DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 24 de setembro de 2018, A..., NIF..., de nacionalidade britânica, residente em ..., ... Reino Unido (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... e das liquidações de IRS n.º 2011 ... e n.º 2014..., ambas referentes ao ano de 2010, com a sua consequente anulação;
- Restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
A Requerente juntou 28 (vinte e oito) documentos (a maioria deles redigidos originariamente em língua inglesa, tendo a Requerente, notificada para o efeito, apresentado a respetiva tradução) e arrolou uma testemunha (que foi posteriormente prescindida), não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:
A Requerente tem nacionalidade britânica, tendo vivido em Portugal entre maio de 2007 e outubro de 2009, sendo que, no final de 2009, recebeu uma proposta de trabalho no Reino Unido, para trabalhar como ama interna, tendo iniciado a prestação de atividade naquele país em março de 2010; atenta a natureza da atividade prestada, a Requerente passou a residir com os seus empregadores, em Londres, desde o dia 8 de março de 2010 até ao dia 31 de maio de 2011. No decurso do ano de 2010, a Requerente veio pontualmente a Lisboa, tendo estado em Portugal um total de 18 dias e, no decurso do ano de 2011, permaneceu em Portugal por um período de 26 dias.
A totalidade dos rendimentos de trabalho auferidos pela Requerente, durante o ano de 2010, advieram exclusivamente da referida atividade profissional exercida em Londres, tendo a respetiva entidade empregadora procedido à retenção de impostos sobre o rendimento (“Income Tax”), sendo que a autoridade tributária britânica (“HMRC”) considerou a Requerente residente no Reino Unido, para efeitos tributários.
Em maio de 2011, a TOC a quem a Requerente havia confiado o tratamento dos seus assuntos tributários em Portugal, procedeu à entrega da respetiva declaração de rendimentos (Modelo 3 de IRS), atinente ao ano de 2010, na qual assinalou a opção “residente no continente”, tendo entregue, além do mais, o Anexo J, no qual foram inscritos os rendimentos obtidos e o imposto pago no Reino Unido.
A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2010, decorrente da apresentação da referida declaração de rendimentos – da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 6.733,00, atenta a errónea indicação da sua residência em Portugal, a qual foi indeferida.
Posteriormente, a AT efetuou uma outra liquidação de IRS, atinente ao ano de 2010, tendo eliminado do respetivo Anexo J o montante de imposto sobre o rendimento que a Requerente ali havia declarado como tendo sido pago no Reino Unido, daí resultando um montante de imposto a pagar de € 15.043,47; a Requerente não foi notificada deste ato tributário, tendo dele tido conhecimento de modo incidental e informal, aquando de contactos que estabeleceu com a AT.
A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa tenho por objeto as duas sobreditas liquidações de IRS, atinentes ao ano de 2010, sobre o qual, até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, não havia recaído qualquer decisão.
No tocante à primeira das referenciadas liquidações de IRS, a Requerente entende que a mesma violou o disposto no artigo 16.º, n.º 1, do Código do IRS e nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, 15.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 24.º e 25.º, todos da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, assinada em Lisboa em 27 de março de 1968.
Relativamente à segunda das sobreditas liquidações de IRS, a Requerente, para além de reiterar a alegação dos vícios invalidantes assestados contra a primeira liquidação, afirma que esta liquidação efetuada pela AT incorre ainda em violação dos artigos 78.º, n.º 1, alínea j) e 81.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código do IRS, para além de padecer de vícios de forma, radicados na violação do direito de audição prévia, da falta de fundamentação e da falta de notificação.
A Requerente termina deduzindo os seguintes pedidos:
« a) A anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de 2011 e de 2014, sendo anuladas ambas as notas de liquidação melhor identificadas nos presentes autos;
b) A devolução de todos os montantes já pagos por conta de qualquer das referidas liquidações e respectivas acções executivas;
c) O pagamento de juros indemnizatórios, verificados que estejam os pressupostos consagrados no artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT;
Caso assim não se entenda e em alternativa, requer-se:
a) A anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de 2011 e de 2014, sendo anulada a liquidação oficiosa de 2014 e repristinada a liquidação operada em 2011;
b) A devolução de todos os montantes já pagos por conta de qualquer das referidas liquidações e respectivas execuções, na parte em que eventualmente se exceda o montante previsto na liquidação de 2011;
c) O pagamento de juros indemnizatórios, verificados que estejam os pressupostos consagrados no artigo 43.º , n.º 3, al. c) da LGT.»
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 1 de outubro de 2018.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15 de novembro de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 5 de dezembro de 2018.
3. No dia 21 de janeiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual invocou as exceções de erro na forma de processo, caducidade do direito de ação e incompetência material do tribunal arbitral e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente.
No essencial e também de forma breve, importa respigar a argumentação mais relevante em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
A Requerida começou por invocar as mencionadas exceções, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos e que adiante escalpelizaremos.
Por impugnação, a Requerida alegou que não se pode considerar verdadeira a afirmação da Requerente de que deverá ser considerada como residente fiscal no Reino Unido, no ano de 2010, por a factualidade atinente à residência fiscal da Requerente estar definida e assente no ordenamento jurídico por falta de atempada impugnação de tal estatuto e, ainda, porque o documento que faria prova de tal facto seria um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do Reino Unido, que a Requerente não logrou apresentar.
Ademais, tendo a Requerente declarado na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2010, que era residente fiscal em Portugal, nesse ano, incumbe-lhe o ónus da prova do agora declarado, o que não logrou fazer, designadamente mediante a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pela autoridade tributária do Reino Unido. Sendo que nada impede que um residente fiscal português se desloque para outro país e aí aufira rendimentos e seja sujeito a retenções na fonte, sem que para isso tenha de alterar a sua residência fiscal.
Por outro lado, a Requerida preconiza que sendo Portugal o Estado de que a Requerente deve ser considerada residente fiscal no ano de 2010, o direito a tributar os rendimentos do trabalho, independentemente do Estado da fonte, e as pensões não públicas é exclusivamente de Portugal, enquanto Estado da residência, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 17.º da CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido.
No tocante à atribuição de um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, referente ao imposto alegadamente pago no Reino Unido, a Requerida alega que a Requerente apresentou um documento emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido a certificar os montantes de rendimento e imposto retido nos anos 2009/2010, 2010/2011 e 2011/2012. Ora, diz a Requerida que cabendo o ónus da prova do direito ao crédito à Requerente e não sendo produzida prova bastante no âmbito do controlo do benefício convencional, foi feita uma outra liquidação de IRS que desconsiderou a dedução por falta dessa prova bastante do imposto alegadamente pago no estrangeiro.
