Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 448/2018-T
Data da decisão: 2019-05-20  IRC  
Valor do pedido: € 397.447,93
Tema: IRC - encargos relacionados com motociclos e viaturas ligeiras de passageiros; abonos quilométricos; tributações autónomas (art. 88.º do CIRC); presunção legal – inexistência.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos e Mestre João Menezes Leitão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., sujeito em 2015 ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), doravante designada por Requerente, apresentou em 10/09/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa (...2018...) e, em termos finais, ao ato subjacente de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do Grupo Fiscal B... relativo ao exercício de 2015 por, no seu juízo, padecer do vício de violação da lei no que concerne à liquidação de tributação autónoma, no montante de €397.447,93, sobre despesas e encargos com veículos afetos à atividade de empresas do Grupo Fiscal B... e sobre compensação pela deslocação em viaturas próprias do trabalhador.

 

2. No dia 20/11/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

3. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida em 20/11/2018 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

4. Em 10/01/2019 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa bem como, mediatamente, da autoliquidação de IRC do exercício fiscal de 2015.

 

5.  No dia 13/02/2019 foi realizada a reunião a que o art. 18.º do RJAT se refere, tendo sido produzida a prova testemunhal peticionada pela Requerente e, assim, ouvidas as seguintes testemunhas, funcionários do Grupo B...: a) C..., contabilista certificada da Requerente; b)  D..., responsável nacional da organização da distribuição do A...; c) E..., atualmente responsável pela gestão de imóveis e anteriormente responsável pela gestão da frota do A...;  e d) F..., atual responsável pela gestão da frota do A... .

 

6. As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais, foram apresentadas pela Requerente no dia 27/02/2019 e pela Requerida em 15/03/2019.

 

 

POSIÇÃO DAS PARTES

7. A Requerente sustenta que não se verifica o pressuposto da tributação autónoma relativamente aos motociclos e carros de serviço da frota do Grupo Fiscal B..., bem como no que tange aos abonos quilométricos devidos pela utilização de motociclos pertencentes aos L.... Ou, dito de outro modo, entende que não se verifica o pressuposto presumido – uso promíscuo e/ou pagamento de quilómetros que excedem o uso efetivo em serviço – da tributação autónoma sobre despesas e encargos com veículos de passageiros, motas e motociclos e sobre compensação pelo uso de viatura pelo trabalhador.

Para alicerçar a sua pretensão anulatória começa por alegar a necessidade do Grupo Fiscal B... dispor de uma extensa e diversificada frota de veículos, dada a natureza e dispersão territorial da sua atividade, v.g. a distribuição postal por todo o território nacional.

Em segundo lugar, relativamente aos motociclos, indica que a sua utilização obedece a um racional económico, isto é, perante a tipologia de viaturas, são aqueles que mais se adaptam aos giros de distribuição postal, constituindo assim, no âmbito da atividade do Grupo Fiscal, o meio de transporte por excelência.

Deste modo, alega que seria estranho penalizar a Requerente por uma escolha de um motociclo para determinado giro, ao invés de optar por outras viaturas de produção – de mercadorias, as quais têm inegavelmente mais custos para a empresa, mas que não seriam, em geral, sujeitos a tributação autónoma, nos termos do art. 88.º do  Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), na redação em vigor no ano de 2015, por se qualificarem de “mercadorias”. Observa ainda a Requerente que a legislação fiscal não deve determinar ou ditar os critérios de gestão empresarial.

Invoca que os motociclos não são os únicos veículos com uma utilização exclusivamente empresarial, pois tal também sucede com as Viaturas de Serviços Gerais, necessárias para manter permanentemente o contacto entre todas as estruturas organizativas do Grupo Fiscal que se encontram dispersas pelo território nacional. Continua sustentando que a existência desta frota específica de veículos nada tem a ver com interesses particulares dos colaboradores do A..., mas com a natureza da atividade social desenvolvida.

Por isso refere que existe um conjunto de regras e procedimentos implantados que visam assegurar essa disponibilidade permanente para a utilização exclusiva no âmbito da atividade desenvolvida, designadamente, o preenchimento do boletim da viatura (com identificação da atividade e consumos), com a sua entrega nas instalações da Requerente, após utilização; a utilização da viatura de 2.ª a 6.ª feira, preferencialmente para distâncias longas e a proibição de utilização por mais de cinco dias seguidos.

Em segunda linha defende que não se verifica o pressuposto da tributação autónoma no que respeita aos abonos quilométricos pela utilização de motociclos dos próprios L... na atividade de distribuição postal, pois há um controlo dos quilómetros efetivamente percorridos ao serviço e, consequentemente, abonados; bem como a calibração do abono para cobrir apenas os custos com combustível e o desgaste do motociclo na distância percorrida ao serviço da distribuição postal.

No que respeita ao abono, o carteiro incorre, em média, no custo de 0, 154 euros por quilómetro, valor superior aos 0,144 euros por quilómetro sujeito a tributação autónoma.

De um ponto de vista normativo, enumera um rol de decisões arbitrais que, no seu juízo, suportam uma conclusão: as tributações autónomas têm materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, presunção essa que deverá considerar-se abrangida pela possibilidade de ilisão decorrente do art. 73.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Alega ainda que a interpretação do art. 88.º, n.ºs 3 e 4  do CIRC (tributação autónoma sobre despesas e encargos com veículos) no sentido de que a presunção implícita de empresarialidade apenas parcial das despesas e encargos com veículos não é ilidível (presunção-ficção) é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, que manda tratar o desigual desigualmente (salvo impraticabilidade, o que alega não ser o caso) e, por isso, do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual, o que é impedido por ficções.  Isto é, a violação dos seguintes artigos da Constituição da República Portuguesa (CRP): 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2.

Termina solicitando o reembolso de 397 447, 93 euros e a condenação da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do indeferimento expresso da reclamação graciosa, pois entende que é manifesto o erro que subjaz ao ato tributário em crise.

8. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

i)             Tributação autónoma sobre os encargos relacionados com despesas de representação realizadas no âmbito do escopo empresarial com motociclos, viaturas ligeiras de passageiros afetos à atividade e ajudas de custo incorridas

Na sua defesa começa por referir que o Tribunal não pode decidir com recurso à equidade e que a Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, disserta sobre a justeza, ou falta dela, do art. 88.º do CIRC, embora nada acrescente sobre o elemento literal da norma a favor do entendimento por si formulado.

Assim, utilizando as regras vertidas no art. 9.º Código Civil (CC), sobretudo a presunção patente no art. 9.º, n.º 3 do mesmo diploma, não pode deixar de se concluir que o legislador fiscal no art. 88.º do CIRC apenas pretendeu referir-se aos tipos de veículos ali identificados.  Ou seja, o art. 88.º, n.º 3, 7 e 9 do CIRC não pretendeu excluir da sujeição a tributação autónoma os encargos relacionados com veículos, salvo nas situações descritas na parte final do n.º 3 e 6 do referido normativo.

Em segunda linha, quanto à presunção de empresarialidade, defende que não se vislumbra na letra do n.º 3 a 6 do art. 88.º do CIRC qualquer injunção que permita a subtração à incidência das tributações autónomas, desde que seja feita a demonstração da sua empresarialidade integral – conceito esse (empresarialidade) estranho ao Direito Fiscal.

A posição vertida em algumas decisões arbitrais, no sentido de que a sujeição à tributação prevista no art. 88.º do CIRC dependeria de uma opção do contribuinte a formular nos seguintes termos: as tributações autónomas poderão ser encaradas como uma espécie de norma anti-abuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber: a) não deduzir a despesa; b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si, quer à AT de discutir a empresarialidade da despesa e c) provar a empresarialidade integral da despesa e assim não suportando a tributação autónoma, não tem respaldo interpretativo.

Para alicerçar essa posição refere que o art. 88.º, n.º 3 do CIRC, ao contrário do art. 23.º-A, n.º 1, al. r) do mesmo diploma, não cabe na qualificação das cláusulas especiais anti-abuso, fruto das configuração e finalidades que lhe estão adstritas  - obtenção de receita fiscal, moralização no que tange aos valores de aquisição de alguns veículos e desincentivo à utilização de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos movidos a combustíveis de origem fóssil, em razão das externalidades negativas que os mesmos provocam. Por isso, o legislador não consagrou nenhum regime de inversão do ónus da prova.

Em resumo, o legislador não consagrou, nem explícita, nem implicitamente a possibilidade de evitação da tributação autónoma dos encargos com veículos mediante a demonstração da afetação integral dos veículos à atividade desenvolvida.

Para além do mais, sustenta que, porque o art. 88.º do CIRC constitui uma norma de incidência objetiva, não incorpora quaisquer presunções suscetíveis de serem afastadas a partir da produção de prova.

No caso concreto da empresarialidade das despesas incorridas, o que, repete-se, não se verifica, pois o art. 88.º do CIRC também não contém na sua redação a expressão “presume-se”, nem procede à tributação com base em ficções de rendimentos ou da matéria coletável.

Mas ainda que se admitisse a possibilidade de ilidir uma hipotética presunção do art. 88.º, n.ºs 3, 7 e 9 do CIRC, através da prova da “empresarialidade” das despesas, a verdade é que nenhuma prova material ou concreta foi produzida nesse sentido, até porque a prova teria de ser realizada veículo a veículo.

Para além do mais, o documento junto pela Requerente sob o n.º 22 – ordem de serviço sobre a utilização das Viaturas de Serviços Gerais – não tem a aptidão para demonstrar a absoluta impossibilidade de utilizar os veículos ligeiros de passageiros para fins pessoais.

ii)            Inconstitucionalidade

Entende, isso sim, que deve ser julgado inconstitucional o art. 88.º, n.ºs 3 e 5 do CIRC, por violação dos princípios da legalidade (tipicidade e reserva de lei parlamentar) e da proteção jurídica e da confiança (art. 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível, nos termos e para os efeitos do art. 73.º da LGT, capaz de afastar a tributação sobre encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, sempre que seja possível provar a sua indispensabilidade para o funcionamento eficiente das empresas.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 21.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

a)            Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o n.º ...2018..., e o ato de autoliquidação de IRC subjacente, na parte atinente à tributação autónoma aqui sindicada, padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, dado que a tributação autónoma sobre as despesas e encargos suportados com motociclos e Viaturas de Serviços Gerais e com os abonos quilométricos aos L... tem implícita uma presunção suscetível de ser ilidida mediante a demonstração, como sucede no caso, dos seus usos ou natureza exclusivamente empresariais, ou seja, da inexistência do pressuposto presumido do “uso promíscuo” dos veículos ou de pagamento de quilómetros que excedem o uso efetivo em serviço;

b)           Se a interpretação do art. 88.º, n.ºs 3 e 4 do CIRC (tributação autónoma sobre despesas e encargos com veículos), no sentido de que a presunção implícita de empresarialidade apenas parcial das despesas e encargos com veículos não é ilidível (presunção-ficção) é inconstitucional;

c)            Se é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica e confiança, patentes no art. 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, a interpretação de que o art. 88.º contém uma presunção implícita ilidível, por isso implicar admitir a exclusão de tributação de uma realidade tributária legalmente determinada e tipificada por via de ficcionada presunção ilidível, a concretizar por indícios probatórios;

d)           Se a Requerente tem direito ao reembolso e a juros indemnizatórios.

 

SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1.  A Requerente é a sociedade dominante do Grupo  Fiscal B... sujeito em 2015 ao RETGS e que integra as seguintes sociedades: i) A..., S.A., contribuinte n.º...; ii)  G..., S.A., contribuinte n.º...; iii) H..., S.A., contribuinte n.º...; iv) I..., S.A., contribuinte n.º...; v) J..., S.A., contribuinte n.º ...;  e vi) K..., S.A., contribuinte n.º... .

1.2. No dia 24/05/2016 foi apresentada a declaração de IRC, Modelo 22, do Grupo Fiscal B... referente ao exercício de 2015.

1.3. A declaração referida em 1.2. foi substituída em 23/11/2017, tendo sido apurado um valor, a final, de tributação autónoma de 1 582 425,50 euros, que se manteve inalterado na declaração de substituição entregue a 14/12/2017.

