Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 666/2018-T
Data da decisão: 2019-05-14  IRC  
Valor do pedido: € 902.658,43
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos. Perdas por imparidade em dívidas a receber.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Elísio Brandão e Prof. Doutor Gustavo Courinha (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2019, acordam no seguinte:

        

                1. Relatório

 

A..., LDA, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ....-..., Lisboa, (doravante “Requerente” ou “A...”) apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018 ..., de 24 de Setembro de 2018.

A Requerente pede ainda a «anulação das liquidações de juros compensatórios por falta de preenchimento dos pressupostos legais respectivos, previstos no artigo 35.º da LGT», e «na medida da procedência dos pedidos anteriores, determine a restituição à Requerente dos valores indevidamente pagos, no total de EUR 252.026,87 e reconheça o erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação das liquidações impugnadas, condenando aquela no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT», além da condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo arbitral.

A Requerente indicou como valor da causa o de € 902.658,43, que corresponde às correcções promovidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira subjacentes às liquidações impugnadas.

Em 27-12-2018, a Requerente apresentou um requerimento em que esclarece que «tais correcções não deram em rigor azo à liquidação adicional de imposto, mas sim ao estorno de reembolsos recebidos pela Requerente por referência a tais exercícios, acrescidos dos respectivos juros compensatórios, no montante total de EUR 252.026,87», defendendo que deve ser este o valor da causa e «requer (i) que o valor da causa para efeitos de custas seja fixado em EUR 252.026,87, o que corresponderá a uma taxa de arbitragem total de EUR 4.896,00 (EUR 2.448,00 a título de taxa inicial; EUR 2.448,00 a título de taxa subsequente); (ii) que o excesso já pago pela Requerente seja imputado ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente; e (iii) que seja promovida a restituição à Requerente do remanescente no valor de EUR 1.532,00».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-12-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 16-04-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

A Requerente veio pronunciar-se sobre questões colocadas na Resposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o requerimento sido admitido e notificada a Requerida para responder, o que veio a fazer.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente exerce a atividade de “Outras Atividades de Consultoria para os Negócios e a Gestão”, (CAE – 70220), encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável;

b)           A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa aos exercícios de 2014 e de 2015 com o com o objetivo de proceder ao controlo dos elementos declarados, designadamente dos gastos com imparidades de créditos;

c)            No âmbito do procedimento inspetivo em causa foram efetuadas correções à matéria colectável respeitantes à desconsideração de perdas por imparidade reconhecidas, em 2014 quanto ao cliente C..., no montante de € 89.538,05 e, em 2015, ao cliente B..., Lda., no montante de € 813.120,38;

d)           No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

III.1. - IRC - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS

III.1. Perdas por imparidades

1. Perdas por imparidade - créditos em mora

Verifica-se pela consulta à IES de 2014 e 2015, e balancetes analíticos, que a A... declara na conta 6511 - Perdas por imparidade-Dívidas a receber-clientes €1.164.106,38 e €1.074,568,33, respetivamente.

Como documento de suporte à dedução anteriormente identificada, foram exibidos mapas de suporte ao cálculo das imparidades, para os exercícios de 2014 e 2015, bem como cópia das declarações modelo 30 (mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos em inventários), para os mesmos exercícios (anexo 1).

Pelos documentos exibidos e esclarecimentos obtidos junto da contabilista certificada foi possível concluir;

• Em 2014 e 2015, foram constituídas imparidades por créditos em mora ao abrigo do disposto, na alínea c), do n.º 1, do art. 28.º-B do CIRC;

• A constituição de imparidades é reconhecida como gasto na subconta 651110- Dívida a receber de clientes;

• Em termos de balanço as imparidades estão reconhecidas na subconta 219100 - Perdas Por Imparidade Acumuladas:

 

 

Os créditos estão evidenciados como créditos de cobrança duvidosa no mapa modelo 30, descrita no quadro abaixo indicado:

 

 

 

Pelo mapa de suporte ao cálculo de imparidades, verifica-se que em 2014, o gasto com imparidades de créditos respeita a dois clientes:" B..." e "C...". Em 2015 respeita apenas a Imparidades de Créditos da empresa "B...".

No intuito de validar os valores constantes na conta 651 - Perdas por imparidade - Em dívidas a receber de clientes foram analisados os mapas de apuramento das perdas por imparidade disponibilizados pelo sujeito passivo.

