DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), André Festas da Silva e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – RELATÓRIO
1. No dia 13 de Dezembro de 2018, A..., LDA., NIPC..., com sede na..., n.º..., Edifício..., Piso..., ...-... Carnaxide, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016..., referentes ao ano de 2015, no valor de €74.088,10, assim como do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que teve aqueles actos de liquidação como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
3. No dia 14-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 06-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 26-02-2018.
7. No dia 26-03-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de as apresentar.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente tem por objecto, entre outros, a aquisição de prédios para venda, a que corresponde o CAE 68100 sendo, por conseguinte, proprietária de diversos prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.
2- A Requerente era, em 2015, proprietária do prédio urbano (“terreno para construção”) com o artigo matricial ..., da freguesia do ..., concelho e distrito de Lisboa.
3- O prédio com o artigo..., está inscrito na matriz como “terreno para construção”.
4- O referido prédio tinha, em 2015, um VPT de €7.408.810,05.
5- A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016..., referentes ao ano de 2015, no valor global de €74.088,10.
6- O imóvel em questão era objecto de um alvará de loteamento em vigor que autorizava “a constituição de 2 lotes de terreno para construção urbana, designados pelos nºs ... e ... com 1 número máximo de blocos, destinados a habitação, comércio, restauração, serviços e estacionamento privado, sendo autorizada a construção de 13 pisos acima do solo, 2 abaixo do solo, 1 piso vazado e 3 pisos de embasamento, em cada um. No lote ... são autorizados 220 lugares de estacionamento e no lote ... são autorizados 200 lugares de estacionamento”.
7- No referido alvará estavam previstas as seguintes áreas de construção:
a. Habitação: 24.640,00 m2;
b. Comércio e restauração: 1.337,55 m2;
c. Estacionamento privado + público: 25.665,88 m2.
8- Em 23-06-2018, foi emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, alvará de utilização n.º .../... /2018, através do qual foi autorizada a utilização do imóvel para equipamento coletivo.
9- A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado das referidas liquidações.
10- Em 16-05-2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa tendo por objecto as referidas liquidações, nos termos do artigo 78º da Lei Geral Tributária, com fundamento em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
11- A Requerente não foi, até ao momento da apresentação do pedido arbitral, notificada de qualquer decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III – Fundamentação: a matéria de Direito
III.A. Posição da Requerente
a) A Requerente começa por alegar que a incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS não pode abarcar prédios que, estando inscritos na matriz como "terrenos para construção", não tenha sido em relação a eles autorizada ou prevista uma efectiva edificação no terreno, e que tal edificação se destine a “habitação”.
b) Analisando o contexto da introdução da verba 28 da TGIS, a Requerente enfatiza que, mesmo após as alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2014, a tributação continua a cingir-se a situações em que tenha sido autorizada ou prevista uma efectiva edificação no terreno, e que tal edificação se destine a "habitação".
c) Assim, sustenta, não bastará que a mera inscrição matricial de um prédio o identifique como "terreno para construção", sendo necessário, adicionalmente que, caso a caso, e concretamente, se determine se está prevista ou autorizada a sua utilização "para habitação", o que exigirá que tenha sido promovido com sucesso todo o processo administrativo associado à construção e que exista uma licença/autorização de construção válidas e um projecto aprovado.
d) Sustenta a Requerente que o prédio em causa não tinha, em 2015, uma edificação, autorizada ou prevista para habitação pelo que conclui que as liquidações de IS são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.
e) Atenta ainda a "ratio legis" da verba 28.1 da TGIS (a de introduzir um "imposto solidário" suportado por "capacidades contributivas" acima da média), a Requerente assinala, subsidiariamente, que a propriedade daquele imóvel não representa uma capacidade contributiva acrescida, visto que tais imóveis são utilizados pela Requerente no âmbito da respectiva actividade habitual.
f) A Requerente alega ter pago integralmente as quantias liquidadas, pedindo por isso para ser ressarcida e para lhe serem atribuídos juros indemnizatórios, por ter sido indevido esse pagamento e ser identificável um erro imputável aos serviços, nos termos do art. 24º, 1, b), e 5, do RJAT, dos arts. 43º e 100º da LGT e do art. 61º do CPPT.
III.B. Posição da Requerida
a) Na sua Resposta, a Requerida alega que as liquidações impugnadas são legais, sendo que não se verificou qualquer erro dos serviços na sujeição do prédio em causa à norma da Verba 28. 1 da TGIS.
b) Sustenta a Requerida que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitas a Imposto do Selo.
c) A Requerida considera que as provas carreadas para o processo arbitral, relativas ao prédio em questão, comprovam que este se trata de um prédio com afectação habitacional.
d) A Requerida entende, assim, que a verba 28.1 da TGIS não incorre em qualquer arbitrariedade ou de alguma forma viola o princípio da igualdade em matéria tributária na vertente da capacidade contributiva.
B. DO DIREITO
A única questão a dirimir nos presentes autos de processo arbitral tributário prende-se com a aplicação da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS (Tabela Geral do Imposto do Selo) ao prédio urbano (“terreno para construção”) com o artigo matricial..., da freguesia do ..., concelho e distrito de Lisboa.
Está, assim, ora em causa a definição do âmbito de incidência da verba nº 28.l. da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mais concretamente determinar se o terreno para construção em questão no presente processo pode subsumir-se no conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” a que alude a referida verba, tendo em conta que o valor patrimonial é superior a € 1.000.000,00.