1.4. A totalidade das despesas e encargos com veículos do Grupo Fiscal B... (ou cuja utilização foi contratualmente assegurada pelo Grupo Fiscal B...) e com abonos quilométricos pelo uso de viatura própria do trabalhador, sujeitas a tributação autónoma em 2015, ascendeu a um total de 6 807 944,90 euros.

1.5. A tributação autónoma liquidada com respeito a estas despesas e encargos é de 515 285,23 euros decomposta da seguinte forma:

 

1.6.  A impugnação objeto destes autos circunscreve-se à tributação autónoma do exercício de 2015 que diz respeito a despesas e encargos com motociclos de distribuição postal e determinadas viaturas ligeiras de passageiros (denominadas Viaturas de Serviços Gerais) e aos encargos com abonos quilométricos concernentes a motociclos dos L... utilizados na atividade de distribuição postal do Grupo Fiscal B... .

 

1.7.  A tributação autónoma aqui impugnada incidiu no exercício de 2015 sobre despesas e encargos no montante de 4 965 249,33 euros.

 

1.8. Essa tributação autónoma ascendeu ao montante de 397 447,93 euros dos quais 140 239,59 euros são referentes a encargos com motociclos para distribuição postal, 144 744,95 euros referentes a encargos com Viaturas de Serviços Gerais (VSG) e 112 463,39 euros respeitantes a abonos quilométricos a L... pela utilização dos seus motociclos ao serviço da distribuição postal do A..., como se descreve no quadro infra:

 

1.9.  A Requerente no dia 14/05/2018 apresentou reclamação graciosa relativamente à referida autoliquidação, por, no seu juízo, a tributação autónoma sobre encargos e despesas com veículos ter implícita uma presunção suscetível de ser ilidida.

1.10. As empresas do Grupo B... definem diferentes giros de distribuição do correio, com a ponderação de uma multiplicidade de fatores, como sejam o tipo de correio a ser transportado (incluindo volumetria e peso), o número e frequência de paragens, o tipo de zona geográfica (urbana ou rural), o tipo de construção predominante (prédios ou moradias).

1.11. A atividade social de distribuição postal abrange um milhão e quatrocentos mil domicílios.

1.12. Para assegurar essa finalidade existem cerca de 4700 giros, sendo que a cada giro corresponde uma certa distância a ser percorrida pelo carteiro, o que exige a opção por um meio de locomoção adequado.

1.13. A opção é, por via de regra, realizada em função da distância a percorrer, para os giros mais curtos os L... deslocam-se a pé ou de bicicleta, para giros de 10 a 40 quilómetros utilizam veículos de baixa cilindrada, até 50 centímetros cúbicos e, para giros a partir de 40 quilómetros até 80 quilómetros, utilizam motociclos de cilindrada superior, até 125 centímetros cúbicos.

1.14. Cerca de 2000 giros são assegurados por motociclos, com a cilindrada de 50 ou 125 centímetros cúbicos.

1.15.  A realização dos giros com recurso aos motociclos tem como justificação constituírem o meio de locomoção que, pelas suas características, a isso mais se adapta, nomeadamente, pela sua agilidade no trânsito, facilidade de estacionamento, custo de aquisição reduzido, manutenção simples e não dispendiosa e consumos reduzidos.

1.16.  Naqueles giros em que as empresas do Grupo B... identificaram que o motociclo constitui o tipo de viatura mais adequado é dada a possibilidade ao carteiro de utilizar motociclo próprio em contrapartida de um “abono quilométrico”, determinado com base nos quilómetros estimados para os giros alocados àquele carteiro.

1.17. Os “abonos quilométricos”, no exercício de 2015, foram sujeitos a tributação na esfera dos L... em sede de IRS.

1.18.   O cálculo dos pagamentos aos L... pela utilização de motociclos próprios é feito com base numa tabela entre cerca de 0,14 euros e cerca de 0,26/0,27 euros por quilómetro, dependendo de vários fatores, como por exemplo, a distância a percorrer.

1.19. Os motociclos da frota da Requerente são afetos, por via de regra, a um giro e não a um carteiro, sendo a alocação dos motociclos efetuada em função dos Centros de Distribuição Postal (CDP), havendo rotação entre vários L... afetos ao mesmo giro.

1.20.     Existem mecanismos de controle da utilização dos motociclos da aludida frota, como os constantes do Manual de Procedimentos da Gestão de Frota de Ligeiros de Produção, Motociclos e Ciclomotores, destinados a dissuadirem os L... de os utilizarem para fins pessoais, designadamente a sua utilização está limitada ao horário de atividade social da Requerente e a obrigatoriedade de preenchimento diário do documento de controlo de utilização dos motociclos, no qual são identificados o giro e respetivos quilómetros percorridos, ficando arquivado por diversos anos.

1.21. A Requerente tem serviços de fiscalização que tornam muito difícil a utilização dos motociclos para fins pessoais, sendo certo que, verificando-se uma utilização indevida dos motociclos, existem consequências de índole disciplinar para aqueles que o façam, como já sucedeu no passado.

1.22. Os motociclos são dotados de uma caixa de carga, inamovível e apresentam os sinais identitários da Requerente.

1.23. O abastecimento dos motociclos deve ser realizado, em exclusivo, com recurso ao programa de combustível de frota, o qual identifica expressamente a viatura associada.

1.24. É obrigatório o parqueamento dos motociclos em instalações da Requerente nos CDP, onde ficam imobilizados entre o final de cada dia de trabalho e o início do dia seguinte, sendo as chaves dos motociclos entregues aos seguranças.

1.25. A estrutura diretiva da Requerente localiza-se em Lisboa, mas existe descentralização não só no território continental, como nas ilhas.

1.26. Por isso, a Requerente dispõe ainda de uma frota de Viaturas de Serviço Geral (VSG), necessárias a manter o contacto entre as suas várias estruturas organizativas existentes em todo o território nacional.

1.27. Essa frota destina-se à manutenção do contacto entre os vários pontos da organização e com clientes.

1.28.      Qualquer colaborador da Requerente pode requisitar uma Viatura de Serviço Geral, justificando o seu uso.

1.29. As Viaturas de Serviço Geral são veículos ligeiros de passageiros, por se destinarem ao transporte de pessoas e quando se deslocam a uma reunião são transportadas 3 a 4 pessoas.

