DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Dra. Maria Alexandra Mesquita e Dra. Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 4 de fevereiro de 2019, acordam no seguinte:
I – Relatório
A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., n.º..., ...-... ..., doravante designado por Requerente, requereu em 23 de novembro de 2018 a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2018..., de 28 de setembro de 2018, referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97 e com data limite de pagamento em 12 de novembro de 2018.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
Síntese da posição das Partes
a. Do Requerente:
O Requerente alicerça o seu pedido de anulação da liquidação controvertida nos seguintes argumentos de facto e de direito:
Tendo iniciado a sua atividade em 2004, ficou enquadrado no regime de determinação dos rendimentos da categoria B pela contabilidade organizada em face dos resultados esperados para aquele ano.
Posteriormente, em março de 2006, mediante apresentação de declaração de alterações, optou expressamente por aquela forma de determinação dos rendimentos empresariais, opção que foi sendo aceite sucessivamente pela Requerida, até ao final de 2014.
Ao proceder à entrega da declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2015, a mesma gerou a divergência “C70-incompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro”, pois a AT considerou que pelo facto de o Requerente ter apresentado um volume de vendas de € 172 629,02 no ano de 2014, reuniria os critérios de enquadramento no regime simplificado de tributação, o que só não aconteceria se este tivesse entregado uma declaração de alterações até ao final do mês de março de 2015, optando pelo regime da contabilidade organizada.
Contudo, entende o Requerente que a opção pelo regime da contabilidade organizada, expressa na declaração de alterações apresentada em março de 2006 se tornou definitiva, não assistindo legitimidade à AT para, oficiosamente, determinar os seus rendimentos empresariais segundo o regime simplificado.
Motivos pelos quais o Requerente considera que a liquidação impugnada enferma de ilegalidade, por erro na quantificação do rendimento tributável.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, pugnando pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com defesa por exceção e por impugnação.
A título de exceção dilatória, invoca a Requerida a incompetência absoluta do tribunal arbitral, face ao preceituado no artigo 2.º, do RJAT, para conhecer do regime de enquadramento aplicável à determinação dos empresariais do Requerente, sendo o meio processual adequado para o efeito a ação administrativa a que se referem os artigos 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT e 37.º do CPTA.
Para além de que a liquidação de IRS, do ano 2015, foi já parcialmente analisada e deferida em sede da reclamação graciosa n.º ...2018... .
Por impugnação, refere a AT que:
* O Requerente iniciou a sua atividade ficando integrado no regime da contabilidade organizada, por imposição legal, uma vez que o valor do volume de negócios ultrapassava o limite legal constante no n.º 6 do art. 28.º do CIRS, mantendo-se no mesmo regime até 2015.
* Em 2014, o Requerente declarou, no anexo C da declaração de rendimentos IRS, um volume de negócios de € 172 629,02, inferior ao limite do n.º 2 do art. 28.º CIRS, pelo que reuniu os pressupostos de enquadramento no regime simplificado, o qual teve efeitos no período de tributação de 2015.
* Assim, para que o Requerente se mantivesse no regime da contabilidade organizada teria de exercer essa opção até 15 de março do ano da tributação, afastando assim o enquadramento no regime simplificado, o que não fez.
* Segundo a AT, o regime de enquadramento do Requerente é o que consta do quadro que segue (pág. 13 da Resposta, artigo 54.º):
2004 Contabilidade organizada
2005 Contabilidade organizada
2006 Contabilidade organizada
2007 Contabilidade organizada
2008 Contabilidade organizada
2009 Contabilidade organizada
2010 Contabilidade organizada
2011 Contabilidade organizada
2012 Contabilidade organizada
2013 Contabilidade organizada
2014 Contabilidade organizada
2015 Regime simplificado
Mais pede a Requerida a dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a correção do valor do processo para € 1 133,43, valor da liquidação corrigida após o deferimento da reclamação graciosa n.º ...2018....
Notificado por despacho arbitral de 8 de março de 2019, veio o Requerente responder à matéria de exceção invocada pela AT, dizendo que o pedido objeto dos autos “é incontornavelmente a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS de 2015”, “com base em vícios de violação de lei” que lhe são diretamente imputados no requerimento de pronúncia arbitral, embora a ilegalidade que afeta aquele ato seja decorrência do errado enquadramento no regime simplificado de tributação.
Pelo despacho arbitral de 26 de abril de 2019, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, por acordo das Partes, tendo estas sido notificadas para apresentação de alegações escritas simultâneas, pelo prazo de 20 dias, e fixada a data de 5 de julho de 2019 para prolação da decisão arbitral, advertindo-se o Requerente de que até essa data deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Ambas as Partes apresentaram as suas alegações escritas, nas quais reiteraram as posições expressas nos articulados iniciais.
