Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 387/2018-T
Data da decisão: 2019-06-20  IRC  
Valor do pedido: € 100.257,06
Tema: IRC - Presunção de veracidade das declarações; Documentação de gastos;
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Nuno Cunha Rodrigues e António Pragal Colaço (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

I.             Relatório

 

1.            O Requerente A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), apresentou em 16/8/2018, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das correções à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2014 no montante de EUR 100.257,06 e a consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, referente a tal exercício, no montante de EUR 0,84, sendo esta a pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16/8/2018.

 

2.1          A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros o Dr. Alexandre Coelho, o Dr. António Pragal Colaço e a Conselheira Fernanda Maças, do Tribunal Arbitral Colectivo, presidindo a Conselheira Fernanda Maçãs, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

2.2          Em 1/10/2018, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

2.3          Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 22/10/2018.

2.4          Por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, foi determinada a substituição do Árbitro Adjunto Dr. Alexandre Andrade, pelo Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues, tendo sido notificado às partes o despacho arbitral dessa substituição e das suas eventuais consequências em 14/1/2019, não tendo as mesmas oposto qualquer oposição.

2.5          Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.            A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

3.1          As correções à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2014 no montante de 100.257,06€ (EUR 60.260,75 + EUR 39.996,31), que deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, resultaram de ação de inspeção tributária ao exercício de 2014 à Requerente, a coberto da ordem de serviço n.º OI2017...;

 

3.2          A Requerente é uma sociedade comercial anónima, com sede e direção efetiva em território nacional, enquadrada no regime geral de tributação para efeitos de IRC, que se dedica ao desenvolvimento de projetos, tais como promoção e montagem de negócios, e à prestação de serviços de consultoria e auditoria a empresas e organismos públicos e/ou privados, tais como prestação de serviços de formação profissional, podendo promover a celebração de contratos por conta de terceiros;

3.3          Os serviços inspetivos determinaram correções ao lucro tributável da Requerente mediante a desconsideração como gasto dedutível do montante de EUR 60.260,75, registado contabilisticamente na “Conta ... – Outras Penalidades”, com fundamento no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea e), do Código do IRC (“CIRC”), corrigindo-se o campo 728 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2014, referente a «Multas, coimas e demais encargos», incluindo juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações;

3.4          A Requerente contabilizou como gasto o valor de 60.260,75€ (art.º 73.º da p.i., vindo mais tarde a alterar para 59.672,28€ no art.º 139.º da p.i.) porquanto havia celebrado com a sociedade B..., S.A. (“B...”), em 04.01.2011, um contrato-promessa de cedência de posição contratual em contrato de locação financeira imobiliária, relativo à fração autónoma identificada pela letra AF, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ...– ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, tendo vindo a suportar uma penalidade contratual nesse montante por incumprimento do contrato;

3.5          Invoca que estes gastos estão devidamente comprovados e relacionados com a atividade económica da Requerente não estando em causa a materialidade e efetividade dos mesmos;

3.6          Invoca ainda a ilegalidade por inexistência, à luz dos artigos 77.º, n.º 2, da LGT; 36.º do CPPT; 62.º do RCPITA; 152.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP, de fundamento para a posição sustentada pela AT, das correcções no montante de EUR 60.260,75;

3.7          Invoca à luz dos artigos 74.º da LGT e 100.º do CPPT, que se impõe a anulação das correções sub judice, no montante de EUR 60.260,75, e, bem assim, do ato tributário delas resultante;

3.8          Invoca ainda, a ilegalidade das correções em apreço, quanto ao montante de EUR 59.672,28, porquanto não se verificam os pressupostos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC.;

3.9          Invoca a natureza contratual das penalidades em “crise”;

3.10       Impugna o entendimento de que não existiu nenhum desvio à normal prossecução do objecto social;

3.11       Invoca ainda que, caso se entenda que o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC contempla a regra de não dedutibilidade de encargos contratuais e sem conceder, sempre a interpretação da aludida norma padecerá de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP, o que desde já invoca para efeitos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro e não poderá deixar de ser sindicado por este Tribunal, quanto às correções no montante de EUR 59.672,28, e,

3.12       Os serviços inspetivos procederam ainda a uma correção ao lucro tributável da Requerente no sentido de acrescerem ao resultado tributável de IRC do exercício de 2014 o montante de EUR 39.996,31 ao campo 710 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a «Correções relativas a períodos de tributação anteriores» (art.º 18.º, n.º 2);

3.13       Tal montante resultou de, no exercício de 2010, a Requerente ter registado contabilisticamente e sujeitado a tributação, na conta 72114 “Faturação a emitir – tx. Normal.MN” um conjunto de montantes respeitantes a operações que estimava vir a realizar e faturar, nomeadamente:

i. C…: EUR 13.178,50;

ii. D…: EUR 13.178,50;

iii. E…: EUR 26.036,00.

Os quais totalizavam EUR 52.393,00, tendo vindo apenas a facturar o montante de EUR 12.396,69;

3.14       Em função do desenvolvimento da sua atividade comercial e do hiato temporal em questão, a Requerente concluiu que não seria provável vir a auferir o montante remanescente, no valor de EUR 39.996,31 (EUR 52.393,00 - EUR 12.396,69), tendo procedido à respetiva reversão do acréscimo na sua manifestação fiscal no exercício de 2014;

3.15       Invoca ainda quanto a este segmento que à luz dos artigos 74.º da LGT e 100.º do CPPT, a posição sustentada pela AT, padece de ilegalidade quanto às correções impostas pelos serviços de inspeção, no montante de EUR 39.996,31, e, bem assim, da respetiva liquidação de imposto;

3.16       Invoca ainda, a inexistência, à luz do princípio da justiça consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, de fundamento para a posição sustentada pela AT, resultando evidente a ilegalidade das correções impostas pelos serviços de inspeção, no montante de EUR 39.996,31, e, bem assim, da respetiva liquidação de imposto;

3.17       Peticionando a anulação das mesmas correcções, liquidação respectiva com as devidas consequências legais.

 

4.            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:

4.1          As correcções aqui postas em crise resultam de um procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial, visando o IRC do exercício de 2014;