Por este motivo, a Requerida entende que essa outra liquidação de IRS controvertida não padece de erro imputável aos serviços, para além de a situação já se encontrar consolidada, pelo que não seria passível de revisão oficiosa.
Consequentemente, deve também improceder o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por não se verificarem os pressupostos para tal legalmente exigidos.
A Requerida remata propugnando que seja proferida decisão que julgue procedentes as invocadas exceções ou, caso assim não se entenda, que julgue improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
4. Posteriormente, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
5. Em 7 de fevereiro de 2019, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, pronunciou-se relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos e de que adiante daremos conta.
6. Em 27 de fevereiro de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fixar prazo para a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 3 de junho de 2019.
7. As Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído (cf. artigo 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
A Requerida invoca as exceções de erro na forma de processo, de caducidade do direito de ação e de incompetência material do Tribunal Arbitral, para cujo conhecimento e decisão se torna, porém, necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, após o que se decidirá.
Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
9. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente tem nacionalidade britânica, tendo vivido em Portugal no período compreendido entre maio de 2007 e outubro de 2009.
b) A Requerente viajou para Londres, Reino Unido, em 27 de outubro de 2009. [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA]
c) A Requerente foi contratada por B... para trabalhar, como ama interna, funções que exerceu no período compreendido entre 8 de março de 2010 e 31 de maio de 2011. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
d) No período mencionado no facto provado anterior, atenta a natureza da atividade prestada, a Requerente residiu com o seu empregador em ..., Londres, Reino Unido. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
e) Como contrapartida daquele vínculo laboral, a Requerente auferiu as remunerações mensais constantes dos recibos de vencimento anexos como documentos n.ºs 8 a 17 ao PPA e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, as quais lhe foram pagas até 31 de agosto de 2011. [cf. documentos n.ºs 2, 8 a 17 e 21 anexos ao PPA]
f) Em virtude do pagamento dos ditos salários mensais à Requerente, a respetiva entidade empregadora procedeu à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento (“Income Tax”), no valor total de £ 9.507,60, sendo que, desse valor, £ 7.131,00 correspondem ao montante de imposto retido durante o ano civil de 2010. [cf. documentos n.ºs 8 a 20 anexos ao PPA]
g) Os denominados “certificados P60” anexos como documentos n.ºs 18 e 19 ao PPA, relativos aos anos fiscais de 2009/2010 e de 2010/2011 (o ano fiscal no Reino Unido não corresponde ao ano civil, tendo início a 6 de abril e termo a 5 de abril) são emitidos pela autoridade tributária do Reino Unido – HM Revenue & Customs – como comprovativo quer dos montantes de retribuição pagos, quer dos valores de imposto sobre o rendimento retido na fonte pelas entidades empregadoras.
h) A morada pessoal da Requerente que consta daqueles mesmos documentos é a seguinte: ..., Londres... [cf. documentos n.ºs 18 e 19 anexos ao PPA]
i) Em 27 de maio de 2011, via Internet, foi entregue a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS da Requerente, atinente ao ano de 2010, dela fazendo parte integrante os Anexos B (Rendimentos da categoria B - Regime simplificado/Acto isolado), H (Benefícios fiscais e deduções) e J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), da qual importa destacar os seguintes elementos [cf. documento n.º 22 anexo ao PPA]:
- foi assinalada/declarada a opção residente em Portugal, no território do continente;
- no Anexo B foi declarado que a Requerente não exerceu atividade nem obteve rendimentos da Categoria B;
- no Anexo J foram declarados os seguintes rendimentos obtidos no estrangeiro (a taxa cambial aplicada foi a que vigorava na data da apresentação da declaração de IRS):
• o montante de € 44.549,91, correspondente ao rendimento bruto de £ 38.227,14 que a Requerente auferiu entre março e dezembro de 2010, no Reino Unido;
• o montante de € 3.969,48, correspondente ao valor de £ 3.406,11 que a Requerente recebeu da Segurança Social no Reino Unido;
• o montante de € 16.924,54, correspondente ao valor de £ 14.522,52 que a Requerente recebeu a título de pensão pelos anos que trabalhou nos serviços postais do Reino Unido.
- no Anexo J foi declarado o montante de € 8.310,47, correspondente a £ 7.131,00, de imposto pago pela Requerente no estrangeiro (Reino Unido).
j) A Requerente não declarou quaisquer outros rendimentos auferidos no ano de 2010, para além dos mencionados no facto provado anterior. [cf. documento n.º 22 anexo ao PPA]
k) Na sequência daquela declaração de rendimentos, em 04.06.2011 foi efetuada e notificada à Requerente a liquidação de IRS n.º 2011..., da qual resultou o montante de imposto a pagar de € 6.733,00. [cf. documento n.º 23 anexo ao PPA]
l) A Requerente deduziu reclamação graciosa contra aquela liquidação de IRS, nos termos constantes do respetivo requerimento inicial anexo como documento n.º 24 ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo ali peticionado o seguinte: «…deve a presente reclamação graciosa ser aceite e deferida, e uma vez que a reclamante não é residente em Portugal para efeitos de impostos, esta nada deve em termos de impostos em Portugal e em consequência anulada a liquidação de IRS n.º 2011... de 4 de Junho de 2011.» [cf. documento n.º 24 anexo ao PPA e PA]
m) A referenciada reclamação graciosa foi autuada sob o n.º ...2012... e correu termos na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, tendo sido indeferida por despacho datado de 26.06.2012, proferido sobre a informação n.º REC289/2012, de 21.06.2012, da qual consta, além do mais, o seguinte [cf. documento n.º 24 anexo ao PPA e PA]:
«A reclamante vem alegar que no ano 2010 não foi residente em território nacional. Contudo, na consulta ao SGRC - Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes constata-se que durante o ano 2010 teve como domicílio fiscal a Rua ... ...-... ...- fls. 67 e 70 dos autos. Também se verifica na análise da situação fiscal do sujeito passivo, que não existem elementos que indiciem que durante o ano 2010 não tenha residido em Portugal e como refere o artigo 15.º do CIRS, sendo as pessoas residentes em território português o IRS incide sobro a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
De referir ainda que nos termos do artigo 19.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no Território Nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em Território Nacional. No mesmo artigo, o n.º 5 refere que independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante, nos termos do número anterior, o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a Administração Tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.
