludido instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior (…)” .
E, mesmo quanto aos terrenos para construção inscritos na matriz com base nas declarações apresentadas pelos contribuintes, consideram os Autores antes citados que, não tendo aquelas declarações eficácia constitutiva, se verifica “a necessidade de existência de identificação do documento que autoriza a construção ou o loteamento” .
De facto, “Quando na verba 28 se fala em edificação para habitação autorizada ou prevista, não se reporta apenas à descrição matricial do prédio uma vez que a autorização para edificar uma habitação não tem que ser levada à matriz. Ao inscrever na matriz um prédio pode o seu titular indicar que prevê nele construir habitação, mas a autorização para o fazer, ou para edificar algo de diverso depende não de regras fiscais, mas de regras urbanísticas.” .
Do exposto, resulta claramente que apenas integrarão a previsão da norma da verba 28.1, da TGIS, os “terreno[s] para construção” relativamente aos quais se verifique, à data da produção do facto tributário, uma efetiva potencialidade de edificação.
Na situação em análise, invoca a Requerente, como fundamento para o erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentam as liquidações impugnadas, que o prédio em causa não tinha, nos anos a que respeita o imposto, qualquer “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, conforme exigido pela verba 28.1, da TGIS.
Não tendo a AT apresentado ao tribunal arbitral qualquer prova da existência de tal autorização ou projeto de construção devidamente aprovado pela Câmara Municipal competente, forçoso é concluir-se que não se poderá considerar provado que o terreno em causa tenha “edificação, autorizada ou prevista, para habitação”, nos termos do CIMI.
Deverá, portanto, concluir-se que as liquidações sindicadas enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, não podendo manter-se na ordem jurídica.
3. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, em especial a da invocada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na Verba 28.1, da TGIS, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.
4. Do pedido de juros indemnizatórios
O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o direito a juros indemnizatórios.
Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), de acordo com cujo n.º 1, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
Embora na situação em análise as liquidações impugnadas enfermem de vício de violação de lei por erro da Administração Tributária sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentou a sua emissão, a Requerente não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial, mas antes um pedido de revisão oficiosa, em 30/01/2017, ou seja, dentro do prazo de quatro anos após a data das liquidações, efetuadas em 20/03/2015 e em 05/04/2016, respetivamente.
Nestes casos, o direito a juros indemnizatórios não tem a mesma amplitude decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, sofrendo a restrição a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo citado, pois que, “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.
Assim, tendo o pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas sido formulado perante a Administração Tributária em 30/01/2017, apenas poderá ser reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios a partir do termo de um ano após aquela data, pois “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.” .
IV. DECISÃO:
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
a. Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) n.º 2015..., referente ao ano de 2014, no valor de € 14 756,55 e n.º 2016..., referente ao ano de 2015, no valor de € 14 756,55, assim como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as teve por objeto;
b. Condenar a Requerida à restituição dos valores indevidamente pagos pela Requerente;
c. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias de € 14 756,55 e de € 14 756,55, a calcular nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 29 513,10 (vinte e nove mil, quinhentos e treze euros e dez cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530,00 (mil e quinhentos e trinta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de junho de 2019.
O Árbitro,
Mariana Vargas
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.