Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2018-T
Data da decisão: 2019-05-06  IRC  
Valor do pedido: € 77.922,66
Tema: IRC – Tributação Autónoma; Administradora; Compensação por cessação de contrato de trabalho.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 08 de Outubro de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto, representada pelo seu liquidatário B..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2016, no valor de €77.779,79, da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de €2.865,05 e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., no valor de €77.922,66 .

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             Errónea qualificação dos factos tributários e violação do disposto no artigo 88.º, n.º13, alínea a) e artigo 88.º, n.º 14, ambos do Código do IRC;

ii.            Violação do princípio da justiça consagrado no artigo 55.º da LGT e no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;

iii.           Vício de falta de fundamentação (artigo 77.º da LGT e artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e violação do princípio do inquisitório (artigo 55.º e 58.º da LGT).

 

3.            No dia 09-10-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 30-11-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2018.

 

7.            No dia 10-01-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 05-02-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente exerceu a actividade de Comércio a Retalho de Relógios e Artigos de Ourivesaria e Joalharia, com o CAE 47770, desde 23-07-1964 até 17-03-2017, data da cessação da atividade.

2-            A actividade da Requerente foi exercida num único estabelecimento sito na área de trânsito internacional do Aeroporto de Lisboa, o qual foi encerrado em 31-10-2016.

3-            A Requerente era, até 2017, uma sociedade anónima, com capital social de €1.000.000,00.

4-            Os órgãos sociais da Requerente eram compostos da seguinte forma:

 

5-            No ano de 2016, a Requerente registou um aumento significativo dos gastos com o pessoal, decorrente do pagamento de indemnizações devidas pelo despedimento colectivo dos funcionários na sequência do encerramento da actividade.

6-            Em 2016, na rubrica “Gastos com o pessoal”, foi reconhecido como gasto o montante de €610.903,42, relativos a indemnizações.

7-            À administradora C... foi paga, em 2016, uma indemnização no valor de €166.784,41.

8-            C... foi admitida ao serviço da Requerente em 10-08-1981, mediante a celebração de um contrato de trabalho, para exercer funções de caixeira, passando, posteriormente para a categoria de directora comercial.

9-            C... foi administradora da Requerente desde 1989 até à data da cessação da actividade.

10-         Ao longo dos anos em que se manteve ao serviço da Requerente, a remuneração auferida pela referida C..., incluía uma parte variável correspondente a comissões sobre as vendas realizadas.

11-         A forma de remuneração da mesmas C... manteve-se inalterada durante todo o tempo em que prestou trabalho, incluindo o tempo em que foi administradora.

12-         Durante o período em que foi administradora, a Requerente continuou a processar e a pagar a remuneração a C... na qualidade de Diretora Comercial, incluindo-se aquela na folha de pagamentos da Requerente conjuntamente com as restantes trabalhadoras.

13-         C... pagava taxa social única como trabalhadora.

14-         Na ficha da Requerente, C... manteve a categoria de diretora comercial e como situação profissional de “trabalhadora por conta de outrem”.

15-         C... nunca foi paga qualquer quantia pelo exercício do cargo de administradora.

16-         Enquanto administradora, C... praticou actos de gestão como seja a subscrição do relatório de gestão da sociedade nos anos de 2014, 2015 e 2016, a subscrição da comunicação aos trabalhadores da intenção da Requerente proceder à caducidade do contrato de trabalho, a participação em assembleias gerais de accionistas. 

17-         Face à previsão do encerramento definitivo, a Requerente promoveu o processo de comunicação formal a todos os trabalhadores da caducidade dos seus contratos de trabalho e o pagamento da indemnização de antiguidade.

18-         Da relação de trabalhadores comunicada à Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT), constava como trabalhadora C... .

19-         C... foi remetida a comunicação inicial da intenção de despedimento.

20-         Da referida comunicação consta o seguinte “A empresa pagará a cada um dos seus trabalhadores, até à data da cessação do contrato, a compensação prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e suas alterações), a que corresponde a um mês de retribuição base (decidindo a empresa ainda incluir no cálculo da compensação a média das comissões auferidas no último ano) por cada ano completo de antiguidade, sendo a fracção do ano calculada proporcionalmente, sem prejuízo do cálculo a efectuar a partir da data que medeia entre 1 de Novembro de 2012 até à data da cessação, não aplicando a empresa a limitação prevista no n.º 4 do artigo 6.º da Lei 23/2012”.

21-         A C... foi comunicada a decisão final de despedimento, datada de 17-10-2016, assim como a comunicação complementar que fixou a compensação global, datada de 30-11-2016.