Embora na consulta ao SGRC - Sistema de de Gestão e Registo de Contribuintes - fls. 71 a 74 dos autos se constate que em 31 de dezembro de 2011 a reclamante tinha como domicilio fiscal o Reino Unido, a nomeação do "representante fiscal" a que estava obrigada não consta, conforme dispõe o artigo 130.º do CIRS, conjugado com o artigo 19.º da LGT, tendo o próprio sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira alertado para a situação irregular do sujeito passivo "situações de possível anomalia detetadas peto sistema a clarificar e regularizar" - fls. 71 dos autos.
Assim, pelo que foi exposto, sou de parecer que a liquidação objecto da presente reclamação graciosa é legal, não devendo a mesma ser anulada.»
n) No âmbito de um procedimento de controlo do crédito de imposto por dupla tributação internacional, para os anos de 2010 e 2011, realizado pela Direção de Serviços das Relações Internacionais da AT, foi remetida uma notificação à Requerente – por correio registado em mão internacional (registo CTT ... PT), remetido em 10.02.2014 para ... London..., Reino Unido e entregue em 13.02.2014 em C...–, «nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações), para remeter a este Serviço de Finanças [Serviço de Finanças de ...], no prazo de 15 dias, os seguintes documentos originais ou cópias autenticadas (…): a) Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do respectivo Estado, contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado, bem como do montante de imposto total e final pago, para o ano em causa. b) Liquidação final de imposto aí obtida, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. O envio dos documentos enunciados nesta alínea anula o envio dos referidos na alínea a), desde que contendo todos os elementos aí referidos.» [cf. PA]
o) Não tendo sido apresentados os documentos mencionados na predita notificação, a AT efetuou uma correção oficiosa à declaração de rendimentos da Requerente, referente ao ano de 2010, tendo sido eliminado o montante de imposto pago no estrangeiro (€ 8.310,47), declarado no respetivo Anexo J. [cf. PA e documento n.º 26 anexo ao PPA]
p) Nessa sequência, a AT efetuou uma outra liquidação de IRS – liquidação n.º 2014..., de 25.07.2014 – da qual resultou o montante total a pagar de € 16.078,97, sendo € 15.043,47 de imposto e € 1.035,50 de juros compensatórios. [cf. documento n.º 27 anexo ao PPA]
q) Em virtude de não ter sido efetuado o pagamento voluntário do montante resultante da liquidação de IRS referida no facto provado p), foi instaurado contra a Requerente um processo de execução fiscal, autuado sob o n.º ...2014..., visando a respetiva cobrança coerciva.
r) A Requerente efetuou o pagamento parcial – a(s) quantia(s) paga(s) e a(s) data(s) de pagamento não foram concretamente apuradas – do sobredito montante liquidado pela AT.
s) Em 26 de fevereiro de 2018, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-... um pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e tendo por objeto as liquidações de IRS referenciadas nos factos provados k) e p), nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial anexo como documento n.º 28 ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo ali sido peticionado o seguinte: «A) O deferimento do presente pedido de revisão e, consequentemente: a. Serem sucessivamente anulados os seguintes actos tributários de liquidação: i. Liquidação oficiosa do IRS relativo ao ano de 2010, levada a cabo em 25-07-14; ii. Liquidação do IRS relativo ao ano de 2010, levada a cabo em 04-06-11; b. Serem os supra identificados actos tributários substituídos por acto tributário de liquidação que esteja em consonância com a legislação e jurisprudência aplicáveis; c. Serem restituídas as quantias parciais pagas pela Requerente no âmbito da execução fiscal número ...2014... B) Ainda que assim não se entenda, (…), requer-se, em alternativa e como pedido subsidiário, o deferimento do presente pedido de revisão e, em consequência: a. Ser anulado o acto tributário de liquidação oficiosa de IRS relativo ao ano de 2010, levada a cabo em 25-07-14, mantendo-se como válida no ordenamento jurídico a liquidação do IRS relativo ao ano de 2010, efectuada em 04-06-11; Serem restituídas as quantias parciais pagas pela Requerente no âmbito da execução fiscal número ...2014... e que excedam o valor do imposto liquidado em 04-06-11.» [cf. documentos n.ºs 1 e 28 anexos ao PPA e PA]
t) Até à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral (nem posteriormente), não foi proferida qualquer decisão relativamente àquele pedido de revisão oficiosa.
u) No ano de 2010, a Requerente estava registada no SGRC - Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portugal, com domicílio fiscal na seguinte morada: Rua ..., ...-... ... . [cf. documento n.º 24 anexo ao PPA e PA]
v) No ano de 2011, a Requerente estava registada no SGRC - Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, com domicílio fiscal na seguinte morada: ... London... . [cf. PA]
w) A Requerente esteve em Portugal entre os dias 23 de setembro de 2010 e 10 de outubro de 2010. [cf. documentos n.ºs 3 e 7 anexos ao PPA]
x) No ano de 2010, a Requerente permaneceu em Portugal menos de 183 dias, seguidos ou interpolados.
y) No ano de 2010, a Requerente permaneceu mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no Reino Unido.
z) Em 24 de setembro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema de gestão processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a) A Requerente não residiu em Portugal entre 27 de outubro de 2009 e 7 de março de 2010.
b) A TOC D..., titular da Cédula Profissional n.º ... – a quem a Requerente havia confiado os seus assuntos do foro fiscal – procedeu à entrega da declaração de IRS relativa ao ano de 2010, em nome e no interesse da Requerente.
c) A Requerente forneceu àquela TOC todos os elementos documentais necessários à elaboração da referida declaração.
d) Era do perfeito conhecimento daquela TOC que a Requerente se havia mudado para o Reino Unido, a fim de aí residir e trabalhar.
e) A notificação referida no facto provado n) foi recebida pela Requerente.
f) A liquidação de IRS referida no facto provado p) foi notificada à Requerente.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica, à luz de regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, do acervo probatório de natureza (meramente) documental carreado para os autos, incluindo o processo administrativo.
Neste conspecto e concretamente quanto aos factos provados x) e y), importa ainda referir que, sem qualquer dúvida, era à Requerente que cabia fazer prova daquela factualidade; com efeito, como é dito no acórdão do STA proferido em 18.01.2006, no processo n.º 01102/05, «provando-se que o contribuinte tem número fiscal em Portugal e aqui reside, é dele o ónus da prova de que residiu em Portugal menos de 183 dias”, pois «estamos perante um facto impeditivo, pelo que a prova d etal facto, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, compete àquele contra quem a invocação é feita».