 

2. Enquadramento Fiscal

Conforme previsto na alínea h) do n.º 2, do art. 23.º do CIRC, as perdas por imparidade são dedutíveis para efeitos fiscais. As condições de dedutibilidade, das perdas por imparidade de créditos estão previstas no artigo 28.º-A e no artigo 28.º-B do CIRC.

Dispõe o nº 1 do art.º 28.º- A:

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

O art 28.º- A tem que ser conjugado com o previsto no art. 28.º-B:

Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa, aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

 

Para validação dos requisitos previstos nos artigos citados, solicitamos, para cada um dos exercícios, mapa de imparidade de créditos, detalhado por: cliente, número de fatura, data da fatura, data de vencimento da fatura e montante da fatura. Solicitamos prova das diligências efetuadas para o recebimento dos créditos em mora.

 

3.1. Exercício de 2014

B...

Para este cliente, e conforme mapa de apuramento que se reproduz, e decomposição do saldo da subconta de Imparidades acumuladas (anexo 2), foi reconhecido um gasto com imparidades de créditos de € 1.074.000,00. Este montante que está reconhecido como gasto na contabilidade e que está evidenciado contabilisticamente na declaração Modelo 30.

 

Após validação do cálculo de imparidades, tendo em conta as percentagens previstas no n.º 2, do art. 28.º-B do CIRC, concluímos que a A..., em 2014, poderia ter reconhecido gastos com imparidades no montante de € 1.887.688,71 (anexo 3), valor coincidente com o montante inscrito na coluna "imparidade fiscalmente aceite" do mapa disponibilizado pela A... .

Como prova das diligências de cobranças exibiram correspondência trocada com o cliente (anexo 2), na qual se verifica, que está a ser reclamada a totalidade da dívida, pelo que foi dado cumprimento, ao disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 28.º- A do CIRC

Decorre do anteriormente exposto que a A..., poderia ter reconhecido um gasto com imparidades de créditos de € 1.887.688,71, mas apenas reconheceu um gasto no valor de € 1.074,568,33, montante, este, que corresponde ao montante máximo dedutível, em 2014, por ser esse o montante evidenciado na contabilidade, e que dá integral cumprimento aos critérios para o reconhecimento de gastos com imparidades, previstos nos artigos 28.º - A e 28.º-B.

Em 12 de junho, com o objetivo de justificar o facto de apenas ter constituído em 2014, imparidades no montante de 50% dos créditos, com constituição dos restantes 50% em 2015, a A... remeteu por email, novo mapa modelo 30 referente ao exercício de 2014, acompanhado de novo mapa de suporte ao cálculo do gasto com imparidades (anexo 4).

Após análise a esses mapas verificamos:

• No mapa modelo 30, consta como constituição do período o montante de € 1.189.106,38, valor que não reconcilia com o gasto reconhecido na subconta 6511, uma vez que o saldo desta subconta perfaz € 1.164.106,38;

• Consideram a reposição de € 25.000,00, valor para o qual não existe correspondência, em termos de rendimento, por reversão de imparidades no balancete;

• No mapa de cálculo das imparidades que anexam para justificar a constituição de€ 1.189.106,38, inscrito na nova declaração modelo 30, consta a constituição da imparidade de € 25.000,00, para o cliente D..., correspondente a uma fatura de 23-11-2012, no montante de € 50.000,00, com imparidade constituída pela totalidade da dívida em 2013, conforme declaração modelo 30 de 2013 (anexo 1), disponibilizada pelo sujeito passivo e conforme documento de suporte ao montante de imparidades acumuladas a 31-12-2014 (anexo 2);

• Constitui imparidade para todas as faturas em mora há mais de 24 meses, com exceção da fatura n.º 3822 e n.º 3826;

• Relativamente à fatura nº 3826 de 12 de novembro de 2012, referente ao cliente "B...", não constitui imparidade, apesar da fatura se encontrar vencida há mais de 24 meses;

• Para a fatura nº 3822, referente ao mesmo cliente, constitui imparidade de 68%, quando a mesma se encontra em mora há mais de 24 meses. E essa percentagem não consta no artigo 28º B.

Assim, não será de relevar a modelo 30 e respetivo anexo, enviado em 12 de junho, ao Cliente C... .