4.2          A AT efectuou vários contactos com o contribuinte, tendo na sequência dos mesmos o contabilista certificado remetido fotocópia de um contrato promessa de cedência de posição contratual num contrato de locação financeira imobiliária;

4.3          Porém não resulta daquele contrato promessa qualquer menção a quaisquer penalidades no montante de 60.260,75 Euros ou outro, também não resultando daquele contrato, ou qualquer outro documento de suporte à contabilidade da R (sic) qualquer outra justificação/nexo causal que nos leve até àquele montante de penalidades;

4.4          Portanto, se a R. (sic) pretende ver reconhecidas penalidades contratuais, ou de outro tipo, na sua contabilidade teria de ter, pelo menos, um documento de suporte a essa despesa/custo;

4.5 Não resulta do contrato o pagamento de qualquer valor de montante sequer aproximado aos 60.260,75 euros, tal como não resulta provadas as transferências de capital (e para quem), etc, ou seja, a R não faz qualquer prova de que aquele montante corresponde a uma ou mais penalidades contratuais ou sequer se serviu para pagar alguma penalidade contratual;

4.6. É que sem o contrato de locação financeira, assim como a prova de que os montantes transferidos estão efectivamente relacionados com o contrato promessa não se pode dizer que o montante em causa é ou não o resultado da aplicação de uma cláusula penal;

4.7. No presente caso, sendo um custo integrado na rubrica “outras penalidades” e não existindo um contrato que estabeleça penalidades da amplitude aqui em discussão, necessariamente temos de considerar que não estão ali previstas e que não são praticadas no próprio interesse da sociedade, nem subsumíveis ao seu escopo lucrativo, decorrendo antes desvios ao que seria o seu normal desenvolvimento;

4.8Por ser importante apurar a natureza das “penalidades” que deram origem à despesa cuja dedutibilidade foi recusada pela AT, é que a AT solicitou, por várias vezes, que a R juntasse documentos que sustentassem a inscrição daquele montante naquela rubrica contabilística;

4.9. As indemnizações (cfr artigo 562º a 564º do Código Civil) e as penalidades contratuais são juridicamente distintas e têm tratamento fiscal diferente;

4.10. A AT pode assim desconsiderar os custos que não tiverem sido comprovados nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 23º, isto é, no seguinte modo: “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para o efeito”;

4.11. Tratando-se de penalidades, referem-se, à partida, a comportamentos ética e socialmente reprováveis, pois que não é aceitável socialmente o incumprimento de contratos;

4.12. Não existindo assim insuficiência de fundamentação, ou obscuridade, nem dúvida sobre o acto tributário, ou insuficiência de prova por parte da AT;

4.13. A prova (documento que sustentasse a realização daquele custo e do fim a que o mesmo se deve) cabia à R., (sic) quanto mais não fosse, no âmbito do dever de colaboração e como dever de sustentar documentalmente a inscrição na contabilidade com documentos externos, prova que claramente não foi feita;

4.15. O montante aqui em discussão não se enquadra na definição legal de custo dedutível por também resultar de um desvio à normal prossecução do objecto social.

4.16.Não foram violados os princípios da tributação do lucro real e da capacidade contributiva;

4.17.Quanto à não aceitação do montante de 39.996,31€, reflectido na conta ... Correções relativas a períodos anteriores, trata-se de “... reversão de acréscimo de rendimento no montante de € 39 996,31, valor este que é parte do montante de acréscimo de proveitos contabilizado em 2010 no montante de € 88 993), ...”, neste sentido, mesmo considerando a hipótese que no exercício 2010, influenciou o apuramento do resultado líquido,  porém, através de consulta ao sistema informático, verificamos que a DLR MOD 22, do exercício 2010, identificada..., no Q.07 Apuramento do lucro tributável, o sujeito passivo não preencheu a verba em causa, o que implicaria a possível correcção no apuramento do lucro tributável ao exercício em análise;

4.18.O artigo 18º, nº1 do CIRC estabelece o princípio da especialização dos exercícios: “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica;

4.19. O nº2 daquele preceito estabelece a excepção àquele nº 1 dizendo o seguinte:

“As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”;

4.20. Não se explica de onde resultava o ganho contabilizado em 2010 que apenas quatro anos depois (2014) constatou que não iria ser concretizado;

4.21. Assim, numa ponderação global dos interesses em presença, medida pelo princípio da proporcionalidade deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no

combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à regra ínsita no nº1 do artigo 18º do CIRC e à falta de prova por parte da R para efectuar a reversão em apreço;

4.22. O Tribunal Arbitral não pode julgar segundo o princípio da justiça ao caso concreto, pois isso violaria o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e  no âmbito do processo prejudicial nº C-377/13 (caso Ascendi), o TJUE decidiu-se, em 12 de Junho de 2014, pela qualificação dos tribunais arbitrais tributários portugueses enquanto órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, na acepção do artigo 276.º do TFUE, sendo que para esta qualificação contribuiu em grande parte o facto de lhes estar vedado o julgamento segundo a equidade;

4.23. Devendo ser considerado totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

5.            Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT) tendo-se designado o dia 22 de Abril de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

6.            A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.

 

7.            Foi proferido despacho arbitral em 13/3/2019, onde se determinou em nome do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, para a Requerida juntar aos autos “Todos os Balancetes, quer sejam sintéticos ou analíticos do ano de 2014, incluindo os antes do apuramento e após apuramento de resultados que tenha em seu poder” e “Todos os documentos que foram remetidos pelo sujeito passivo conforme ponto 2, do email constante da pág. 76 do PA”, o que foi cumprido em 22/3/2019.

Determinou-se também para a Requerente juntar aos autos “Extractos de conta corrente de todo o ano de 2014, das contas (Código de Contas)..., ... e ....”, o que foi cumprido em 26/3/2019.

Foi proferido em 26/3/2019 despacho arbitral a cumprir o princípio do contraditório, para Requerente e Requerida.

Por despacho arbitral de 17/4/2019, ao abrigo do disposto no número 2, do art.º 21.º do RJAT, prorrogou-se o prazo da arbitragem por dois meses, tendo-se indicado como data limite para ser proferida a decisão o dia 22 de Junho de 2019.

 

II.            Saneamento

 

8. 1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.3.O processo não enferma de nulidades.