Esse é, precisamente, o caso dos autos; a Requerente tem número fiscal em Portugal e aqui residiu.
A circunstância de não ter comunicado a mudança do seu domicílio fiscal – no ano de 2010, a Requerente estava registada no SGRC - Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portugal (cf. facto provado u)) – não pode, como é evidente, fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; e, no caso concreto, a Requerente logrou fazer essa mesma prova.
Porquanto, a Requerente ao apresentar os documentos n.ºs 2 a 21 anexos ao PPA – anexos, igualmente, ao referenciado pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação –, pretendendo com isso demonstrar que não permaneceu (por mais de 183 dias) em Portugal, assumiu – e bem – que era seu o ónus da prova quanto a tal factualidade; ora, a análise (isolada e conjugada, entre eles) daqueles documentos permite concluir que os mesmos constituem prova do que a Requerente invoca, ou seja, de que esta, no ano de 2010, permaneceu em Portugal menos de 183 dias, seguidos ou interpolados, tendo permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no Reino Unido.
Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a «prova de tal facto seria um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes», tratando-se de um argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal.
12. A factualidade não provada foi assim considerada em virtude da inexistência de quaisquer elementos probatórios que a comprovassem.
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III.2. DE DIREITO
§1. DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO
13. Como foi dito, a AT invocou as seguintes exceções:
a) erro na forma de processo;
b) caducidade do direito de ação, decorrente da intempestividade do procedimento de revisão oficiosa; e
c) incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da pretensão jurídica formulada pela Requerente ou, caso assim não se entenda, para conhecer da pretensão jurídica formulada pela Requerente quanto à liquidação de IRS n.º 2011... .
14. Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, esta questão.
Com referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 147), “[a] atribuição de prioridade absoluta ao conhecimento da questão da competência justifica-se pela consideração de que a única questão para que um tribunal incompetente é competente é para apreciar a sua incompetência. Verificada essa incompetência, ele fica naturalmente impedido de entrar na apreciação, quer dos restantes pressupostos processuais, quer, obviamente, do mérito da causa.”
§1.1. DA EXCEÇÃO DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
15. A Requerida sustenta a arguição da incompetência material do Tribunal Arbitral, num primeiro momento, alegando que «na situação sub judice, para que o presente Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT», uma vez que está «excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT.»
Mais diz a Requerida que «o artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT”, aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT»; assim, se se «pretender incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, tal formulação afigura-se manifestamente ilegal», porque «decorre tal interpretação do elemento literal ínsito na norma nlegal em questão» e porque «a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, s enão forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT) que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.»
Conclui a Requerida propugnando que «será de concluir pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a exceção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.»
16. Caso assim não seja entendido, a Requerida invoca a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da pretensão jurídica formulada pela Requerente quanto à liquidação n.º 2011..., porquanto «a mesma foi anulada, tendo sido substituída pela liquidação adicional n.º 2014..., de 25-07-2014», pelo que improcede o pedido quanto a ela, «por falta de objeto» ou «por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide conforme alínea e) do artigo 277.º do CPC, por facto ocorrido na pendência (no caso até bastante anterior) da instância, a resolução do litígio se torna impossível ou deixa de ter interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, (…), pelo que solução do litígio deixa de interessar – por impossibilidade de atingir o resultado visado.».
A Requerida conclui reiterando o entendimento de que se impõe «concluir pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a exceção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.»
17. A Requerente pronunciou-se relativamente a esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência, afirmando que «a interpretação da lei defendida pela Requerida culmina na criação de um novo caso em que é exigida a reclamação graciosa prévia, o que não tem qualquer respaldo legal» e sublinhando que, aliás, «reclamou graciosamente do primeiro acto de liquidação em crise nos presentes autos».
Relativamente à invocada incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da pretensão jurídica formulada quanto à liquidação n.º 2011..., a Requerente afirma que «o objecto imediato dos presentes autos é o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado», pelo que «quaisquer anulações de actos de liquidação que possam vir a ocorrer terão lugar como consequência da anulação do referido indeferimento tácito»; desse modo, «a extensão dos efeitos de uma eventual anulação do acto de indeferimento tácito não extravasa a competência deste tribunal arbitral, tratando-se de uma questão que caberá no âmbito da decisão de mérito.»
Apreciando e decidindo.
18. A autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é feita pela Administração Tributária, mas pelo sujeito passivo. Com efeito, o ato de autoliquidação distingue-se do ato de liquidação (ato administrativo através do qual a operação de cálculo do imposto devido é executada pela Administração Tributária) em virtude de ser o próprio sujeito passivo a calcular, com base numa declaração, o valor do imposto devido, sem qualquer intervenção da Administração Tributária.
Dito isto. O artigo 75.º do Código do IRS estatui que é à Administração Tributária que compete a liquidação do IRS; destarte, no caso do IRS a liquidação do imposto devido é administrativa, uma vez que a competência para o respetivo cálculo cabe aos serviços centrais da Administração Tributária.
No caso concreto, estão em causa dois atos de liquidação de IRS praticados pela AT: (i) a liquidação n.º 2011..., efetuada na sequência da apresentação da declaração de rendimentos pela Requerente; e (ii) a liquidação n.º 2014..., efetuada na sequência da correção oficiosa à declaração de rendimentos da Requerente.
Assim sendo, não consubstanciando qualquer um daqueles atos tributários uma autoliquidação, a situação dos autos não tem qualquer enquadramento no disposto no artigo 131.º do CPPT e, portanto, não estamos perante uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de um ato tributário que deva ser precedida de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cf. artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Consequentemente, quanto a este fundamento, improcede a arguida exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
19. Atentemos agora na invocada incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da pretensão formulada quanto à liquidação de IRS n.º 2011... .
Como foi dito, os atos de liquidação de IRS controvertidos consubstanciam liquidações administrativas; analisando o conteúdo de um e de outro ato (cf. documentos n.ºs 23 e 26 anexos ao PPA), constatamos que na liquidação n.º 2014 ... não se apurou e liquidou o imposto e depois se abateu o montante de imposto resultante da anterior liquidação n.º 2011..., concorrendo estes dois montantes para o valor do imposto legalmente devido.
Não podemos, assim, afirmar que a segunda liquidação constitui uma verdadeira liquidação adicional, ou seja, que se “adiciona” à primeira concorrendo ambas para a definição da prestação de imposto legalmente devida.