1.30. Regra geral, as Viaturas de Serviço Geral estão identificadas com o logótipo da Requerente, tal só não acontece em relação a uma das funções realizadas com as aludidas viaturas, a fiscalização, em relação às quais é aconselhável que não exista essa caraterização.

1.31. Para cada uma das direções do Grupo B... é atribuída uma dotação de Viaturas de Serviço Geral, de acordo com uma organização em pool.

1.32. A atribuição de Viaturas de Serviço Geral a uma direção tem de ser fundamentada e autorizada havendo uma pessoa em cada direção encarregada de autorizar ou não.

1.33. Nas normas sobre a utilização das Viaturas de Serviço Geral constam a obrigatoriedade de parqueamento do veículo, a devolução da chave e boletim da viatura, sendo neste identificados o dia, o local de partida, o destino, os quilómetros à partida e à chegada e a hora de partida e de chegada.

1.34. No final de cada mês, o boletim de viatura é enviado a um diretor de primeira linha, tendo em vista assegurar que há uma utilização prudente e regulamentar das Viaturas de Serviço Geral.

1.35. As   Viaturas de Serviço Geral não estão alocadas ao uso de nenhum funcionário, mas ao pool de cada direção, a quem os funcionários requisitam as viaturas, sendo aleatória a atribuição de uma viatura a um funcionário.

1.36. Com periodicidade mensal, a área de Recursos Físicos e Segurança da Requerente ou do Grupo B... analisa a informação recolhida e outra informação pertinente (como extratos de “via verde”), por forma a identificar desvios, tais como a utilização das viaturas fora do horário normal de trabalho (identificado, por exemplo, com base no detalhe da via verde), consumos médios de combustíveis superiores aos expectáveis em face dos destinos das deslocações e distâncias percorridas não justificadas face aos destinos das deslocações, sendo que, caso algum desvio não seja devidamente justificado e, consequentemente, fique indiciado um uso indevido da VSG, é instaurado processo interno de inquérito, o qual pode culminar em processos disciplinares.

1.37. Naquelas hipóteses em que a Requerente pretende conferir aos seus trabalhadores a possibilidade de utilização pessoal das viaturas - Viaturas de Utilização Pessoal (VUP) - faz constar tal utilização de acordo escrito, sendo a utilização tributada na esfera dos trabalhadores.

1.38.  A Requerente no dia 27/06/2018 foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., o qual se sustentou, em síntese, nos seguintes fundamentos essenciais:

 i) “as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis” e “não servem apenas um objetivo, mas diversos, sendo de destacar dois:  - Umas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; - Outras visam penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos”;

 ii) Em concreto, no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda da receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionariam na sua ausência”;

iii) “o legislador fiscal recorre com frequência à técnica das presunções, inspiradas em regras da experiência comum, de ciência e outras para, desse modo, garantir mais eficientemente a regular e pronta perceção dos impostos e, ao mesmo tempo, minorar a evasão e a fraude fiscais”,  recurso esse que “tem de compaginar-se com a possibilidade da sua ilisão, o que é reclamado pelo princípio da igualdade”; porém, “nada do que acabámos de expor se aplica às tributações autónomas, nenhuma das referidas técnicas legislativas é usada pelo legislador no instituto das tributações autónomas”;

iv) “percorrendo o artigo 88.º do CIRC, em nenhuma parte do mesmo se verifica o estabelecimento de qualquer presunção explícita ou implícita”, inexistindo “qualquer elemento seja na letra dos normativos pertinentes sobre as tributações autónomas, seja nas finalidades a alcançar com esta forma de tributação, que habilite a concluir que se está perante normas de incidência tributária que consagrem uma presunção”;

v) “a sujeição a tributação autónoma das despesas incorridas com viaturas está para além do seu reconhecimento como gasto indispensável para a obtenção de rendimentos, pois (...) mesmo que os gastos com viaturas não sejam dedutíveis encontrar-se-ão sujeitos à incidência da tributação autónoma”, sendo que “o legislador não estabeleceu a necessidade de verificação de quaisquer requisitos (falta de carácter empresarial da despesa) para a tributação autónoma de despesas com viaturas, tendo esta que ocorrer sempre que se verifique a existência de um qualquer dos factos perfeita e taxativamente previstos na norma” e “identificou perfeitamente as situações de derrogação da aplicação da norma em causa, quando estabeleceu no n.º 6 do art. 88.º os casos que se excluíam da incidência do n.º 3”;

vi) “no caso das despesas com ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (...) o legislador visou delimitar precisamente os encargos que poderiam ser considerados dedutíveis daqueles que não poderiam alcançar tal efeito por falta de requisitos previstos na lei, apenas se sujeitando a tributação os primeiros, isto é, os considerados fiscalmente dedutíveis”, pelo que “se o legislador pretendeu, no caso das despesas em causa, tributar autonomamente apenas aquelas que fossem consideradas fiscalmente dedutíveis, não se pode aceitar como válida a tese (...) no sentido de não tributar autonomamente as despesas em que seja demonstrada a respetiva empresarialidade integral”, pois “se o legislador quis tributar autonomamente determinadas despesas dedutíveis raiaria o absurdo não sujeitá-las a esta tributação com base no argumento da sua “empresarialidade”, ou seja, da sua dedutibilidade” .

1.39. O montante da autoliquidação de IRC de 2015 foi voluntariamente pago pela Requerente no dia 31/05/2016.

1.40. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 10/09/2018.