Em 2014, foram considerados na contabilidade, relativamente a este cliente, em perdas por imparidade o montante de € 89.538,05, evidenciados no Mod.30, e constantes no Dossier Fiscal, Montante, este com relevância fiscal, contribuindo, assim para os resultados de 2014.

 

De acordo com o disposto no artigo 28ºA, nº1, al. a), podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidades relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou períodos de tributação anteriores.

Como documentos de suporte, para fundamentar a constituição da imparidade, para o crédito deste cliente exibiram: mapa de apuramento dos rendimentos e retenções de imposto respeitantes ao projeto elaborado para o C... (C...), correspondência trocada com o C..., requerimento apresentado pela A... junto da Diretora Nacional dos Impostos em Luanda e pedido de esclarecimentos do C... (C...) (anexo 2). Da análise a estes documentos foi possível concluir:

• A A... prestou serviços para o C..., tendo procedido à emissão das faturas identificadas no quadro anterior;

• Sobre o montante titulado por essas faturas, o C... reteve imposto industrial na percentagem de 5,25% e imposto sobre o consumo na percentagem de 5%, valor que corresponde ao montante em dívida de € 89.538,05, e para o qual foi constituída imparidade;

• Conforme email de 24-01-2014 da A... para o C..., a A... considera estar a ser retido imposto em excesso, considera que a retenção correspondente a imposto sobre o consumo não é devida;

• Em resposta a esse email o C... informa que atuou como mero processador de ordens de saque em moeda estrangeira, e que a legitimidade da dedução terá que ser aferida junto do Ministério das Finanças;

• O C... solicita ao ministério das finanças que se pronuncie sobre a validade jurídica da dedução fiscal respeitante a imposto de consumo efetuada à A...;

• A A... apresentou junto da Diretora Nacional dos Impostos pedido de enquadramento tributário sobre a legitimidade da sujeição dos rendimentos que obtém em ..., a imposto sobre o consumo, bem como reembolso do imposto indevidamente retido pelo C...;

Resulta do anteriormente exposto que não está em causa a mora de um crédito, mas a discussão sobre a legitimidade do imposto retido pelo C..., tendo a A... procedido ao pedido de restituição desse imposto junto do Ministério das Finanças de ... .

Assim, o montante de € 89.538,05, está indevidamente considerado como perdas por Imparidade.

 

3.2. Exercício de 2015

Em 2015 a A..., está a reconhecer gastos com imparidades, conta 6511, no montante de €1.074.568,33, este valor está a contribuir para os resultados de 2015, conforme balancete e IES.

 

Efetuando o cálculo do gasto com imparidades, tendo em conta as percentagens da mora previstas no n.º 2, do art. 28.º-B do CIRC, resulta que a A..., apenas deveria ter considerado gasto com perdas por imparidades no montante de € 261.447,95.

 

A A... está a constituir em 2015, gastos com imparidades de créditos, que já devia ter constituído em 2014. Tal situação resulta, conforme explicitação do ponto anterior, de em 2014, a A... ter constituído para este cliente, imparidades de créditos correspondentes a 50% do montante em dívida, não respeitando as percentagens previstas no n.º 2, do art. 28.º- B do CIRC.

A A... não apresentou qualquer justificação para o critério utilizado na constituição de imparidades (50% em cada ano).

Pelas diligências de cobrança apresentadas (anexo 2), verifica-se que a A... reclamou junto do seu cliente a totalidade das faturas, pelo que em 2014, já estavam reunidas as condições para a constituição de imparidades sobre a totalidade da dívida, constituição que devia ter obedecido às percentagens legalmente previstas.

A dedutibilidade fiscal dos gastos está subordinada ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no art. 18.º do CIRC. Este normativo impõe aos sujeitos passivos o reconhecimento do gasto no período em que o mesmo ocorre. Os sujeitos passivos não gozam do poder da livre escolha do exercício em que os gastos devem ser reconhecidos;

Os gastos correspondentes a perdas de imparidades com créditos estão igualmente subordinados, ao princípio anteriormente referido;

Significa isto, que no exercício, em que se verificam as condições previstas na alínea c), do n.º 1, do art. 28.º-A do CIRC, devem os sujeitos passivos proceder ao reconhecimento do gasto correspondente à perda de imparidade, tendo em atenção as percentagens previstas no n.º 2, do mesmo artigo, sob pena de perderem o direito à dedução em exercícios futuros. A percentagem do crédito que devia ter sido constituída como perda por imparidade em determinado exercício, mas que não o foi, constitui uma quota perdida que não pode ser recuperada nos exercícios seguintes.