Efetivamente, a liquidação n.º 2011 ... foi integralmente revogada e substituída por um novo ato de liquidação – a liquidação n.º 2014 ... – que reapreciou diretamente a situação tributária da Requerente, quanto ao IRS de 2010 e, consequentemente, não se mantiveram os efeitos produzidos pela primeira das indicadas liquidações.
Com efeito, sempre que estejamos perante uma revogação substitutiva ou substituição revogatória, ou seja, nos casos de revogação em que o ato é substituído por outro, a situação subjacente é de novo regulada.
A este propósito, Serena Cabrito Neto e Carla Castelo Trindade (Contencioso Tributário, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 459), dão-nos conta de que «tem havido, por parte da Administração Tributária, a tendência para, quando pretende alterar um acto de liquidação (…), emitir uma liquidação substitutiva da anterior, com a finalidade de eliminar da ordem jurídica os efeitos da primeira, por revogação.»
Concluindo, temos que a liquidação de IRS n.º 2011 ... foi substituída por um novo ato de liquidação, com a inerente destruição dos seus efeitos e, por isso, deixou de subsistir na ordem jurídica, tendo sido substituída por inteiro pela liquidação de IRS n.º 2014 ... que veio regular de novo a concreta situação tributária da Requerente, atinente ao IRS de 2010.
Nesta conformidade, relativamente à liquidação de IRS n.º 2011..., não nos deparamos com uma questão de (in)competência material do tribunal arbitral, mas sim com a desnecessidade do prosseguimento desta ação arbitral, existente desde momento anterior à respetiva propositura, o que se reconduz à falta de um pressuposto processual, que é a falta de interesse em agir, o qual constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Com efeito, quanto à liquidação de IRS n.º 2011..., o prosseguimento desta ação não conduz a qualquer efeito útil, desde logo relativamente à Requerente, pelo que não existe qualquer necessidade justificada, razoável ou fundada, na manutenção da instância quanto àquele ato tributário, faltando assim o interesse em agir por parte da Requerente.
Por consequência, a Requerida é absolvida da instância por falta daquele pressuposto processual inominado, relativamente à liquidação de IRS n.º 2011... .
§1.2. DA EXCEÇÃO DE ERRO NA FORMA DE PROCESSO
20. A Requerida alega que «quanto à primeira parte do pedido final do PPA – “anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa” – o mesmo apenas poderá ser alvo de apreciação em sede de ação administrativa», porquanto «a AT não analisou de fundo o pedido da Requerente, nem sequer os pressupostos de aplicação do artigo 78.º da LGT, para além de que a Requerente no pedido de revisão oficiosa não invoca nenhum vício da AT que fundamente a aplicação do artigo 78.º da LGT»; conclui, assim, a Requerida que «no caso vertente o indeferimento tácito do pedido de revisão, não comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação», pelo que «ao atacar contenciosamente aquele acto tácito pela via da impugnação judicial e não por via da acção administrativa, a Requerente não utilizou o meio processual adequado».
21. A Requerente pronunciou-se quanto a esta exceção, pugnando pela sua improcedência, dizendo que «não corresponde à verdade que não tenham sido invocados, no pedido de revisão oficiosa, vícios da AT que fundamentem a aplicação do artigo 78.º da LGT»; afirma, ainda, a Requerente que «não estamos perante um indeferimento com base em intempestividade ou falta de pressupostos processuais, esse sim determinante da necessidade de recorrer à acção administrativa especial», mas sim «perante um acto de indeferimento tácito, o qual (…) deve ser qualificado como um acto que aprecia, ainda que mediatamente, a legalidade do acto de liquidação que foi objecto do pedido de revisão».
Apreciando e decidindo.
22. O indeferimento tácito não é um ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no artigo 57.º, n.º 5, da LGT.
No entendimento de Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira (Coordenação), 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 130 e 135), «[a]pesar de o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e a «formação da presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º (…)
O indeferimento tácito presume-se que se baseia em razões de mérito e não em obstáculos processuais.»
No mesmo sentido, Carla Castelo Trindade (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Coimbra, Almedina, 2016, p. 72) afirma que «na medida em que o indeferimento tácito consiste apenas numa ficção de acto, aquela apreciação da (i)legalidade do acto de primeiro grau não existe – de facto – nestes casos. Em rigor, presume-se.»; sendo que, quanto «à questão de saber se se inclui ou não no âmbito material da arbitragem tributária a apreciação de acto de indeferimento tácito», a mesma é perentória a afirmar que «[a] resposta é sim». Esta autora esclarece, ainda, que «o acto de indeferimento tácito, enquanto presunção de acto/ficção de acto não é, em si mesmo, objecto da acção arbitral. Porém, não há qualquer dúvida que não se pode negar a arbitrabilidade dos actos de primeiro grau – os tais incçuídos no âmbito material da arbitragem porque subsumíveis no artigo 2.º - só porque houve pedido para apreciação administrativa sem decisão expressa, o que é, de resto, confirmado pelo artigo 10.º, quando permite a apresentação de pedido de pronúncia arbitral até 90 dias contados, e.g., “do termo do prazo legal da decisão de recurso hierárquico”.
Volvendo ao caso concreto e tendo presentes os entendimentos explanados (ver, ainda e entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 23.09.2009 e em 02.07.2014, respetivamente, nos processos n.ºs 0420/09 e 01950/13), impõe-se-nos concluir no sentido da improcedência da arguida exceção de erro na forma de processo.
§1.3. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO, DECORRENTE DA INTEMPESTIVIDADE DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO OFICIOSA
23. Neste conspecto, a Requerida alega que «o pedido de revisão oficiosa foi deduzido pela Requerente fora do “prazo de reclamação administrativa”, estando-lhe vedado, consequentemente, que o mesmo viesse a ser apresentado com “fundamento em qualquer ilegalidade”, como plasmado na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º [da LGT]», sendo que, «a segunda parte [do n.º 1 do artigo 78.º da LGT] restringe o fundamento do pedido de revisão oficiosa exclusivamente às situações em que houve erro imputável aos serviços».
Nessa conformidade, a Requerida sustenta que uma vez que a Requerente deixou «precludir o prazo para deduzir o pedido de revisão oficiosa, nos termos estabelecidos na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º [da LGT], dentro do qual, admite-se, poderia invocar qualquer ilegalidade, considera-se que não havia fundamento legal para conhecer do pedido de revisão oficiosa, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º [da LGT], porquanto a Requerente não logrou demonstrar o “erro” em que incorre a AT.»