8.4. Não foram suscitadas exceções.

8.5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.          Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

9.            Factos provados

9.1          Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

9.1.1      A Requerente denomina-se A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., tem sede na Rua..., n.º..., ...-... Lisboa, sendo uma sociedade comercial anónima, com sede e direção efetiva em território nacional, enquadrada no regime geral de tributação para efeitos de IRC, que se dedica ao desenvolvimento de projetos, tais como promoção e montagem de negócios, e à prestação de serviços de consultoria e auditoria a empresas e organismos públicos e/ou privados, tais como prestação de serviços de formação profissional, podendo promover a celebração de contratos por conta de terceiros;

9.1.2      A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista  a declaração de ilegalidade das correções à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2014 no montante de EUR 100.257,06 e a consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, referente a tal exercício, no montante de EUR 0,84, sendo esta a pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral;

9.1.3      As correções à matéria tributável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2014 no montante de 100.257,06 (EUR 60.260,75 + EUR 39.996,31), deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 21 de maio de 2018, resultaram de ação de inspeção tributária ao exercício de 2014 à Requerente a coberto da ordem de serviço n.º OI2017...;

9.1.4      Os serviços inspetivos determinaram correções ao lucro tributável da Requerente mediante a desconsideração como gasto dedutível do montante de EUR 60.260,75, registado

contabilisticamente na “Conta ... – Outras Penalidades”, com fundamento no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea e), do Código do IRC (“CIRC”), corrigindo-se o campo 728 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2014, referente a «Multas, coimas e demais encargos, incluindo juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações;

9.1.5      A Requerente contabilizou como gasto o valor de EUR 59.672,28, porquanto havia celebrado com a sociedade B..., S.A. (“B...”), em 04.01.2011, um contrato-promessa de cedência de posição contratual em contrato de locação financeira imobiliária, relativo à fração autónoma identificada pela letra AF, do prédio urbano sito na Rua..., ..., ..., freguesia de..., concelho de Lisboa, tendo vindo a suportar uma penalidade contratual nesse montante por incumprimento do contrato;

9.1.6      A Requerente contabilizou na conta ... Outras Penalidades, vários lançamentos referentes à operação identificada, como segue:

 

 

9.1.7      Os documentos de suporte contabilístico destes movimentos discriminam-se da seguinte forma:

28-02-2014 – Diário 03 Lançamento 302.044, descrição Pagamento no montante de 283,82€, correspondente a custas em processo de execução fiscal por dívida de IRC;

30-04-2014 – Diário 04 Lançamento 404002 Factura no montante de 18.384,79€, corresponde à Factura 1/2014 emitida pela B... à Requerente, 14.946,98€ + IVA 3.437,81€, Total 18.384,79€, com descritivos Compensações e demais encargos e Penalização Compensatória;

31-05-2014 – Diário 03 Lançamento 305.019, descrição Pagamento no montante de 89,54 €, correspondente a custas em processo de execução de prestações da segurança social;

31-05-2014 – Diário 03 Lançamento 305.019, descrição Pagamento no montante de 0,50 €, correspondente a despesas de administração e gestão em processo motivado por atraso no pagamento em Fundo de Compensação de Trabalho;

30-06-2014 – Diário 03 Lançamento 306.031, descrição Pagamento no montante de 116,53 €, correspondente a custas em processos de execução fiscal;

31-07-2014 - Diário 04 Lançamento 407002 Factura no montante de 18.445,66€, corresponde à Factura 2/2014 emitida pela B... à Requerente, 14.996,47€ + IVA 3.449,19€, Total 18.445,66€, com descritivos Compensações e demais encargos e Penalização Compensatória;

31-10-2014 - Diário 03 Lançamento 310.047, descrição Pagamento no montante de 59,83 €, correspondente a custas em processo de execução fiscal;

31-10-2014 - Diário 03 Lançamento 310.079, descrição Pagamento no montante de 38,25 €, correspondente a custas em processo de contraordenação fiscal;

31-10-2014 - Diário 04 Lançamento 410.002, Factura no montante de 18.361,75€, corresponde à Factura 3/2014 emitida pela B... à Requerente, 14.928,25€ + IVA 3.433.50€, Total 18.361,75€, com descritivos Compensações e demais encargos e Penalização Compensatória;

31-12-2014 – Diário 09, Lançamento 912.026, Documento Interno de Operações Diversas, onde se debita a conta ... e se credita a conta 27228, ambas pelo valor de 14.800,58€;

 

9.1.8      Todos os documentos descritos em 9.1.8 foram remetidos pelo Requerente à AT através de email datado de 3 de Novembro de 2017, pelas 16h e 54m;

 

9.1.9      Os serviços inspetivos procederam ainda a uma correção ao lucro tributável da Requerente acrescendo ao resultado tributável de IRC do exercício de 2014 o montante de EUR 39.996,31 ao campo 710 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a «Correções relativas a períodos de tributação anteriores (art.º 18.º, n.º 2);

 

9.1.10    No exercício de 2010, a Requerente registou contabilisticamente e sujeitou a tributação, na conta 72114 “Faturação a emitir – tx. Normal.MN” um conjunto de montantes respeitantes a operações que estimava vir a realizar e faturar, nomeadamente:

i. C…: EUR 13.178,50;

ii. D…: EUR 13.178,50;

iii. E…: EUR 26.036,00.

Os quais totalizavam EUR 52.393,00, tendo vindo apenas a facturar o montante de EUR 12.396,69;

9.1.11    A Requerente entendeu que não seria provável vir a auferir o montante remanescente, no valor de EUR 39.996,31 (EUR 52.393,00 - EUR 12.396,69), procedendo à respetiva reversão do acréscimo na sua manifestação fiscal no exercício de 2014, contabilizando esse montante na conta ..., correcções relativas a exercícios anteriores, sem acrescer tal valor no quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2014.

 

9.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

9.3. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a boa decisão da causa e discriminar as matérias provada e não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. As duas questões centrais a decidir no presente processo arbitral, consistem em saber se:

i)             A desconsideração como gasto dedutível do montante de 60.260,75 Euros registado contabilisticamente na conta ... – Outras Penalidades, com fundamento no artigo 23º-A, nº1, al. e) do CIRC, é ilegal e

ii)            Se o acréscimo ao resultado de IRC do montante de 39.996,31 Euros no campo 710 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a “Correcções relativas a períodos de tributação anteriores (cfr. artigo 18º, nº2 CIRC), é ilegal?