22-         Tendo por base a antiguidade de C..., 35 anos de antiguidade, o valor da indemnização ascendeu a €166.784,41, processado no recibo de vencimento da trabalhadora à data da cessação do contrato de trabalho, tendo a mesma assinado a respetiva declaração de quitação.

23-         Em 31-12-2016, foi entregue a C..., o certificado de trabalho e declaração de situação de desemprego.

24-         O certificado de trabalho de C... foi subscrito pela própria, em nome da Requerente.

25-         A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo de âmbito parcial (IRC e IVA), aos anos de 2015 e 2016, a coberto das Ordens de Serviço OI2018... e OI2018... .

26-         A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção no qual se propunha uma correção no IRC, referente ao ano de 2016, com imposto a pagar no montante de €75.052,98 e para, querendo, exercer o direito de audição, o que fez.

27-         A Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária no qual se mantiveram as correções propostas no projecto de relatório de inspeção.

28-         Do relatório de inspecção consta o seguinte:

 

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que a Requerente tenha prestado garantia no processo de execução fiscal n.º ...2018....

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

O facto dado como não provado deve-se à ausência de prova a seu respeito.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

 

                A questão fundamental que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, é a da aferição da legalidade da liquidação à Requerente de IRC referente a tributação autónoma, tendo por base a quantia paga por aquela a C..., aquando da cessação da sua actividade e do procedimento de despedimento colectivo que a precedeu, sendo que a referida C... desempenhava, desde 1989, funções de administradora da Requerente.

                O acto tributário em questão assenta no disposto no art.º 88.º, n.ºs 13/a) e 14 do CIRC aplicável, cuja redacção é a seguinte:

“13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade; (...)

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”.

 

*

                A tributação autónoma ora em causa foi introduzida no CIRC pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, que aditou ao artigo 88.º daquele Código os n.º 13 e 14 em questão, e veio estrear uma nova tributação autónoma, desta vez sobre os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou compensações, quando se verifique a cessação de funções ou rescisão de um contrato de gestor, administrador ou gerente, ou relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas àqueles, nas circunstâncias ali definidas.

Esta tributação autónoma, julga-se, não se identifica directamente com nenhum dos tipos da mesma tributação que existiam à data.

Assim, não está em causa nenhum tipo de conduta potencialmente fraudulenta, como acontece com as tributações autónomas sobre despesas confidenciais e, em certa medida, com as tributações autónomas relativas a pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável, nem está em causa a tributação de fringe benefits não tributados na esfera do beneficiário como acontece nas tributações autónomas sobre despesas de representação, encargos com veículos e ajudas de custo, já que os gastos ou encargos abrangidos pela nova tributação autónoma vão ser novamente tributados na esfera do beneficiário dos mesmos, não estando, igualmente, em causa, qualquer comportamento potencialmente fraudulento ou abusivo.

A tributação autónoma em questão, poderá colher algum precedente na tributação criada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, sobre a aquisição de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas de valor considerado elevado, por sujeitos passivos que apresentassem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os encargos digam respeito, na medida em que se considere que tal tributação incorporou uma dimensão de desincentivo a despesas tidas por sumptuárias.

Com efeito, a tributação autónoma agora em causa, num cenário de plena crise económico-financeira, visou assumidamente, em primeira linha, moralizar de alguma forma a atribuição de indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações variáveis a gestores, administradores ou gerentes, tidos por desproporcionados, desincentivando as empresas de incorrer naqueles gastos ou encargos, por via da sua tributação autónoma.

O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da tributação autónoma em causa , acabando por emitir um juízo positivo, essencialmente com base na seguinte argumentação:

-              “trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.”;

-              “no n.º 13 do artigo 88.º, não está em causa a indeterminação dos beneficiários ou o risco de fuga ao pagamento do imposto devido pelo recebimento das importâncias que são despendidas pelas empresas, visto que os beneficiários são identificáveis e as verbas estão sujeitas à correspondente tributação em IRS. Não se trata, por isso, de medidas diretamente dirigidas ao combate à fraude e evasão fiscais, pretendendo-se antes reduzir, mediante a incidência do imposto, a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial”;

-              “o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa”;

-              “A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas”;

-              “o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial”;

-              “a medida não é arbitrária e encontra fundamento material bastante na finalidade de desincentivar as empresas a realizar despesas relativas a indemnizações ou a remunerações variáveis que, sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal”.

Ou seja, e em suma, o Tribunal Constitucional encontrou fundamento material para a tributação autónoma em questão, nas seguintes circunstâncias:

-              aquela tributação tem por objectivo limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento colectável das empresas, ou seja, desincentivar a realização de despesas excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, com efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal na qual se repercutem negativamente, e reduzindo artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa;

-              pretende-se reduzir a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial, destinando-se a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria colectável por efeito da realização dessas despesas;

-              trata-se de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial.