Conclui, então, a Requerida que «terá que ser a presente ação julgada intempestiva, uma vez que o pedido de revisão oficiosa que lhe subjaz não foi deduzido dentro do prazo de reclamação administrativa, o que dita a caducidade do direito a intentar a presente ação»; consequentemente, a Requerente invoca a «presente exceção peremptória, nos termos do n.º 3 do artigo 493.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.»
24. A Requerente pronunciou-se quanto a esta exceção, pugnando pelo seu indeferimento, afirmando que se afigura «incontroverso entre a doutrina e a jurisprudência nacionais que o “erro imputável aos serviços” previsto no número 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária não inclui apenas erros de facto, mas também erros de Direito.»
Nessa medida, a Requerente defende que «a referida divergência (…) [entre as Partes] “quanto à subsunção dos factos à lei” deverá ser apreciada pelo tribunal arbitral, ao abrigo da segunda parte do número 1 do artigo 78.º da LGT», para o que ela «estava e está em tempo».
Apreciando e decidindo.
25. Como salienta Carla Castelo Trindade (ob. cit., pp. 72, 75, 255 e 256), «porque se trata de um acto de indeferimento tácito, para que o tribunal arbitral possa aferir se o pedido de constituição de tribunal arbitral foi realizado dentro do prazo de caducidade do direito à acção, o próprio tribunal arbitral terá de apreciar se o (…) pedido de revisão oficiosa cumpre os pressupostos de admissibilidade legalmente exigidos para o conhecimento do mérito da pretensão – desde logo, se foi, ele próprio, apresentado em prazo.»; pelo que, «o tribunal arbitral terá, forçosamente, que avaliar se estavam pelo menos preenchidos os pressupostos processuais exigidos por aqueles n.ºs 1 (…) do artigo 78.º da LGT para que a Administração Tributária conhecesse do mérito da causa.
(…)
Em suma, a conclusão a que se chega é a de que, perante um indeferimento tácito de (…) pedido de revisão de acto tributário, o sujeito passivo que pretenda recorrer à via arbitral, não deverá apenas alegar, no seu pedido de pronúncia arbitral, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, mas também, e à cautela, e em especial no que respeita ao pedido de revisão de acto tributário, deverá cuidar de provar a verificação dos pressupostos processuais que permitiam o conhecimento do mérito da pretensão pela Administração Tributária.
(…)
Não significa (…) que a causa de pedir da acção arbitral tenha que incluir a causa de pedir do meio gracioso anterior, neste caso, da revisão oficiosa.
Contudo, (…) para fundamentar a tempestividade da acção arbitral o contribuinte deverá, à cautela, alegar e provar:
(1) o fundamento legal para a utilização do meio gracioso previamente intentado e relativamente ao qual a Administração Tributária não se pronunciou;
(2) a existência de um indeferimento tácito pelo facto de a Administração Tributária, pese embora tivesse em condições para decidir, não tenha decidido;
(3) o facto de estar ainda no prazo de 90 dias contados da formação daquele acto silent.»
26. Voltando ao caso concreto, temos que o fundamento legal para o pedido de revisão oficiosa do ato tributário que foi apresentado pela Requerente, radica no artigo 78.º, n.ºs 1, 2.ª parte, e 7, da LGT, normas das quais decorre que o sujeito passivo pode requerer a revisão oficiosa dos atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago.
Relativamente ao erro imputável aos serviços, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial largamente maioritário que aquele abrange qualquer ilegalidade e compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, não se exigindo a demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (neste sentido, Casalta Nabais, “A Revisão dos Actos Tributários”, in Por um Estado Fiscal Suportável: Estudos de Direito Fiscal, Volume III, Coimbra, Almedina, 2010, p. 236; Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Almedina, 2012, p. 204; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário: Do mea culpa à reposição da legalidade, Coimbra, Almedina, Cadernos IDEFF (N.º 19), 2015, pp. 233 e 236; e, entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 22.03.2011, 14.03.2012, 19.11.2014 e 08.03.2017, respetivamente, nos processos n.ºs 01009/10, 01007/11, 0886/14 e 01019/14).
Compulsado o requerimento inicial do pedido de revisão dos atos tributários que foi deduzido pela Requerente (cf. documento n.º 28 anexo ao PPA), constatamos que o mesmo é muito similar ao pedido de pronúncia arbitral quer quanto à causa de pedir, quer quanto aos pedidos.
Ademais, verificamos que naquele pedido de revisão oficiosa – tal como no pedido de pronúncia arbitral – são imputados diversos vícios invalidantes aos atos de liquidação que dele são objeto, sejam vícios de violação de lei, por alegados erros nos pressupostos de facto e de direito, sejam vícios formais, por alegada preterição de formalidade essencial e por falta de fundamentação.
Noutra ordem de considerações, tendo por referência a liquidação de IRS n.º 2014 ... – única que importa agora considerar, como resulta do acima exposto –, temos, por um lado, que a mesma foi efetuada em 25.07.2014 (cf. facto provado p)) e, por outro lado, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23.02.2018 (cf. facto provado s)), pelo que este foi deduzido dentro do prazo de quatro anos após aquela liquidação (cf. artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT).
Nesta conformidade, impõe-se-nos concluir que a Requerente, efetivamente, esteou aquele pedido de revisão dos atos tributários em erros imputáveis aos serviços e que o mesmo foi tempestivamente deduzido, pelo que se mostram verificados os pressupostos processuais que permitiam o conhecimento do mérito da pretensão pela Administração Tributária.
27. No caso de a Administração Tributária não se pronunciar acerca do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º s 1 e 5, da LGT, decorrido o prazo de quatro meses, forma-se a presunção de indeferimento tácito.
No caso sub judicio, como resulta do probatório, o pedido de revisão oficiosa dos atos tributários deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-... em 26.02.2018 (cf. facto provado s)) e a Requerente apresentou em 24.09.2018 o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (cf. facto provado z)), sendo que, até esta última data (nem posteriormente), não foi proferida qualquer decisão relativamente àquele pedido de revisão oficiosa (cf. facto provado t)).
Assim, dúvida alguma existe quanto à formação da presunção de indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa, a qual se verificou em 26.06.2018.
Ademais, atenta a data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – 24.09.2018 –, verifica-se que este foi apresentado no prazo de 90 dias após a formação da presunção de indeferimento tácito (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT), pelo que é tempestivo.