 

i) Quanto à ilegalidade da desconsideração como gasto dedutível do montante de 60.260,75 Euros registado contabilisticamente na conta ... – Outras Penalidades, com fundamento no artigo 23º-A, nº1, al. e) do CIRC

 

Alega o Requerente que existe insuficiência de fundamentação. Na verdade, escreve que, “Entende a Requerente que a correção em apreço padece de ilegalidade por a fundamentação que lhe subjaz ser manifestamente obscura e insuficiente, não deixando percecionar satisfatoriamente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos serviços de inspeção tributária conducente à desconsideração dos montantes suportados com as penalidades sub judice.”

É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).

“Este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Ou seja, a fundamentação formal do acto tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.

Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13). De referir, porém que, para a suficiência da fundamentação de direito da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. acórdão do STA, de 17/11/2010, proc. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada).

Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.

Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade, (O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.) o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (fim de citação). (1)

Ora, no caso concreto o que a Requerente esgrima é “… De facto, em face do entendimento vertido no relatório de inspeção tributária não é possível à Requerente descortinar, com suficiente clareza, a interpretação que a AT faz do normativo legal que sustenta a correção em apreço, o que, desde logo, inviabiliza o controlo rigoroso da legalidade da interpretação da correção que subjaz ao ato tributário e o exercício pela Requerente dos meios de defesa que lhe são assegurados por lei.”

A argumentação de fundamentação obscura respeita assim a ume “pretensa errada” interpretação do bloco normativo e não a qualquer componente do acto tributário e tanto assim o é que esgrime “longamente” o hipotético conteúdo normativo que foi aplicado pela Requerida.

Conforme “lapida” a nossa jurisprudência “Se a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as liquidações adicionais impugnadas, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis, o critério legal e a motivação das mesmas, fica cumprida a dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários e não ocorre insuficiência de fundamentação.”

A entidade Requerida conforme se indicou em 4.3, 4.4., 4.5. e 4.6, descreve muito bem a sua linha de argumentação que é a que consta do relatório da inspecção tributária, tendo-a entendido perfeitamente.

Na verdade, “A AT efectuou vários contactos com o contribuinte, tendo na sequência dos mesmos o contabilista certificado remetido fotocópia de um contrato promessa de cedência de posição contratual num contrato de locação financeira imobiliária;

- Porém não resulta daquele contrato promessa qualquer menção a quaisquer penalidades no montante de 60.260,75 Euros ou outro, também não resultando daquele contrato, ou qualquer outro documento de suporte à contabilidade da R (sic) qualquer outra justificação/nexo causal que nos leve até àquele montante de penalidades;

- Portanto, se a R. (sic) pretende ver reconhecidas penalidades contratuais, ou de outro tipo, na sua contabilidade teria de ter, pelo menos, um documento de suporte a essa despesa/custo;

- Não resulta do contrato o pagamento de qualquer valor de montante sequer aproximado aos 60.260,75 euros, tal como não resulta provadas as transferências de capital (e para quem), etc, ou seja, a R não faz qualquer prova de que aquele montante corresponde a uma ou mais penalidades contratuais ou sequer se serviu para pagar alguma penalidade contratual;

Assim, parece seguro concluir que foram estes os fundamentos para a não aceitação da citada verba como custo fiscal e que a mesma deveria ter sido acrescida no quadro 07 da declaração modelo 22, pois enquadra-se na previsão normativa do art.º 23.º-A, alínea e) do CIRC.

O acto está assim devidamente fundamentado e é perfeitamente congnoscível e perceptível.

Não se verifica assim a arguida falta de fundamentação à luz dos artigos 77.º, n.º 2, da LGT, 36.º do CPPT, 62.º do RCPITA, 152.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP, das correções impostas pelos serviços de inspeção, no montante de EUR 60.260,75, e, bem assim, da respetiva liquidação de imposto

Questão distinta é a apreciação que se possa fazer da bondade dessa mesma fundamentação.

È verdade que a AT efectuou vários contactos com o contribuinte, mas já não coincide com toda a realidade, que apenas tenha sido junto um contrato promessa, pois, os lançamentos das mencionadas verbas assentam em facturas devidamente emitidas, exceptuando a que mencionámos.

É que a Requerente tem documentos de suporte, passados sob a forma legal, emitidos por entidade comercial, onde constam todos os requisitos formais e substanciais previstos no art.º 23.º do CIRC.

Não se compreende assim de todo, o porquê da “omissão” da referência à existência de tais documentos, sendo certo que existe uma presunção de veracidade das declarações e que “in casu” a mesma até ultrapassa essa presunção pois assenta em documentos legalmente emitidos. É que consta inequivocamente dos autos que e própria AT tinha as facturas na sua posse.

Fica assim prejudicada qualquer apreciação da natureza jurídica dos mencionados valores, pois a AT procedeu à correcção emergente da inexistência de documento de suporte. Conforme a AT escreve na sua contestação, “Portanto, se a R. (sic) pretende ver reconhecidas penalidades contratuais, ou de outro tipo, na sua contabilidade teria de ter, pelo menos, um documento de suporte a essa despesa/custo;”, a verdade é que a própria AT o tinha (factura) e a Requerente os apresentou, conjugando-se os dois documentos (facturas e contrato-promessa) quanto à existência dos valores em causa.

Mas, aqui chegados, julgar-se-ía que a questão estaria resolvida, mas não pode ser assim.

Estranhamento ou talvez não, conforme matéria de facto dada como provada, especialmente pontos 9.1.6. e 9.1.7, apesar da discussão estabelecida entre a Requerente e a AT considerar que tal montante emerge totalmente de uma “penalidade”, a verdade é que não é assim.

Nem Requerente nem Requerida se “deram” ao labor de perscrutar a documentação contabilística de forma aprofundada.

Conforme se lê no relatório de inspecção tributária, o contabilista certificado remete o contrato de promessa de cedência de posição contratual em contrato de locação financeira Imobiliária celebrado em 4 de Janeiro de 2011, como sendo o documento justificativo do valor de 60.260,75€, emergente do incumprimento do mesmo contrato por parte do requerente.