Reconheceu, ainda, o TC, que este caso de tributação autónoma se afasta do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais.

Ressalvado o respeito devido ao alto Tribunal em causa, crê-se que o Acórdão referido não terá procedido a uma ponderação de todos os factores juridicamente relevantes para a tomada de decisão.

Com efeito, e desde logo, em desabono da coerência legislativa, o legislador não procedeu à consagração dos encargos em causa como não dedutíveis, no artigo 45.º do CIRC, então vigente, ou em qualquer outra norma.

Daí que, salvo melhor opinião, não se poderá validar a conclusão de que em causa estão, a priori, despesas desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial ou que não têm uma causa empresarial, já que, se assim fosse, estaria – à partida – afastada a sua dedutibilidade, nos termos dos, actuais, artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, ou das correspondentes normas em redacções precedentes.

Note-se, aliás, e sempre ressalvado o respeito devido, que o TC acaba por assentar parcialmente o seu juízo numa contradição, que é a de considerar que estão em questão “despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial”, já que, por definição, e conforme doutrina e jurisprudência pacíficas, as despesas que não têm causa empresarial, não são, por isso mesmo, dedutíveis.

Por outro lado, também não parece passível de validação o juízo, também fundamentante da decisão em apreço, segundo o qual se “pretende reduzir a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas (...) destinando-se a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria colectável por efeito da realização dessas despesas”.

Com efeito, a própria taxa base instituída (35%) não só não se limitou a reduzir, ou sequer a neutralizar, a dedução do encargo (que correspondia, à data, a 25% - taxa normal de IRC), como penalizou adicionalmente em 10% a realização daquele.

Deste modo ficará demonstrado, claramente, julga-se, que não se está perante uma intenção de reduzir ou neutralizar a vantagem fiscal decorrente da dedução da despesa, mas, genuína e exclusivamente, de, como aí solidamente conclui o TC, penalizar o contribuinte tendo em vista evitar a realização das despesas em questão.

Ora, seria este, de facto, o fundamento de cuja constitucionalidade incumbiria ao TC aferir, ou seja, o de saber se é lícito ao legislador desincentivar a realização de gastos empresarialmente fundados (e como tal dedutíveis), tributando-os a uma taxa superior à taxa normal de imposto, sendo que o juízo a formular deveria ser expurgado da consideração de que estão em causa despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial, como se viu.

Com efeito, não fora a circunstância de a taxa da tributação autónoma em causa exceder a taxa normal máxima do IRC, poder-se-ia dizer que a aquela tributação autónoma comungava, ainda, algum dos fundamentos das tributações autónomas sobre encargos dedutíveis (despesas de representação, encargos com veículos e ajudas de custo), designadamente por ter subjacente o juízo de que, não obstante os encargos agora tributados poderem em parte ter uma justificação empresarial, esta ser mais duvidosa, na sua integralidade, nas situações em que se consagrou a nova tributação autónoma.

Dito de outro modo, concedendo o legislador que os encargos com indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações variáveis a gestores, administradores ou gerentes, são necessários à manutenção da fonte produtiva, consideraria que, nas circunstâncias que determinou, tal empresarialidade não era integral.

Contudo, tendo o legislador consagrado uma taxa de tributação autónoma que excede a taxa normal de IRC aplicável ao sujeito passivo, externaliza, inequivocamente, uma intenção de penalizar fiscalmente os sujeitos passivos que incorram nos encargos objecto daqueles.

Assim, a questão que a Constituição convoca, nesta matéria, é se tal penalização é, ou não, materialmente fundada face aos princípios daquela.

Deixando aqui de lado bem fundados entendimentos de que aos impostos deverá ser alheia a finalidade sancionatória ou punitiva (reservada às infracções fiscais), sempre se dirá que, à partida, aquela finalidade penalizadora apenas se poderia justificar face à violação de deveres dos contribuintes (como acontece nas despesas confidenciais) e na medida necessária a dar satisfação a fundadas exigências de combate à fraude e evasão fiscais (como acontecerá nas referidas despesas confidenciais e, em certa medida, nos pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável), situação que o julgador constitucional reconheceu, expressamente, não estar aqui em causa.

Neste contexto, crê-se que a única via a explorar no sentido de sustentar a regularidade jurídico-constitucional deste novo tipo de tributação autónoma agora em causa, será o enquadramento da mesma como tendo uma natureza estritamente extra-fiscal, no sentido sugerido por Pedro Casimiro Silva Santos , entendimento este que, tendo em conta a referida intervenção do Tribunal Constitucional, se perfilhará aqui.

 

*

                Aqui chegados, cumpre então descer ao caso concreto e aferir da legalidade do acto tributário sub iudice.