28. Nestes termos, impõe-se-nos concluir no sentido da improcedência da arguida exceção de caducidade do direito de ação, decorrente da intempestividade do procedimento de revisão oficiosa.
§2. DO MÉRITO
29. A Requerente argui a existência de diversos vícios invalidantes do ato de liquidação de IRS controvertido, sejam vícios de violação de lei, por alegados erros nos pressupostos de facto e de direito, sejam vícios formais, por alegada preterição de formalidade essencial e por falta de fundamentação, sem que eles tenham estabelecido uma relação de subsidiariedade.
30. O artigo 124.º do CPPT estatui o seguinte:
Artigo 124.º
Ordem do conhecimento dos vícios da sentença
1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2. Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.
Esta norma estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Revertendo para o caso dos autos, temos que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade do ato tributário impugnado à luz dos critérios legais que o caracterizam; por outro lado, como foi dito, a Requerente não estabeleceu qualquer ordem de prioridade para esse conhecimento.
Destarte, a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente impõe que comecemos pela apreciação dos vícios de violação de lei, após o que, caso se revele necessário, apreciaremos os vícios de forma.
31. O epicentro do dissenso entre as Partes reside, primacialmente, na questão atinente à residência fiscal da Requerente no ano de 2010, concretamente se deverá, ou não, ser considerada residente em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º do Código do IRS.
32. Antes de prosseguirmos na apreciação dessa questão nuclear, importa referirmo-nos à alegação da Requerida no sentido de que a sobredita questão já está «perfeitamente definida e assente no ordenamento jurídico, por falta de atempada impugnação de tal estatuto», querendo com isto aludir ao facto de a Requerente não ter reagido contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação de IRS n.º 2011 ... (cf. factos provados l) e m)), na qual esta questão foi apreciada pela AT.
Se bem entendemos esta argumentação da Requerida, cremos que esta pretende com a mesma significar que estamos perante um caso decidido ou resolvido como consequência da mencionada reclamação graciosa, cuja decisão de indeferimento não foi objeto nem de recurso hierárquico, nem de impugnação contenciosa por parte da Requerente.
Adiantamos, desde já, que não tem a Requerida razão.
Com a alusão a caso decidido ou resolvido pretende-se designar as situações em que um ato tributário não é impugnado tempestivamente, adquirindo uma relativa estabilidade; com efeito, tal estabilidade é apenas relativa pois o denominado caso decidido ou resolvido, em vez de constituir uma garantia de estabilidade definitiva do ato tributário, reconduz-se, no máximo, à mera impossibilidade de impugnação do ato com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
No caso concreto, não podemos olvidar que o ato tributário que foi objeto da predita reclamação graciosa foi a liquidação de IRS n.º 2011... e, portanto, a força do caso decidido ou resolvido cinge-se a esta liquidação, por falta de uso dos meios de reação que a lei coloca à disposição do interessado perante o indeferimento de uma reclamação graciosa.
Acontece que, como foi dito, a liquidação n.º 2011... foi integralmente revogada e substituída pela liquidação n.º 2014... e, por isso, deixou de subsistir na ordem jurídica, estando a concreta situação tributária da Requerente, atinente ao IRS do ano de 2010, regulada por esta última liquidação, a qual é passível de impugnação administrativa e/ou contenciosa, sendo o procedimento de revisão dos atos tributários «um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)» .
§2.1. DA RESIDÊNCIA FISCAL DA REQUERENTE
§2.1.1. O ARTIGO 16.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), DO CÓDIGO DO IRS
33. Para que melhor se compreenda a questão sub judice, cumpre salientar a importância que o conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento.
Cingindo-nos ao Código do IRS, verificamos que a residência é o critério utilizado para determinar o âmbito de aplicação do imposto (cf. artigo 15.º), sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal.
Com efeito, a residência, pressupondo uma ligação forte e estável a um território específico, é o critério mais frequente para determinação da tributação universal dos rendimentos.
O artigo 16.º, n.º 1, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, e com relevância para o caso em apreço, utilizava mais do que um critério de residência, determinando que “[s]ão residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.”
Verifica-se, assim, que o critério previsto naquela alínea a) se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional. Por seu turno, a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto, Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação das CDT’s (cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer, Kluwer Law International, 1997, pp. 232 e 233).
Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a que já não seja possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência (cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206 e 207).
34. Voltando ao caso concreto, resultou provado que, no ano de 2010, a Requerente permaneceu em Portugal menos de 183 dias, seguidos ou interpolados (facto provado x)) e que permaneceu mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no Reino Unido (facto provado y)).
Não se mostra, assim, verificado o primeiro elemento de conexão possível, estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS: a permanência da Requerente, em território português, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no ano a que respeitam os rendimentos, ou seja, no ano de 2010.
Centrando-nos agora na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, é pacífica a afirmação de que esta norma impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: (i) a permanência em Portugal; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual; obviamente, tendo por base o corpo do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, a verificação dos referidos requisitos deve ter por referência o “ano a que respeitam os rendimentos”, sendo este o espectro temporal durante o qual deve ser verificada a residência.
No tocante a este segundo elemento de conexão possível, para além de a AT não ter alegado que (i) a Requerente dispunha, em Portugal, de habitação (ii) em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, nada resulta dos autos que, ainda que indiciariamente, aponte nesse sentido. Com efeito, não foi alegado, nem se apurou que a Requerente dispusesse de qualquer título (designadamente, propriedade, arrendamento, usufruto, uso e habitação ou comodato) que legitimasse a utilização de uma casa em Portugal e, muito menos, que existiam condições que fizessem supor que tal (hipotética) habitação seria mantida e ocupada como residência habitual .
§2.1.2. DA CONVENÇÃO SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO ENTRE PORTUGAL E O REINO UNIDO
35. Aqui chegados e uma vez verificado que a Requerente não pode ser considerada residente em Portugal, no ano de 2010, não se revela necessário indagar da sua qualificação como residente à luz da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de março de 1968 (Decreto-Lei n.º 48497, de 24 de julho de 1968).
Porquanto, o artigo 4.º da CDT remete para as leis internas de cada um dos Estados (Portugal e Reino Unido) para aferir se um determinado cidadão é ou não considerado residente nesse Estado. Assim, a apreciação da CDT apenas se afigura relevante se se revelar necessário encontrar um critério de desempate que permita qualificar um contribuinte como residente em apenas um dos Estados contratantes quando ambos o consideram como tal.