II. SANEAMENTO
1. O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído em 4 de fevereiro de 2019, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Julga-se, na verdade, resultar inequívoco do teor do pedido de pronúncia arbitral na origem dos autos, que o ato impugnado é um ato de liquidação de imposto, cuja declaração de ilegalidade é peticionada, por errónea quantificação dos rendimentos [artigo 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], que cabe, sem margem para dúvidas, na competência atribuída aos tribunais arbitrais pela alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do RJAT, já que o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).
Tem-se, assim, por não verificada a incompetência do tribunal arbitral, nada obstando a que se conheça do mérito da causa.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
Cumpre apreciar o mérito da causa
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
1.1. Factos provados
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental oferecida pelo Requerente e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:
1. O Requerente iniciou a sua atividade de comércio por grosso de produtos hortícolas (CAE 51311), em 18 de março de 2004, tendo declarado um volume de negócios esperado até ao final do ano (10 meses) de € 172 500,00, ficando enquadrado no regime da contabilidade organizada (n.º 3 do artigo 28.º, do Código do IRS) – quadro 10, campo 19 da declaração de início de atividade junta à PI como Doc. 2;
2. Em 30 de março de 2006, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração de alterações, em cujo quadro 19 assinalou a opção pelo regime da contabilidade organizada – Doc. 3 junto à PI;
3. Os volumes de vendas declarados pelo Requerente no anexo C às declarações modelo 3 de IRS e nas declarações de informação empresarial simplificada, nos anos de 2006 a 2014, foram os seguintes (Docs. 11 a 27, juntos à PI):
a. 2006 - € 193 513,90;
b. 2007 - € 226,141,76;
c. 2008 - € 225 545,01;
d. 2009 - € 232 527,70;
e. 2010 - € 269 309,26;
f. 2011 - € 193 043,64;
g. 2012 - € 181 329,76;
h. 2013 - € 275 672,57;
i. 2014 - € 172 629,02;
4. O volume de vendas realizado pelo Requerente nos anos de 2004 e de 2005 foi de € 153 151,08 e de € 145 072,27, respetivamente, conforme consta do quadro 12 do anexo C à declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2006 (anos N-1 e N-2) – Doc. 11 junto à PI;
5. A declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos de 2015, na qual o Requerente incluiu um anexo C declarando o resultado líquido do período da quantia de € 4 775,20 e o volume de vendas de € 223 770,56, acusou os erros centrais “C70 – Incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro” e “E32 – Opção de regime de tributação não permitido”, notificados pelo ofício n.º..., de 23/06/2016 (Docs. 4 e 9, juntos à PI);
6. Em 28/09/2018, a AT emitiu em nome do Requerente e mulher, B..., a liquidação oficiosa de IRS com o n.º 2018..., referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97, em que se incluem juros compensatórios de € 9 226,16, com data limite de pagamento em 12/11/2018;
7. Em 22/11/2018, o Requerente apresentou reclamação graciosa na qual invocou erro na quantificação dos rendimentos da categoria B, por errada aplicação do coeficiente de 0,15 ao volume de vendas, em vez do coeficiente de 0,75, nos termos da lei cópia junta ao PA);
8. A reclamação graciosa registada sob o n.º ...2018..., foi deferida por despacho da Senhora Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., de 06/12/2018, notificado ao Requerente “via CTT”, por ofício da mesma data e Serviço Regional da AT (cópia junta ao PA);
9. À data da decisão da reclamação graciosa, a liquidação impugnada encontrava-se na fase de cobrança coerciva, exigida no processo de execução fiscal n.º ...2018..., instaurado em 19/11/2018 (informação prestada no procedimento de reclamação graciosa, com cópia junta ao PA);
10. Tendo por base a decisão de deferimento da reclamação graciosa, foi elaborado o documento de correção de que resultou a liquidação n.º 2018..., de 18/12/2018, “Sem Doc. Cobrança”, notificada ao Requerente por ofício remetido a coberto do registo dos CTT n.º RY...PT (documento junto ao PA);
11. A liquidação corrigida foi emitida pelo valor global de € 1 133,43 (resposta da AT).
1.2 – Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
1.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração os documentos indicados em cada uma das alíneas do probatório supra, consideram-se como provados os factos acima enunciados.