 

2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos com a petição inicial (a seguir, PI) utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa e nos depoimentos das testemunhas. Nos seguintes termos, conforme se passa a discriminar e fundamentar especificamente, em conformidade com o disposto no art. 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi n.º 2 do art. 22.º do RJAT:

- o facto n.º 1.1 foi dado como provado com base na indicação constante do Relatório e Contas de 2015, ponto 41, junto como doc. n.º 1 à PI;

- os factos reportados sob os n.ºs 1.2 e 1.3 foram dados como provados em razão das declarações modelo 22 do Grupo Fiscal B... juntas como docs. n.ºs 2 a 6 à PI, em especial docs. 5 e 6, respetivo quadro 10, campo 365;

- os factos reportados sob os n.ºs 1.4., 1.5, 1.6., 1.7 e 1.8 foram dados como provados com base nas indicações constantes da certificação objeto do doc. n.º 9 junto à PI e nas declarações da testemunha C..., que confirmou aquelas indicações em termos que mereceram credibilidade; o depoimento desta testemunha, conjugado com os das testemunhas D... e E..., foi igualmente relevante para dar como provada a factualidade indicada nos n.ºs 1.16, 1.17, 1.18 e 1.37;

- o facto n.º 1.9 assenta na cópia carimbada da reclamação graciosa junta como doc. n.º 7 à PI;

- os factos indicados sob os n.ºs 1.10, 1.11, 1.12, 1.13, 1.14 e 1.15 consideraram-se comprovados com base nas indicações constantes do doc. n.º 10 junto à PI e nas declarações das testemunhas D... e F..., que mereceram credibilidade;

- a factualidade reportada sob os n.ºs 1.19 e 1.20 foi dada como provada com base no Manual de Procedimentos da Gestão de Frota de Ligeiros de Produção, Motociclos e Ciclomotores junto como doc. n.º 15 à PI, pelo exemplar de Boletim de Viatura junto como doc. n.º 16 e pelos depoimentos das testemunhas D... e F...;

- o facto n.º 1.21 deu-se como provado com base no depoimento da testemunha D... e ainda por constituir reconhecimento da Requerente constante do art. 97.º da PI;

- os factos 1.22, 1.23 e 1.24 julgaram-se provados pelas fotografias juntas como docs. n.ºs 12 e 14 à PI, pelo Manual de Procedimentos da Gestão de Frota de Ligeiros de Produção, Motociclos e Ciclomotores junto como doc. n.º 15 à PI e pelo depoimento testemunhal de D...;

- os factos 1.25, 1.26 e 1.27 foram julgados provados em atenção aos elementos constantes do doc. n.º 19 à PI e dos depoimentos testemunhais de E... e F...;

- os factos reportados em 1.28, 1.29, 1.30, 1.31, 1.32., 1.33, 1.34 e 1.35 foram dados como provados com base nos documentos n.ºs 20, 21, 22 e 23 juntos à PI e nos depoimentos das testemunhas E... e F...;

- a factualidade apresentada em 1.36 constitui reconhecimento de factos da Requerente, constante dos arts. 138.º e 139.º da PI, tendo sido igualmente objeto do depoimento de E...;

- a factualidade referida no n.º 1.38 resulta do doc. n.º 8 junto à PI e de fls. 194 e seguintes do procedimento administrativo da reclamação graciosa junto aos autos;

- o facto n.º 1.39 mostra-se provado pelo comprovativo do pagamento junto como doc. n.º 29 à PI;

- o facto 1.40 resulta do pertinente registo constante do sistema informático de gestão processual do CAAD.

Importa ainda destacar, nesta fundamentação da matéria de facto provada, que as respostas explicativas que constam nos n.ºs 1.20, 1.21 e 1.36 põem em evidência que, não obstante os mecanismos de fiscalização e as sanções disciplinares previstas e aplicadas, não é possível considerar que não ocorra, em caso algum, a utilização dos motociclos ou veículos para fins pessoais e que, portanto, se verifique que a utilização das viaturas seja, em termos permanentes e de modo exclusivo, para finalidades próprias da atividade empresarial da Requerente e ao seu serviço.

Isto mesmo foi declarado pelas testemunhas D... e E... que afirmaram que, muito embora o uso de veículos devesse ser apenas para fins da empresa, não era possível garantir que, pelo menos marginalmente, pudesse ocorrer um uso para fins pessoais dos trabalhadores, até porque, precisamente, se previa a possibilidade de sanções caso isso ocorresse, o que já tinha sucedido.

MATÉRIA DE DIREITO

1. Atentas as matérias acima indicadas que respeitam a encargos suportados pela Requerente (e seu Grupo Fiscal) com motociclos para distribuição postal (no montante de €140.239,59), com viaturas ligeiras de passageiros, ditas Viaturas de Serviços Geral (no montante de €144.744,95) e com compensações pelas deslocações em motociclos próprios (abonos quilométricos) aos L... pela distribuição de correio (no montante de €112.463,39), o presente processo, no que concerne ao Direito aplicável, concerne ao disposto no art. 88.º do CIRC, sobre “Taxas de tributação autónoma”, na redação aplicável ao período de tributação iniciado em 1.1.2015, que aqui está em consideração (cfr. factos provados 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7 e 1.8), a qual resultou das alterações operadas pelas Leis n.ºs 82-C/2014 e 82-D/2014, de 31.12, sendo relevantes, diretamente ou por razões de interpretação sistemática, as disposições constantes dos n.ºs 3, 5, 6, 9, 14, 17 e 18 deste art. 88.º, cujo teor é o seguinte:

“3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 25 000 e inferior a € 35 000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35 000.

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6— Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

9 — São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.

14 — As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.

17 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10 % e 17,5 %.

18 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV, as taxas referidas nas alíneas), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 7,5 %, 15 % e 27,5 %.”

Sendo estes os preceitos de cuja aplicação aos factos assentes aqui se trata, as apreciações jurídicas subsequentes reportam-se estritamente a estas normas de tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica (n.ºs 3, 5, 6, 17 e 18 do art. 88.º do CIRC) e dos encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário (n.º 9 do art. 88.º do CIRC).

Descritos os enunciados normativos em ponderação, vejamos então as questões acima identificadas sobre que cabe fazer incidir o conhecimento de meritis.

 

1. Relativamente à caracterização da tributação autónoma sobre despesas e encargos suportados com motociclos e Viaturas de Serviços Gerais e com abonos quilométricos como “presunção implícita suscetível de ser ilidida”

2. A temática das tributações autónomas em sede de IRC tem sido objeto de diversas pronúncias jurisprudenciais que incidiram sobre diversas facetas da sua configuração jurídico-dogmática, como sejam a sua qualificação em termos de IRC ou como tributação distinta, a caracterização como facto tributário instantâneo dos seus objetos de incidência para efeitos de aplicação da lei no tempo e da observância do princípio da não retroatividade, a relevância da coleta produzida por tais tributações para efeitos de dedução de diversos benefícios fiscais.