É que desde logo, conforme ponto 9.1.7 da matéria de facto dada como provada, os registos contabilísticos nos montantes de 283,82€, 89,54€, 0,50€, 116,53€, 59,83€ e 38,25€, que totalizam 588,47€, correspondem a custas e encargos emergentes de processos de execução tributária e de contra-ordenação, os quais não são dedutíveis nos termos do art.º 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC.

Certamente será por essa razão que no ponto 139 da p.i. e xi) das alegações, a Requerente menciona o valor de 59.672,28€ (60.260,75€-588,47€), pois é este que respeita ao incumprimento do contrato descrito no ponto 9.1.5 da matéria dada como provada.

Ora, continuando a fazer apelo à matéria de facto dada como provada, parte desse valor de 59.672,28€ está suportado em facturas devidamente emitidas e não impugnadas pela entidade Requerida e o valor de 14.800,58€ encontra-se suportado documentalmente num documento interno, inidóneo em termos de perspectiva normativa fiscal, cfr. ponto 9.1.7 da matéria de facto dada como provada.

Estará assim desde logo em causa somente o valor de 44.871,70€ como passível de estar devidamente documentado.

O art.º 23.º do CIRC teve a seguinte redacção em vigor até

Artigo 23.º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

A Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, veio dar a seguinte redacção:

Artigo 23.º(*)

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

5- (Revogado)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

A Lei 82-C/2014, de 31 de Dezembro procedeu a uma alteração ao art.º 23.º, mas não conexionada com a matéria que estamos a analisar.

Quanto ao artigo 23.º-A, teve sempre o seguinte regime normativo, aditado pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro que republicou o CIRC:

Artigo 23.º-A(*)

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

e) As multas, coimas e demais encargos, incluindo os juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, bem como por comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da atividade;

Ora, estando em causa no presente processo IRC referente ao ano de 2014, aplica-se a redacção dada pela Lei 2/2014, apesar de no RIT a fls. 12, a Requerida ter feito apelo à redacção anterior do art.º 23.º do CIRC, o qual já não era aplicável.

Este o quadro normativo aplicável.

Aplicando-se todo o exposto, temos que:

- 588,47€ - respeitam a custas e encargos emergentes de processos de execução tributária e de contra-ordenação, os quais não são dedutíveis nos termos do art.º 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC;

- 14.800,58€ - respeitam a verba suportada documentalmente num documento interno, inidóneo em termos de perspectiva normativa fiscal;

- 44.871,70€, respeitam a verba suportada em facturas devidamente emitidas e classificadas contabilisticamente em conjugação com o contrato – promessa, pelo que deve ser aceite este montante como custo devidamente documentado e relevado;

Tem de proceder assim obrigatoriamente a favor da Requerente a primeira questão em apreciação, quanto à legalidade da dedução do gasto de 44.871,70€.

No entanto, como a procedência é parcial, prevendo a eventual arguição de omissão de pronuncia quanto à arguida insuficiência de prova por parte da AT, no que concerne à diferença entre o valor de 59.672,28€ e 44.871,70€, a mesma não existe.

A contabilidade devidamente organizada faz fé, ou melhor, presunção de veracidade até ser “abalada” pela AT. Se esta considera que determinados registos contabilísticos não se encontram devidamente comprovados, procedendo a correcções aritméticas ao lucro tributável, por falta de documentação dos mesmos registos, não estamos, nem nunca poderíamos estar perante nenhuma insuficiência de prova por parte da entidade Requerida, Estamos antes é perante insuficiência de prova por parte da Requerente. O mesmo raciocínio é aplicável quanto a uma eventual dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, que de todo não se verificam.

Invoca ainda em sede subsidiaria a Requerente da violação “Da regra de não dedutibilidade de multas, coimas e demais encargos pela prática de infrações”. Mas também aqui não tem razão.

Na verdade, conforme foi mencionado supra, os valores de 588,47€ correspondem a custas e encargos emergentes de processos de execução tributária e de contra-ordenação, os quais não são dedutíveis nos termos do art.º 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC, expressamente designados como tal pela Requerente e o valor de 14.800,58€ encontra-se suportado documentalmente num documento interno, inidóneo em termos de perspectiva normativa fiscal, cfr. ponto 9.1.7 da matéria de facto dada como provada.

Não existe assim nenhuma relação possível com uma eventual violação da regra de não dedutibilidade de multas, coimas e demais encargos pela prática de infrações.

Por todas estas razões não estamos perante a necessidade de apreciação de qualquer desvio ao objecto social da Requerente, bem como, qualquer violação ao princípio da tributação pelo lucro real.

Na verdade, a não procedência dos valores de 588,47€, respeitantes a custas e encargos emergentes de processos de execução tributária e de contra-ordenação, os quais não são dedutíveis nos termos do art.º 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC e 14.800,58€, respeitantes a verba suportada documentalmente num documento interno, inidóneo em termos de perspectiva normativa fiscal, nada tem a ver com a aplicação deste princípio constitucional, constituindo todos eles e salvo o muito e devido respeito, enfoques enviesados da questão.

Basta reproduzirmos o que vem mesmo exemplificativamente escrito no art.º 189.º do pedido de pronuncia arbitral, 189.º “Neste mesmo sentido decidiu o Tribunal Constitucional no já citado acórdão n.º 142/2004, de 19.04.2004: «O princípio da tributação pelo rendimento líquido poderá, porém, sofrer limitações, por via da não aceitação total ou parcial de determinadas despesas incorridas pelo sujeito passivo, sendo de relevar, aliás, que na própria consagração do princípio da tributação segundo o rendimento real pela Constituição da República, para a tributação das empresas, não deixou de se incluir um importante "moderador de sentido" "fundamentalmente segundo o seu rendimento real". As excepções ou desvios objectivos à tributação do rendimento líquido são justificadas por combinações de complementação e restrição recíprocas com outas exigências, mais evidentes no caso das limitações inerentes à exigência ou princípio de praticabilidade» [sublinhado nosso].”

Ora, estamos exactamente perante estas excepções, não estando nem podendo estar em apreciação qualquer manifesta inconstitucionalidade do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea e), do CIRC, na interpretação avançada pela AT no relatório de inspeção, por violação dos princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP.