III.2 DO DIREITO
a. Questão prévia
Na sua Resposta, vem a Requerida invocar como questão prévia, a do valor do processo, indicado pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral como correspondente ao valor da liquidação de IRS n.º 2018..., de 28 de setembro de 2018, referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97.
Entende a Requerida que, tendo a referida liquidação sido parcialmente anulada no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2018..., de cujo deferimento resultou a liquidação n.º 2018..., emitida em 14/12/2018, em que foi apurado o montante a pagar de € 1 133,43, deverá ser este o valor do processo e não o indicado pelo Requerente na petição inicial, posto que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quando seja impugnada a liquidação, o valor da causa corresponde ao da importância cuja anulação se pretende.
No entanto, não assiste razão à Requerida.
Efetivamente, de acordo com o n.º 1 do artigo 299.º, do Código do Processo Civil (CPC), de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o momento determinante para a fixação do valor da causa é o da propositura da ação, que, no processo arbitral tributário corresponde ao da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
A competência do juiz na determinação do valor da causa não prejudica o dever da sua indicação pelas partes (artigo 306.º, n.º 1, do CPC), sendo a sua indicação pelo autor um dos requisitos da petição inicial, previsto no artigo 522.º, n.º 1, alínea f), do CPC.
Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 23 de novembro de 2018, data em que se encontrava em vigor o ato de liquidação n.º 2018..., referente ao ano de 2015, emitido em 28 de setembro de 2018 pelo valor global de € 109 450,97 e, tendo o Requerente cumprido o ónus de indicar no pedido de pronúncia arbitral o valor da liquidação cuja legalidade vem sindicada, deve ser aquela a quantia atendível para efeitos de determinação do valor da causa, independentemente das posteriores vicissitudes do ato impugnado.
b. Da quantificação dos rendimentos da Categoria B
A fim de se apurar do alegado erro na quantificação dos rendimentos da Categoria B auferidos pelo Requerente o exercício de 2015, objeto do litígio em análise, é necessário proceder-se a um breve excurso sobre o regime de enquadramento aplicável à determinação de tais rendimentos, desde o início da sua atividade, em 2004, até ao exercício de que se trata, sem perder de vista que “O regime simplificado de tributação (art. 28º do CIRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.” e que “O regime regra é que a tributação dos rendimentos empresariais é feita com base na contabilidade.” .
À data em que o Requerente iniciou a sua atividade (18/03/2004), preconizava o n.º 1 do artigo 28.º, do Código do IRS, na redação dada pelo Decreto-Lei DL 198/2001, de 3 de julho, duas modalidades de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais: segundo as regras do regime simplificado ou com base na contabilidade.
O regime simplificado era, então, o regime regra para os sujeitos passivos que não obtivessem, no exercício imediatamente anterior, um volume de vendas superior a € 149 739,37 ou um valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B superior a € 99 759,58 (n.º 2 do artigo 28.º, do Código do IRS), sem prejuízo da opção pelo regime da contabilidade, a formalizar até ao final do mês de março do ano em que pretendessem a sua aplicação, em declaração de alterações (n.º 4 do artigo 28.º, do Código do IRS).
Caso não fosse exercida a opção pelo regime da contabilidade, previa o n.º 5 do artigo 28.º, do Código do IRS, um período mínimo de permanência no regime simplificado, exceto se algum dos limites mencionados no n.º 2 do mesmo artigo fosse ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o fosse num único exercício em montante superior a 25% desse limite (n.º 6 do artigo 28.º, do Código do IRS).
No ano do início da atividade, o enquadramento do sujeito passivo num ou em outro dos referidos regimes de tributação dependia, nos termos do n.º 10 do referido artigo 28.º, do Código do IRS, aditado pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, com natureza interpretativa, do valor anual de proveitos estimado, constante da declaração de início de atividade, muito embora os contribuintes que reunissem os requisitos de enquadramento no regime simplificado pudessem optar pelo regime da contabilidade, mediante opção a formalizar na declaração de início de atividade.
Não se previa, à data em que o Requerente iniciou a sua atividade, um período mínimo de permanência no regime da contabilidade, pelo que, na falta de tal opção, os sujeitos passivos que no exercício imediatamente anterior, obtivessem proveitos de valor inferior aos previstos no n.º 2 do artigo 28.º, do CIRS, passariam a ser enquadrados no regime simplificado.
Porém, com a alteração introduzida à redação do n.º 5 do artigo 28.º, do Código do IRS, pelo artigo 46.º, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o período mínimo de permanência por três anos passou a aplicar-se a qualquer dos regimes de determinação do rendimento tributável da categoria B, prorrogável por iguais períodos, exceto se o sujeito passivo viesse a optar por regime diferente daquele pelo qual se encontrasse abrangido.