Relativamente à aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no reconhecimento de gastos com imparidades/provisões, veja-se o acórdão 652/14, do STA, de 28-01-2015, do qual transcrevemos a seguinte conclusão:

"A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:

• o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido).

• o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu -ainda que só meramente possível - custo). A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio, na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele."

Assim, deverá ser corrigido o montante de € 813.120,38.

 

III.2 Conclusões

III.2.1 - Correções à Matéria Coletável

 

 

e)           As correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva originaram a emissão das liquidações de IRC n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, de que resultou um montante a pagar de € 26.843,77, quanto ao exercício de 2014, e de € 225.183,10, quanto ao exercício de 2015  (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

f)            No dia 31-10-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada relativamente ao exercício de 2014, no montante de € 26.843,77 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)            No dia 30-10-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada relativamente ao exercício de 2015, no montante de € 225.183,10 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h)           A Requerente enviou à Direcção Nacional de Impostos de ... a carta que consta das páginas 80 e 81 da 1.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzida, em que se refere, além do mais o seguinte:

Conforme informação constante do Ofício n.º .../... /2013 do C..., com data de 1o de Dezembro de 2o13, os registos extraídos àquela data da plataforma informática do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE) confirmavam a incidência de duas naturezas de dedução fiscal sobre os pagamentos devidos à A..., tal como se indica em seguida:

•             D59 - Imposto De Consumo De Produtos Diversos

•             A28 - Imposto Industrial A (Lei 7/97)

Assim, no momento do pagamento das referidas facturas à A..., o C... procedeu à retenção relativa a Imposto de Consumo, à taxa de 5%, sobre o valor dos serviços prestados, no valor total de 12.017.795,27 Kwanzas, montante este que foi entregue nos cofres do Estado por parte do C..., conforme Documentos de Arrecadação de Receitas (DAR) que se anexam [cfr. Documento n.º 3).

Contudo, e ao contrário do que acontece em relação à retenção de Imposto Industrial ao abrigo da Lei 7/97, que é efectivamente devida nos serviços em causa, no entender da Empresa, o Imposto de Consumo não era devido, pelos motivos que se passam a explicar.

II - Enquadramento tributário

De acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Imposto de Consumo em vigor à data de realização das operações descritas, a competência para a liquidação do Imposto de Consumo pertence às “entidades residentes em ... e sujeitas a Imposto Industrial que contratam serviços” sujeitos a Imposto de Consumo a entidades não residentes.

Ora, sendo certo que o C... não está sujeito a Imposto Industrial, deve concluir-se que o C... não estava, à data da prestação dos serviços pela A..., sujeito a Imposto de Consumo e não tinha, à data, competência para a liquidação desse imposto, nos termos do Regulamento do Imposto de Consumo em vigor.

Neste sentido, é indevida a retenção referente a Imposto de Consumo por parte do C..., no montante de 11.756.433,12 Kwanzas, sofrida pela Empresa no momento do pagamento dos montantes relativos aos serviços de consultoria prestados pela A... àquela entidade.

Mesmo que não fosse este o entendimento, e se considerasse por hipótese que o C... tinha competência para a liquidação de Imposto de Consumo na aquisição de serviços a entidades não residentes, o Imposto de Consumo nunca poderia ser um encargo da A... mas sim do adquirente, tal como o seria no caso de

serviços adquiridos a um fornecedor residente. Tratando-se de um imposto sobre o consumo, é entendimento da Empresa que o mesmo deve ser suportado pelo adquirente, pois caso assim não fosse, haveria uma distorção entre serviços adquiridos interna e externamente.  

i)               Em 21-12-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que, no exercício de 2014, relativamente aos créditos da B..., LDA, a Requerente tivesse fundamento para concluir que existia risco de incobrabilidade em medida superior aos 50% que a Requerente considerou como perdas de imparidade.

Na verdade, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 116.º da sua Resposta apresentada no presente processo arbitral, divergindo da posição que assumiu no Relatório da Inspecção Tributária, até acaba por «concluir que, no final de 2014, apenas relativamente a este montante ($ 554.900,00 USD) se verificava  risco  de  incobrabilidade,  portanto,  montante  muito  inferior  aos  50%  que  foram reconhecidos».