No caso sub judice, a problemática central colocada a este Tribunal, sobre a qual existem igualmente vários pronunciamentos arbitrais, ainda que com orientações diversas, prende-se com a caracterização das disposições legais dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC como normas que consagram presunções implícitas iuris tantum, suscetíveis, como tal, de ser ilididas em conformidade com o art. 73.º da LGT.

Assim, sustenta a Requerente que a tributação autónoma que incide sobre os gastos com viaturas assenta na presunção de “uma utilização promíscua, só possível, evidentemente, com a cumplicidade da empresa: misto de uso empresarial, ao serviço da empresa, e particular, ao serviço da vida pessoal e familiar do funcionário da empresa” e que a tributação autónoma sobre os abonos quilométricos aos L... que utilizam motociclos próprios na distribuição postal, na parte não sujeita a IRS, assenta na “presunção de que visariam mais do que ressarcir o funcionário dos encargos por este incorridos com a circulação do seu motociclo ao serviço da empresa”.

3. Como ponto de partida para a elucidação desta questão, cabe lembrar que, segundo a definição do art. 349.º do Cód. Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Como tal, uma presunção legal (cfr. art. 350.º do Cód. Civil) é uma inferência realizada pela lei de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido. Assim, as regras legais de presunção apresentam necessariamente na sua estrutura uma implicação entre dois factos, ou seja, estabelecem que um determinado facto conhecido implica um outro facto desconhecido (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Coimbra, 2012, p. 234).

Cite-se, também, a este respeito, sobre as presunções em matéria de incidência tributária o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014:

“As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Tratando-se de uma presunção legal, quem tem a seu favor a presunção escusa de provar o facto a que ela conduz, implicando a inversão do ónus da prova (artigos 349.º e 350.º do Código Civil). A presunção é por isso um meio de prova, cabendo à parte fazer a prova do facto conhecido (base da presunção) para dele permitir inferir o facto desconhecido (facto presumido). O reconhecimento do facto que se extrai da inferência só pode ser posto em causa através da prova em contrário, se a lei a admitir.

As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, quando são reveladas pelo uso da expressão «presume-se» ou de expressão de idêntico significado, mas podem também resultar implicitamente do enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo”.

Nesta sequência, destaque-se, então, que, como princípio, as presunções legais podem ser ilididas mediante a prova do contrário (n.º 2 do art. 350.º do Cód. Civil), ou seja, prova de que o facto presumido não é verdadeiro, portanto, prova do facto contrário ao presumido (art. 347.º do Código Civil), cabendo essa exigente prova a quem não tem a seu favor a presunção legal (art. 344.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que, quem tem a seu favor a presunção, “escusa de provar o facto” a que conduz a presunção, bastando-lhe, simplesmente, provar o facto base.

A talhe de foice, sem prejuízo do que a seguir se analisa, aproveite-se para dizer que, atenta a matéria de facto acima dada como provada, não resultou demonstrada a factualidade contrária aos invocados factos presumidos que consistiria, na visão da Requerente, nos usos ou natureza exclusivamente empresariais dos gastos com viaturas e com abonos quilométricos sobre que incidiram as tributações autónomas aqui sindicadas.

4. Mas proceda-se, então, tendo presente a caracterização acima dada de presunção legal, ao exame das disposições legais aqui relevantes do art. 88.º do CIRC, no seu enunciado, conteúdo e razão de ser.

Conforme se explicita no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, “a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”.

Assim, como se observa do teor dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC, as tributações autónomas caracterizam-se por incidirem sobre encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos e sobre encargos dedutíveis relativos à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, que constituem, assim, enquanto gastos, factos tributários autónomos cuja verificação implica a liquidação do imposto aplicável nos termos decorrentes das taxas relativas às pertinentes matérias coletáveis consistentes nos montantes dos encargos efetuados ou suportados – para citar novamente o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, “[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa”.

O mecanismo da tributação autónoma que resulta dos enunciados normativos em apreço traduz-se, pois, simplesmente na associação à suportação material de certas despesas por parte do sujeito passivo, o que consubstancia a realização da competente previsão de incidência tributária, da consequência jurídica da obrigação de pagamento de um imposto, mediante aplicação da taxa competente à matéria coletável apurada, assim se concretizando a respetiva estatuição.

Neste mecanismo não se descortina qualquer condição de aplicação da norma que se prenda com a demonstração, por inferência, de outro facto que não seja a própria realização da despesa.

Ora, as normas legais de presunção, como se dirigem a estabelecer uma verdade pragmática ou processual, envolvem, no seu conteúdo, uma imposição, tipicamente dirigida ao julgador, de dar como provado um certo facto com base na realização do facto base. A conformação normativa de uma presunção legal (iuris tantum) envolve, assim, três elementos: um facto base, um facto presumido e o nexo pelo qual se impõe dar como conhecido o facto presumido com base na demonstração do facto base, exceto quando se fizer prova do contrário. Nas presunções legais, explícitas ou implícitas, a estrutura normativa envolve uma afirmação de facto pelo legislador que vai dirigida a conexionar outro facto, em ordem, claro está, à aplicação final de um certo regime jurídico (vd., exemplarmente, o n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS, segundo o qual: “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”).

Justamente, nas previsões dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC não se estabelece qualquer dever de dar como provada uma certa factualidade – o dever de presumir que é típico das presunções legais – mas simplesmente, como referido, estabelece-se a consequência jurídica da sujeição a imposto perante a verificação de um certo facto tributário, a realização da despesa legalmente prevista.