A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto do selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário, constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 caso em que é devido imposto, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afectação habitacional.
Esta questão não é nova, tendo sido objecto de apreciação quer na jurisdição arbitral, quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo; sendo que, no âmbito da redacção do CIS dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, as decisões proferidas foram-no sempre em sentido contrário ao pretendido pela Administração Tributária .
A situação sub iudice, todavia, dá-se num quadro jurídico diferenciado, na medida em que os factos deverão ser apreciados à luz da redacção do CIS introduzida pelo Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (artigo 194º, sob a epígrafe - Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo), nos termos do qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:
«28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %».
Neste novo quadro legal, foram já proferidas decisões em sede arbitral, igualmente em sentido desfavorável ao sustentado pela AT .
A referida jurisprudência assenta no entendimento de que se deverá ter como preenchendo os pressupostos da nova verba 28.1 da TGIS:
“no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].”
Também no acórdão proferido no processo arbitral 142/2016T, já citado, que concluiu, igualmente, pela procedência do pedido ali formulado, se pode ler o seguinte:
“Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva".
Subscreve-se integralmente aqui, o entendimento dos referidos acórdãos, quanto ao que, face à nova redacção do CIS, se deve entender por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Com efeito, de acordo com o CIMI, os terrenos para construção, que, de acordo com o artigo 6.º/1/c) de tal Código, constituem um tipo de prédio urbano, poderão ter como afectação a habitação, conforme decorre do artigo 41.º, também do CIMI, afectação essa que, como resulta, para além do mais, expressamente do artigo 45.º/5 do CIMI, será determinada com base nos elementos a que alude o artigo 37.º do mesmo Código, sendo que o n.º 3 deste artigo se refere que:
“Em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”.
A menção da verba 28.1 da TGIS em análise deve ser lida, assim, como remetendo para o conteúdo material do que, face ao CIMI, seja “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, não se bastando com a mera formalidade de a AT – bem ou mal -, em aplicação das normas daquele Código (CIMI), ter qualificado para efeitos matriciais um determinado imóvel como tendo essa afectação, já que se fosse essa a intenção do legislador, dentro da presunção de razoabilidade que lhe subjaz, seguramente que teria utilizado a expressão “terreno cujo tipo de coeficiente de localização utilizado para efeitos de determinação do VPT seja habitação”, ou outra, análoga.
Conclui-se, assim, aqui, como na jurisprudência atrás citada, que deverão considerar-se como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, aqueles terrenos em que o «edifício a construir» esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.
Este mesmo entendimento foi recentemente ratificado pelo STA, no seu Acórdão de 28-11-2018, proferido no processo 0829/15.5BELLE 01065/16, onde se pode ler, para além do mais, que:
“Assim, no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, devem, de acordo com o artº 6º, nº 3 do CIMI, ser considerados como tal os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.”
Ora, no caso, ficou provada a existência, à data do facto tributário, de um alvará de loteamento, relativo ao prédio em causa, que autorizou a constituição de 2 lotes de terreno para construção urbana, designados pelos nºs ... e ... com um número máximo de blocos, destinados a habitação, comércio, restauração, serviços, estacionamento privado, sendo autorizada a construção de 13 pisos acima do solo, 1 piso vazado e 3 pisos do embasamento, em cada um. No lote ... foram autorizados 220 lugares de estacionamento e no lote ... são autorizados 200 lugares de estacionamento.
Assim, dúvidas não persistem de que o «edifício a construir» no terreno em questão está definido em alvará de loteamento, como tendo por finalidade a habitação, comércio restauração, serviços e estacionamento privado.
Recorde-se a redacção da Verba 28.1 da TGIS em vigor à data dos factos, que determinava o seguinte: “28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %”. Daqui, desde logo se conclui que, tendo o terreno um VPT de €7.408.810,05, está preenchida a incidência objectiva.
Todavia, ficou demonstrado através dos elementos de prova carreados para o processo, que a afectação do prédio impugnado não é exclusivamente habitacional, tendo-lhe sido atribuídas diferentes afectações, designadamente, habitação, comércio, restauração e estacionamento.
Situação idêntica à presente foi já julgada pelo STA no processo 080/18, por acórdão de 06-06-2018, onde se considerou, para além do mais, que:
“I - Na presente situação em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", não está em causa um prédio cujo destino é apenas a habitação.
II - Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
III - A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
IV - Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação.”
Mais se exara no aresto referido que:
“Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços(...)
Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de que são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.”.
Ora, referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a «prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», e tendo ao terreno em causa sido atribuídas diferentes afectações, então, face à jurisprudência transcrita e respectivos fundamentos, que se acolhem, não se poderá considerar que o Imposto do Selo incidirá apenas sobre a parte do prédio com afectação habitacional.
Tendo ficando demonstrado que a afectação do prédio impugnado apenas é parcialmente habitacional, e que a norma de incidência não prevê tal situação, deverão ser, atento o erro de direito verificado, anuladas as liquidações objecto da presente acção arbitral.
*
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.
Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular as liquidações de imposto do selo n.ºs 2016..., n.º 2016... e n.º 2016...;
b) Condenar a Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, por força das liquidações anuladas, bem como ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido da quantia, até ao seu reembolso, nos termos acima determinados.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 74.088,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Maio de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(André Festas da Silva)
O Árbitro Vogal
(José Coutinho Pires)