               

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente incluiu nas autoliquidações relativas aos exercícios de 2014 e 2015 gastos com imparidades de créditos que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não poderem ser aceites.

Em 2014, o gasto com imparidades de créditos respeita a dois clientes: " B... Lda" (doravante “B...”) e "C..." (doravante “C...”). 

Em 2015 respeita apenas a imparidades de créditos sobre a empresa "B...".

 

 

3.1. Perdas por imparidade de créditos sobre o C...

 

No que concerne ao crédito sobre o C... foi evidenciada na declaração modelo 30 relativa ao exercício de 2014 perda de imparidade no montante de € 89.538,05.

A Autoridade Tributária e Aduaneira determinou uma correcção ao lucro tributável  do  exercício  de  2014,  não aceitando a relevância fiscal da referida perda por imparidade, por entender que «não está em causa a mora de um crédito, mas a discussão sobre a legitimidade do imposto retido pelo C..., tendo a A... procedido ao pedido de restituição desse imposto junto do Ministério das Finanças de  ...».

Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária está em causa a retenção de um imposto pelo sobre o consumo, efectuada pelo C..., que a Requerente entende não ser devida.

A Requerente defende, em suma, que «prestou serviços ao C... no  âmbito  da  sua actividade económica de consultoria de gestão multinacional», mas «o C... não pagou a totalidade do preço acordado com a Requerente, alegando que teria de ser deduzido um valor equivalente a 5% desse preço a título de «imposto ...  sobre o consumo».

Diz ainda a Requerente que «perante o referido pagamento parcial do preço  acordado,  a  Requerente  encetou diligências com vista à recuperação do montante em dívida junto do próprio  C... e,  bem  assim, complementarmente junto do MINISTÉRIO DAS FINANÇAS DE  ...».

Pela carta enviada pela Requerente à Direcção Nacional de Impostos de ..., parcialmente reproduzida na alínea h) da matéria de facto fixada, constata-se que «no momento do pagamento das referidas facturas à A..., o C... procedeu à retenção relativa a Imposto de Consumo, à taxa de 5%, sobre o valor dos serviços prestados». Nessa carta, a Requerente defende que «ao contrário do que acontece em relação à retenção de Imposto Industrial ao abrigo da Lei 7/97, que é efectivamente devida nos serviços em causa, no entender da Empresa, o Imposto de Consumo não era devido, pelos motivos que se passam a explicar».

Afigura-se que não se está perante uma situação enquadrável em qualquer das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, em que se admite a relevância fiscal da imparidade em dívidas a receber.

Desde logo, é manifesto que não se está perante qualquer das situações típicas de evidência objectiva de imparidade de créditos indicadas na NCRF 25, que assentam em indícios de dificuldades financeiras do devedor, nem sequer perante uma situação em que o devedor não reconheça parte do crédito.

Por outro lado, não se está perante uma situação de mora enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, pois não há uma situação de falta de pagamento da dívida pelo devedor C... ou dúvidas sobre a sua cobrabilidade, mas sim perante uma situação em que esta entidade entendeu que devia fazer retenção de imposto, no montante de € 89.538,05, efectuando o pagamento do imposto retido à administração tributária angolana, em substituição tributária da Requerente.

Em situações deste tipo, em que há retenção e entrega de imposto que o devedor considera ser devido, não se está perante um incumprimento da obrigação de pagamento da dívida nem de dúvidas sobre a possibilidade de a cobrar, mas perante uma questão de natureza fiscal autónoma cuja solução, qualquer que seja, não implica que não tenha ocorrido cumprimento da obrigação. (   )

Assim, não há mora no cumprimento da obrigação pelo C... ou indícios de dificuldade financeira do devedor que possam levar a considerar o crédito como sendo «de cobrança duvidosa» para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A do CIRC, mas sim um eventual obstáculo fiscal a que a Requerente receba a totalidade do crédito, por hipotético dever de pagar imposto em ..., o que impede que se conclua que se esteja perante uma situação enquadrável naqueles artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º-B, n.º 1, alínea c), do CIRC.

Pelo exposto, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que não podia ser dada relevância fiscal no exercício de 2014 à perda por imparidade referida.

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014.