Este funcionamento normativo alheio a qualquer esquema presuntivo fica ainda bem evidenciado por as facti species legais da tributação autónoma aqui em causa se moldarem especificamente em atenção à natureza, finalidade ou mesmo ao regime dos veículos a que respeitam os encargos – assim, mostram-se excluídos os “veículos movidos exclusivamente a energia elétrica” (n.º 3 do art. 88.º do CIRC), as “viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo” (al. a) do n.º 6 do mesmo artigo) e as “viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS” (al. b) do n.º 6 do mesmo artigo) – bem como por se estabelecerem taxas diferenciadas com base em critérios e características materiais que são atinentes ao custo de aquisição dos bens (n.º 3 do art. 88.º do CIRC) e à natureza dos veículos, como sejam viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV (cfr. n.ºs 17 e 18 do art. 88.º do CIRC). Também no que concerne aos encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, a que se reporta o n.º 9 do art. 88.º do CIRC, a incidência da tributação autónoma determina-se pelas características da realidade tributária, a saber, encargos dedutíveis, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

Acresce ainda para a evidenciação do mecanismo objetivo e incondicionado de aplicação da tributação autónoma o facto de as taxas de tributação autónoma serem elevadas em 10 pontos percentuais relativamente aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem os factos tributários competentes relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC (n.º 14 do art. 88.º do CIRC)

Em suma, as normas de incidência em apreço não assentam na demonstração, por inferência de outros factos, de certos factos presumidos, que possam ser afastados na base de prova em contrário, mas operam objetivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, pelo que, verificando-se a sua realização material, cabe a tributação autónoma às taxas aplicáveis.

Adite-se, já agora, que, pelos mesmos motivos, também está fora de causa divisar em tais preceitos uma ficção legal, ou seja, a “assimilação fictícia de realidades factuais diferentes, para efeito de as sujeitar ao mesmo regime jurídico” (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 2014, p. 108), já que, como esclarece TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pp. 235-236, “[a]através das ficções legais o legislador ficciona que duas realidades distintas são idênticas, ou seja, o legislador equipara uma realidade a outra realidade para permitir a aplicação a ambas da regra que regula uma destas realidades”, o que deve distinguir-se claramente das presunções mesmo inilidíveis, porquanto “as ficções legais baseiam-se numa relação de equiparação entre realidades distintas; as presunções inilidíveis fundamentam-se numa relação de implicação entre um facto conhecido e um facto presumido”. 

 

5. Os enunciados normativos assim descritos evidenciam, ainda, que não é possível sustentar que se trata unicamente, com tais dispositivos, de contrariar uma dita “empresarialidade parcial” presumida, que constituiria a ratio destas tributações autónomas.

Com efeito, a hierarquização das taxas aplicáveis e mesmo a exclusão de tributação que é realizada entre viaturas com combustíveis fósseis comuns, GPL ou GNV, híbridas plug-in e elétricas, revela um claro propósito extra-fiscal, de preocupação ambiental, com o desincentivo da aquisição e gastos com veículos de maior impacto poluidor.

Deste modo, a ratio que ilumina estas tributações autónomas é complexa e múltipla, podendo aferir-se nos seguintes elementos, que devem ser considerados conjugadamente:

- prevenir, por razões de cobrança de receita fiscal, que, mediante a assunção ilimitada de encargos, seja afetada a receita respeitante à tributação do lucro tributável;

- desincentivar, por razões de política extra-fiscal, certas despesas que, pela sua natureza ou finalidade, são reputadas socialmente inconvenientes, gerando externalidades negativas (impostos pigouvianos);

- contrariar ex ante a realização de despesas que, pela sua consistência própria, podem ser desviadas para consumos não empresariais ou estão normalmente ligadas a comportamentos evasivos ou mesmo fraudulentos.

Pode-se, pois, dizer, como se observa, por exemplo, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 641/2017-T, o seguinte: “A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efetuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afetam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas”.

6. Diga-se ainda, para cabal esclarecimento desta questão, que se afigura que, na base desta leitura das disposições do art. 88.º do CIRC como presunções implícitas suscetíveis de ilisão, ao abrigo do art. 73.º da LGT, reside uma inaceitável confusão metodológica entre normas que estabelecem presunções (normas de presunção, presunções legais em sentido próprio) e normas baseadas numa presunção (que não consagram uma presunção suscetível de prova em contrário).

 Vale a pena citar, a este respeito, o trecho, muito esclarecedor, de JOSEP AGUILÓ REGLA, Las presunciones en el Derecho in Anuario de Filosofía del Derecho, t. XXXIV (2018), p. 222 (tradução nossa):

“Existem normas (muitíssimas normas) que não são normas de presunção, isto é, que não estão formuladas (nem se ganharia nada formulando-as) com um “se presumirá ou deve presumir-se” e que, não obstante, bem pode dizer-se que estão baseadas num (ou que a elas subjaz um) “é presumível” teórico. Ou seja, o legislador fez uma presunção, mas não ditou uma norma de presunção. Pense-se, por exemplo, na norma que estabelece que a maioridade se alcança aos 18 anos, Ninguém diria, parece, que se trata de uma norma de presunção; porém, provavelmente todo o mundo aceitaria que a ela subjaz um “é presumível” teórico. Esta norma é explicável a partir da combinação de um “é presumível” teórico e de um juízo de valor; isto é, da aceitação combinada de um enunciado de presunção teórico do tipo “quando uma pessoa fez 18 anos é presumível que tenha alcançado um certo grau de desenvolvimento intelectual e moral” e de um juízo de valor que considera que esse grau é suficiente para adquirir o estatuto jurídico de maioridade. Existem, como disse, muitíssimas normas, tanto constitutivas como regulativas, que são explicáveis a partir da aceitação combinado por parte do legislador de um “é presumível” teórico e de um determinado juízo de valor. Se, como consequência disso, passarmos a considerar que todas estas normas são normas de presunção, resultaria que esta noção ficaria totalmente imprecisa pois na prática a totalidade das normas jurídicas passariam a ser normas de presunção. A noção de norma de presunção deixaria de ser teoricamente relevante. Assim, uma coisa é uma “norma de presunção” (que obriga a presumir) e outra muito distinta “uma norma baseada numa presunção” (que não obriga a presumir).”.