                No presente caso, verifica-se que a tributação autónoma aplicada reporta-se à compensação paga pela Requerente a C..., que desempenhou funções como sua administradora de 1989 a 2016.

                Mais se verifica:

                - A referida C... mantinha com a Requerente um contrato de trabalho desde 1981;

                - Que o referido contrato de trabalho nunca foi revogado ou, por qualquer outra forma, extinto, até 2016;

                - Que a estrutura de remuneração da referida C... manteve-se a mesma, ou seja, continuou a ser fixada e paga nos termos do contrato de trabalho.

                Assim, como referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 23-10-2013, proferido no processo 70/11.6TTLSB.L1.S1:

“1 − O trabalhador nomeado administrador, por deliberação da entidade empregadora, fica com o seu contrato de trabalho suspenso, nos termos o n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, ainda que tenha mantido as funções que anteriormente desempenhava;

2 – A suspensão do contrato de trabalho referida no número anterior cessa no termo do desempenho das funções de administrador, readquirindo o trabalhador, a partir daí, o direito à situação que tinha antes da suspensão, sem prejuízo do cômputo do tempo da suspensão para efeitos de antiguidade”.

                Já no acórdão de 05-07-2016, proferido no processo 6034/13.8TBBRG-N.G1.S1, aquele Supremo Tribunal explica que a “suspensão não eximiu qualquer das partes aos direitos, deveres e garantias resultantes do convénio havido entre ambas, nem tal suspensão obstou a que o contrato viesse a ter o seu terminus através do despedimento colectivo, cfr artigo 295º, nº1 e 2 e 359º, nº1 do CTrabalho. A cessação do contrato de trabalho assim ocorrida, fez gerar na esfera jurídica do Autor, aqui Recorrente, o direito a ser compensado nos termos previstos no artigo 366º, nº1 do CTrabalho”

                Por fim, e como já tinha o mesmo Supremo Tribunal ditado no seu acórdão de 17-10-2007, proferido no processo 07S1615:

“I - A trabalhadora que tenha sido nomeada administradora da entidade empregadora, por deliberação desta, fica com o seu contrato de trabalho suspenso, nos termos do n.º 2 do art. 398.º do CSC, ainda que mantenha as funções que anteriormente desempenhava. (...)

IV - Daí que, ex vi do n.º 1 do artº 32º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Prazo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, se tenha por nula a cessação do contrato de trabalho operada pela entidade empregadora, o que confere à trabalhadora o direito a uma indemnização por antiguidade - visto que por esta optou -, devendo para o respectivo cômputo atender-se ao tempo decorrido desde o início do contrato de trabalho, sem dele se exceptuar o lapso de tempo durante o qual tal contrato se encontrou suspenso.” .

                Ou seja, e em suma, não se tem dúvidas que:

                               - o contrato de trabalho entre a Requerente e C... suspendeu-se por força da assunção, por aquela, das funções de administradora da primeira;

                               - que tal suspensão não prejudicou o cômputo do tempo decorrido enquanto vigorou a mesma, para efeitos de antiguidade;

                               - que cessando o contrato de trabalho por despedimento colectivo, a referida C... tinha direito a uma indemnização, “devendo para o respectivo cômputo atender-se ao tempo decorrido desde o início do contrato de trabalho, sem dele se exceptuar o lapso de tempo durante o qual tal contrato se encontrou suspenso”.

                Ora, conforme resulta da norma aplicada pela AT, como fundamento da tributação autónoma liquidada, esta é devida por “gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas (...) quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente”.

                No caso, e face ao exposto, não se poderá concluir estarmos perante indemnizações ou quaisquer compensações devidas decorrentes da cessação de funções administrador.

                Efectivamente, e como se viu, a quantia paga – não releva se correcta ou incorrectamente computada, dado que tal não é questionado na fundamentação do acto tributário – funda-se na cessação do contrato de trabalho existente, e não na cessação das funções de administrador.

                Assim, sendo, como se julga que é, não se poderá concluir de outra forma que não a de que os actos de liquidação ora em crise enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulados.

                Dessa forma, deverá proceder o pedido arbitral, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente nos autos, com excepção da relativa ao direito a indemnização por prestação de garantia indevida, analisada de seguida.

 

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                Com o pedido anulatório a Requerente cumula um pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

                Conforme resulta da matéria de facto apurada, não se prova que a Requerente tenha prestado garantia no processo de execução fiscal n.º ...2018... .

                Desse modo, não poderá proceder o pedido acessório em questão.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2016, no valor de €77.779,79, a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de €2.865,05 e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., no valor de €77.922,66;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 77.922,66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Maio de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Augusto Vieira)

 

O Árbitro Vogal                                                        

(A. Sérgio de Matos)