A nova redação daquele n.º 5 do artigo 28.º, do Código do IRS, dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, passou então a ser a seguinte:
“5 — O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, exceto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”.
Revertendo para o caso dos autos e tendo em conta a factualidade fixada supra, é possível alcançar as seguintes conclusões:
(i) O Requerente, que na declaração de início de atividade apresentada em 18 de março de 2004, indicou um volume de vendas anual estimado de € 207 000,00 (€ 172 500,00/10.12), superior ao limite previsto no artigo 28.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS, ficou enquadrado no regime da contabilidade por determinação legal.
ii) No exercício de 2005, o Requerente realizou vendas no valor de € 145 072,27 (cfr. o quadro 12 do anexo C à declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2006, por referência ao ano N-1), tendo-se mantido no regime da contabilidade, face ao volume de vendas declarado no ano anterior, de € 153 151,08 27, superior ao limite previsto no artigo 28.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS (cfr. o quadro 12 do anexo C à declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2006, por referência ao ano N-1), mantendo o enquadramento no regime da contabilidade por determinação legal.
(iii) Porém, considerando o volume de vendas de 2005 (€ 145 072,27), inferior ao limite previsto no artigo 28.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS, o Requerente ficaria enquadrado no regime simplificado em 2006, por um período mínimo de três anos (artigo 28.º, n.º 5, do Código do IRS, na redação em vigor àquela data), caso não tivesse formulado a opção pelo regime da contabilidade, na declaração de alterações que apresentou em 30 de março daquele ano.
(iv) Com a alteração introduzida à redação do n.º 5 do artigo 28.º, do Código do IRS, pelo artigo 46.º, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o período mínimo de permanência por três anos passou a aplicar-se a qualquer dos regimes de determinação do rendimento tributável da categoria B, prorrogável por iguais períodos, exceto se o sujeito passivo viesse a optar por regime diferente daquele pelo qual se encontrasse abrangido, o que, no caso vertente, se não verificou.
Entende a Requerida que a aplicação das regras do regime simplificado à determinação dos rendimentos empresariais do Requerente, no exercício de 2015, decorre da doutrina administrativa vertida na Circular n.º 5/2007, da DSIRS, de 13 de março, emitida na sequência as alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, de acordo com cujo n.º 1 “Aos sujeitos passivos que estejam abrangidos pelo regime de apuramento dos rendimentos empresariais e profissionais com base na contabilidade por não preencherem os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS não se aplica o período mínimo de permanência previsto no n.º 5 do mesmo artigo, uma vez que o seu enquadramento não resulta de uma opção.”.
Independentemente do valor jurídico que a doutrina tem tradicionalmente atribuído às circulares, enquanto instruções genéricas, é convicção deste tribunal arbitral que a citada Circular n.º 5/2007 se não aplica à situação tributária do Requerente.
Se, por um lado, segundo a perspetiva doutrinária tradicional, a força vinculativa das circulares “resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem (…)”, pois “não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes”, não os vinculando, “Nem aos Tribunais, que tratam de interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração Fiscal (…)” , a doutrina mais recente atribui ao “papel principal ocupado pelo contribuinte na vida do imposto (…) a existência de orientações genéricas que tentam uniformizar uma aplicação maioritariamente privada da lei, como decorrência do imperativo constitucional de igualdade, mas também a orientações justificadas pela necessidade de facilitar aos contribuintes a tarefa da aplicação da lei, bem como de os dotar de mecanismos de previsibilidade da eventual actuação administrativa.”
Desta última perspetiva, face à apresentação de uma declaração de alterações em 30 de março de 2006, na qual exerceu a opção pelo regime da contabilidade e às alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro à redação do artigo 28.º, do Código do IRC, que alargaram a ambos os regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais o período mínimo de permanência por três anos, prorrogável por iguais períodos, fica legitimada a expetativa do Requerente na manutenção da determinação dos seus rendimentos da Categoria B, no regime da contabilidade.
De facto, embora a referida Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007, tivesse entrado em vigor em 1 de janeiro desse ano, a remissão para o “regime pelo qual se encontra abrangido” indicia, sem grande margem para dúvidas, que a nova redação do n.º 5 do artigo 28.º, do Código do IRS, abrange as situações já constituídas à data do início da sua vigência, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º, do Código Civil.