Na verdade, uma presunção pode ser apenas a tela de fundo de uma regra enquanto motivo que levou à formulação de uma certa facti species legal, caso em que se depara com uma “presunção motivadora” (motivatorischen Vermutung), que se distingue inteiramente de uma regra de presunção, que é uma regra probatória (vd. JOACHIM VOGEL, Los limites constitucionales a las presunciones del derecho penal económico alemán in Luis Arroyo Zapatero/ TIEDEMANN, Klaus (ed.) Estudios de derecho penal económico, Cuenca, pp. pp. 44 e 50 segs.).

 

 Justamente, não se pode confundir o que são razões de política legislativa com o instrumento técnico-jurídico das presunções legais em sentido próprio, como devidamente se dá conta no já citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014. Mas cite-se ainda o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2016, cuja orientação, ainda que a outro propósito (o n.º 3 do art. 31.º do EBF), pode perfeitamente, mutatis mutandis, transpor-se para o presente caso:

“Também aqui a norma não funciona como meio de prova de qualquer facto, ainda que a evitação de uma hipotética fraude possa ter sido a razão de política legislativa que levou o legislador a limitar a aplicação do benefício nos termos já assinalados. Daí que, nos presentes autos, devamos igualmente concluir pela não verificação de uma presunção em sentido próprio.

A conclusão acabada de tirar serve, também, para olhar à devida luz o fim visado pela Recorrente que, em substância, não passa por contrariar uma presunção de fraude. Precisamente porque não há qualquer facto presumido, a Recorrente nada tem a (ou pode) contrariar e, nessa medida, não pode afirmar-se limitada na demonstração da realidade. Pelo contrário, a induzida confusão entre factos presumidos e razões de política legislativa levaria a Recorrente – se a sua tese vingasse – a, substituindo-se ao legislador, transformar essas razões ou motivações em verdadeiros critérios legais, assim logrando modificar o âmbito objetivo de aplicação do benefício fiscal, contra o sentido e os termos da lei que o previu e para além da vontade do legislador, finalidade a que, face a tudo o exposto, não pode ser dada cobertura”.

7. Nestes termos, as disposições legais que estabelecem tributações autónomas objeto dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC, aqui em ponderação, constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção cuja prova em contrário deva ser admitida.

Excluída, pois, a configuração da normatividade dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC como presunção implícita, fica, naturalmente, afastada a questão da sua ilisão ao abrigo do art. 73.º da LGT mediante a comprovação do facto contrário, o que, como se disse, de qualquer modo, também não se verificou, dada a factualidade tida como provada.

2. Questões de inconstitucionalidade

8. É suscitado ainda pela Requerente a questão da inconstitucionalidade da interpretação do art. 88.º, n.º 3 do CIRC no sentido de não ser ilidível a presunção implícita de empresarialidade apenas parcial das despesas e encargos (presunção-ficção), por violação do princípio da igualdade, que manda tratar o desigual desigualmente (salvo impraticabilidade, o que alega não ser o caso) e, por isso, do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual, o que é impedido por ficções, o que se traduziria na violação dos arts. 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2 e 3, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 da CRP.

Consabidamente, compete ao Tribunal a apreciação de todas as questões suscitadas que, por respeitarem aos elementos da lide, determinados em razão da pretensão ou das pretensões formuladas e da causa ou causas de pedir aduzidas, bem como das eventuais exceções invocadas em sede de defesa, são relevantes para a resolução do objeto litigioso, exceto quando o seu conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras questões (art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 21.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

Precisamente, a questão suscitada quanto à desconformidade com a Constituição das previsões acima dissecadas na medida em que se configurem nelas presunções inilidíveis ou mesmo ficções legais, fica prejudicada em atenção à solução acima exposta de que não se trata nas disposições legais do art. 88.º do CIRC de normas de presunção ou de ficção.

Do mesmo modo, atenta a solução exposta, fica prejudicada a questão levantada pela Requerida da inconstitucionalidade da interpretação do art. 88.º como presunção implícita ilidível.

9. De qualquer modo, recorde-se que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar especificamente sobre a conformidade constitucional das tributações autónomas em sede de IRC no já várias vezes referido acórdão n.º 197/2016, no qual assinalou, em termos que se podem aplicar ao caso sub judice, que a tributação autónoma:

- não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva, já que o “IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC (...) o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso”, pelo que “a tributação autónoma não interfere no método destinado a determinar os resultados empresariais, nem implica que a matéria coletável que servirá base à tributação em IRC passe a incluir lucros ou rendimentos que a empresa não tenha efetivamente auferido”;

- não põe em causa o princípio da capacidade contributiva, porquanto a “despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa”;

- “a medida não é arbitrária e encontra fundamento material bastante na finalidade de desincentivar as empresas a realizar despesas (...) que, sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal”;

- relativamente à adequação do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei, sendo certo que “o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida”, verifica-se que “objetivamente, a norma em causa atinge o objetivo a que o legislador se propôs, sendo inteiramente irrelevante que a mesma finalidade pudesse ser alcançada por uma outra via, tendo em conta que a escolha dos meios destinados a obter um certo efeito de política fiscal se enquadra na margem de livre conformação legislativa”;

-  não se vê como “a simples tributação autónoma de despesas das empresas no estrito quadro do sistema fiscal, visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado, põe em causa a garantia institucional do setor privado, e de que modo é que essa medida fiscal pode representar uma intervenção indevida do Estado na gestão das empresas privadas” pois ao “tributar essas despesas o Estado não está a criar qualquer obstáculo à liberdade de organização e de gestão empresarial, mas a realizar o objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se traduz na obtenção de receitas para financiar as despesas públicas”.

 

10. Termos em que se entende que os actos impugnados nos autos, respeitantes à tributação autónoma sobre os encargos aqui sindicada, não padecem dos vícios de violação de lei que lhe são assacados, pelo que improcede o pedido da Requerente, sendo de manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa impugnada.

 

3. Direito ao reembolso e a juros indemnizatórios

 

11. Em face do exposto, tendo-se julgado improcedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa impugnada, ficam necessariamente prejudicados os restantes pedidos de devolução das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

                a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2015, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de autoliquidação;

 

                b) Julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 397 447, 93 euros, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerente, no montante de 6426 euros, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de maio 2019

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Árbitro Presidente)

 

Francisco Nicolau Domingos

(Árbitro Vogal)

 

João Menezes Leitão

(Árbitro Vogal)