 

 

3.2. Perdas por imparidade de créditos sobre a B...

 

No período de tributação de 2014, a Requerente reconheceu na sua contabilidade um gasto relativo a perdas por imparidades em créditos de cobrança duvidosa, relativamente ao cliente B..., no montante de € 1.074.568,33, que consta também da Declaração Modelo 30, sendo este valor sido aceite como gasto para efeitos fiscais.

A totalidade das facturas em cobrança, relativas àquele cliente, ascendia a € 2.149.136,66, pelo que a imparidade reconhecida pela Requerente no período de tributação de 2014 correspondeu a 50% do valor total das faturas emitidas.

No exercício de 2015, a Requerente reconheceu na contabilidade um gasto relativo a perdas por imparidades em créditos de cobrança duvidosa, relativamente ao cliente B..., no montante de € 1.074.568,33, correspondente aos remanescentes 50% do total das faturas emitidas àquele cliente, tendo a totalidade deste valor sido aceite como gasto para efeitos fiscais.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no Relatório da Inspecção Tributária,  que, considerando a data de vencimento das faturas emitidas à B..., a Requerente deveria ter reconhecido uma imparidade de € 1.887.688,71, no exercício de 2014, aplicando a alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A e do artigo 28.º-B do CIRC. Decidiu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que, apesar do reconhecimento contabilístico do montante de € 1.074.568,33, no período de tributação de 2015, a Requerente apenas poderia ter considerado dedutível para efeitos fiscais um total de € 261.447,95, não aceitando como gasto para efeitos fiscais, neste período, o valor de € 813.120,38,  correspondente à diferença entre o montante reconhecido contabilisticamente e relevado fiscalmente pela Requerente de € 1.074.568,33.

Os artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 28.º-A

 

Perdas por imparidade em dívidas a receber

 

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

 

Artigo 28.º-B

 

Perdas por imparidade em créditos

 

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012 , de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

 

 

3.2.1. Questão da fundamentação a posteriori

 

A Requerente, ao pronunciar-se sobre a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, vem dizer que é invocada fundamentação a posteriori, por ser defendido um fundamento para correcções não invocado no Relatório da Inspecção Tributária.

No Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou demonstrado que, em 2014, «está a ser reclamada a totalidade da dívida, pelo que foi dado cumprimento, ao disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 28.º- A do CIRC» e que «a A..., poderia ter reconhecido um gasto com imparidades de créditos de € 1.887.688,71, mas apenas reconheceu um gasto no valor de € 1.074,568,33».

Na sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira vem dizer que, afinal, «só se poderá concluir que, no final de 2014, apenas relativamente a este montante se verificava  risco  de  incobrabilidade,  portanto,  montante  muito  inferior  aos  50%  que  foram reconhecidos» (artigo 116.º da resposta).

Isto é, em vez de defender que, já em 2014, existia risco de incobrabilidade em relação ao montante de € 1.887.688,71, pelo que, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, a diferença entre este montante e o de € 1.074.568,33, não poderia ser reconhecido em 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem defender agora, no processo arbitral, que nem sequer este montante poderia ser reconhecida em 2014, por o risco de incobrabilidade ser inferior.

O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados, tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. (   )

Por isso, é apenas em relação à fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, que há que apreciar o mérito do pedido de pronúncia arbitral, pelo que não se toma conhecimento dos novos hipotéticos fundamentos de correcção invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta.

 

 

3.2.2. Questão da correcção efectuada quanto ao exercício de 2015

 

Assim, a questão que é objecto de controvérsia, sobre esta correcção relativa ao exercício de 2015, reconduz-se a saber se é relevante para efeitos fiscais a perda por imparidade do montante de € 1.074.568,33, reconhecida contabilisticamente em 2015, por essa perda, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, dever ter sido reconhecida na totalidade no exercício de 2014.

A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira assenta no princípio da especialização dos exercícios, enunciado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, que estabelece que «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».

No caso em apreço, é com invocação da verificação de uma situação enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B, conjugado com a alínea b) do seu n.º 2, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a percentagem de 50% dos créditos sobre a B... que foi reconhecida contabilisticamente como perda por imparidade no exercício de 2015 já deveria ter sido reconhecida, como foram os outros 50%, no exercício de 2014.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a imputação de gastos a aos exercícios, relativamente a créditos de cobrança duvidosa, está subordinada ao princípio da especialização dos exercícios (actualmente denominado «periodização do lucro tributável»). (   )

Porém, como resulta do teor expresso daquela alínea c), a possibilidade de relevância fiscal de perdas por imparidade aí prevista depende não só de os créditos estarem em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, mas também de existirem «provas objetivas de imparidade».