Por todo o exposto tem de proceder assim obrigatoriamente a favor da Requerente a primeira questão em apreciação, mas tão só quanto à legalidade da dedução do gasto do montante de 44.871,70€.

Questão distinta será a apreciação da possibilidade de anulação parcial de acto tributário por decisão judicial a apreciar infra.

 

ii)Quanto à ilegalidade do acréscimo ao resultado de IRC do montante de 39.996,31 Euros no campo 710 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a “Correcções relativas a períodos de tributação anteriores” (cfr. artigo 18.º, n.º 2 CIRC).

 

A segunda questão em análise respeita à dedutibilidade de uma reversão e eventualmente ao princípio da especialização dos exercícios.

O sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas assenta numa dependência parcial da contabilidade, correspondendo o lucro tributável das entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, à “soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, conforme o n.º 1 do artigo 17.º, do Código do IRC, determinando-se a matéria coletável pela dedução ao lucro tributável dos prejuízos fiscais reportáveis, nos termos do artigo 52.º, e dos benefícios fiscais que constituam dedução ao lucro tributável (artigo 15.º, n.º 1, do Código do IRC).

Apesar de ser verdade que, as empresas tendem a ter uma duração indeterminada e a mesma decorra num fluxo contínuo e, em bom rigor, o lucro ou prejuízo só deveria ser calculável no termo da sua atividade, a periodização do lucro tributável, por exercícios, em regra coincidentes com o ano civil, é um dos pilares estruturais do IRC, traduzido pelo princípio da especialização dos exercícios, princípio este mitigado pela “solidariedade dos exercícios”, consubstanciada no reporte de prejuízos de anos anteriores (cfr. o ponto 7 do preâmbulo do Código do IRC), ainda que temporalmente limitado.

Tal princípio da especialização dos exercícios é também um princípio contabilístico, de acordo com o § 22 da Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística – Regime de Acréscimo, “os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (…), sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem”, vem expresso, de forma algo rígida, no n.º 2 do artigo 18.º, do Código do IRC, nos termos do qual “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. (3)

Têm a Jurisprudência e a Doutrina entendido que tal princípio não pode ser aplicado às cegas se, da sua aplicação, resultar uma flagrante injustiça para o contribuinte, especialmente quando a administração fiscal se furte a efetuar “correções simétricas”, ou seja, quando, ao desconsiderar um gasto erradamente contabilizado e deduzido em determinado exercício, acrescendo o respetivo valor ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, não efetuar a correção de sinal contrário, acrescendo-o aos gastos do exercício em que deveria ter sido contabilizado.

E que, não sendo a correção simétrica possível, v. g., por motivos de tempestividade, o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, pois, de outro modo, o sujeito passivo seria, por motivos de índole formal, sujeito a uma tributação por um lucro que efetivamente não obteve. (4)

Mas a verdade é que as decisões não podem ser analisadas unicamente pela perspectiva abstracta de certas, ou erradas, mas carecem de ser articuladas com os factos que se lhes subsumem. Aliás, devem mesmo ser os factos que devem condicionar as decisões, pois estas são lhes subsequentes.

Disso mesmo nos deu nota um recente Acórdão de (não) Uniformização de Jurisprudência da nossa mais alta instância judicial, no qual em síntese se escreveu:

Por sua vez, no acórdão fundamento invocado quanto a esta questão ligada ao princípio da especialização dos exercícios (o acórdão do STA, de 25/06/2006, no proc. nº 0291/08), foi reapreciada uma decisão do TT de Lisboa que julgara improcedente uma impugnação judicial deduzida contra uma liquidação adicional de IRC de 1999, quanto à correcção da matéria colectável referente a juros de um crédito vencido (e a abater aos exercícios de 1994 e 1995) mas que só foram regularizados/imputados ao exercício de 1999.

A ocorrência desses custos não estava controvertida (estavam devidamente provados, em função da prova produzida no processo) e a sua não imputação aos respectivos exercícios (1994 e 1995) resultara de erro de contabilidade do sujeito passivo.

E não se tendo, igualmente, provado omissão voluntária e intencional com vista à transferência de resultados entre exercícios, nem tendo a Fazenda Pública sido considerada prejudicada (aliás, evidenciou-se que o sujeito passivo ficou prejudicado, pois só veio a relevar fiscalmente tais custos fiscais muito mais tarde do que o seria, em princípio, normal), o STA, considerou que, não obstante não ter sido dado cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios estatuído no art. 18º do CIRC, face às concretas circunstâncias, haveria que anular a correcção à matéria tributável efectuada pela AT, convocando para o efeito o princípio da justiça estatuído nos arts. 266º/2 da CRP e 55º da LGT.

Já quanto ao Acórdão recorrido e, portanto, por outro lado, escreveu-se no Acórdão do STA que vimos descrevendo:

“Assim, nem as ditas circunstâncias excepcionais invocadas pela recorrente (as decorrentes da operação de trespasse ocorrida no final de 1999) não podem enquadrar-se nas excepções previstas na lei, nem o procedimento da recorrente encontra justificação ao abrigo do princípio da substância sobre a forma; e não resultando provada a alegada neutralidade da operação efectuada, também não se vislumbra a invocada violação dos princípios da justiça e da tributação do rendimento real das empresas, até porque tendo a AT, já em sede de recurso hierárquico, relativamente aos custos referentes a 1999 contabilizados em 2000, ordenado a correcção correlativa em 1999, então não há que fazer qualquer outro ajuste.

Em suma, o acórdão recorrido, valorando a factualidade que julgou provada, considerou, por um lado, que dela resultam discrepâncias e outras circunstâncias que impõem a inerente ilacção factual no sentido de que não estão inteiramente demostrados nem o modo como alegadamente terá ocorrido a apontada operação, nem que o impacto fiscal dessa operação tivesse sido neutro (ou seja que os proveitos anulados em 2000 já teriam sido tributados em 1999) e considerou, por outro lado, que as referidas circunstâncias alegadas pela recorrente não podem enquadrar-se nas excepções legalmente admissíveis para derrogar o princípio da especialização dos exercícios (arts. 18º/2 e 19º/5 do CIRC), não se mostrando violado o princípio da justiça uma vez que não se mostra provada a neutralidade da operação.”