Assim sendo e, não obstante as alterações posteriormente introduzidas à redação do artigo 28.º, do Código do IRS, nomeadamente a elevação do montante anual ilíquido dos rendimentos mencionados no seu n.º 2, para € 200 000,00, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estas não se afiguram suscetíveis de alterar o enquadramento do Requerente para efeitos de IRS, como pretendido pela AT, a menos que este tivesse optado pelo regime simplificado em 2015, o que não fez.
Resulta do exposto que o Requerente ficou enquadrado no regime da contabilidade, por opção e não por “determinação legal”, no triénio de 2006/2008, renovável por iguais períodos, não lhe sendo aplicável a interpretação veiculada pela referida Circular n.º 5/2007, da DSIRS, e assim se confirmando a errónea quantificação dos seus rendimentos empresariais segundo as regras do regime simplificado, que inquina de ilegalidade a liquidação de IRS n.º 2018..., objeto dos presentes autos.
c. Da reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade
De acordo com o disposto no artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”, a administração tributária fica adstrita “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.
Concomitantemente, dispõe o n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT:
“Artigo 24.º - Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação
1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:
a) Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral;
b) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;
c) Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;
d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.”.
Conclui-se precedentemente pela ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97, da qual decorreria a sua consequente anulação.
Todavia, tal como a Requerida invoca na sua Resposta a título de questão prévia, aquele ato tributário já foi parcialmente anulado (revogação anulatória parcial), em execução da decisão de deferimento da reclamação graciosa apresentada Requerente em 22/11/2018, tendo sido substituído pela liquidação n.º 2018..., emitida em 14 de dezembro de 2018, na qual se apurou o montante a pagar de € 1 133,43 e com a qual o Requerente se não terá conformado, pois, caso contrário e por aplicação subsidiária do disposto no n.º 3 do artigo 112.º, do CPPT , não teria havido lugar à constituição do presente tribunal arbitral em 4 de fevereiro de 2019.
Analisando a petição da reclamação graciosa n.º ...2018..., com cópia junta ao PA, verifica-se que o Requerente pede a correção da liquidação inicial, na qual supôs ter sido aplicado o coeficiente de 0,75 ao volume de vendas do exercício de 2015, em vez do coeficiente de 0,15.
Estes coeficientes são os que constam do artigo 31.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS, que estabelece as regras de determinação dos rendimentos da Categoria B, no regime simplificado.
O Requerente declarou um volume de vendas de € 223 770,56, para o exercício de 2015, valor que foi considerado na sua totalidade como rendimento da categoria B (e não por aplicação do coeficiente de 0,75, como terá suposto) e originou o rendimento global de € 229 830,56, bem como a liquidação de imposto objeto da reclamação. A nova liquidação, da quantia de € 1 133,43 resultou, portanto, da aplicação do coeficiente de 0,15 ao volume de vendas do exercício de 2015.
Ora, tendo-se chegado à conclusão de que o erro na quantificação dos rendimentos empresariais do Requerente, no exercício de 2015, decorreu da aplicação das regras do regime simplificado, afigura-se óbvio que também a liquidação corretiva padece do mesmo vício de ilegalidade, não podendo manter-se na ordem jurídica.
Nem a tal obstará o facto de o Requerente ter aduzido causas de pedir distintas na reclamação graciosa e no pedido de pronúncia arbitral, pois que o pedido de pronúncia arbitral, à semelhança do processo de impugnação judicial, pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, designadamente o erro na quantificação dos rendimentos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 99.º, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
Antecipando a decisão dir-se-á que, tendo em vista a plena reconstituição da legalidade violada, se deverão anular quer a liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97, já parcialmente revogada pela AT no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2018..., quer a liquidação n.º 2018..., da quantia de € 1 133,43 que a substituiu, dada a relação de dependência com o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral, e condenar-se a Requerida à emissão de nova liquidação para o exercício de 2015, com base nos valores apurados pelo Requerente na sua contabilidade.
IV – DECISÃO:
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
a. Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, no valor global de € 109 450,97, já parcialmente revogada pela AT, que se anula na sua totalidade;
b. Declarar a ilegalidade e determinar a anulação da liquidação de IRS n.º 2018..., da quantia de € 1 133,43, que substituiu a liquidação anterior;
c. Condenar a Requerida à prática do ato devido, consubstanciado na emissão de liquidação de IRS referente ao ano de 2015, com base nos valores apurados pelo Requerente na sua contabilidade.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 109 450,97 (cento e nove mil, quatrocentos e cinquenta euros e noventa e sete cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 3 060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de maio de 2019.
Os Árbitros,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Maria Alexandra Mesquita
(Árbitro Vogal)
Mariana Vargas
(Árbitro Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.