No caso em apreço, verificaram-se aquelas duas primeiras condições, mas não esta última, pois nada se refere no Relatório da Inspecção Tributária nem se apurou no presente processo sobre a situação da B... e perspectivas de possibilidade de cobrança da totalidade dos créditos que a Requerente sobre ela detinha.

O facto de a Requerente ter reconhecido imparidade quanto a 50% desses créditos no exercício de 2014 não é uma «prova objectiva de imparidade», apenas revelando que a Requerente estaria convencida da inviabilidade de cobrança dos créditos nessa medida, mantendo a expectativa de vir a receber a parte restante.

A avaliação das possibilidades de cobrança dos créditos incumbe, em primeira linha, aos sujeitos passivos e, no caso em apreço, não há qualquer elemento probatório que aponte no sentido de, já em 2014, se poder concluir pela incobrabilidade total dos créditos referidos.

   Se a Requerente, apesar do atraso no pagamento das facturas, não tinha provas da incobrabilidade total da dívida, não deveria reconhecer a perda por imparidade na totalidade, nesse exercício de 2014. (   )

Na verdade, o atraso do pagamento da dívida, só por si, não é prova de incobrabilidade, como decorre do facto de aquela alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B exigir, para além do atraso no pagamento, provas objectivas de imparidade.

Consequentemente, não se demonstra qualquer violação do princípio da especialização dos exercícios (periodização do lucro tributável, na terminologia do artigo 18.º do CIRC de 2014), pois a imparidade em causa não deveria ser reconhecida quanto ao montante total de € 2.149.136,66, enquanto a Requerente não entendeu que havia risco de incobrabilidade em relação a esse montante.

Não se trata de uma actuação da Requerente incompatível com o princípio contabilístico da prudência, mas, pelo contrário, estar-se-á perante a sua concretização.

Aliás, como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem dizer na sua Resposta que nem sequer quanto ao montante em relação ao qual a Requerente considerou existir risco de incobrabilidade, ele existia.

Por isso, não se pode considerar provado que, em 2014, existisse risco de incobrabilidade em montante superior à metade do crédito (€ 1.074.568,33) que foi considerada como imparidade para efeitos fiscais e, consequentemente,  não se verifica o fundamento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para concluir que não podia ser admitida em 2015 a relevância fiscal da imparidade relativa à parte restante do crédito, em idêntico montante de € 1.074.568,33.

De resto, não se vislumbra nos autos qualquer benefício da Requerente em atrasar a parcialmente a relevância fiscal da perda por imparidade, que objectivamente a prejudica, por ter de suportar em 2014 mais imposto do que o pagaria se lhe desse nesse exercício  a relevância total, pelo que não há qualquer razão para duvidar das afirmação da Requerente de que entendia que não havia provas de incobrabilidade total nesse exercício.

De qualquer forma, não se provando que a Requerente estivesse convencida da incobrabilidade dos créditos na medida de 50% que só reconheceu como imparidade em 2015, a dúvida sobre este ponto teria de ser valorada processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

 Por fim, é ainda de sublinhar que, nos termos do Código - e uma vez que o registo contabilístico deve preceder ou ser concomitante do registo fiscal da perda por imparidade, como exige o proémio do n.º 1 do artigo 28.º-A - a posição da AT redundaria na impossibilidade prática do registo da perda no próprio ano de 2014, acabando na prática por conduzir ao não reconhecimento da perda tout court: nem no ano fiscal de 2014 (ainda que aí verificados os requisitos fiscais para o efeito), nem no ano fiscal de 2015 (por suposta violação do princípio da especialização dos exercícios), o que se reconduziria a violação do princípio da justiça, invocado pela Requerente.

Pelo exposto, a liquidação relativa ao exercício de 2015 enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção relativa ao exercício de 2015, fica prejudicado, por ser inútil [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], a apreciação das restantes questões colocadas sobre esta correcção.

 

 

3.3. Liquidação de juros compensatórios

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou juros compensatórios.