E cremos que é por esta perspectiva que o presente caso deve ser decidido.

Foi dado como provado que “No exercício de 2010, a Requerente registou contabilisticamente e sujeitou a tributação, na conta 72114 “Faturação a emitir – tx. Normal.MN” um conjunto de montantes respeitantes a operações que estimava vir a realizar e faturar, nomeadamente:

i. C…: EUR 13.178,50;

ii. D…: EUR 13.178,50;

iii. E…: EUR 26.036,00.

Os quais totalizavam EUR 52.393,00, tendo vindo apenas a facturar o montante de EUR 12.396,69.

Isto significa que no exercício de 2010 os citados valores foram levados a rendimentos não sustentados em qualquer documento de suporte, nem existiu até 2014 qualquer emissão de factura, ou documento equivalente de tais montantes.

No entanto, a Requerente contabilizou os mencionados montantes directamente numa conta de rendimentos (72114 – facturação a emitir), em vez de a ter contabilizado na conta SNC 271 - Acréscimos de proveitos.

Na verdade, esta conta serve de contrapartida aos proveitos a reconhecer no próprio exercício, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita só venha a obter-se em exercício ou exercícios posteriores. (5)

Por outro lado, quanto ao desreconhecimento:

7.15 — A quantia escriturada de um item do activo fixo tangível deve ser desreconhecida:

a) No momento da alienação; ou

b) Quando não se espere futuros benefícios económicos do seu uso ou alienação.

7.16 — O ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do activo fixo tangível deve ser incluído nos resultados quando o item for desreconhecido. Os ganhos não devem ser classificados como rédito.

7.17 — Aquando da data de alienação de um item do activo fixo tangível uma entidade deve aplicar os critérios referidos no capítulo 12 para reconhecimento do rédito.

7.18 — O ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do activo fixo tangível deve ser determinado como a diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do item.(6)

No entanto, a Requerente não contabilizou os mencionados factos patrimoniais em conta do Activo, mas directamente em réditos, no ano de 2010, tendo decidido em 2014 desreconhecê-los, sem qualquer documentação de suporte, em virtude de não ter também documentação de suporte para a contabilização originária que fez em 2010.

Num Acórdão da CAAD, tirado no processo CAAD 367/2014 (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), decidiu-se pela prevalência do princípio da justiça, mas em que tinha existido devida facturação e devida anulação através das competentes notas de crédito.

Ora, não é este o caso dos autos.

Conforme se escreve no relatório da inspecção tributária que consta do PA, “Por sua vez, a respectiva imputação ao exercício de 2014, devera ser devidamente justificada, ao reflectir o montante de 39 996,31, no apuramento do resultado liquido do exercício de 2014, uma verba referente ao exercício de 2010, cingindo-se ao esclarecimento “reversão de acréscimo de rendimento no montante de 39 996,31, valor este que é parte do montante de acréscimo de proveitos contabilizado em 2010 no montante de €88 993.”

Na verdade o Requerente não justifica o porquê, quando e como, da mencionada reversão de acréscimo do rendimento. Sendo certo que no entender do Tribunal a mencionada verba não poderia, atenta a sua natureza, constar do quadro 07 da declaração Modelo 22 do ano de 2010, não deixa de ser absolutamente certo, que conforme também se lê no mesmo relatório, “É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua actividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.”

E é o que acontece no presente caso.

Se existisse uma discricionariedade quanto á possibilidade de imputação fiscal de determinado custo, ou a imputação de determinado proveito, não faria sentido existirem excepções ao princípio da especialização dos exercícios, pois, nunca seria possível de aquilatar e apreciar-se quando as mesmas “eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.” Só se pode apreciar algo como imprevisível, ou manifestamente desconhecido, analisando a razão pela qual tal operação ocorreu daquela forma e é imputada a determinado momento. No caso dos autos tal não foi sequer demonstrado pela Requerente como lhe competia. Nem em sede de inspecçao tributária, nem em sede de acção arbitral.

Mesmo o documento número 7 junto pela Requerente, os vulgarmente designados documentos internos de operações diversas, está assinado, numerado, nem sequer tem as contas debitadas e creditadas, nada valendo como documento de classificação contabilística.

E também não se argumente conforme afirma a Requerente no art.º 23.º do seu pedido de pronuncia arbitral que, “Os referidos ganhos foram sujeitos a tributação no exercício de 2010 – cfr. cópias do balanço, da demonstração de resultados por natureza e da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, do exercício de 2010,  juntas como documento n.º 8” pois, basta atentar no Balanço na rubrica do Activo Diferimentos, que consta a verba em grosso de 89.687,88€, que não está discriminada nem justificada e que nem sequer coincide com o valor do “pretenso” documento de operações diversas junto como documento número 7, que tem um total de 76.393,00€, quando a rubrica de diferimentos em 2009 era de zero.

O mesmo raciocínio é aplicável “mutatis mutandi”, caso se efectue uma análise ao documento número 9 junto pela Requerente, que é um Balancete Geral Analítico de Dezembro de 2010, antes das regularizações de fecho, onde se observa claramente que a conta SNC, 27212, denominada Facturação a emitir 2010, tem um valor saldo de 88.993,00€ não tendo qualquer discriminação por entidade.

Seja como for, mesmo aí era necessário produzir prova mínima que justificasse a existência da imputação ao exercício de 2014 de factos patrimoniais pela negativa que o próprio Requerente criou em 2010 pela positiva.

Perante todo o exposto não estamos perante qualquer arguida insuficiência de prova por parte da AT.

A contabilidade devidamente organizada faz fé, ou melhor, presunção de veracidade até ser “abalada” pela AT. Se esta considera que determinados registos contabilísticos não se encontram devidamente comprovados, procedendo a correcções aritméticas ao lucro tributável, por falta de documentação dos mesmos registos, não estamos, nem nunca poderíamos estar perante nenhuma insuficiência de prova por parte da entidade Requerida, estamos antes é perante insuficiência de prova por parte da Requerente. O mesmo raciocínio é aplicável quanto a uma eventual dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, que de todo não se verificam.