Estão em causa, as chamadas tie-break rules que constam de CDT’s e determinam a imputação de rendimentos de um contribuinte a um Estado, em caso de divergência entre dois (ou mais) ordenamentos jurídicos fiscais.
Para tal, o artigo 4.º da CDT entre Portugal e o Reino Unido procura, precisamente, resolver situações de dupla residência, em que alguém tem «contactos prolongados com mais de uma ordem jurídica» (cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2007, pp. 339 e 340), através de diversas regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um determinado sujeito passivo. É que, embora a definição de residente seja feita com recurso aos critérios estabelecidos pela lei interna de cada Estado, como refere Rui Duarte Morais “[a]s convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (…) limitando-se a estabelecer regras de «desempate» que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal.” (cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016, p. 12).
No caso concreto, a questão está solucionada, uma vez que, à luz dos critérios estatuídos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, a Requerente não pode ser considerada fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2010, o que obsta a que Portugal possa tributar os rendimentos auferidos pela Requerente, nesse mesmo ano.
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36. Atento o exposto, concluímos que a controvertida liquidação de IRS n.º 2014..., referente ao ano de 2010, padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação; o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... padece de igual vício invalidante.
37. Sendo de anular a totalidade da liquidação de IRS n.º 2014..., com fundamento no sobredito vício de violação de lei, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios arguidos pela Requerente (cf. artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
§2.2. REEMBOLSO DOS MONTANTES DE IMPOSTO PAGOS ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
38. A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso dos montantes pagos indevidamente, sendo que resultou comprovado que a Requerente efetuou o pagamento parcial dos montantes de imposto e de juros compensatórios liquidados pela AT, sem que se tivesse concretamente apurado quer a(s) respetiva(s) quantia(s) paga(s), quer a(s) respetiva(s) data(s) de pagamento (cf. facto provado r)).
39. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que estabelece, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
§2.2.1. DO DIREITO AO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS
40. Na sequência da ilegalidade e anulação do ato de liquidação n.º 2014..., há lugar a reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o mencionado ato tributário não tivesse sido praticado.
Destarte, procede o pedido de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente e que, em cumprimento da presente decisão, deverão ser determinados pela AT.
§2.2.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
41. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos; por seu turno, da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT decorre que são também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
A alusão à revisão do ato tributário remete-nos para o artigo 78.º da LGT, cujo n.º 1 estatui que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços; o n.º 7 do mesmo artigo 78.º determina que interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
No citado n.º 1 do artigo 78.º da LGT, está, pois, prevista a possibilidade de revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa, devendo entender-se que o legislador está aqui a referir-se ao prazo de reclamação graciosa , o qual é de 120 dias (cf. artigo 70.º, n.º 1, do CPPT).
No caso de ser reconhecida a ilegalidade do ato de liquidação invocada pelo sujeito passivo, não só haverá lugar à restituição do montante de imposto indevidamente pago, como deverá ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos.
No entanto, como resulta do citado n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários também poderá ser efetuada a pedido do contribuinte. Porém, se o pedido de revisão dos atos tributários for realizado dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, os efeitos decorrentes do reconhecimento da ilegalidade do ato de liquidação são diferentes dos que resultam quando o pedido de revisão é efetuado dentro do prazo de reclamação graciosa. Com efeito, apesar de o ato de liquidação ser igualmente anulado, o direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios não é reconhecido nos mesmos termos, ou seja, desde da data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos; nesse caso, tais juros apenas serão devidos se a Administração Tributária só efetuar a revisão do ato de liquidação mais de um ano após a dedução do pedido e o atraso lhe for imputável, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
Neste exato sentido, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 717 e 718) afirmam o seguinte:
«Assim, nos casos em que o pedido de revisão do acto tributário é apresentado no prazo de 120 dias, a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT, é de entender que não há razão para que o Estado se dispense do dever de reparar integralmente os danos provocados pelos seus actos ilegais, com plena reconstituição da situação jurídica que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
Por isso, se o contribuinte reage nesse prazo, através de um pedido de revisão do acto tributário, deverá ser dada à sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte, que vão desde a restituição da quantia indevidamente cobrada à atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, no caso de se reconhecer que o erro não é imputável ao contribuinte, nos termos dos arts. 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3 [n.º 5], do CPPT.
(…)
A mesma argumentação não vale, porém, para os casos em que o pedido da revisão é apresentado fora do prazo de 120 dias a contar dos factos previstos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT.
Na verdade, (…), nesse caso já se fazem sentir as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários e, por isso, os efeitos atribuídos ao pedido de revisão já não são os mesmos, como decorre da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, ao estabelecer que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária, e não juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido.»
Neste mesmo sentido, tem vindo reiteradamente a pronunciar-se o Supremo Tribunal Administrativo, sendo de mencionar aqui, a título de exemplo e pela sua relevância, os acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, em 23 de maio de 2018, no processo n.º 01201/17 e em 24 de outubro de 2018, no processo n.º 099/18.3BALSB (ver, ainda e entre outra, a jurisprudência citada naqueles arestos).
42. Dito isto, voltando ao caso sub judicio, a Requerente suportou uma prestação tributária legalmente indevida, tendo direito ao respetivo reembolso.
Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2014... é imputável à AT por, naquela liquidação, ter incorrido em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na incorreta interpretação e aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS; o mesmo vale para a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., que é também totalmente imputável à AT.
Destarte, tendo presentes os factos provados s) e t) e atendendo ao acima exposto, concluímos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, calculados desde 26 de fevereiro de 2019, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, a liquidar após a determinação pela AT das quantias de imposto e de juros compensatórios pagas indevidamente pela Requerente, em cumprimento da presente decisão.
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43. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral;
b) Julgar improcedente a exceção de erro na forma de processo;
c) Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;
d) Julgar procedente a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, quanto à liquidação de IRS n.º 2011..., com a consequente absolvição da Requerida da instância;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
(i) Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2014..., respeitante ao ano de 2010, no valor total de € 16.078,97;
(ii) Declarar ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018...;
(iii) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:
• a reembolsar à Requerente as quantias de imposto e de juros compensatórios que, em execução da presente decisão, se apure terem sido indevidamente pagas;
• a pagar juros indemnizatórios à Requerente, calculados sobre as quantias a reembolsar, nos termos legais;
• no pagamento das custas do presente processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 16.078,97 (dezasseis mil e setenta e oito euros e noventa e sete cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Notifique.
Lisboa, 31 de maio de 2019.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)