A Requerente defende que não lhe pode ser imputada responsabilidade por juros compensatórios, por não ter sido retardada a liquidação por facto que lhe seja imputável, a título de culpa.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

Na mesma linha, o artigo 102.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do CC) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando poder formular-se um juízo de censura ao próprio sujeito passivo.

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. (   )

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «a  responsabilidade  da  Requerente  no  atraso  na  liquidação  e  na  entrega  ao Estado do imposto devido, advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta  situação  tributária  e  das  consequentes  inexatidões  e  omissões  praticadas  no preenchimento  da  declaração  Modelo  22,  respeitante  à  dedução  indevida  de  perdas  por imparidades, o que constitui infração prevista e punida pelo artigo 119.º do Regime Geral de Infrações Tributárias, donde resulta demonstrada a culpa, e, consequentemente a legalidade da liquidação dos juros compensatórios».

A Requerente defende que «agiu sem culpa – porquanto nenhuma dúvida restará de que a sua interpretação e aplicação das normas supra citadas, é legítima, plausível e de boa fé –, não existindo uma sua actuação dolosa ou, sequer, negligente, mas uma mera  divergência  interpretativa  em  relação  à Administração Tributária».

Mas, como também tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». (   )

No caso em apreço, não estavam reunidos em relação ao exercício de 2014 os requisitos dar relevância fiscal como perda por imparidade ao montante de € 89.538,05, relativo às facturas emitidas ao C..., pelo que se está perante factualidade susceptível de constitui infracção fiscal, à face do preceituado no artigo 119.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), como se refere no Relatório da Inspecção Tributária.

Afigura-se que a tese da Requerente, de que não foi «integralmente cumprido o contrato de prestação de serviços» celebrado com o C..., não tem correspondência com a realidade e, para além de não se estar perante incumprimento, que se está perante uma situação reveladora de risco de incobrabilidade do crédito, por insuficiência financeira do devedor.

Por isso, não há, quanto a esta questão, uma mera divergência interpretativa, mas perante a aplicação errada da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC a uma situação que nela não está prevista e em que não é permitida a relevância fiscal de uma perda por imparidade.

Assim, houve um reembolso indevido de IRC à Requerente na parte correspondente àquele gasto que é imputável à Requerente, pelo que se justifica a imposição de juros compensatórios, sobre que quantia reembolsada indevidamente.

No entanto, só sendo ilegal a liquidação adicional relativa ao exercício de 2015 (que se refere à perda por imparidade respeitante aos créditos sobre a B..., apenas a liquidação de juros compensatórios relativa a este ano é ilegal por ter como pressuposto a liquidação de IRC respectiva.

Pelo exposto, a liquidação de juros compensatórios relativa ao exercício de 2015 enferma de ilegalidade pelo que deve ser anulada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), e improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de juros compensatórios respeitante ao exercício de 2014.

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso

 

Pelo que se referiu, procede o pedido de pronúncia arbitral apenas quanto à liquidação relativa ao exercício de 2015.

A Requerente, na sequência da liquidação relativa ao exercício de 2015 pagou a quantia de € 225.183,10, como dos valores de € 207.345,69 de IRS e € 17.837,41 de juros compensatórios (folha e do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 6).

Sendo a anulada esta liquidação, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia de € 225.183,10, indevidamente paga.    

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne a juros indemnizatórios, o regime substantivo é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no caso em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, está-se perante actos de liquidação adicional praticados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que é manifesto que o erro que afecta a liquidação respeitante ao exercício de 2015 é imputável aos serviços.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de 225.183,10, desde a data do pagamento (30-10-2018) até ser emitida nota de crédito, à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2018..., que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e anular estas liquidações;

b)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2018...;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso, quanto ao valor de € 225.183,10 e improcedente na parte restante;

d)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4.2 deste acórdão;

e)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 225.183,10, acrescida de juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

 A Requerente indicou no pedido de pronúncia arbitral o valor da causa de € 902.658,43 (valor das correcções subjacentes às liquidações), mas apresentou um requerimento em que defende que o valor dever ser o das liquidações impugnadas, que é de € 252.026,87.

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando as correcções foram reflectidas em liquidações, o valor da causa é «o da importância cuja anulação se pretende».

                Assim, fixa-se ao processo o valor de € 252.026,87.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 10,65% e de 89,35%, respectivamente.

 

Lisboa, 14-05-2019

 

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(Elísio Brandão)

(Gustavo Courinha)