Na verdade, conforme escreve exemplificativamente a Requerente no art.º 227.º do seu pedido de pronuncia arbitral, “Com efeito, dita o artigo 75.º, n.º 1, da LGT: «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos». “a organização é imperativo fundamental e não podemos excluir desse imperativo a justificação documental e (ou) por outros meios de prova dos lançamentos contabilísticos efectuados. Certamente não caberá nessa injunção escolher aleatoriamente o exercício em que se reverte sem que para isso existam fundamentos claros, concisos e devidamente provados.

A prova do como, quando, porquê, cabe à Requerente e se a mesma não comprova algum desses elementos em termos de justificabilidade, estamos a montante de qualquer apreciação do princípio da especialização dos exercícios, jurídico, contabilístico ou fiscal.

Não estamos assim perante qualquer violação do princípio da justiça, presente nos artigos 55.º da LGT e 266.º da CRP.

Na verdade, o que até está em causa no presente processo não seria nenhuma condenação da AT à correcção do proveito declarado em 2010, (cfr. art.º 260.º do requerimento inicial) mesmo que sendo caso disso, mas antes a aceitação da dedução da mencionada reversão.

Deve assim improceder a impugnação do Requerente quanto a esta parte.

 

III.2.2. Da anulação parcial do acto tributário

É entendimento da mais alta instância judicial que, é possível a anulação parcial das liquidações sendo referência o acórdão do Pleno da SCT de 10.04.2013 tirado no processo n° 298/12, quando estivermos perante irregularidades aritméticas nas contas, facilmente determináveis e quantificáveis, meramente gerador de uma desconformidade legal insusceptível de invalidar a totalidade do acto.

No caso concreto a AT procedeu à correcção aritmética ao lucro tributável da Requerente do ano de 2014, não aceitando como custo o montante de 100.257,06€. Ora, acontece que “in casu”, se considerou como procedente a anulação da não aceitação do custo no valor de 44.871,70€, pelo que se deve manter o valor da liquidação adicional que corrigiu o lucro tributável pela não dedutibilidade de 55.385,36€, pois estamos perante mera quantificação artimética perfeitamente determinável e determinada.

 

IV.          Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

 

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das correções impugnadas, na parte respeitante à não aceitação do custo no valor de EUR 44.871,70€; com a consequente;

b)           Anulação do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2014 no montante proporcional a tal anulação;

c)            Manter quanto ao mais o acto impugnado.

 

V.           Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 100.257,06€.

 

    VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em 3.060,00€, proporcionais ao vencimento e decaimento, cabendo assim à Requerente o montante de 1.690,34€ e à Requerida  o montante de 1.369,66€.

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 

Notifique

 

Lisboa, 20 de Junho de 2019

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (presidente)

Nuno Cunha Rodrigues (vogal)

António Pragal Colaço (vogal)

 

 

 

(1)          E como já se exarou em outros arestos (cfr., v. g. o acórdão de 14/3/2018, no proc. nº 0512/17, cujo texto passaremos a seguir);

(2)          Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo:0572/17, 09-05-2018, CASIMIRO GONÇALVES;

(3)          Saber o que é em concreto “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” é inequivocamente uma tarefa do intérprete que tem de aplicar a lei. Para se tentar fazer uma aproximação à densificação desse conceito “imprevisto”, veja-se o caso do Acórdão do STA, processo n.º 0963/12, de 03-04-2013, DULCE NETO, que considerou “ “V - Antes da aprovação de uma candidatura a subsídios pelas entidades oficiais competentes não pode haver uma certeza ou segura previsibilidade de que eles serão concedidos, imperando a imprevisibilidade quanto à sua aprovação e ao crédito que será concedido, o que obsta à sua imputação no exercício económico da candidatura. Tal imputação impõe-se no exercício em que ocorre a aprovação da candidatura, independentemente do recebimento do subsídio neste exercício.”;

(4)          Cfr. Acórdão CAAD, 30/11/2017, de 30/11/2017, processo número 423/2017, Marina Vargas;

(5)          Cfr. Comissão de Normalização Contabilística, notas de enquadramento, in. http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/Notas%20enquadramento.pdf que reproduz a conta respectiva do SNC:

272 —Devedores e credores por acréscimos estas contas registam a contrapartida dos rendimentos e dos gastos que devam ser reconhecidos no próprio período, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita ou despesa só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores.

(6)          Cfr. Norma Contabilistica para Micro Entidades, Aviso 6726-A/2011, publicado no DR II Serie, de 14 de Março de 2011, aplicável até ao exercício de 2015, o qual foi alterado pelo Aviso 8257/2015, publicado no DR II Serie, de 29/7/2015, que criou a NCRF para PE;, aplicável aos exercícios de 2016 e segs. Mesmo que fosse aplicável a NCRF para PE, constante do Aviso 15654/2009, publicada no DR II Serie de 7 de Dezembro de 2009 a redacção era idêntica;

(7)          Atente-se em variadas normas do CIRC nomeadamente quando em sede de aceitação de dedução de perdas por imparidade em activos não correntes, exige-se:

Artigo 31.º-B(*) Perdas por imparidade em ativos não correntes

1 - Podem ser aceites como gastos fiscais as perdas por imparidade em ativos não correntes provenientes de causas anormais comprovadas, designadamente desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excecionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo deve obter a aceitação da Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante exposição devidamente fundamentada, a apresentar até ao fim do 1.º mês do período de tributação seguinte ao da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excecionais, acompanhada de documentação comprovativa dos mesmos, designadamente da decisão do competente órgão de gestão que confirme aqueles factos, de justificação do respetivo montante, bem como da indicação do destino a dar aos ativos, quando o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização destes não ocorram no mesmo período de tributação.

3 - Quando os factos que determinaram as desvalorizações excecionais dos ativos e o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos ativos, corrigido de eventuais valores recuperáveis, pode ser aceite como gasto do período, desde que:

a) Seja comprovado o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens, através do respetivo auto, assinado por duas testemunhas, e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excecionais;

b) O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa, contendo, relativamente a cada ativo, a descrição, o ano e o custo de aquisição, bem como o valor líquido contabilístico e o valor líquido fiscal;

c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles ativos se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos; (Rectificada pela Dec.Rectificação n.º 67-A/2009 - 11/09);

(8)          Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0952/13, 30-10-2013, Ascensão Lopes, in.www.dgsi.pt